Undead Revolution escrita por caarol


Capítulo 35
Portas Fechadas


Notas iniciais do capítulo

Olá queridos!! Bem vindos de volta, depois desse pequeno intervalo, haha
A fase mais tensa da minha vida universitária acabou de passar (beijos pro TCC, não quero te ver nunca mais, hahaha) e agora tenho tempo (sim, TEMPO) para voltar a fazer qualquer coisa que der na telha - e isso envolve, obviamente, voltar a escrever.
Então, vamos pra mais um capítulo, um relativamente curto e sem ação, mas um capítulo de qualquer maneira hahaha Garanto sangue, zumbis e rock and roll nos próximos (;
Boa leitura!



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Localização: Condomínio de Apartamentos Hayfield Path, West Jordan

18 dias após o Surto.


Hollywood despertou vagarosamente.

Sua consciência ainda passeava entre o acordar e o sono profundo, e apenas lhe dizia que estava deitado sob um leito confortável, com sua cabeça repousando em um travesseiro que cheirava a mofo. Seu corpo inteiro estava entorpecido, como se ainda decifrando as mensagens de seu cérebro malmente acordado para despertar por completo. Pigarreou, sentindo um gosto nem um pouco agradável impregnado em sua língua.

Semicerrou as pálpebras pesadas, tentando focar a visão, e um teto branco acima de sua cabeça deu-lhe as boas-vindas. Uma claridade incômoda, no entanto, invadiu suas retinas sem dó quase instantaneamente, e foi como um grito interno para simplesmente fechar os olhos e voltar a dormir para todo o sempre. Apertou-os à luz indesejada e à enxaqueca que martelou ao fundo de suas têmporas. Um novo foco de dor apenas somou mais à sua consternação, sua mão direita trêmula sendo levada inconscientemente para o ombro esquerdo onde sentia a fisgada.

O toque de algo macio exatamente naquele ponto o fez ponderar por alguns instantes – parecia um curativo, o aveludado de um pedaço de gaze cobrindo um ferimento que queimava por baixo. Havia mesmo se ferido e, julgando pela fraqueza que o impedia de sequer mexer-se sob a cama, não parecia ter sido algo superficial. Forçou sua mente a lembrar-se exatamente o que havia acontecido para ter sido abatido daquela forma. Flashes de sua patrulha pelo prédio, sua entrada no apartamento do terceiro andar, os olhos desvairados do morador que o surpreendeu e a dor de sentir o ombro sendo rasgado não formavam imagens exatas, mas suficientes para entender o que havia acontecido.

Pôde lembrar-se, também, do homem ter falado com ele. As palavras exatas não eram relevantes, não tinha recordação delas, mas Hollywood concluiu que o homem ter falado era um fator importante. Seu cérebro rapidamente uniu os pontos e chegou a uma conclusão simples, porém clara o bastante para descartar uma das mais terríveis possibilidades: não fora atacado por um zumbi. Zumbis não falam. E não sabia exatamente como o agressor havia o atingido, talvez com um pedaço de vidro ou algum objeto cortante improvisado, mas sabia que não havia sido mordido. Tinha certeza de que se tratava de um humano que o atacou e, feliz ou infelizmente, não fora ferido o suficiente para estar à beira da morte. Soltaria um suspiro de alívio se não sentisse seus pulmões tão áridos.

O teto do quarto estava totalmente focalizado acima de sua cabeça agora. Seus olhos se acostumaram penosamente à claridade, o toque do curativo pareceu mais perceptível em seus dedos e o gosto amargo na língua se acentuou desconfortavelmente, seus sentidos finalmente acordando por completo. Seu olfato captou um odor acre, forte, indiscutivelmente conhecido.

Arriscou olhar para sua direita, para o foco do odor, mas o simples movimento turvou sua visão novamente. O que conseguiu discernir foi uma figura sentada ao parapeito da janela, a luz branca que emanava lá fora escurecendo completamente sua fisionomia; a fumaça exalando da silhueta e o cheiro de cigarro, no entanto, confirmaram sua identidade.

