Capítulo 02 - Vovô é um problema...mais do que ele imaginava!

– Desculpe! - repetiam os três caras, de joelhos e implorando perdão na frente de Lien - Só recebemos ordens de dar um susto no garoto...só isso!

– É...é bem a cara do meu avô mesmo - murmurou Lien, com uma expressão de reprovação. André ouvia a tudo sem entender muito bem.

– P-Peraí...alguém pode me explicar o que está havendo? - perguntou André, cada vez mais confuso - Esses caras me atacam do nada e agora você vem me dizer que foi o seu avô que mandou e....

– Sinto muito, André. Não queria que você passasse por isso. É que...o meu avô tem um sério problema com todos os rapazes que eu converso.

– Por quê?

– Bem, o Senhor Wong é... - mas Lien interrompe a fala do capanga.

– Eu já estou cansada disso tudo. Não é a primeira vez que isso acontece - falou a garota com uma cara furiosa - O vovô não pode decidir essas coisas por mim!

– Mas, senhorita Wong, seu avô... - tenta argumentar um dos outros atacantes, mas Lien não estava ouvindo.

– Não quero saber..acho que já chegou a hora de ter uma conversa séria com o meu avô.

– Senhorita Wong, a senhorita vai mesmo...

– Vou sim! André, você vem comigo!

– E-Eu? - gagueja o pobre rapaz sem saber onde estava se metendo. Se o avô dela era tão rigoroso assim, passar pela aprovação dele seria extremamente difícil. Claro que foi motivo para ele ficar nervoso, mas Lien parecia decidida a enfrentar o próprio avô.

– Vamos lá. E vocês vem com a gente - disse ela, agarrando um dos caras pela gola, levantando-o bastante facilmente. De fato, era uma garota bem forte. André ainda não conhecia esse lado dela e ainda estava espantado com a performance marcial que ela deu alguns instantes atrás. É. Nessas horas é melhor não contrariá-la.

– Ei, ei! - chama um dos funcionários do estabelecimento - Quem vai pagar pelo prejuízo aqui, heim?

Todos olham para a bagunça que o café ficou após a luta. André engole seco, mas Lien parecia manter a calma.

– Mande a conta para esse endereço - respondeu Lien, anotando algumas coisas em um pedaço de papel - É a academia do meu avô. E é para lá que nós estamos indo.

Lien estava decidida e antes que André se desse conta já havia descido da van dos alunos da academia e estava diante de uma enorme casa com um jardim muito bem cuidado. Ficava em um bairro distante do centro da cidade, aliás, para chegar lá era preciso pegar um trecho de estrada longo e entrar em um região praticamente rural. Não chegava a ser grande como uma chácara, mas chegava bem perto de uma com um jardim daquele tamanho. A arquitetura da casa era chinesa e tinha até um riacho passando pelo jardim.

– I-Isso é uma academia? - perguntou André.

– É meio longe, né? - comentou Lien - De ônibus dá para chegar do centro até aqui em uma hora, se não tiver trânsito.

– É muito longe! Ele consegue alunos aqui?

– Ele já deu aula de kung-fu em vários lugares. Apenas os alunos mais graduados vem para cá

– Na verdade, por enquanto só nós três treinamos aqui - respondeu um dos alunos que acompanhavam o casal.

"E mesmo assim a Lien derrotou todos tão facilmente? Ela é mais forte do que pensei!", pensou André, realmente impressionado.

Os cinco entram na casa e Lien segue na frente. Assim que se entra pela porta da frente, vê-se um enorme e espaçoso salão. Sem dúvida, era o espaço de treino. André caminha admirando o cenário, quando, de repente, Lien pressente alguma coisa.

– Cuidado! - ela empurra André que cai desajeitadamente no chão. A figura que o atacou simplesmente rola no ar e cai de pé na frente deles. Era um senhor baixinho, magro, com bigodes e de olhos orientais. Só podia ser o avô da Lien.

– Ora, ora, que guarda baixa. Poderia tê-lo matado, heim, rapaz? - falou o velhinho, colocando as mãos para trás e gargalhando.

– Vovô! O que o senhor está fazendo?

– Oh, você está aí, Lien? Como vai? Seus pais estão bem?

