Capítulo 113 - O Noivo de Kéfera

O dia começou com momentos de tensão para Lien Wong e quando dizemos momento de tensão estamos falando de atraso. Sim, ela estava atrasada e corria desesperada pelas ruas, com toda a agilidade que seu treinamento no estilo Shaolin do Norte da família Wong permitia.

– Ai, droga! Que dia para ter esquecido de programar o despertador! - reclamou ela - Não devia ter assistido TV até tão tarde, senão até podia ter acordado sozinha.

Ela corria e saltava pelas muretas até que, de repente, uma garota loira bastante conhecida apareceu na frente de uma Lien bem apressada.

– Aaah! - Lien e Kéfera gritaram juntas antes, mas a trombada foi inevitável. Mochilas jogadas no chão, cada uma se levantava, lamentando o ocorrido.

– Desculpe - disseram em uníssono.

– Kéfera? - perguntou Lien, enquanto massageava a própria cabeça após a colisão - Ué? O que está fazendo indo a pé para a escola? Não tem motorista hoje?

Lembramos que Kéfera é rica o suficiente para ter seu próprio motorista particular.

– Ah, oi Lien - disse ela - É que...na verdade...eu saí de casa bem mais cedo.

– Saiu de casa mais cedo? Você se perdeu? Já tá quase na hora da aula...estamos super atrasadas.

– É que...eu não vou pra escola hoje - disse a loirinha.

– Como? - estranhou Lien - Matando aula? Justo você que é tão certinha? O que aconteceu?

– É...uma história complicada - falou ela, em voz baixa - Você pode falar para o pessoal da minha sala que eu faltei porque tô doente?

– E ainda quer mentir? Espera Kéfera...o que tá havendo? Vai, pode contar.

– É complicado e você tá atrasada. Outro dia eu explico e..

Mas antes que Kéfera pudesse falar alguma coisa, um enorme e luxuoso carro passa nas proximidades e para ao lado das meninas. O vidro da parte traseira do carro abaixou e revelou o rosto de um rapaz.

– Não acredito! É você mesma? - disse o garoto, um jovem de cabelos bem penteados, com uma roupa de marca (certamente muito cara), além de um óculos escuros que também devia ser de alto custo.

– Oh, droga - reclamou Kéfera - Já era....meu plano já era.

– Ei, alguém pode me falar o que está havendo? - pediu Lien.

– Kéfera, minha querida - disse o jovem, saindo do carro na mesma hora - Só pode ser você.

Ele sacou um celular de última geração e passou pelas fotos que tinha, revelando finalmente uma foto de Kéfera.

– Faz tanto tempo que não venho para este país, mas você não mudou nada nos últimos anos. Puxa vida. Não te vejo desde que viajei para os Estados Unidos para concluir meu ensino médio...mas agora que me formei e iniciei minha faculdade, finalmente tirei um tempo para vir te ver.

– Quem é esse cara, Kéfera? - perguntou Lien.

– Ele é..

– Sou o noivo dela - disse o rapaz - Pode me chamar de George Monteiro de Albuquerque. Não vejo Kéfera desde que viajei para os Estados Unidos para concluir meu ensino médi

– Jorge? - perguntou Lien.

– Não. George. Com "G" mesmo. Da família dos Albuquerques. Já ouviu falar, não? Aposto que sim

– Nunca ouvi falar - respondeu Lien.

– Bom, não tenho culpa se você é alienada sobre as famílias mais nobres dessa cidade - disse George.

– Como é que é? - Lien já havia começado a ficar nervosa, mas George simplesmente a ignorou, voltando seus olhares para Kéfera.

– Puxa...esperei tanto essa época para voltar a vê-la.

– Você nunca me disse que tinha um noivo - disse Lien.

– Não é meu noivo! - retrucou Kéfera - Isso é coisa dos meus pais...que "acharam" esse cara um bom partido para mim.

– Mas somos feitos um para o outro, não? Os Maiglockchen e os Albuquerque são as famílias de maior influência na região. Unidos, dominaremos todos os negócios!

– Eu não quero dominar nada - disse Kéfera.

– Seremos as pessoas mais felizes do mundo - continuou George - Basta nos casarmos!

– Casar? Mas eu sou muito nova para casar - disse ela.