– R-road...? – Foi o máximo que sua garganta permitiu. Pigarreou algumas vezes e apertou os olhos para a luz que o cegava parcialmente.

Percebeu uma movimentação da pessoa, que desceu do parapeito e pareceu afundar o cigarro em algo que estava num móvel ao lado. Marchou em direção à cama com passos pesados, que retumbavam ao fundo de seu crânio de Hollywood. Do pouco que a dor e a claridade o permitiram enxergar, viu Road Runner caminhar até a cadeira próxima da cama.

– Bem vindo de volta. – Exalou o ruivo, enquanto sentava-se à cadeira. Suas palavras pareciam distantes, mas ainda percebia-se o alívio em sua voz. – Confesso que já estava ficando preocupado.

Hollywood arriscou um sorriso, mas não sabia se havia sido bem sucedido. Seus músculos ainda pareciam teimar a lhe responder.

– O quê... – Sussurrou de novo e desta vez reuniu forças para apoiar-se nos próprios cotovelos, mas seu corpo ainda não parecia estar preparado para tanto. Sentiu seu ombro fisgar violentamente e ele se estremeceu por inteiro.

Road aproximou-se instantaneamente, suas mãos na esperança de amparar o corpo do loiro caso ele caísse.

– Vai com calma – o ruivo soltou um riso apreensivo e permaneceu a postos para qualquer fraquejar do outro – ou vai estragar todo o nosso serviço.

Hollywood levantou os olhos opacos e confusos e Road simplesmente indicou o curativo com um acenar de cabeça.

– Não foi um trabalho profissional, provavelmente vai deixar uma bela cicatriz. - Ao ver que o loiro conseguiu se amparar pelo menos no cotovelo direito, o ruivo apoiou os braços nos joelhos e levantou os olhos para o curativo. – Mas admito que não ficou nada mal. Fizemos o que pudemos pra não piorar a situação.

– Eu... - Hollywood arriscou, pigarreando novamente.

Sentia como se tivesse engolido areia. Viu o outro se levantar da cadeira e dirigir-se à garrafa de água na mesa de cabeceira.

– Não seria ruim termos um enfermeiro entre nós. – Road soltou um riso irônico, enquanto entornava a água da garrafa em um alto copo de vidro. – Mas botamos as cabeças pra funcionar para fazer alguma coisa efetiva antes que você acabasse perdendo o braço. Foi bom saber que conseguimos nos virar com o que temos de curativos, e que você conseguiu acordar depois de todo esse tempo.

Hollywood franziu o cenho. Viu o copo sendo estendido para si e alcançou-o com sua mão esquerda, balbuciando um agradecimento. O simples movimento de fechar os dedos ao redor do copo fisgou novamente seu ombro.

– Quanto tempo eu... – Começou, antes de tomar grandes goles da água. Estava morna, mas desceu reconfortante pela garganta arranhada.

– Dois dias. – Road respondeu e recebeu o olhar surpreso do loiro. – Por isso que eu falei, estava começando a me preocupar. – Abriu um sorriso fraco. - Você perdeu uma quantidade considerável de sangue, e nossa alimentação não está exatamente bem feita, então deve ter se enfraquecido muito rápido. Já estava desacordado quando Molotov e eu te trouxemos pra cá e só resmungou algumas vezes quando estávamos mexendo no machucado.

– Não... me lembro de nada. – Hollywood virou toda a água garganta abaixo e repousou o copo na mesa de cabeceira, fazendo menção de pegar a garrafa. O ruivo a entregou para sua mão direita. – ...Só de ter sido jogado contra a porta e ter sido esfaqueado com alguma coisa... E de muita dor.

Baixou os olhos para o curativo que cobria boa parte de seu ombro. Um quadrado grosso de gaze preso por tiras de esparadrapo tapavam o lugar que latejava.