– Oh, sim, estão bem. Vamos visitá-lo esse fim de semana - respondeu a garota, toda simpática - Mas não mude de assunto! - ela volta a ficar brava - Por que mandou seus alunos atacarem o pobre do André?

– Não pretendia machucá-lo...só assustá-lo. Na última vez, o garoto saiu correndo só de ter visto os rapazes, lembra?

– Oh, sim, eu lembro - disse Lien - Mas aquele cara era um chato mesmo, então até agradeci.

– Viu só? Tudo que faço é pelo seu bem.

– Mas o André é diferente! Eu...eu gosto dele!

André se levanta e fica vermelho ao ouvir isso.

– L-Lien...é sério isso?

– S-Sim - gagueja a garota, meio tímida - Eu...também gostei de você. Eu...eu também quero continuar saindo com você.

– Sério?! Sério mesmo? - diz o garoto, correndo para pegar na mão de Lien, mas o velhinho consegue arremessar o pobre André antes que ele falasse mais alguma coisa.

– Mais respeito com a minha neta, moleque! Não pegue nela assim.

– Vovô! - bronqueou Lien - Ele só pegou na minha mão!

– Heh...começa assim - resmungou o ancião, enquanto André ainda tentava se recuperar do arremesso.

– Já estou cansada disso! O senhor sempre se mete nos meus relacionamentos! Desse jeito eu vou morrer solteira!

– Oh, não, isso não vai acontecer - respondeu o avô - Você está destinada a um rapaz forte, capaz de herdar minha academia

– De novo com isso - reclamou Lien.

– Um rapaz...forte? - repetiu André, agora de pé. Pelo menos ele se recuperava rápido.

– Meu avô tem essa mania - falou a garota - Só quer me deixar casar com alguém realmente forte.

– E até agora não apareceu ninguém. Tsc, tsc.

– O que significa alguém realmente forte para o senhor? - perguntou André.

– Alguém que, no mínimo, consiga derrotar os meus alunos! Mas nem eles são fortes o bastante para se casar com a minha neta

Os três alunos se entreolham tímidos. Lien faz uma cara de nojo.

– Não me casaria com eles nem se fossem os mais fortes do Universo! - reclamou a garota.

– Que seja, mas precisa se casar com alguém capaz de levar adiante essa academia - continuou o velhinho - Só tive a sua mãe e ela não teve nenhum interesse em artes marciais. Você é a minha única neta e minha última esperança. Precisa arranjar alguém capaz de levar essa academia adiante.

– Vovô! Eu já falei que tomarei conta da academia quando crescer! Que diferença faz com quem irei me casar?

– Mas você...é uma mulher, Lien! Não via inspirar confiança!

– Isso é machismo, vovô. Por que não posso tomar conta de uma academia de artes marciais?

– Não sou eu que sou machista. A sociedade é que é! Ninguém vem aprender kung-fu com uma garota!

– Que absurdo! - reclamou Lien - Eu já derroto todos os seus alunos sem problemas. Quem melhor do que eu para cuidar dessa academia?

– Não vou mudar de opinião - retrucou o velho senhor Wong, mantendo firme suas convicções - Preciso de um genro que seja capaz de herdar minha academia. Não posso deixar um projeto vivo há várias gerações morrer assim. A academia Wong começou com o meu bisavô, que já treinava artes marciais na China. Depois disso, eu a trouxe para esse país com enorme dificuldade e o projeto continuou vivo até hoje. Tantos anos de tradição não podem ser jogados no lixo assim!

– Não vão ser jogados no lixo! Eu vou tocar o projeto adiante, vovô! O senhor sabe!

– Mas você não entende, Lien! - o senhor Wong parecia irredutível, mas André começou a pensar na situação. Lien era herdeira de uma academia de artes marciais, mas o avô dela queria um genro realmente forte para tocar o projeto. Claro que não deixava de ser machista, mas se esse era o problema, André não poderia deixar se abalar apenas por isso. Não, claro que não. Ele havia começado aulas de karatê na semana anterior e começado a tomar gosto pelas artes marciais. Embora não tivesse comentado nada com os próprios pais, administrar uma academia poderia ser um trabalho interessante. Bem, na verdade ele não tinha ideia do que fazer da vida, mas seja lá o que fosse fazer, queria fazer isso ao lado de Lien. Sim. Ele gostava mesmo dela. Precisava ter a coragem de admitir isso.

