Undead Revolution escrita por caarol


Capítulo 31
O Resguardo e O Desencontro


Notas iniciais do capítulo

Olá queridos!
Antes de mais nada, um aviso: este não é o capítulo MolotovxGer, e sim o próximo que será. Eu me confundi, perdão! HAHAHA Desculpe por aumentar as espectativas hahaahaha
De qualquer maneira, espero que gostem do capítulo!
Ficou relativamente curto e, novamente, é mais transicional e para nos situarmos na atual situação do grupo. O próximo será mais emocionante, prometo!
Boa leitura!



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Localização: Condomínio de Apartamentos Hayfield Path, West Jordan

15 dias após o Surto.


Germany apoiou as mãos no mármore frio da pia do banheiro. Sentia-se tonta, uma vertigem súbita e indesejada enevoando o fundo de seus olhos. Fechara-os na tentativa de se recompor, apertando as pálpebras e crispando os lábios. Sua pele exposta arrepiava-se com o frio que fazia ali dentro, a toalha que lhe cobria parte do corpo, ainda úmido, não ajudando a mantê-lo aquecido. Dos cabelos molhados pingavam gotas remanescentes do banho gelado, aumentando o arrepio de seus ombros e fazendo-os se encolherem ainda mais.

Achou certa graça em sentir-se enfraquecida logo após tomar um banho. Era como se seu corpo tivesse se desacostumado da sensação de limpeza, da fragrância de sabonete, de ter a sujeira física e emocional sendo levada ralo abaixo. Nas atuais circunstâncias, sentir o frescor limpo em sua pele e o toque felpudo de uma toalha de banho não seriam regalias as quais teria acesso com a frequência que desejava; ainda assim, ali estava ela, com o cheiro adocicado do shampoo que Red arranjara e a suave rugosidade na ponta dos dedos por conta da água, ambos também sentidos há poucos dias atrás, durante a estadia na casa de Frank Cross.

Abriu os olhos vagarosamente, com medo de perder novamente o equilíbrio. Levantou o rosto para olhar-se no pequeno e sujo espelho acima da pia, e mal reconheceu aquela garota que a fitava de volta. A iluminação fraca do banheiro formava um contraste alegórico de luzes e sombras no reflexo de seu rosto, dando-lhe uma aparência atípica e sombria. Apesar do banho revigorante, sentia-se exausta, estava abatida e com um aspecto pouco sadio. Amargura e alarme pareciam permanentemente estampados em seu semblante, com novas rugas de preocupação surgindo em seu cenho a cada dia.

A mais nova, aliás, possuía um nome já conhecido pela garota: Tyler Mace.

O adolescente de moicano colorido, o namorado cuca-fresca e inconsequente de sua irmã Jill – isso apenas para começar a descrevê-lo. Nunca morrera de amores pelo garoto, mas o conhecia a tempo suficiente para criar uma simpatia por ele e para esta se tornar recíproca. A garota sabia que ele não era um exemplo de candura adolescente e que certamente levava Jill no banco do passageiro em sua maré de rebeldia e experimentações da puberdade; mas, ao que aparentava, ele tratava a irmã caçula de Germany com toda a ternura possível. Tyler idolatrava Jill, e nunca deixara dúvidas quanto a isso.

Ainda assim, ele era um garoto-problema, metido até o pescoço com pessoas mais problemáticas ainda. Germany tinha quase certeza de que estas mesmas pessoas deviam ter sido as responsáveis por ele estar naquelas condições na delegacia. Faltava arrancar essa verdade dos lábios dele e criar coragem para partilhar da informação com o restante do grupo.

A aceitação de Tyler não foi unânime, obviamente. Road e Hollywood esbanjaram receio e desconfiança assim que os outros jovens saíram com o “protótipo de Sid Vicious”, segundo o loiro, sendo carregado por eles. As explicações de Germany acerca do garoto não convenceram os outros rapazes, mas o grupo não estava com tempo para discussões. Ainda precisariam fazer a busca por provisões e por um abrigo e não poderiam simplesmente largar o adolescente, aparentemente livre da infecção, sozinho e à mercê dos perigos da cidade. Germany repetia incansavelmente para todos que cuidaria de Tyler e que ele não traria problemas.