Forçou o corpo para cima com o cotovelo direito, tentando sentar-se à cama para beber mais da água. Foi um movimento dolorosamente lento, mas finalmente conseguiu. Empertigou as costas e dobrou as pernas uma na outra. Resmungou de dor algumas vezes, mas conseguiu se ajeitar. Ergueu a garrafa e deu mais goles da água.

– Fizemos você engolir alguns antibióticos, o que deve ter sido a parte mais difícil, já que você estava apagado. – Road voltou a se sentar na cadeira, desta vez cruzando os braços atrás da cabeça. – Infecção você não vai pegar, mas não sei se os analgésicos que te demos depois surtiram algum efeito. – Deu de ombros e vagou os olhos pelo cômodo. - Depois que terminamos e te deitamos aqui no quarto, achamos melhor esperar você acordar para tomar o resto dos remédios, só enfaixamos o lugar do corte pra você não tirar os pontos do lugar. Estamos esperamos você voltar à vida desde então.

– Tirar... os pontos? – Hollywood levantou os olhos para ele.

– Sim, tivemos que costurar seu ombro. Por isso eu disse, não foi um trabalho de profissionais. – Road abriu um sorriso sombrio. – O corte foi mais profundo do que imaginávamos, simplesmente enfaixá-lo não seria o suficiente. Usamos uma agulha que minha irmã tinha na caixa de primeiros-socorros dela e uma linha que ela arranjou de algum lugar. No fim das contas, o Molotov conseguiu dar os pontos e fechou relativamente bem o machucado.

O loiro baixou os olhos para o chão do quarto, pensativo. A dor não era à toa, então. A visão do objeto cortante quase do tamanho de um prato fincado pela metade em seu ombro piscou em sua mente e o fez se sentir nauseado.

– Se faz te sentir melhor – Road voltou a sorrir – a Red passou mal durante o processo inteiro.

Os dois riram em uníssono, o riso de Hollywood mais penoso e seguido de alguns monossílabos de dor. Ele repousou a garrafa de água no chão e forçou suas pernas para fora da cama, apoiando os pés no chão.

– Eu nem sei como agradecer. De verdade. – Levantou os olhos para o outro, sorrindo fracamente.

– Você está vivo, é isso o que importa. – O ruivo acenou com a cabeça, complacente.

– Mas eu... – O rapaz encarou os próprios pés, levando novamente a mão direita para o ferimento coberto. – Eu acabei atrasando tudo. Dois dias... já podíamos estar longe daqui à essa altura!

– Era inviável viajarmos com você desse jeito. – Road cruzou os braços. – E querendo ou não, isso tudo desgastou a todos nós. Precisamos descansar, e um teto e cama quente não são exatamente regalias que vamos ter o tempo todo, não é? Por isso decidimos ficar por aqui por mais um tempo. Você vai se recuperar mais rápido em um abrigo como esse do que no meio da estrada.

– Só estou... me sentindo meio fraco, só isso. Se eu tomar um remédio e comer alguma coisa, já vou estar me sentindo melhor...

– E arriscar que seu machucado volte a se abrir enquanto luta contra zumbis? Vai sonhando. – O ruivo soltou um riso debochado. – A última coisa que precisamos é de você incapacitado. Até esse machucado aí melhorar, não vamos sair com você pra lugar nenhum.

Hollywood levantou o olhar para o outro. Os olhos verdes faiscavam de determinação e ele achou difícil encontrar alguma maneira de convencer Road de mudar os planos.

– Além disso – Road continuou - precisamos abastecer novamente nossos medicamentos. Depois do seu incidente, ficou muito claro que precisamos do máximo de coisas do tipo possíveis. E a comida vai rápido, sempre estamos precisamos estocar. – Voltou o olhar para a janela, na parede oposta à da cama, observando nada em particular lá fora. – Esta cidade é enorme, possivelmente ainda há alguma coisa aí fora que possamos pegar. Chegamos à conclusão de que precisamos estar muito bem preparados, cem por cento em tudo para sairmos daqui.

