Feliz Aniversário, Dionísio! escrita por Mandy-Jam


Capítulo 2
Jesus


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura, pessoal!



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OLIMPO

 

Apolo se pegou pensando nas tradições mortais de aniversário.

Imaginou que não teria como arrumar um bolo grande o bastante para acomodar mais de três mil velas. Pensando no assunto, seria igualmente difícil arrumar três mil velas de aniversário sem utilizar de seus poderes divinos.

Olhou para suas mãos longas e belas e riu em silêncio da possibilidade de usá-las como os mortais usavam. O deus do Sol nascera para muitas coisas, mas não para trabalhos manuais. Virou o rosto para o lado, vendo Hermes sentando em seu trono. Os olhos castanhos do deus dos ladrões estavam perdidos em algum ponto invisível.

Ao menos não sou o único abalado com isso, pensou em alívio.

A verdade é que ele sabia que nada seria bom o suficiente para agradar Dionísio. Não importava o que fizessem, seria somente tempo e esforço jogados fora.

— Não vai dar certo. — Declarou Ártemis, para a surpresa do deus. A deusa da Lua, em sua forma de criança, apoiava o queixo na mão mostrando todo o seu tédio e pessimismo — Dionísio é o deus das festas. Nada que fizéssemos seria bom o bastante para aquele bêbado rabugento.

— Precisamos nos dividir e pensar em todos os detalhes. — Declarou Hera.

— Detalhes? — Repetiu Ártemis e balançou a cabeça — Você quer dizer bolo, música e confete? Seria mais fácil dar a ele uma garrafa de vinho francês e meia dúzia de ninfas da floresta.

— Nada de ninfas. — Cortou Zeus — E nada de álcool.

— Deveria repensar isso, Zeus. — Falou Afrodite com um ronronar de uma gata — Afinal, como é mesmo que ele diz? Estou sóbrio demais para amar vocês.

Nada de álcool. — Repetiu ainda mais ríspido — Já é o bastante que ele vá ter uma festa de aniversário, não vou permitir que ele saía do castigo dessa maneira.

Apolo bufou e passou as duas mãos pelo rosto, imaginando nitidamente como os próximos dias seriam. Ele, cercado de seus parentes olimpianos cuidando de decorações e detalhes da festa, sendo abertamente ignorado enquanto o mau gosto deles reinaria.

Hades vai murchar os arranjos de mesa, pensou em desespero. E Ártemis vai encher a festa de animais selvagens, enquanto Atena escolhe toalhas de mesa com desenhos cafonas.

— Ok. — Declarou ele batendo as mãos nos braços de seu trono. Levantou-se tentando espantar as visões que tomaram conta de sua mente — Como eu sinto que sou o deus de melhor bom gosto entre nós, eu vou gerenciar as coisas. Façam o que eu disser, e eu tenho certeza que a festa vai ficar fabulosa. Primeiro, os convidados dev-

— Você tem o melhor bom gosto? — Riu Ártemis olhando-o com uma sobrancelha erguida.

— Mas é claro. — Devolveu um tanto ofendido por sua descrença — Acha que mais alguém aqui é capaz de ordenar um evento dessa magnitude?

— Na última festa que você deu, tinha uma estátua sua no meio da piscina jorrando água pela mão. — Rebateu, e Hermes prendeu uma risada.

— Não reclame. Poderia estar jorrando água por outro lugar. — Zombou o deus dos mensageiros, provocando gargalhadas. O rosto de Apolo ficou vermelho em um misto de raiva e vergonha. Voltou seu descontentamento para a irmã, no entanto.

— Não vou ser ofendido por alguém que precisa olhar a palavra festa no dicionário para saber seu significado. — Retrucou — E como organizador geral, digo que você está banida da arrumação até um formal pedido de desculpas.

Ártemis riu uma única vez em voz alta, jogando a cabeça para trás. Ergue os braços para o irmão, como se estivesse se rendendo.

— Acho que estou banida então dessa tão majestosa festividade. — Declarou com sarcasmo — Vou chorar longe daqui, para não incomodar o seu ego.

— Ela não está banida de forma alguma, Apolo. — Interveio Hera — E você também não será o organizador geral. Na verdade, eu serei. Vou formar grupos e cada grupo terá uma responsabilidade específica. Vocês dois — Hera gesticulou para os gêmeos do o dedo indicador — tem que aprender a colaborar. Vão ficar responsáveis pela escolha da música.

Por um segundo, as emoções dentro de Apolo entraram em conflito. Ao mesmo tempo em que queria protestar por ter que fazer grupo com Ártemis — que claramente não entendia n-a-d-a sobre estilo, pensava ele —, queria também comemorar por ter sido encarregado da tarefa mais fácil.

