Premonição 2: A Morte lhe Cai Bem escrita por Lerd


Capítulo 1
Je vous en prie


Notas iniciais do capítulo

Olá! Primeiro capítulo da continuação de "Premonição: Sem Saída". A fanfiction terá várias referências à primeira e até a aparição posterior de algum personagem, mas especialmente. Pode ser lida sem terem lido a primeira, já que boa parte dos eventos são feitos "do zero". Nesse primeiro capítulo fiz um um "meet the cast" e o acidente. Irei procurar postar pelo menos um capítulo por semana, mas acho que esse número irá subir. Anyway, enjoy!



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Mia desligou o computador sem nem ao menos verificar as fotos que acabara de publicar. Havia mesmo necessidade? Ela tinha certeza absoluta da qualidade das mesmas, já que fora extremamente cuidadosa no momento de tirá-las. Seu palpite acabou sendo acertado, quando Nero, seu patrão, congratulou-a na manhã seguinte:

— Grande cobertura do desfile beneficente, garota! Continue assim e é você a cobrir o desfile em Paris esse ano, com certeza.

A garota sorriu triunfante, mas sem que isso deixasse transparecer ao chefe seu orgulho e contentamento.

— Obrigada. – Limitou-se a dizer.

Quando Nero saiu de perto dela, Mia explodiu. Cobrir a semana de moda em Paris era o sonho dela desde que entrara no ramo de jornalismo da moda. Significava tudo para ela e para sua carreira. Quem sabe não seria vista por algum grande publicitário do mundo fashion, e, sonhando grande, ganhasse uma coluna regular na Vogue de Paris? Restava idealizar. Mas de uma coisa Mia tinha certeza: Paris era definitivamente sua maior vitrine.

Mia balançou os cabelos longos e loiros, tentando espantar os pensamentos. Seus olhos azuis límpidos brilhavam. Ela definitivamente era uma visão estonteante, apesar de negar sua beleza veementemente. Achava que possuía o nariz fino e pontudo demais, além de uma boca pequena, orelhas grandes e sobrancelha sisuda. Mas essa era sua opinião. Para todos os outros era uma bela de uma ninfa de olhar incerto.

— Hey coisinha linda, importa-se de almoçar comigo?

Mia sorriu. Seu amigo Cub estava totalmente apoiado em sua mesa.

— O que você faz aqui, maluco? A dama de ferro te liberou?

Cub fez uma expressão maliciosa.

— Pois é. Daí como eu já estava perto da redação, vim pra cá pra gente almoçar juntos. Topa?

— Tenho escolha? – Mia fingiu chateação.

— Não. – Cub puxou-a com rapidez, arrastando a garota para fora.

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Mia e Cub (que na verdade se chamava Charlie) caminhavam de braços dados pela selva de pedra, procurando manterem-se atentos aos perigos urbanos ao mesmo tempo em que se entretinham na conversa demorada.

Juntos, pareciam irmãos gêmeos, não fosse pelo fato de Cub ter os olhos castanhos. Todo o resto combinava com a amiga. O cabelo loiro claríssimo, o nariz fino, a sobrancelha sisuda e as orelhas grandes. Mas a boca do rapaz... Isso Mia invejava. Não era pequena e torta como a sua.

— Você vai cobrir o desfile no Maiden’s Garden, Mia?

A pergunta pegou a garota de surpresa.

— O Nero não me falou nada, então na certa já arranjou alguém pra cobrir. Acho que eu vou aproveitar e fazer freela na sexta-feira. Minha prima me quer na formatura da filha dela.

Cub fez-se frustrado:

— Ah, que pena! Eu vou estar lá com a dama de ferro. Ela vai acompanhar aquele traste do marido.

A tal “dama de ferro” a quem Cub se referia era sua patroa, Gretel. O rapaz trabalhava como assistente da dondoca, lidando com seus compromissos sociais e filantrópicos. Na sexta-feira, no Maiden’s Garden, haveria um grande desfile de moda com a nova coleção do marido de Gretel, o estilista Tony DuBois. Não havia como Cub faltar ao compromisso.