Agora ela ecoava aquelas mesmas palavras, suas próprias, para seu reflexo, na tentativa de convencer a si mesma daquilo, mas com a descrença em seu monólogo crescendo mais a cada segundo.

Batidas na porta a libertaram de seus devaneios, sobressaltando-a.

– Ger?

O sussurro abafado de Red preencheu o silêncio dentro do banheiro.

– Já estou saindo. – Respondeu a morena, rapidamente.

– ...o Tyler acordou.

Aquelas palavras abalaram Germany mais do que ela gostaria. Com um suspiro, apertou as têmporas com as pontas dos dedos, como se forçando sua mente a trabalhar a seu favor e a permanecer sã e sólida. Em algum momento teria de lidar de uma vez com o “problema Tyler”, e aparentemente o momento havia chegado.

Respirou fundo. Feliz ou infelizmente, ele estava ali, e finalmente acordado. Faria de tudo, então, para aproveitar a presença dele e arrancar respostas sobre a cidade e sobre sua família. Desenrolou a toalha de seu corpo e tratou de vestir-se rapidamente, saindo do banheiro logo depois.



O pequeno corredor que serpenteava pelo apartamento, e desembocava em pouco menos de meia dúzia de portas, estava ainda mais frio do que o banheiro. Germany ajeitou a mochila com suas coisas nas costas e desviou os olhos inconscientemente para seus lados, fitando com receio os cômodos mais próximos, abertos e vazios. Não confiava na solidão, quietude e aparente calma daquele lugar. Temia que, a qualquer momento, de qualquer canto das paredes, um antigo morador surgiria, tão decrépito quanto outros tantos que encontrara, e pronto para devorar os novos habitantes.

Fazia pouco mais de três horas que estavam no novo abrigo e nada de surpresas desagradáveis com mortos-vivos. O complexo de apartamentos Hayfield Path estava completamente deserto, pelo menos desde o momento em que o grupo irrompeu pela entrada com a Ford Ranger rugindo os grossos pneus. Não fosse pela meia dúzia de carros abandonados, malmente estacionados pelas pequenas vielas e vagas de estacionamento, acreditariam que ninguém sequer chegou a morar ali antes do Surto.

Se estivesse deserto, que permanecesse deserto, pelo menos ao conhecimento do grupo. A menos que outros sobreviventes abrigados viessem a seu encontro quando soubessem de sua chegada, os jovens decidiram não checar todas as habitações do complexo à procura de mais pessoas vivas. Era pelo menos uma dúzia de pequenos prédios, de cinco andares para mais cada, e bem espaçados uns dos outros; não só perderiam um bom tempo revistando todos eles, como a probabilidade de moradores mortos estarem residindo nas ruínas daqueles apartamentos ser muito maior.

Ainda assim, tinham quase certeza de ser um local realmente abandonado. Era o mais afastado do centro da cidade que avistaram assim que completaram a busca por provisões, e, como tinha uma localização relativamente favorável, com prédios em condições razoáveis, decidiram que ali seria seu abrigo pelo menos para aquela primeira noite. A escuridão logo tomaria conta da superfície e eles não pretendiam vagar por uma cidade coberta de sombras – os perigos afloravam na calada da noite e os fortes faróis da caminhonete de Road poderiam chamar mais atenção do que desejavam.

Não menos importante, eles precisavam descansar. Um abrigo mais aconchegante do que a Ford Ranger seria muito bem-vindo, com o mínimo de conforto para uma noite melhor de sono, e também os auxiliaria a organizarem os pensamentos e as provisões, a prepararem suas novas armas e discutirem um novo plano de ação.