Hollywood baixou os olhos, conformado. Sabia que aqueles eram motivos o suficiente para permanecerem em West Jordan por mais tempo. Estavam protegidos ali em cima, possuíam transporte para fazerem buscas pela cidade e armas o suficiente para mandar pelos ares um quarteirão inteiro de zumbis. Não podiam mais vagar a esmo, não depois de tantas coisas acontecendo tão freneticamente. Pretendiam chegar ao Oeste, sim, mas de preferência que o fizessem vivos.

Ainda assim, um pensamento amargo brotou repentinamente: eles tinham armas o suficiente para mandar pelos ares um quarteirão inteiro de zumbis, ele inclusive já havia enfrentado hordas do tamanho de pelo menos cinco desses quarteirões – e, no entanto, estava ali, vítima do ataque de um humano. Um único humano presente no mesmo abrigo que seu grupo de sobreviventes, sem dentes infectados, sem infecção alguma, brandindo nada mais do que um pedaço quebrado de alguma janela, foi o suficiente para quase matá-lo.

A ironia daquilo tudo pareceu aumentar sua dor de cabeça.

– Road. – Chamou o rapaz, após alguns instantes em silêncio. – E o homem que me atacou?

O ruivo sustentou o olhar abatido do outro com certa hesitação, soltando um breve suspiro.

– Você não se lembra, então.

– Não me lembro do quê? Do que aconteceu com ele? – Hollywood franziu o cenho. – Só sei que ele me atacou, eu estrebuchei por um tempo e depois tudo rodopiou ao meu redor... por quê? O que aconteceu?

– Quando Molotov e eu chegamos ao apartamento para te ajudar – Road pigarreou, ajeitando-se na cadeira e baixando as mãos para entrelaçá-las em seu colo – havia duas pessoas no chão. Encostado numa parede estava você, ensanguentado e prestes a desmaiar, e no meio da sala estava um homem caído. Quando voltamos para examinar este homem melhor, vimos que ele não tinha mordidas pelo corpo nem nada do tipo. Ele não era um zumbi, estava vivo quando te atacou. – O loiro anuiu fracamente com a cabeça, confirmando. - E como ele estava com um caco de vidro enorme perto da mão ensanguentada, deduzimos que foi com isso que agrediu você. Agora, ele foi morto por conta de uma bala na cabeça, e a julgar pelo fato de você estar com a espingarda em uma das mãos quando te encontramos... – Emudeceu-se por alguns segundos. – Nós chegamos à conclusão, que durante o ataque, você atirou nele para se defender.

– Eu atirei nele? – Hollywood desviou o olhar para os próprios pés, franzindo o cenho. – Eu... me lembro de um estouro, um barulho alto, mas já estava tudo muito confuso, eu não conseguia focar em mais nada além da fenda no meu ombro...

– Foi o barulho do seu disparo. Foi o que nos fez procurar por você.

– E ele... Eu realmente o acertei? – O loiro levantou o olhar para o outro novamente. – Fui eu... quem o matou?

Road se silenciou por alguns instantes. Hollywood o fitava com uma intensidade difícil de decifrar.

– Sim. – Respondeu o ruivo, enfim. – Mas se você não tivesse atirado nele, jamais saberíamos que tinha sido atacado, Hollywood. Se por um acaso fôssemos procurá-lo, seria muito depois e você já teria perdido muito sangue... Poderia ser tarde demais.

– Mas... eu não... – O loiro voltou a afastar os olhos, absorto em pensamentos. – Porque ele me atacou daquele jeito? Droga, porque ele quis me matar? Eu não ia fazer mal nenhum para ele, eu não sou zumbi para atacá-lo no esconderijo dele, porque ele...?

Road Runner permaneceu calado. Não havia respostas certas para aquelas perguntas – possivelmente, apenas o próprio homem que o atacou poderia respondê-las com clareza, mas isso já não seria mais possível.