— Haha, boa sorte, Cubinho.

O rapaz uivou, rindo. Entraram em um restaurante indiano sem titubear. O ambiente no local era calmo e acolhedor. O maître indicou-lhes uma mesa próxima a uma pequena fonte em forma de uma deusa, nomeada (na plaquinha onde Mia leu) Parvati. A garota manteve-se atenta a belíssima escultura, mas foi interpelada:

— A Parvati é fascinante. Não tem o mesmo brilho e imponência de Shiva, mas com certeza atrai muito mais. Alguns acreditam que ela é a encarnação de toda a força do universo, a Deusa suprema.

Mia levantou o olhar para ver quem havia lhe dito àquelas palavras. Era um homem, na verdade um rapaz, de cerca de vinte ou vinte e cinco anos. Seu coração palpitou com a beleza do mesmo, apesar de notar que ele parecia mais com um descendente de latinos do que de indianos. A pele era morena, mas não muito escura. Os lábios eram largos, as sobrancelhas eram grossas e o cabelo era militarmente curto. Pensou em agradecer-lhe a gentileza, mas não teve tempo, sendo novamente interpelada:

— Gostariam de fazer o pedido?

A loira ainda estava atônita quando Cub começou a vasculhar o menu e pedir a opinião dela. Mia apenas concordava, sem tirar os olhos do garçom indiano. Foi quando percebeu a rachadura naquela obra-prima. Era como se da Vinci, após pintar a Gioconda, tivesse jogado sobre ela um balde de tinta vermelha, destroçando rudemente os detalhes da obra.

A mão. O estonteante garçom não possuía uma das mãos. O choque entre a visão superior, o paraíso; e a inferior, o purgatório, deixou-a inquieta. Sorriu educadamente e apenas consentiu com o que Cub havia escolhido.

— Se apaixonou pelo Ganesha?

Mia riu.

— Claro, Cub, claro.

O rapaz riu.

— Eu não te culparia. Eu mesmo estava a ponto de perguntar se ele estava no menu, porque iria querer levar dois pra casa.

A garota riu largamente. Cub definitivamente não havia percebido a rachadura na obra-prima.

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Na cozinha, Kaleb apressava os cozinheiros, inquieto. O olhar de pavor nos olhos da garota loira não saía de sua cabeça. Durante alguns minutos ela olhou para ele com delicadeza e encantamento. Mas no momento em que viu sua falha, deixou de vê-lo da mesma maneira. Por quê? Era difícil dizer, mas nada conseguia tirar da cabeça de Kaleb que era aversão. Autopiedade, droga! Ele definitivamente não era um bom hindu. Por fim bateu os pés, inquieto.

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— Vamos Damien, eu não posso te esperar mais! Eu preciso estar no trabalho em vinte minutos!

Ewelyn estava atrasadíssima. Se chegasse ao ateliê depois de Tony, era demissão na certa. Apesar de ser nova, a garota sabia das excentricidades do patrão. Cub já a alertara, dizendo que era mais fácil trabalhar com Gretel do que com o exigente marido da dama de ferro.

— O que diabos você está fazendo, meu filho?

A garota subiu as escadas com rapidez e deu de cara com o filho sentado no chão de banheiro, apoiado no vaso sanitário. Seu rosto estava vermelho de lágrimas, e ele balbuciou:

— Eu estou piorando de novo, mamãe...

Ao lado do pequeno e magrelo corpinho de Damien estava o antigo aparelho de surdez usado que Ewelyn comprara. A mulher entrou cabisbaixa no banheiro e sentou-se ao lado do filho. Começou a falar lentamente, de modo a que ele lesse seus lábios:

— Você não está piorando, meu amor. São esses aparelhos velhos que não estão te deixando escutar direito. Já faz seis meses que você tem feito progressos incríveis e essa é uma estrada sem volta. Você não vai voltar pro silêncio, meu querido.