– Do que tem medo, Kéfera? Existe algum partido melhor do que eu? - perguntou ele.

"Cada um tem o Álvaro que merece", pensou Lien.

– Escuta, é claro que eu quero me casar algum dia - disse a loirinha - Mas não é com você e nem agora.

– Por que resiste tanto? Eu te fiz alguma coisa?

– Não, mas...ainda quero terminar meus estudos.

– Pode terminar de estudar na Europa ou nos Estados Unidos...e ainda te encaminhamos para as melhores universidades do mundo!

– Não é só isso...eu...eu..

– Ei, deixa ela em paz - disse Lien - Não tá vendo que ela não quer nada com você?

– E você seria?

– Sou só uma amiga dela - respondeu a chinesinha.

– Colocando ideias pobres na cabeça da minha linda Kéfera - disse George, enquanto abraçava a loirinha - Devia escolher melhor suas amizades, Kéfera.

– Não! Você tá enganado! Ela é uma ótima amiga! Você..você que se intromete na minha vida e...ops, desculpa, não quis gritar.

"Ela é muito tímida quando não está lutando", pensou Lien.

– Você é mesmo muito boa, minha amada Kéfera - disse George - Certamente seremos um lindo casal.

– Você é parente do Álvaro? - perguntou Lien.

– Não sei de quem está falando - concluiu George - Tudo que quero é retornar para os Estados Unidos com minha noiva.

– Eu não quero - disse ele.

– Tudo que precisamos fazer é nos casar no cartório. Depois avisamos nossos pais e providenciamos uma cerimônia.

"O que esse cara tem na cabeça?", perguntou-se Lien.

– Vamos, Kéfera - disse ele - Vamos ser felizes e..

– Já entendi sua situação - falou Lien - Corre!

A chinesinha agarrou Kéfera pelo braço e saiu em disparada, deixando George comendo poeira.

– E..ei - reclamou o riquinho, pasmo com a ação - Vamos atrás delas!

– Infelizmente...elas correram na contra-mão da rua, senhor - disse o motorista.

– Oh, droga! As leis de trânsito estão contra mim - reclamou ele - Mas não tem problema...ela ainda terá que voltar para casa, não?

– Talvez ela tenha fugido de casa, senhor - comentou o motorista.

– Essa cidade não é tão grande assim - falou George - Ela deve estar em algum lugar.

– Na verdade, a cidade é bem grande, senhor - comentou novamente o motorista.

Enquanto isso, Lien e Kéfera continuavam fugindo, saltando pelos muros e telhados, aproveitando das vantagens de serem ótimas artistas marciais, até, finalmente, entrarem nos muros da escola.

– Ufa. Acho que podemos parar - disse Lien.

– Obrigada por me livrar do George - agradeceu Kéfera - Mas...por que viemos para a escola?

– Ele vai achar que estamos nos escondendo em algum canto na cidade, nunca suspeitaria de que estamos no colégio.

– É...faz sentido.

– Nossa. Que azar o seu ficar na mira de um babaca daqueles.

– Você entende minha situação, não entende?

Sim, entendia. Afinal, ela era sempre alvo do assédio de um certo tenista.

– De qualquer forma...me conta essa história direitinho - falou Lien.

– Bom...

E ela contou. Não só para Lien, como para Alex e André na hora do intervalo.

– Ah, então foi por isso que vocês chegaram atrasadas hoje - disse André.

– Sim - falou Kéfera - Ele é filho de um grande amigo da família. Minha família gostaria que eu casasse com ele para melhorar os negócios, mas não me obrigam. Só que ele quer porque quer casar comigo agora! Mas eu não quero! Quero estudar e treinar antes de engatar num compromisso desses!

– Bom, pelo menos o cara também é rico - comentou Alex.

– Tá ajudando muito, Alex - disse Lien.

– Mas se ele quer tanto casar com a Kéfera mesmo sendo tão rico é porque gosta mesmo dela - comentou André - Ele podia ter a mulher que quisesse com tanta grana.

– Sim - disse Alex - Esse é o ponto. Ele deve estar mesmo gamado em você.

– Puxa...eu não queria magoá-lo, mas não quero me casar.

– E não vai se não quiser - disse Lien - É só dar um fora nele!

– Mas...como posso falar isso sem ferir os sentimentos dele?