Estavam longe de terem todos os mantimentos e equipamentos que precisavam, mas só sairiam para uma nova busca durante o dia. Torciam pelo anoitecer em West Jordan permanecer sossegado e sem surpresas e o amanhecer garantir maiores abastecimentos e menos preocupações.


Após a saída turbulenta da delegacia, levando um desacordado adolescente em encalço, os jovens foram parando em todas as mercearias, farmácias, supermercados e lojas de conveniências que encontravam, conforme dirigiam cautelosamente pelos subúrbios da cidade. No entanto, para o desgosto e desapontamento geral, grandíssima parte dos mantimentos e remédios já havia sido levada por tantos outros sobreviventes que passaram em desespero por ali, não deixando muita escolha ao grupo senão apanhar o que havia sido deixado para trás.

A cidade havia sido saqueada, revirada e desfalcada por seus habitantes frenéticos – aquilo não era surpresa, no entanto. West Jordan já devia estar sendo atacada por zumbis há dias, e era visível que as pessoas que conseguiram sobreviver e ver uma chance de fuga se abasteceram o máximo que podiam. Para os sobreviventes errantes, como os jovens do grupo, sobraram as migalhas. Não reclamaram dos achados, haviam conseguido o mínimo de enlatados e não perecíveis para mais alguns dias e Red abastecera sua caixinha de primeiros socorros, mas estava longe de ser o suficiente. Se pretendiam partir de West Jordan e rumar em direção à Zona de Segurança em Nevada, precisariam se preparar melhor para a provável escassez do futuro.

Quanto a uma coisa, no entanto, estavam mais bem equipados: armas e munições. Glocks, rifles, espingardas, caixas de munições, todas faziam parte do mais novo arsenal dos jovens sobreviventes, juntamente das armas brancas já usadas em combate, como punhais, facões, o machado de Hollywood e o taco de críquete de Red. Tinham poder de fogo e novos equipamentos de segurança e isso os deixava mais confiantes – podiam fazer turnos de vigia com maior proteção, tinham sinalizadores, walkie-talkies novos, até sprays de pimenta, cordas e pistolas de gás. A parada no departamento de polícia da cidade os garantiu nesse quesito, e, quanto a isso, Germany pode se sentir mais aliviada. A ida para sua segunda casa não fora em vão, pelo menos.



Hesitante, Germany atravessou o estreito corredor e estancou os passos antes de avançar para a pequena sala de estar. Desviou os olhos para sua direita, para a cozinha e sala de estar embutidas, notando a grande mesa de mogno repousando no centro. Esta, agora, estava repleta de armas, munições, malas e sacolas, todas esparramadas pela madeira e sendo meticulosamente organizadas por Road Runner e Molotov. O brilho incomunmente entusiasmado que faiscava nos olhos dos dois transparecia orgulho e um ensandecido divertimento perante seus novos brinquedos.

À esquerda da garota estava um dos pequenos quartos do apartamento. Do que a morena conseguira enxergar dali de dentro, Red estava parada à frente da cama com uma expressão de poucos amigos, repousando uma das mãos na pistola que pendia do bolso de sua calça de moletom e com as sobrancelhas bem franzidas. Seus cabelos alaranjados estavam levemente escurecidos e com os fios mais lisos e pesados do que o normal, confirmando visualmente que também já haviam sido lavados recentemente.

Antes de adentrar o cômodo, Germany tirou a mochila das costas, recostando-a na parede do pequeno corredor. Levantou brevemente os olhos para a entrada do apartamento, podendo ver Hollywood prostrado poucos centímetros para fora da soleira da porta, com os pés alcançando o corredor principal do andar.

O loiro fazia seu turno de vigia sentado em uma cadeira velha de madeira, a espingarda em riste sob os dedos tensionados, e com uma garrafa de água e um pacote aberto de salgadinhos próximos a seus pés. Desviava os olhos a todo o momento para os dois lados do corredor, apontando os canos da arma para a direção de qualquer barulho suspeito. Já o pequeno Sam estava empoleirado no batente da única e grande janela da pequena sala de estar, os olhos cravados na noite que começava a cair lá fora. A visão privilegiada do penúltimo andar da construção permitia que enxergassem além das proximidades de Hayfield Path, garantindo um bom esquadrinhar do terreno.