Damien parou de chorar, embora ainda soluçasse.

— Por hoje nós deixamos os aparelhos em casa, tudo bem? Eu converso com a sua diretora e explico o atraso.

O menino consentiu e envolveu a mãe em um abraço apertado. Ewelyn retribuiu, sorrindo.

— Agora vai colocar o uniforme antes que eu me atrase o suficiente pra ser demitida. Se isso acontecer, nada de aparelhos novos.

Quando o pequeno saiu do banheiro, a garota suspirou aliviada. Conseguira contornar a situação por mais uma vez, embora a cada crise de Damien ficasse mais difícil contê-lo. Ewelyn sabia que havia uma grande possibilidade de o garoto estar regredindo e voltando novamente à surdez e isso a destruía por dentro. O fato de não ser capaz, financeiramente, de dar a seu filho o tratamento adequado, era seu pior castigo. Batalhou meses para conseguir os aparelhos usados e pagar uma escola particular para crianças com deficiência auditiva, e não estava disposta a desistir. Nem que eu tenha que ir atrás daquele traste do pai dele. O filho era mais importante que seu orgulho.

Ewelyn levantou-se e se olhou no espelho. Sua aparência cansada fazia parecer que ela tinha mais que seus vinte e seis anos. Os cabelos loiros estavam desgrenhados e desarrumados num coque improvisado. Nem mesmo os olhos anil e o rosto delicado conseguiam fazê-la ter uma aparência melhor. Sua dor era interior.

— Pronto, Damien?

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Maria batia impacientemente os dedos no braço da cadeira. Em frente ao espelho mantinha-se altiva, procurando não demonstrar qualquer sinal de cansaço ou falta de vitalidade. A maquiadora trabalhava com rapidez e segurança, realçando cada centímetro do belo rosto latino da moça. Os cabelos cacheados e volumosos já estavam preparados, embora ela ainda usasse um robe de seda chinês, e nada em seus pés.

De repente um homem oriental de quase dois metros entrou na sala onde as modelos se preparavam, dizendo:

— Aqui meninas, olho no papai. O Tony já chegou e está uma fera. Se esse ensaio sair perfeito, ainda sim o desgraçado vai reclamar, então, please, não deem esse gostinho a ele. Vocês são poderosas, e só precisam disso na cabeça enquanto estiverem naquela passarela. Se vocês fizerem um bom ensaio, farão um bom desfile. E se o desfile for bom, o que pode segurar vocês? Nada! Hoje é Cara Delevingne, quem garante que amanhã não serão vocês? Recado dado, continuem com o make up, bitches.

Maria sorriu de canto de rosto, maliciosamente. As unhas vermelhas voltaram a bater de modo irritante no encosto da cadeira.

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O rapaz oriental caminhava pelos corredores do ateliê de maneira apressada. Alinhou seu terno com firmeza enquanto se dirigia em direção à recepção. Para sua surpresa, Ewelyn já estava ali.

— Finalmente, criatura! Você teve sorte do big boss estar distraído quando entrou. Se ele não te visse ao lado desse telefone era demissão na certa.

— Eu sei Liam, mas eu não consegui chegar mais cedo. O Damien teve outra crise.

O rapaz baixou os olhos.

— Não conseguiu ouvir nada outra vez?

Ewelyn maneou a cabeça positivamente.

— Quem sabe um sorvete depois da aula não melhore o humor dele? — Liam disse.

— Não vai dar, eu tenho que trabalhar até as seis e...

— E quem disse que você está convidada pra esse passeio? Se você deixar eu pego o garoto na escola, vou sair mais cedo de qualquer forma. Eu não aguento o Tony quando ele está assim.

A garota sorriu, concordando.

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No caminho para casa, Mia veio pensando no garçom sem uma das mãos. Não sabia seu nome, e sentiu-se mal pelo modo como se referia mentalmente a ele. O olhar de frustração dele quando entregou o pedido era perceptível. Nem mesmo a gorda gorjeta deixada fora suficiente para tirar de seu rosto a expressão de depressão.