– Achei que toda mulher soubesse como fazer isso - falou Alex, apenas para levar uma cotovelada de Lien.

– Olha o recalque - reclamou a namorada de André.

– Mas é verdade. Mulheres são cruéis!

– Como se vocês homens fossem muito santinhos.

– Bom, mas a Kéfera ainda tem tempo pra pensar, né? - disse André - Afinal, o tal George não sabe que você veio para a escola.

Foi apenas André acabar de falar isso que um helicóptero começou a sobrevoar o pátio da escola.

– Nossa! Que barulho é esse! - estranhou Lien.

– Tá no pátio. Vamos lá ver o que é - disse Alex.

Os quatro foram para o pátio, onde avistaram o helicóptero. Lien se aproximou de sua colega de sala Betina para saber o que está havendo.

– Tina? O que é isso?

– Sei lá. O cara surgiu de repente - disse a garota.

Logo Kéfera avistou George de longe.

– Kéfera Maiglockchen! - disse ele, com a porta do helicóptero aberta - Você está aí, não está?

– O que é isso? A Kéfera tá sendo procurada pela polícia? - perguntou Betina.

– Deixa de bobagem! - retrucou Lien - Quando a Kéfera cometeria um crime?

– Então..

– Ah, Kéfera! - George desceu uma escada de cordas pelo helicóptero segurando um enorme buquê de flores para a garota - Enfim te encontrei.

– Como soube que eu estaria aqui? - perguntou a loirinha.

– Liguei para o seu colégio pedindo que eles me avisassem quando você estivesse aqui e me falaram que você já estava aqui. Minha procura não demorou nada!

– E precisava descer de helicóptero?! - perguntou Lien, pasma com a extravagância do figura.

– Entrar pelo portão é muito medíocre - disse ele - E então? Está pronta para se casar?

– Já disse que não quero me casar agora - reclamou Kéfera.

– Por favor! O que eu preciso fazer para me casar com você? - perguntava George desesperado - Compro o que você quiser..mansões...iates...tudo! Eu..eu te amo, Kéfera!

Nisso, todo mundo do pátio já estava tumultuando (era uma escola brasileira afinal). O pátio todo gritava: "Aceita! Aceita!"

– Calem a boca! - gritou Lien - Não estão vendo que a menina não quer casar?

– É...é verdade..eu não quero - disse Kéfera - Não é assim que funciona.

– Aceite isso, amigo - disse Alex - Ela não quer nada com você.

– Nesse caso..terei que apelar para o plano B - disse George - Hah!

O rapaz tirou uma garrafinha de clorofórmio do bolso, embebeu um pano com ele e colocou no rosto de Kéfera. A loirinha caiu desmaiada de sono imediatamente.

– Ei, o que está fazendo? - bronqueou Lien.

– Não se preocupem, ela só esta dormindo - disse ele - Quando acordar, já estará em um lindo vestido de noiva, pronta para se casar. Agora...permitam que eu me retire.

– Ah, não vai não! - disse Lien, preparando-se para dar uma voadora no rosto de George, mas o riquinho estava preparado para tudo. Seus dois seguranças desceram saltando do helicóptero imediatamente e ficaram na frente de Lien, prontos para enfrentá-la.

– Irei me casar com Kéfera, custe o que custar - disse ele.

– Por que quer tanto se casar com ela? Você pode ter a garota que quiser! - gritou Lien.

– Mas nenhuma é a Kéfera Maiglockchen! Ela é única! - disse George - Sou apaixonado por ela desde a primeira vez que a vi.

– E morou todos esses anos nos Estados Unidos sem sair com nenhuma outra garota? - perguntou Alex.

– Bem... - George desviou o olhar, mas foi o suficiente para deixar Lien furiosa - ...não foi amor de verdade com nenhuma delas.

– Em resumo, você não é muito diferente dos canalhas que tem por aí - disse Lien - Devolva a Kéfera agora!

– Não..quero me casar com ela...minha família precisa desse casamento - disse ele - Seguranças! Cuidem dela!

– Não vai ajudá-la? - perguntou Alex.

– É a Lien - disse André. E antes que ele pudesse terminar a frase, Lien já havia dominado a luta facilmente. Os dois seguranças tentaram atacá-la de frente, mas um golpe certo com cotovelo na barriga de um deles e um chute bem colocado no queixo de outro foram suficientes para dominar a situação.