Talvez as coisas não estivessem tão ruim, afinal, ele era o deus da música. Juntaria as nove musas e faria com que elas ensaiassem o repertório especial para festas. Elas cantariam em harmonia, regidas por ele, e nada sairia dos conformes.

— Zeus vai ficar com vocês também. — Aquilo foi um balde de água fria.

— O quê? — Sua voz desafinou de uma forma vergonhosa. Zeus olhou para Hera buscando uma explicação, embora sua esposa não o olhasse em retorno.

Lá se vai a ideia das musas, pensou deprimido. Não quero meu pai flertando com as minhas garotas, de forma alguma.

— Alguém precisa se certificar que vocês dois vão se entender. — Declarou, e sem se prolongar, partiu para o próximo — Demeter, cara irmã, nós duas vamos ficar responsáveis pela decoração. Tenho certeza que seus dons serão de grande ajuda.

Ao menos ela não vai cuidar da comida, refletiu Hades em silêncio. Ninguém vai para uma festa para comer bolinho de arroz, ou sopa de batata.

— Hades se juntará a nós.

O deus dos mortos ergueu o rosto para Hera lentamente, sentindo que todos os olhares estavam sobre ele. Sua irmã o olhava fixamente, esperando por uma resposta. Hades virou a cabeça até encontrar Deméter, sentada em seu trono bem afastada dela.

Ela não mudou nada, pensou. Ainda olha para mim da mesma forma.

Com uma expressão nada simpática, Deméter fuzilava o deus dos mortos com seus olhos castanhos amargos. Hades podia ver até suas narinas ligeiramente dilatadas, suas sobrancelhas quase unidas, as pontas de sua boca voltadas para baixo.

— Ele não pode ajudar. — Declarou Deméter, ao ver que Hades não falou nada — Irmã, o trabalho de decoração não pode ser feito por alguém sem um pingo de vida e felicidade.

— Você se considera feliz, Deméter? — Rebateu Hades com sua voz grave. A deusa se levantou do trono rapidamente, e se não fosse pela distância que teria que percorrer, teria pulado no pescoço de Hades como uma leoa faminta.

— Eu sou muito feliz quando você não está por perto. — Respondeu.

— Hmmm. — Fez Ares sem conseguir conter um sorriso de satisfação pelo que estava vendo — Talvez alguém vá morrer, no final das contas.

— Calado, Ares. — Disse Hera, descontente.

— O que foi? Estou só expressando a minha animação quanto a sua grande ideia, mãe. — Respondeu sorrindo para ela — Foi a melhor que você já teve, acredite em mim.

— Quero que isso sirva como oportunidade para que todos nós possamos trabalhar juntos como uma família. Nossas desavenças nos tornam fracos, e já vem se perpetuando por tempo demais. Estou dando a chance de finalmente nos entendermos, ou pelo menos de criarmos algo que todos nós possamos nos orgulhar mais tarde. — Falou e colocou a mão sobre o ombro da irmã, em pé ao seu lado — Não há motivos para hostilidade, Deméter. Seremos civilizados.

Mesmo contrariada, ela se sentou novamente, sem tirar os olhos de Hades.

Ares ergueu a mão com entusiasmo, como um estudante dedicado que tem a resposta para a questão do professor.

— Eu sugiro que o próximo grupo seja Atena, Poseidon e Hefesto. — Disse e olhou para a meia-irmã do outro lado do salão, esperando que ela protestasse e que o caos tomasse conta da sala. Atena, muito equilibrada, não deu esse gosto para ele.

— Ares, eu não tenho dificuldades em ser civilizada pelo bem de uma causa maior. — Respondeu com sua voz política — Se Hera de fato desejar, aceitarei fazer parte desse grupo e darei o melhor de mim.

— É esse tipo de atitude que eu espero. — Concordou com a cabeça — O grupo está formado, então.

— Uma ova que está! — Protestou Poseidon, furioso. Ares sorriu, feliz por suas expectativas serem atendidas. O deus dos mares apontou para Atena — Eu não sei o que tem na sua cabeça, mas eu não vou me sujeitar a cozinhar para Dionísio. É humilhante!

— Você já fez coisas mais humilhantes na vida, tenho certeza. — Atena retribuiu, encolhendo os ombros.

— Repita isso! — Desafiou levantando-se.

— Sente-se. — Ordenou Zeus furioso com o irmão — Eu já disse que você vai obedecer aos comandos de Hera, e que todos nós vamos fazer parte disso.