Germany voltou a fitar o quarto à sua frente, analisando-o por alguns instantes. Respirou fundo e adentrou-o com passos firmes.

O cômodo estava mais abafado do que o restante do apartamento, o pequeno aquecedor antigo dali fazendo alguns chiados sibilantes. O pouco que sobrara relativamente intacto da decoração do quarto eram os diversos pôsteres de bandas de rock colados no teto e nas paredes, alguns móveis antigos, com as gavetas reviradas e meias e cuecas espalhadas, e dois violões quebrados jogados ao canto. Várias coisas do antigo morador ainda estavam ali dentro, e aquele pensamento fez Germany sentir-se ligeiramente incomodada.

Ainda assim, visualmente, aquele parecia o abrigo perfeito para o jovem punk que estava deitado na cama de colcha azul marinho.

Tyler estava com as pernas esticadas, a barra surrada da calça jeans cobrindo levemente seus pés descalços. Tinha um dos antebraços repousando acima de seus olhos, como se os protegendo da claridade vinda da lâmpada do quarto. Estava com o tronco esguio coberto por uma pesada jaqueta, esta ainda suja de manchas de sangue – ele era o único dali que ainda não havia entrado debaixo do chuveiro ou sequer trocado de roupas.

Respirava ruidosamente e parecia estremecer levemente vez e outra. Com a mão livre, cravava os dedos na colcha abaixo de seu corpo, apertando e soltando o tecido num movimento ritmado.

Red e Germany estudavam a cena com ligeira curiosidade. O adolescente não estava mais no estado catatônico de algumas horas atrás, mas não parecia exatamente em juízo perfeito. Além do quê, ele permanecera meio acordado, meio dopado, por todo aquele tempo desde que fora encontrado, só agora realmente estando desperto. Se seria capaz de esclarecer alguma coisa para Germany, a ruivinha não tinha muitas convicções.

– Red? – A morena a chamou, num sussurro. – Pode... nos dar licença?

Red encontrou o olhar da outra garota, num apagado azul de esmorecimento. Com certa hesitação, anuiu debilmente com a cabeça.

– Eu... vou fazer alguma coisa pra gente comer.

Germany sorriu timidamente, em agradecimento. A ruiva lançou um último olhar desconfiado para o adolescente, saindo rapidamente do quarto logo depois e fechando a porta às suas costas.



– Tyler?

Ao som da voz de Germany, o garoto retirou o antebraço de seu rosto, recaindo o olhar arregalado para a morena.

A face abatida dele se iluminou instantaneamente e seus lábios finos se repuxaram em um cansado, porém aberto sorriso. Sentou-se com um impulso na cama, inclusive surpreendendo Germany com a momentânea injeção de energia.

– Ann? – Seu nome verdadeiro, sussurrado pela voz rouca dele, pairou pelos pensamentos da garota. – ...A-ann! Caralho, é-é você mesma?

Tyler jogou suas pernas para o lado da cama e tentou se levantar tão rápido quanto se sentou, mas perdera facilmente o equilíbrio. Ainda se sentia zonzo e enfraquecido. Sentou-se novamente no colchão, apoiando a cabeça em uma das mãos graças à tontura.

– Tyler – Germany se aproximou com passos rápidos – fique deitado, você ficou apagado por muito tempo, deve estar enfraquecido e...

– Eu... – O adolescente abriu os olhos lentamente, levantando-os paulatinamente para a morena. Ele ainda parecia meio grogue. – Você... voltou pra West Jordan. Mas...? Ann, como você...?

– Pois é – ela abriu um sorriso triste – estou de volta. Nós te encontramos, você estava-

– “Nós”? – Tyler arregalou os olhos claros. A vermelhidão ao redor de suas íris tornou-as ainda mais azuis. – Você e a menina ruiva?