– Só isso? - perguntou Lien.

– Oh, droga...por que estão fazendo isso comigo? Um homem tem o direito de se casar, não tem?

– Desde que os dois concordem - falou a chinesa.

– Mas... a Kéfera também aprenderá a me amar com o tempo. Olha só...tão linda...tão meiga enquanto dorme e..

Antes que conseguisse terminar a frase, George levou um golpe no rosto. Não, Kéfera não havia acordado, estava apenas sonhando e se mexendo.

– Acho que...ela se mexe muito quando dorme - disse Alex.

– Ela é...sonâmbula? - perguntou André.

– Não sei. Mas mesmo dormindo, ela consegue dar um chega pra lá nele - disse Lien, sorrindo.

Kéfera se mexia e golpeava tanto que George nem conseguia carregá-la. Foi o bastante.

– Vai devolver a garota, sim ou não? - perguntou Lien.

– Irei me casar com ela! - reclamou George, mas Lien o golpeou e tomou a garota à força.

– Não enquanto ela tiver amigos para protegê-la de malucos como você - disse Lien.

Foi o bastante para todos no pátio aplaudirem.

– Entendo - George se lamentou, de joelhos no chão - Talvez...eu deva desistir...ou...

– Ou o quê? - perguntou Lien.

– Ou partir para o plano C - disse ele, tirando um contracheque do bolso - Quanto querem para me deixar casar com a Kéfera?

– Como? - Lien se admirou.

– Ei, quanto está disposto a pagar? - perguntou Alex, apenas para levar um golpe bem dado por Lien na barriga.

– Nunca vamos te vender a Kéfera! - reclamou Lien - Cai fora daqui!

– Vocês...não aceitam nem dinheiro? - indagou George - Como podem existir pessoas assim?

– Bom, podemos deixar você visitá-la de vez em quando...dependendo do quanto pagar e.. ai!

Foi mais um golpe na cara de Alex.

– Já falei para cair fora.

– Tudo bem, eu desisto. Talvez nunca mais encontre alguém na minha vida!

Nisso, o celular de George tocou.

– Alô? Aqui é o George. Como? Lisa Soares, a filha do fazendeiro mais rico do interior está solteira? Sério? Preciso falar com ela agora! Amo essa garota desde o dia que a conheci! Obrigado por avisar! Vou reservar um jatinho para o interior agora! Tchau!

Ao desligar o celular, George só foi capaz de sentir o olhar aterrorizante de Lien.

– Seu lixo! - disse ela, realmente furiosa.

– Eu...já estou saindo! - disse ele, para logo assobiar e fazer o helicóptero derrubar a escada - Até logo!

– E esse helicóptero sobrevoando a escola esse tempo todo - disse Alex - Esse deve ter sido o intervalo mais maluco desse colégio.

– O diretor deve estar bem bravo, né? - comentou André.

Na verdade...

– Você viu que incrível, dona Fernanda? - disse o diretor que havia visto tudo pela janela - Que tipo de colégio tem helicópteros sobrevoando seu pátio? Demais!

Voltando ao colégio, Kéfera acordou na enfermaria algumas horas depois.

– Hã? Onde estou? - perguntou a mocinha.

– Na enfermaria - disse Lien, acompanhada de André e Alex - Você dormiu quando aquele maluco te fez cheirar clorofórmio.

– Ah - falou a loirinha - E onde ele está?

– Foi embora. Demos um jeito nele - disse Lien.

– Vocês...bateram nele? - perguntou Kéfera.

– Menos do que gostaria.

– Mas acho que agora você está livre - disse André, com um sorriso.

– Bem, espero que ele não tenha ficado muito magoado - disse Kéfera.

– Aff...você é mesmo muito boazinha com quem não merece...espero que não apareçam mais malucos desses na sua vida.

– Lien Wong! - disse Álvaro, chegando de repente na enfermaria - Ouvi dizer que estava na enfermaria e fiquei preocupado. Graças ao céus está bem e..

Antes que ele terminasse de abraçá-la, o tenista foi jogado no chão com toda a força.

– Viu? É disso que estou falando!

Enfim, mais um dia comum na vida desses estudantes nada comuns...