Hollywood apenas fitava as próprias mãos, a dor de seu ombro servindo tanto de lembrança viva para aquele momento como de fonte para mais dúvidas. Road apenas erguia os olhos de soslaio para ele vez e outra. Permaneceram em silêncio por alguns minutos, embalados por ruídos vindos do outro lado da porta fechada do quarto, delatando atividade dos outros sobreviventes do grupo.

– Depois que cuidamos de você... – O ruivo se manifestou, vacilante. – Nós vasculhamos o prédio inteiro, todos os apartamentos, para evitarmos mais surpresas como essa. Aparentemente só nós e o homem do 305 descobrimos esse lugar... Está limpo de zumbis também, mesmo nos arredores. Só tivemos que abater uns dois que estavam se aproximando muito da caminhonete lá embaixo, mas fora isso, mais nada.

– Que bom. – Murmurou o loiro, ainda cabisbaixo.

– E ontem nós fomos para o apartamento que você foi atacado, tentar entender o que aconteceu ali. E vou te contar, o esconderijo que aquele cara armou naquele lugar é bem diferente do que nós esperávamos encontrar. – Road recebeu o par de olhos confusos de Hollywood. – E nós... acabamos chegando a uma conclusão que provavelmente explique essa bagunça toda.

– É sério? O que diabos aconteceu afinal?

– Se eu fosse você – Road baixou o tom de voz – esperaria para ver com os meus próprios olhos.





Localização: Base Militar e Centro de Pesquisas de Grantsville, Utah

18 dias após o Surto.


Alguém abriu, sem cerimônias, a porta de ferro da ala de enfermaria e entrou em polvorosa. Era uma mulher de uns sessenta anos de idade, de baixa estatura, com o corpo volumoso envolto por um jaleco encardido de mangas curtas e o castanho de seus cabelos, ganhando tons claros e grisalhos, elevados desajeitadamente em um coque. Acima do bolso do jaleco, à altura do peito, lia-se “Drª. Louise Reille”.

Carregando uma prancheta repleta de folhas nas mãos e um mau humor visível no rosto, ela partiu em direção a uma das últimas portas ao final do corredor da enfermaria. Dava passos apressados com seus pequenos pés enfiados em mocassins, folheando rapidamente o bloco da prancheta e balbuciando palavras para si mesma. Vez e outra levantava os grandes olhos azuis para as camas, lançando uma olhadela por cima dos óculos redondos para aqueles que as ocupavam. Não eram muitas camas, apenas duas fileiras com aproximadamente dez de leitos em cada; ainda assim, no momento, quase todas estavam ocupadas.

A maioria dos enfermos eram soldados do imenso batalhão que fora formado ali na Base. Estes estavam na enfermaria por algum tipo de indisposição, fosse de inanição, insolação, desidratação ou quaisquer outras condições do tipo. Os cadetes ficavam fora do abrigo praticamente dia e noite inteiros, guardando, protegendo, abatendo invasores e fazendo viagens às cidades vizinhas, apenas para voltarem ao acampamento e terem uma refeição restrita e nutricionalmente pobre. Isso tudo claramente estava exaurindo mais deles a cada vez.

Alguns estavam com alguns ferimentos leves e outros com ombros deslocados ou tornozelos luxados. No geral, mais alguns dias sob supervisão e estariam de volta à ativa – o que significava que em pouco dias provavelmente já estariam ali sob seus cuidados novamente, já que aquilo tinha tudo para ser um ciclo sem fim. Estavam no acampamento militar a poucos dias e tudo era muito fresco e recente no mundo lá fora; mas parecia que estavam naquela rotina a meses, tamanha a aura de estresse, exaustão e rigor que pesava sob os ombros de cada um dali.

Alguns dos soldados acordados acenaram cabisbaixos para a Drª. Reille e ela simplesmente os respondeu com anuíres de cabeça. Prestava mais atenção nos leitos em si do que nos enfermos propriamente ditos - os lençóis não estavam exatamente limpos, os copos de água demoravam a se encherem, as bolsas de soro estavam acabando e já estava quase no horário de servir a escassa refeição.