Já em casa, seu cachorro recepcionou-a com o mesmo entusiasmo de sempre. Devia ser bom ser um cachorro.

— Olá Frank N Furter! — E loira esfregou a barriga do pequinês com gosto.

O telefone tocou. Era sua mãe.

— Oi, mamãe. Está tudo bem com você?

A conversa estendeu-se mais do que Mia desejara, e já passava da meia-noite quando ela finalmente conseguiu se deitar e por os pensamentos em ordem. Não adiantou muito, já que a única coisa que vinha a sua cabeça era o olhar do Ganesha.

Depois de muito pensar a respeito daquele assunto, rendeu-se ao sono, esperando acordar revigorada.

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Ao contrário do que gostaria, Mia acordou indisposta. Conseguira dormir mal e porcamente três ou quatro horas, entre confusões mentais que dispersavam-na o sono. O que não saía de sua cabeça era claro como água, embora ela nem mesmo soubesse seu nome, apenas um bobo apelido: Ganesha. Sabia que estava sentindo algo pelo rapaz, mas não tinha certeza do quê exatamente. Pena? Não, era mais do que isso. Mas também era algo bem mais fraco do que paixão. Cedo demais. Talvez apenas um carinho, um sentimento de aproximação, como se eles já se conhecessem há muito tempo e Mia tivesse finalmente o reencontrado.

Em frente ao espelho do banheiro, a garota lavava o rosto com fúria. Estava decidida a voltar ao restaurante naquela mesma tarde e tentar uma conversa com o Ganesha. Será que ele seria rude o suficiente para repeli-la? Talvez. Mas Mia preferia pecar por excesso a pecar por omissão. Decidida, secou o rosto e saiu do banheiro.

Mia mal chegou à redação e Nero interceptou-a:

— A irmã do Pierre faleceu nessa tarde, então ele está indo pro enterro. Eu vou precisar de você cobrindo o desfile do Tony DuBois.

A loira tentou esconder seu desapontamento quando respondeu:

— Tudo bem, chefe. Algo mais?

Nero sorriu de canto de rosto.

— Você é péssima escondendo decepção. Tinha planos pra hoje?

— Não, está tudo bem mesmo. Eu tenho alguns amigos que vão estar no desfile, vai ser bom.

O homem tocou de leve o ombro de Mia e saiu. Droga!

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Já passava das nove da noite e uma grande plateia se formava ao redor da passarela. Em um lugar de destaque estava o estilista responsável por toda aquela coleção, Tony. O homem era uma figura totalmente contraditória em relação a sua profissão. Possuía o rosto rústico, como o de um profissional braçal. Até mesmo seu corpo combinava com isso, já que ele possuía braços fortes e a aparência sisuda. A barba por fazer e o cabelo curto destacavam sua aparência de “mau”.

Do lado direito de Tony estava sua esposa, Gretel. A mulher tinha os cabelos vermelhos, num tom um pouco escuro, e os olhos castanhos claríssimos. Sua roupa e postura eram característicos de uma lady, tornando-a uma visão extremamente agradável. A dama de ferro mantinha-se imponente ao lado do marido, demonstrando em sua expressão a mais pura complacência e tédio.

Milady, se importa se eu deixá-la sozinha por dois minutos? – Cub perguntou receoso, mas a resposta de Gretel foi um aceno desinteressado.

O rapaz saiu do local onde estava e correu para recepcionar Ewelyn. Estranhou ao vê-la ao lado do filho.

— Você trouxe o Damien? Ficou maluca?

— A babá cancelou de última hora, eu não podia deixá-lo sozinho.

Cub irritou-se e pegou o menino pelo braço, levando-o para outro local, enquanto Ewelyn despedia-se dele e procurava um lugar na plateia.

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Na coxia, Liam dava ordens enfáticas às modelos, insistindo para que elas fizessem tudo como fora ensaiado. Foi quando outro rapaz entrou na sala, pedindo a palavra. O oriental deixou que ele falasse, embora a contragosto.

