Os cabelos estavam curtíssimos, na altura das orelhas e escuros, a pele estava bronzeada e seu peso havia diminuido bastante. Os olhos azuis estavam irritados por conta do calor que causava alucinações, mas cintilavam como nunca antes cintilaram. Michelle estava assim, na cidade de Asela, na Etiópia.

Parece ilógico como uma menor de idade foi tão longe, mas não foi muito complicado; uma autorização de embarque assinada pelo pai e documentação adequada foram suficientes. Ela sempre viajava sozinha, sabia bem como proceder. Depois, era apenas despistar. O máximo que descobririam é que esteve na Africa do Sul, quando a procurassem, ela estaria diferente e bem longe.

Desembarcando, encontrou um grupo de médicos voluntários ingleses que distribuiam panfletos sobre suas missões na Etiópia, ela loo se interessou em saber como faria para participar.

– Está certa de que quer fazer isso? A viagem será longa demais e não iremos de avião, iremos de ônibus, pois tem outros lugares que precisam de ajuda, trataremos, daremos mantimentos e ensinaremos aos nativos como usar os grãos que têm para não morrerem de fome. É um trabalho realmente difícil... ver as crianças... você tem que ser forte... - Explicava Josh, um residente (de medicina) simpático.

– Eu aguento, quanto tempo levaremos para chegar?

– Depende. Da última vez levamos seis meses, mas anteriormente levamos um mês dirigindo sem parar, cada um indo pro volante em determinado tempo...

– Eu vou... Não tenho onde ficar, não tenho talentos, mas tenho uma incrível força de vontade, vocês a aceitam? - Miche acrescentou sorrindo.

– Onde há vontade, existe sempre um caminho.

Ela seguiu com grupo, que nunca perguntou sobre seu passado, o que a levou para aquele lugar de sofrimento, ou qualquer outra coisa além de seu nome. Apenas a aceitaram com carinho e braços abertos, ensinando a ela como cuidar de outra pessoa sem receber algo em troca que não fosse gratidão.

Quatro meses de viagem e ela estava em Asela, ensinando crianças a ler, cozinhando grãos, abrindo mão dos cabelos longos por conta do calor e sentindo-se útil e feliz, pela primeira vez na vida.

Sorriu ao imaginar seu pai vendo-a daquela forma. Ele se orgulharia dela ter encontrado um caminho, sentiu saudades.

– Mikee - chamou Clayton

– Por que insiste em me chamar assim, Clay? Sou uma garota!

– Josh não acha...

– Claro que acha... é comigo que ele passa a noite! - Ela piscou para o colega.

– Sim, eu passo a noite com ela! Tentando abaixar sua febre, trocando as bolsas de soro... é tudo o que temos feito nas duas ultimas semanas... - Chegou Josh, interrompendo os dois.

– Vocês deveriam ficar. - rebateu Clay, deixando os dois a sós.

– Acha que ele está certo?

– Desculpe Josh, eu realmente não acho.

– Por quê? Você... disse que gostava de mim ontem quando nós...

– Eu sei que dormimos juntos algumas vezes, eu gosto de você sim, mas eu não sei se é certo...

– Por que não seria?

– Porque eu... vou te contar... tudo.

Ela começou a narrar sua história, desde que perdeu a mãe até sua fuga, o aborto que ela provocou...

– Meu Deus, Michelle... meu Deus...

– Você deve estar pensando que sou um monstro... - subitamente Josh a abraçou forte, acariciando seus cabelos.

– Por que sofreu tanto tempo, sozinha... calada? Eu imagino o que você passou, o que sentiu... por que não me disse?

– Porque não é fácil, eu abortei meu próprio bebê, sabotei a proteção para engravidar... eu destruí a minha vida, e das únicas pessoas que foram capazes de me amar. Como eu contaria isso?

– Você não destruiu sua vida, você acordou para ela. Pare de se mutilar, todos erram e existem pessoas com problemas piores e maiores que os seus... você as vê todos os dias. Comece de novo, comece comigo...

– Josh, não podemos ficar juntos.

– Não podemos ou você não quer isso?

– Não posso, não quero... mesmo gostando de você, não será justo brincar com seus sentimentos. Eu amo Davey, quero ficar com ele.

– E ele? Quer ficar com você ainda? Depois de tudo?

– Eu não sei, me perguto todos os dias.

– Está perguntando pra pessoa errada, deveria perguntar a ele.

E a deixou sozinha, pensando. Talvez ela devesse falar com Davey, ou talvez deveria esquecê-lo e se entregar de corpo e alma para Josh, que não julgava suas atitudes do passado e a queria em seu presente e futuro.