— E eu me nego! — Exclamou ainda revoltando.

Foi então a vez de Zeus se levantar. Colocou-se de pé da mesma forma com a qual um trovão atinge uma árvore: rápido, determinado e poderoso. Ergueu o dedo para Poseidon, que mesmo tendo quase igual força, sentiu o peso da ameaça em seus ombros.

— Se você não colaborar, se você por algum motivo me desobedecer, eu vou te dar um castigo verdadeiramente humilhante. Acha que cozinhar vai ser demais? Vou transformá-lo em um mortal e pagará por sua insolência por anos. — Lançou — Construir muros, como fez em Tróia, será uma brincadeira de criança comparado ao destino que vai estar te aguardando.

O icor em suas veias congelou, fazendo seus membros formigarem. Poseidon lembrava nitidamente de como era ser um mortal, fraco e limitado, sem a capacidade de usar seus poderes para ser respeitado. Sem seu tridente e seu controle sobre a água e a terra, ele não era nada. Ser temido era grande parte de tudo que ele tinha, ele sabia muito bem, e não havia como ser temido na forma de um operário submisso, carregando blocos e mais blocos para construir um muro.

Você devia ter sido engolido pelo nosso pai, pensou com ódio. Ele devia ter te mastigado lentamente ao invés daquela maldita pedra.

Em silêncio, ele se sentou novamente.

— Prossiga. — Ordenou Zeus.

— Hermes, Afrodite e Ares irão te ajudar a montar a lista de convidados. Inclua somente quem é mais relevante. — Disse por fim.

— Sim, senhora. — Concordou ele com a cabeça.

Ares olhou para Afrodite e sorriu torto. A deusa do amor, que enrolava de maneira charmosa um tufo de cabelo no dedo indicador, retribuiu com uma discreta piscada de olho.

Hefesto, ainda quieto em seu canto, não deu atenção aos dois amantes, muito menos ao que sua mãe falava. Sua cabeça estava girando todas as engrenagens, pensando em como elaboraria aquela tarefa sem ficar preso no meio de uma guerra pessoal entre o senhor dos mares e a deusa de olhos cinzentos.

Era verdade que sua mãe colocara um moderador em cada grupo, ele podia notar. Um de cada estava — a pobre alma — estava responsável por apaziguar a tensão entre os outros dois integrantes.

Não sei cozinhar, era tudo que passava na mente dele. E não sou bom trabalhando em conjunto.

Hefesto sentia que ele era o único de se importava com Dionísio. Sabia o quanto ele se tornara amargo ao longo dos anos, e o como ele destratava qualquer um que entrasse no seu caminho, mas ele não era assim, ele estava assim. Fora Dionísio que sempre ficara do seu lado, ajudando-o a desabafar sobre os problemas, a expressar seus sentimentos, a se libertar de suas inibições quase que robóticas.

Eu vou fazer isso dar certo por você, meu amigo.

Amigo era uma palavra que ele usaria para descrevê-lo, e a um número muito limitado de outras pessoas. Hefesto também considerava Atena uma amiga, embora ele sentisse um pouco mais do que simpatia pela deusa.

Olhou discretamente para ver se ela o observava, mas seus olhos cinzentos se voltavam completamente para Hera em mais um novo discurso. Não ocorreu a ele, que talvez Poseidon tivesse que ser o moderador. E se sua vergonha o impedisse de conversar? E se parecesse um idiota na frente dos dois?

Cozinhar não vai ser o maior dos meus problemas, pensou incomodado.

 

 

ACAMPAMENTO MEIO-SANGUE

 

Dionísio estava sentado no sofá, de frente para a lareira, com os pés esticados sobre a mesinha de centro. Abriu uma garrafa de vinho francês com os dentes, cuspiu a rolha longe e voltou seu nariz redondo para o buraco. Respirou fundo, deixando os seus pulmões se encherem com o aroma contagiante da uva.

Ah, deuses, pensou com seus olhos se revirando. Ah, deuses, como isso é bom.

Sua boca estava salivando, tomada pelo desejo de beber o mísero gole que fosse daquela bebida sagrada. Pegou a taça que tinha deixado ao seu lado, e virou devagar o vinho para ela. Já tinha feito isso diversas vezes depois que ficara de castigo, não conseguia evitar.

Durante toda a sua vida, achava Sísifo um idiota por sempre empurrar a maldita pedra morro acima, vendo-a cair de novo, mas mantendo a esperança de que da próxima vez seria diferente. Agora, ele era o próprio Sísifo, enchendo suas taças com vinho, só para vê-lo se transformar em água.