— Bom, eu não vou ficar aqui repetindo tudo o que o Liam já disse e que vocês sabem muito bem. Lembrem-se, porém, do motivo de vocês estarem aqui. O ponto não é impressionar o Tony ou o Liam, ou mesmo deixá-los orgulhosos. Vocês estão aqui pra vender um conceito àquela mulher loira sentada na primeira fila. Vocês precisam que ela compre o que apresentam, que se convença de estar fazendo uma escolha certa. Se vocês falharem nessa tarefa, o traseiro magrelo de vocês com certeza será chutado com força. Entendido, garotas?

As modelos murmuram algumas coisas ininteligíveis, concordando. Liam aproximou-se do rapaz e reprimiu-o de maneira firme:

— Eu cuido das minhas garotas, Theo. Vai lá lamber o sapato da Cicciliona que você ganha muito mais.

O tal Theo fez uma expressão de desapontamento debochada, e então sorriu de maneira irônica:

— Ainda rancoroso querido? Você é melhor que isso.

Liam encarou Theo com cautela. A aparência dele era bastante agradável. Theo era belo. Seu rosto era expressivo, embora bastante delicado. Theo tinha os olhos azuis, os cabelos escuros e as sobrancelhas grossas. Ele ergueu sua mão e tocou no ombro do outro.

— Se precisar de mim eu vou estar na plateia lambendo o sapato da minha patroa.

E saiu. O outro apenas continuou encarando-o.

— Problemas com o ex?

Quem havia perguntado aquilo fora Maria. Liam deu as costas para a moça, ignorando o tom irônico com o qual ela se dirigira a ele.

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Na área vip, Cicciliona mexia impacientemente em seu bracelete de ouro.

— Mais dez minutos e eu estou saindo. – Ela cochichou para Theo.

Theo avisou Tony e o homem tremeu.

A situação era a seguinte: eles precisavam apenas do aval dela para que toda a coleção fosse aprovada. Cicciliona era a herdeira de uma grande fortuna e uma investidora do mundo da moda. O homem esperava que seu desfile agradasse a dama o suficiente pra que ela resolvesse financiar toda a sua coleção e colocá-la dentro das melhores lojas do país. Se conseguisse isso, o espaço na semana de moda de Paris estava garantido com facilidade. Deixá-la esperando não era uma opção.

Tony estalou os dedos e pediu que Cub avisasse Liam para que as modelos entrassem o mais rápido possível. O rapaz entendeu o recado e correu com rapidez para dentro dos bastidores.

Mia entrou chateada no palácio do Maiden’s Garden, procurando o espaço destinado aos jornalistas. Esbarrou com Damien no caminho, cumprimentando-o:

— O que você veio fazer aqui, rapaz?

Ele sorriu ao responder:

— A minha babá cancelou e eu tive de vir com a mamãe.

— Ah, sim.

A loira passou a mão no cabelo do garoto e seguiu em direção ao local onde estavam alguns jornalistas. Olhou para o andar superior e viu uma arrogante mulher vestida toda de rosa. Ela com certeza já possuía umas seis décadas de vida, mas a aparência era a de uma jovem senhora de trinta e cinco, se muito.

Essa Cicciliona me dá arrepios.

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O desfile começou com cerca de quinze minutos de atraso, o que não agradou em nada a grande dama. Maria foi a primeira a entrar, sem nenhum tipo de ansiedade ou demonstração de nervosismo. Fazia seu trabalho como ninguém, provando, a cada pose, que era uma estrela. Não se deixou abalar nem pelos olhares reprovativos de Cicciliona. Essa perua é uma esnobe, pensou. O que ela entende de moda? Ela só é rica.

E então voltou para dentro da coxia, sendo substituída pela modelo seguinte.