– ...E os outros sobreviventes do grupo. – Germany acrescentou rapidamente, tentando conter sua impaciência. Não queria dar muitas explicações ao garoto; afinal, ele que deveria estar esclarecendo coisas por ali. – Entramos em West Jordan para reabastecermos, paramos na delegacia para pegarmos mais armas de fogo e encontramos você algemado lá.

– Reabastecer? Armas de fogo? - Tyler estremeceu levemente, encolhendo os ombros magros.

– Sim. – A morena apertou os olhos, aproximando-se do garoto até sentar-se ao seu lado na cama. – Tyler... Você tem consciência do que está acontecendo, não tem? Você sabe... o que tomou conta do planeta?

– Se eu s-sei que agora os mortos andam e atacam os vivos? – O adolescente sustentou o fitar preocupado da garota. – Que só faltou essa cidade entrar em combustão espontânea e dragões aparecerem no céu pra tudo virar uma merda completa, digna de um filme de quinta categoria? Sim, eu sei o que está acontecendo, s-só o que aconteceu nesses últimos dias foi eu ser perseguido por essas coisas! Eu quase morri! Caralho, e-eles quase me comeram vivo! O quão absurdo é isso?! – O garoto ria nervosamente, incrédulo, com os olhos arregalados e os braços finos envoltos do próprio corpo, seu tronco convulsionando com as risadas histéricas.

– Tyler, olha pra mim! – Germany repousou a mão sobre um dos ombros do garoto, na tentativa de confortá-lo. – Fique calmo, você está seguro agora, estamos bem abrigados, entendeu?

O garoto parou de se estremecer e voltou a olhar a morena. Parecia estar à beira do choro. Assim que ele voltou a prestar atenção, a garota soltou um suspiro pesaroso.

– ...Mas para você continuar conosco, preciso convencer o restante do grupo que podemos confiar em você.

– Senão – o garoto a interrompeu, escancarando os lábios – vocês vão me pôr pra fora? V-vocês vão me deixar sozinho, eu vou voltar pro inferno que está lá embaixo?! Não, Ann, eu não...!

O adolescente tapou o rosto com as mãos trêmulas, voltando a se sacudir e a murmurar palavras incompreensíveis, agora realmente em prantos. Germany viu-se desarmada quanto à reação do garoto – ele parecia estar tendo um ataque de pânico, nunca o vira transbordando tamanho desespero.

– Não vamos colocar você pra fora! Preste atenção, Tyler! – Germany levantou-se num pulo, sua voz tentando sobressair-se aos esganiçares do adolescente. – Tyler, cale a boca!

O garoto calou-se no mesmo instante, seus olhos duas grandes órbitas avermelhadas e marejadas. Os dedos finos ainda tremiam levemente, mas seu corpo esguio parara de sacolejar. O fitar subitamente autoritário da garota o fez encolher-se levemente – ela nunca falara daquela maneira, tão duramente, com ele antes.

– Eu sei que isso tudo é difícil de engolir... Acredite, tenho dias de pânico entalados na minha garganta por conta disso – ela fez um gesto com o indicador, apontando para o próprio pescoço – mas teremos outra hora para colocarmos as mágoas pra fora. Agora eu preciso de respostas, e respostas rápidas.

Tyler, paralisado, ainda a encarava com os olhos arregalados e marejados. Percebendo o alarme do garoto, ela suspirou, baixando levemente os ombros tensos.

– Se quer continuar conosco, acho bom você começar a falar... Por favor. – Tentou uma maior suavidade nas palavras, apesar de seu desespero aparente. - Estamos curiosos, no mínimo, pra saber o que diabos você estava fazendo na delegacia, mas... Mas antes... - Engoliu em seco, aflita. - Por favor, comece pela minha família. Onde eles estão, Tyler? Você viu a Jill, você sabe deles? Eles estão na cidade? Eles estão...?