Logo teria de atender aos soldados ela própria, já que dois de seus enfermeiros estavam cuidando de um casal de civis que havia acabado de ser resgatado, em péssimas condições, e os outros dois estavam na ala menor ao lado, atendendo as crianças. Àquele passo, mais alguns leitos ocupados e ela e sua pequena equipe não dariam conta. Isso quando não apareciam aqueles com sangramentos terríveis, braços quebrados ou alguma doença mais preocupante.

Louise soltou um suspiro; dali para frente era só ladeira abaixo. Mas estava ali para fazer seu trabalho, ajudar aqueles que estavam protegendo a ela e a todos os outros daquele lugar, e não iria deixar de exercer seu trabalho. Tinha a sensação de que, mesmo depois de décadas se dedicando àquele serviço, aquele era o momento em que seu conhecimento na profissão seria mais relevante.

Chegou à porta do pequeno escritório ao final do corredor de leitos e a abriu ainda folheando os papeis da prancheta.

– Essas listas estão me deixando maluca! – Exalou, contrariada, enquanto fechava a maçaneta ao entrar no cômodo. – Está complicado dar baixa em todos os remédios, fora que sempre parece sempre estar faltando alguma coisa! De que ainda dar uma lista para eles se nunca trazem o que precisa?

Largou a prancheta na pequena mesa e retirou o jaleco, pendurando-o atrás da porta. Naquele momento se deu conta de que resposta alguma tinha sido dirigida para ela, e apenas um burburinho abafado diferenciado preenchia o ar daquela sala. Virou-se nos próprios pés e viu a moça alta e bem esguia, para a qual dirigia suas palavras, parada em frente de outro pequeno móvel ao fundo do escritório.

– Terri? – Chamou Louise.

– Venha ver isso, Drª Reille. – Respondeu a outra, sombria.

Louise franziu o cenho e caminhou rapidamente até ela. Estranhou o tom de voz carregado de ansiedade da moça e, mesmo de costas, era fácil observar que estava com os braços cruzados.

Terri McDuncan possuía uma presença forte, obviamente herdada de seu pai. Tinha autoridade e disciplina natos que, atrelados ao seu vasto conhecimento de ciências médicas, lhe dava uma determinação invejável mesmo naquelas condições. Seu olhar duro dificilmente se abalava e ela nunca demonstrava fragilidade, ganhando respeito inclusive dos militares de diversas patentes que também viviam ali.

Naquele momento, porém, Louise percebeu que os ombros da moça estavam retesados e os dedos magros agarrados aos braços. Ela parecia encolhida, vulnerável, com os olhos arregalados, temerosos, cravados a o que emanava os burburinhos pela sala. Do pouco que conhecia Terri, sabia que aquela não era um pose típica de sua enfermeira-chefe.

Parou ao lado da moça, e as diferenças físicas entre as duas tornaram-se ainda mais gritantes, não só em suas alturas – a mais velha era naturalmente pálida, de olhos claros e as bochechas bem redondas, com cabelos ralos tornando-se esbranquiçados, e a mais jovem, de trinta e poucos anos, era negra, tinha o rosto bem anguloso, com os cabelos curtos bem fartos e tão escuros quanto seus olhos.

A Drª Reille baixou o olhar para o que a outra tão aflitivamente observava.

A televisão do escritório, tão negligenciada nos últimos tempos por falta de quaisquer sinais de satélite, agora lhes mostrava imagens de baixa resolução - a captação parecia piorar e melhorar concomitantemente e estava muito difícil entender exatamente o que estava sendo transmitido, mas era possível identificar que se tratava de um boletim de notícias.

– Mas o quê... – Louise deixou escapar, apertando os olhos para as imagens.

– Acabei de ligá-la. – Terri respondeu, ainda sem mexer um músculo do restante do corpo. – Não sei por que, só liguei, e ela simplesmente funcionou. Quero dizer, só esse canal funcionou, os outros continuam fora do ar.

– Funcionou daquele jeito né, não dá pra ver muita coisa.