Com vinte minutos de desfile, ouviu-se um burburinho vindo da entrada do palácio. Mia disparou alguns flashes contra a passarela e então sentiu um calafrio. Uma das modelos mexeu o tornozelo de modo extremamente estranho, como se estivesse quebrando-o. Mas nada aconteceu, e a garota entrou para a coxia com a mesma expressão de tédio com que entrara. A loira deu-se a tentação de observar a foto que tirara. Conseguiu ver apenas um glamoroso borrão.

— Eu quero entrar! — Exclamou uma voz ao longe.

O burburinho ficava cada vez mais alto, e o responsável pela música aumentou o volume da mesma, tentando distrair os convidados. Mas foi impossível. Um grito alto chamou a atenção de todos, seguido pela entrada triunfante de um cavaleiro indiano.

— Eu... — Kaleb disse, completamente vermelho e sem fôlego.

Toda a plateia virou seu olhar na direção do intruso, vestido de modo rude. Ele começou a olhar para todos os lados, procurando alguém. E então encontrou.

— Você está aí... Seu filho de uma puta!

Mia sentiu seu coração disparar diante daquela cena. Sua surpresa foi ainda maior quando ela viu, incrédula, o Ganesha pular em cima de Tony.

— Seu viado desgraçado, eu te mato!

Kaleb desferiu dois socos contra Tony antes de ser repelido por Cub e Theo, que tentavam, sem sucesso, contê-lo.

— Seu assassino desgraçado! Você vai se ver comigo e é agora!

O rapaz deu uma cotovelada em Cub e soltou-se facilmente de Theo, voltando a pular contra Tony, que tinha o nariz sangrando. Gretel tentou envolver-se, mas acabou acidentalmente levando um soco desferido por Kaleb na direção de Tony.

— Segurança! — Cicciliona gritou do alto de sua imponência.

A confusão já estava formada e Mia não esperava pelo que ocorreu em seguida. Ewelyn, que estava saindo da coxia, foi apanhada por uma explosão que atirou-a em pedaços para longe. Um pedaço flamejante da garota caiu no colo de Gretel, que gritou. As pessoas da plateia começaram a correr como loucas. Quando Maria tentou fazer o mesmo, acabou sendo pisoteada sem dó. O corpo inerte e desfigurado da modelo caiu no chão, e, ainda assim, continuou a ser maltratado pelas pessoas que lutavam para não ter o mesmo destino que ela.

As cortinas que escondiam os bastidores começaram a pegar fogo e de repente houve outra explosão que fez com que alguns dos holofotes pendurados ao longo da estrutura pendessem perigosamente. Cub viu o exato momento em que um se desprendeu do teto e caiu em cima dele, esmagando-o.

As pessoas corriam para todos os lados, tentando escapar, mas por algum motivo as portas não se abriam. Damien corria de um lado para o outro, procurando por alguém conhecido. Foi quando Mia o viu e puxou-o pela mão.

Cicciliona procurou uma maneira de escapar, mas sua entrada privativa também não abria. Ela acabou sendo acidentalmente empurrada do segundo andar, caindo em cima de um enfeite de palco e tendo a barriga perfurada.

Uma rachadura começou a se formar nas paredes e se estender com rapidez. As cortinas ainda estavam em chamas e as pessoas gritavam. De repente um bloco de concreto soltou-se do teto, caindo em cima de Liam e de algumas outras pessoas. Mia e Damien foram jogados para trás com a força do impacto entre o teto e o chão. Quando se recuperaram, viram diante de si uma enorme massa confusa de concreto e pessoas esmagadas. Os dois gritaram apavorados.

A loira começou a procurar Kaleb e Ewelyn, gritando. Tony corria de mãos dadas com Gretel quando foi atingido por outro pedaço de concreto caído do alto. A esposa caiu sentada ao lado, horrorizada. Gritou.

Damien soltou-se de Mia ao ver o corpo inerte da mãe e foi atingido com força por um cabo de ferro que caiu do teto, partindo-o ao meio. Mia não conseguiu conter sua reação. Virou o rosto para o lado e vomitou.