– Senhor Wong! - gritou André - Por favor, me escute!

– Hã? - o velho lutador olha para o rapaz - O que você quer, garoto?

– Bem, não fui forte o bastante para derrotar seus alunos, mas comecei a fazer karatê semana passada. Tenho bastante interesse em artes marciais!

– Olhando por esse lado - comenta um dos alunos de Wong - Ele até que conseguiu desviar um pouco dos nossos golpes.

– É verdade, temos que dar um crédito a ele - resmungou outro - Os outros que enfrentamos simplesmente sairam correndo assim que chegamos.

– Hmmm...é verdade. Dos outros três namorados da Lien, você foi o único que não fugiu.

– Eu nunca tive namorado. Eles fugiam antes que pudessem me pedir em namoro - retrucou a garota.

– Mas eu não vou fugir! - disse André - Sei que não sou forte agora, mas posso me tornar forte. Gostaria de aprender kung-fu!

– Como é? - perguntou o velhinho - Está disposto a treinar para se casar com a minha neta?

– André! Você não precisa fazer isso contra a sua vontade! - reclama Lien - O meu avô é que precisa parar de se meter na minha vida assim

– Não, não é contra a minha vontade - falou André - Eu realmente quero me tornar forte...hoje, quando vi você lutando, Lien, vi o quanto sou fraco...e ainda me achava por ter sido elogiado nas primeiras aulas de karatê. Eu preciso de muito mais treino. E além disso...além disso, eu gosto muito de você, Lien! Não quero desistir de você assim! Se existe alguém que quer se casar com você, sou eu!

Lien fica vermelha com essa declaração. Também correspondia ao amor do garoto. Ele era gentil e tinha olhos de uma pessoa esforçada. Se queria mesmo fazer aquilo, não tinha porque impedir.

– Snif! Que lindo - choramingou um dos alunos, antes de receber uma cotovelada do colega.

– Comovente - comentou o avô de Lien - Mas qual é a sua idade, rapaz? Aliás, qual é o seu nome mesmo?

– André Cairo. Dezesseis anos.

– Dezesseis anos? - repete o senhor Wong, coçando a cabeça - Ensinar truques novos para cães velhos pode ser um desafio...

– Mas eu juro que vou me esforçar! Se...se o senhor me treinar.

– É...gosto de desafios - falou o avô, esboçando um sorriso - Como a sua força me interessa, não cobrarei pelos treinos, mas acha que consegue conciliar a escola, seus treinos de karatê e seus treinos comigo?

– Vai ser difícil..mas posso tentar!

– André...você sabe mesmo onde está se metendo? - perguntou Lien - O meu avô é rigoroso até mesmo com alunos iniciantes.

– Não quero que peguem leve comigo - retrucou ele - Só posso me tornar forte treinando!

– Ei, gostei desse garoto - disse Mauro, um dos alunos - Acho que vamos colher um bom fruto se plantarmos essa semente.

– Mas não pense que será fácil. Não mesmo - completou outro aluno.

– Vou treinar duramente - repetiu André - Não desistirei da Lien tão facilmente assim!

Lien volta a ficar vermelha, e, embora estivesse preocupada, achou a atitude do rapaz bastante corajosa.

– André, eu...

– Então podemos começar - diz o avô, interrompendo o olhar apaixonado dos dois.

– Como? Mas já?

– Você não disse que quer se tornar forte? Não podemos perder tempo.

– Esse é o mestre Wong! - falou um dos alunos - Não dá moleza pra ninguém!

– Tem uma roupa especial de treino lá dentro. Vista e se prepare para o aquecimento. Irei ensinar as técnicas básicas de kung-fu agora. Não se preocupe. Lien e os outros estarão aqui para ajudá-lo.

"Ele...ele é mesmo rigoroso", pensou André, "Mas pelo menos concordou em me treinar"

"André...será que você vai aguentar?", pensou Lien.

"Hehe. Moleque tolo. É muito arrogante em achar que pode se tornar forte do dia para a noite e ainda achar que consegue dominar duas artes marciais ao mesmo tempo", pensou o senhor Wong, "Farei você desistir dessa ideia tola em menos de uma semana!"

O treinamento não será nada fácil. Será que André conseguirá passar por isso? Como ele poderá dar conta de uma rotina tão rígida? Essa história está só no começo...