– Mas não está fora do ar, já é alguma coisa.

– Esta porcaria não capta sinal desde que viemos para cá, porque isso agora? – Murmurou a mais velha, mais para si mesma, recebendo um sutil dar de ombros da outra. – Que os oficiais aí fora conseguem sinais via ondas de rádio e outras coisas assim eu entendo, agora telefone, internet, tudo o que precisa de sinal de satélite ou de alguma torre de transmissão parece ter desaparecido!

– Mas esse canal está funcionando, mal, mas está. Não é possível que já ficamos sem quaisquer meios de comunicação ou de transmissão de informação dessa maneira. Estamos em pleno século vinte e um, é para terem algum plano alternativo ou alguma coisa assim para evitar o blackout total dessas coisas, não é?

– O problema é que zumbis não estavam nos planos alternativos, Terri, disso pode ter certeza.

Terri desviou os olhos e a Drª. Reille soltou um suspiro, repousando as mãos nos quadris.

– Mesmo que a nossa televisão não esteve captando sinal direito aqui - a mais nova arriscou, contrariada - este canal está transmitindo alguma coisa. O estúdio ainda está funcionando, ainda devem haver pessoas reportando o que está acontecendo mundo afora. Eles devem saber que em algum lugar, alguém deve estar assistindo a essas notícias além de nós.

– Isso se ainda existir esse alguém em algum lugar. – Retrucou Louise, amarga, com um suspiro.

Terri não respondeu. Crispou os lábios, pensativa, e juntou-se ao silêncio aflitivo da outra na expectativa do sinal de transmissão daquele canal melhorar.

– Preciso voltar às listas – Louise proclamou, após alguns instantes em silêncio, voltando-se em direção à mesa principal – ainda tem muito o qu-

– Louise, espere...!

A mais jovem apontava para a imagem colorida que se formava com mais nitidez. A qualidade da transmissão ainda estava debilitada, mas tanto cores quanto o som estavam mais visíveis.

A Drª Reille baixou os olhos para a televisão, franziu o cenho e cerrou os dentes. A imagem realmente havia melhorado, e com isso, veio a preocupação do que eventualmente presenciariam sendo televisionado. Por um lado, era ótimo ainda conseguirem captar sinais de transmissão de televisão, isso significava que outros meios de comunicação talvez ainda não tivesse sumido da face da Terra por completo; porém, como não havia qualquer assunto mais relevante do que as condições surreais e primitivas que vivenciavam, com o caos e o perigo proporcionado por nada mais do que mortos-vivos, e era justamente sobre isso que aquele telejornal devia estar transmitindo.

Aquela não devia estar sendo uma situação exclusiva apenas de seu país; porém, vislumbrar o que acontecia no restante do mundo através daquela televisão apenas para confirmar o fim da sociedade humana como conhecia a fez sentir um nó no estômago. No fundo de sua mente, ela já tinha certeza do que veria ali, e sabia que Terri devia estar concluindo a mesma coisa - ainda assim, nenhuma das duas arriscou desviar os olhos da tela do televisor.


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Notas finais do capítulo

Lógico que o Hollywood tá vivo, né, quem sou eu pra tirar ele de cena desse jeito, hahaha
E taí, mais duas personagens - digam olá para a filha de Gregory e a médica responsável da base científica. Inicialmente eu tinha planejado para a Terri ser uma adolescente vivendo à sombra do pai militar em uma situação complicada como essa, mas de uns tempos para cá vim revendo o enredo em si e decidi encaixá-la como adulta mesmo. A maturidade da personagem vai ser importante.
Tenho grandes planos para ela, Louise e para o Major neste cenário diferente, e acho que vocês vão gostar do rumo que as coisas vão tomar para eles. Sem esquecer do nosso grupo principal lindo né, ainda vem muito tiro, porrada e bomba pra cima deles por aí, não se preocupem, haha!
Espero que tenham gostado, seus lindos, de verdade!
Vejo vocês nos próximos! ;*



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