Gretel corria sem rumo e acabou sendo empurrada pela multidão na direção de uma das cortinas em chamas, sendo incendiada viva entre gritos e pedidos de socorro. Mia olhava a cena horrorizada, sem poder fazer nada para impedir. A dama de ferro então parou de se debater, já morta.

Um grupo tentava arrombar a saída de emergência e Theo era o primeiro da fila. Ao baterem com força na porta, vários pedaços do teto começaram a cair, enquanto o rapaz desviava deles como podia. Ele apoiou-se na parede, assustado com a situação. Não viu quando uma viga de ferro atrás de si acertou sua cabeça, jogando-o contra o concreto caído e esmagando seu corpo.

Vários fios elétricos mexiam-se vertiginosamente pelo chão, acertando os que ainda restavam vivos. Mia apenas chorava, sem saída. Ela estava rodeada por eles, sem poder mexer-se. Kaleb viu-a e tentou se aproximar para ajudá-la, mas foi atingido por um dos fios, tostando com a força do choque elétrico. Mia gritou, enquanto via o massacre ao seu redor.

Mia ouviu a explosão final e a pele queimando lentamente.

Abriu os olhos, chorando. Sua câmera estava em suas mãos, e ela viu a foto borrada da modelo de calcanhar torto.

— Eu quero entrar! — Exclamou uma voz ao longe.

O coração da loira disparou com a frase já conhecida. Não deu tempo ao tempo e correu para onde Ewelyn estava sentada junto com Damien, puxando ambos:

— Esse lugar vai desmoronar, nós temos de sair daqui. Rápido!

A outra não entendeu nada, mas seguiu a amiga, que gritava:

— Cub! Esse lugar vai desmoronar, eu vi no meu pensamento. — E depois, para todos: — Vocês precisam sair agora, vai tudo pegar fogo!

Mia chorava de maneira histérica. Foi quando alguns seguranças apareceram, segurando um homem indiano. O Ganesha. Mia empurrou-o para fora, sendo repelida:

— Eu preciso falar com àquele assassino!

Tony sentiu um calafrio e aproximou-se do rapaz, furioso:

— Seu merdinha!

O estilista então um soco em Kaleb. O indiano não se conteve e desferiu outro, antes que fosse contido pelos seguranças. Eles começaram a levá-lo para fora, enquanto Tony seguia junto, sendo segurado por Theo e Cub. Gretel correu atrás deles, nervosa diante de toda aquela situação. Mia e Damien também acompanharam o grupo, sem perceber que Ewelyn ficara para trás, presa no tumulto de pessoas.

Maria estava no meio do palco e sentiu um calafrio. Correu para fora sem pensar em nada, sendo chamada aos gritos por Liam. A garota não deu bola. O rapaz jogou os braços para cima, nervoso, e foi atrás dela. Cicciliona, do alto, fez uma expressão de desapontamento e desceu por uma entrada particular em direção ao saguão do palácio.

— O que diabos está acontecendo aqui?

O grupo de dez pessoas estava no hall. Kaleb e Tony continuavam a trocar insultos e a serem segurados. Foi então que eles ouviram uma explosão vinda do local da passarela e as portas de madeira fecharem-se sem piedade. Foi quando Damien deu pela falta de Ewelyn:

— Mamãe!

Outra explosão e mais gritos. Os seguranças tentavam, em vão, arrombar a imponente estrutura de madeira, mas a força contrária que as pessoas presas faziam do outro lado impedia qualquer sucesso.

Quando a terceira explosão ocorreu, o olhar de choque de todos se virou contra Mia, que balbuciou qualquer coisa, entre lágrimas.

Dentro da caixa de concreto que pegava fogo, Damien ouviu os gritos distintos de sua mãe, mesmo com o aparelho de audição defeituoso. Ou seria sua imaginação?

Mas então ele não ouviu mais nada. Ewelyn estava morta.

— Como... Você sabia?


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Notas finais do capítulo

Espero que gostem!



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