Nos primeiros dias, ele achava que Zeus não notaria. Que em algum momento seu pai ia se descuidar, sua energia vacilaria, e o vinho não se transformaria em água. Depois de ver que isso não aconteceria, partiu para a ilusão de que talvez existisse uma safra específica que não estivesse incluída no castigo.

Destinou parte da verba extra do Acampamento para comprar vinhos de todas as espécies pela internet. Cada garrafa era uma decepção diferente, mas a esperança — a maldita esperança — nunca o abandonara.

Às vezes o vinho virava água no mesmo instante. Às vezes, nas piores das vezes, ele só virava água quando tocava os lábios do deus.

Você é um filho da puta sem coração, pai, xingou internamente.

Admirou a coloração do vinho na taça: tinto de cor intensa. Ares adoraria, refletiu por um instante. Não que se importasse com a opinião do irmão, de qualquer forma, mas lembrara de quantas vezes não o deixara completamente bêbado e isso resultara em um novo conflito étnico na África. Hilário!

— Esse vai. — Murmurou engolindo a própria saliva — Esse com certeza vai.

Fechou os olhos e respirou fundo.

— Por favor, Jesus. Sim, estou falando com você, Jesus. — Rezou em voz alta. Desde que ficara de castigo, lia e relia várias vezes o milagre que o profeta cristão realizara transformando a água em vinho — Não deixe que esse vinho vire água, por favor.

Tomou o gole rapidamente, sentiu a água descer a sua garganta e soltou um grito de raiva.

— Seu inútil! — Berrou e jogou a taça contra a parede. O vidro se estilhaçou, e o deus afundou o rosto nas mãos, grunhindo frustrado.

— Você está bêbado? — Perguntou uma voz atrás dele no sofá. O deus deu um pulo de susto, não esperando que tivesse mais alguém na sala com ele. Virou-se para ver que fizera tal pergunta absurda, e se deparou com um garoto de cerca de 10 anos.

— Bêbado? — Perguntou e depois riu sem achar graça. O som saiu como o de um cachorro engasgado — Você acha que eu estou bêbado?

O garoto trocou o peso do corpo de uma perna para a outra, visivelmente desconfortável.

— Ahm, não sei. Eu acho que nunca vi uma pessoa bêbada. — Confessou, sem jeito. Dionísio por um segundo achou que aquilo era mentira e que o garoto estivesse tirando uma com sua cara, mas olhando bem para seu rosto pôde ver a inocência nos olhos verdes do semideus.

— Deixa eu te explicar uma coisa… — Tentou buscar seu nome na memória — Ted.

— É Todd.

— Tanto faz. — Gesticulou com a mão — Eu sempre fui conhecido por ser duas coisas na minha vida, Ted. Bêbado e louco — Ergueu dois dedos para ilustrar — Mas como você pode ver, uma delas me foi negada, e agora só restou uma.

Abaixou o dedo indicador e deixou só o dedo do meio erguido. O garoto levantou as sobrancelhas, sem esconder a surpresa e o incomodo.

— Isso foi rude da sua parte, senhor. — Falou.

— Foi? Bem, entrar na minha sala sem bater também foi. — Rebateu mau humorado.

— A porta estava aberta. — Defendeu-se o menino.

— Em minha defesa, meu dedo já estava levantado. — Zombou.

— Você podia ter abaixado o outro.

— É, eu podia fazer muitas coisas na minha vida, Ted. Mas estou aqui nesse maldito purgatório com vocês, pestinhas. — Respondeu dando de ombros.

— Eu vou contar para Quíron! — Protestou.

Malditos filhos de Deméter, pensou Sr. D. Sempre tão moralistas.

— Ah, você vai contar para Quíron? Você por acaso acha que Quíron manda nesse lugar? Que ele está acima de mim? — Perguntou abrindo os braços — Tenho que te informar, Ted, que Quíron não senta aquele traseiro peludo dele em um trono ao lado dos outros olimpianos. Sou eu quem faço isso, logo sou eu que mando aqui. E se você não desaparecer da minha frente agora, eu vou criar uma nova punição para fedelhos enxeridos que entram nas minhas acomodações sem avisar, e ela vai incluir servir de alvo para os filhos de Ares treinarem arquearia.

— Mas eles são horríveis. — Disse o garoto chocado.

— Exatamente! — Berrou Dionísio, assustando o garoto, que saiu correndo em direção a porta.

 


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Notas finais do capítulo

O que acharam? Vou lembrar novamente que os comentários de vocês são muito importantes para mim, então, por favor, não deixem de mandar aquele review maravilhoso, sim?

Muito obrigada por acompanharem, e até o próximo!



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