– Vivos? – O garoto baixou paulatinamente as mãos, repousando-as no colo, e fungou sutilmente algumas vezes. Calou-se por alguns instantes, seus olhos vidrados vagando por diversos pontos do chão do quarto, confuso com os próprios pensamentos e tentando encontrar a confirmação para suas palavras num mar de memórias nebulosas. – S-sim, eles... Quando os vi, eles estavam bem. Quer dizer, bem é difícil estar nesse caos todos, né, a Jill estava uma pilha de nervos, gritava comigo sem parar, mas... se me lembro bem eles estavam firmes até, estavam...

– Estão vivos, então? – A garota soltou o ar com dificuldade.

Era só o precisava saber para acalentar sua mente afligida. Passou os dedos pelos cabelos úmidos e logo sentiu a vertigem lhe acometer novamente; desta vez, incorporando a sensação tremenda de alívio que sentira recair em seus ombros.

– Acho que sim... pelo menos estavam da última vez.

– E quando foi isso? Quando você os viu pela última vez? – A garota começou a zanzar à frente do adolescente, subitamente agitada, com passos curtos de um lado para o outro. - Eles ainda estão na cidade?

– Não – Tyler baixou os olhos, uma súbita tristeza perpassando seu rosto – foram embora já faz um bom tempo, dias na verdade... a Jill... ela não queria me deixar aqui, quase convenceu o pai de vocês a me levar junto – ele soltou um riso baixo, seguido de um fungar – mas eu...

– Eles... foram embora? – Germany desviou os olhos, perdida em pensamentos. Ainda caminhava debilmente pelo quarto, fazendo a mesma trajetória.

– Sim. Acho que isso é bom, não é? Quer dizer, é um saco a Jill ter ido embora, eu queria... queria ajudar a protegê-la, queria... – Ele chacoalhou a cabeça, e fungou novamente. – Mas... ficar nessa cidade é morte certa. Não sei como eu ainda estou aqui e-

– Para onde eles foram?

O adolescente calou seus murmúrios, cerrando a mandíbula e evitando o olhar da garota.

– Tyler – Germany estancou os passos – para onde eles foram?

– E-eu... eu não tenho certeza, mas pouco antes de partirem, Jill comentou alguma coisa de irem para... bem, de irem atrás de você.

Germany sentiu um afundar em seu estômago, um súbito tapa de realidade em seu cérebro atordoado.

Foram atrás dela? Sua família estava voltando por todo o caminho que ela fizera para encontrá-los... para irem buscá-la? E ela ali, justamente onde eles estavam antes?

Um aperto envolveu seu coração, como se duas mãos o constringissem sem dó. Sentiu uma súbita vontade de chorar; censurara Tyler pela crise de choro, mas ela própria sentia que começaria a convulsionar em prantos, como ele fizera há pouco.

Sua família estava viva, sim, porém longe de estar sã e salva. Seus pais e sua irmã conseguiram sair da cidade, mas estavam à mercê de todos os outros perigos que a própria garota havia passado até o momento. Passando pelas mesmas rodovias traiçoeiras, pelos mesmos cenários lúgubres... Apenas para chegarem a seu destino e descobrirem que a filha mais velha não mais estaria lá, e eles sequer saberiam se ela ainda estava viva ou não. Recairia neles o mesmo efeito de perda e desesperança que ela sentia sob si própria.

Um grande e desastroso desencontro.

Germany sentiu a parede fria do quarto em suas costas.

– Ann? – Tyler sussurrou, engolindo em seco. – Eu... eu sinto muito, eu...

A morena fez um sinal com a mão, um gesto para o garoto se calar, como se as palavras dele estivessem atrapalhando sua tribulada linha de pensamentos.

Após alguns minutos calada, paralisada, Germany deu alguns passos para frente.

– Tyler. – Chamou-o, sombria, de súbito. - Vi seu celular no seu bolso quando tiramos você da delegacia. Ele está funcionando? – O garoto mal anuíra com a cabeça, entreabrindo os lábios para responder, e a morena logo o interrompeu. - Me dê o seu celular.

– M-mas, o quê...? Vai ligar para Jill? – Ele indagou, receoso. – É perda de tempo, eu já tentei milhões de vezes, eu não acho que...

– Não quero saber se é perda de tempo ou não. – Germany sibilou, aproximando-se mais do garoto. – Eu preciso falar com a minha irmã. Se sua porcaria de celular funciona, então é o único que temos que serve pra alguma coisa e não podemos desperdiçar a chance de contatar nossas famílias! – O garoto fez menção de falar, mas a morena aumentou seu tom de voz, interrompendo-o com rispidez. – Eu não posso deixar que morram a caminho de me salvar, sendo que existe a pequena possibilidade de eu conseguir falar com eles e avisar que existe a merda de uma zona segura para onde todos podemos ir!

O adolescente fitou a morena por longos segundos, desta vez certo de que ela sacaria o revólver do bolso e o ameaçaria com o cano apontado para o espaço entre seus olhos – conhecendo a família dela, sabia que ela não teria problema algum em utilizar a pistola e, acima de tudo, que teria uma mira certeira.

– Então, por favor – continuou a morena, semicerrando os olhos marejados – me dê seu celular.

Com as mãos trêmulas, Tyler revistou rapidamente os bolsos de suas calças surradas e logo tirou um celular de última geração, com a tela repleta de riscos, e entregou-o rapidamente para a garota.

– Enquanto isso – ela pegou o aparelho das mãos do adolescente com firmeza – é bom ir pensando na explicação pra sua estadia na delegacia. Ainda não terminamos nossa conversa.

Com um último olhar enfurecido para o garoto, Germany caminhou para a porta do quarto e escancarou-a, saindo tempestiva e se dirigindo para a entrada do apartamento. Ignorou os chamados de Molotov e os olhares curiosos de Road e Red, todos confusos com a súbita esquivada da garota.

Tyler se levantou num pulo da cama, ainda cambaleante e ligeiramente abalado pela austeridade da morena, e rumou em direção à saída do quarto; mas foi impedido por Molotov, que apoiou o punho no batente da porta e bloqueou a passagem.

– O que diabos aconteceu aqui? – Murmurou o rapaz, ameaçador.

– Eu, e-eu só... – O garoto deu alguns passos para trás, cambaleante, mostrando as palmas da mão para o alto em sinal apaziguador. – A f-família da Ann está viva e está indo para onde ela morava antes, e parece que isso a deixou furiosa!

O semblante de Molotov suavizou subitamente, com um confuso levantar de sobrancelhas.

– ...Ann?

O moreno desviou rapidamente os olhos para fora do quarto, a tempo de avistar um Hollywood-sentinela indignado na porta de entrada, encarando um dos lados do corredor com os braços abertos em confusão.

Molotov baixou o punho e empertigou-se, determinado.

– Acho bom isso não ter sido sua culpa, moleque. – Disse paulatinamente, fixando os olhos endurecidos para Tyler, que chacoalhava a cabeça em sinal de negação. – Fique aqui dentro, entendeu? Qualquer atitude suspeita e os dois ali – apontou com o polegar para Road e Red, às suas costas – tem passe livre pra te chutarem pra fora daqui. Ou pior.

O moreno saiu rapidamente de vista do garoto assustado. Tyler desviou o olhar para os irmãos ruivos, que o fitavam de volta. Road o cumprimentou com um sorriso torto e perverso e Red cruzou os braços, fechando o semblante numa carranca severa.

Molotov pegou rapidamente sua mochila e passou por Hollywood com a espingarda levemente em riste. Balbuciou algumas palavras ao loiro, dizendo para não se preocuparem, que ele estava com um dos walkie-talkies e para se comunicarem a qualquer sinal de perigo. Hollywood mal teve tempo de se expressar, a figura do outro rapaz sumindo tão rápida quanto a de Germany - ambos tendo corrido para o final do corredor e subido a escadaria para o último andar.


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