Undead Revolution escrita por caarol


Capítulo 30
West Jordan


Notas iniciais do capítulo

Aeaeae Estamos de volta! ahahaha Depois de uma "pequena" pausa, finalmente um novo capítulo, e finalmente com um novo cenário. Caminhando aos poucos, mas vamo que vamo!
Este é mais um capítulo de "transição", mas importante de qualquer maneira. Espero que gostem.
Boa leitura!



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Localização: Entrada da cidade de West Jordan

15 dias após o Surto.


A possibilidade de um refúgio com outros sobreviventes e, possivelmente, estoques de comida, medicamentos e armamentos, fez sorrisos se formarem com maior frequência após o grupo ouvir a transmissão de rádio da Zona de Segurança de Nixon. Agora possuíam um destino, um objetivo, um lugar para o qual seriam abrigados, e aquilo fez a esperança voltar a abrir um pequeno espaço em seus amedrontados íntimos. Era o incentivo que precisavam para espairecerem as mentes dos acontecimentos recentes e terem forças para continuarem viajando pelas inóspitas rodovias daquele país condenado.

A transmissão da Zona de Segurança fora a única que o radinho de Frank Cross conseguira captar além da mensagem oficial do Centro de Controle e Prevenção de Doenças. O aviso do tal Tenente Reece se repetiu por mais algumas vezes, vezes o suficiente para que Red conseguisse mostrar para o grupo todo as boas novas. A perplexidade estampada nos rostos e imediata troca de largos e cansados sorrisos fez a ruiva se orgulhar de seu achado, e agradecer mentalmente ao velho Cross pelo rádio milagroso.

Um mapa todo amarrotado, guardado no porta-luvas da Ford Ranger, foi aberto aos olhos de todos assim que escutaram a notícia, no intuito de se localizarem com maior facilidade: estavam no Condado de Salt Lake, na região mais ao norte do estado de Utah. O estado de Nevada fazia divisa direta com Utah; a cidade de Nixon, entretanto, ficava ao extremo oeste do estado, significando que teriam de atravessar quase Nevada inteira para chegarem à Zona segura. Isso não desencorajou os jovens, apesar de tudo. Todos concordaram que ficariam as horas que fossem necessárias atravessando as estradas daqueles estados para chegarem ao local indicado pelo rádio. Já estavam naquela situação há dias; que sobrevivessem mais alguns, então, para encontrarem um abrigo de verdade.

Para a longa viagem, no entanto, precisariam fazer mais paradas para os devidos abastecimentos de combustível, comida, água e, com sorte, munição e mais algumas armas. Hollywood também manifestou que torcia para encontrarem um hotel de estrada deserto para pernoitarem em camas de verdade. Dormir sempre na mesma posição dentro da apertada cabine da caminhonete já estava os deixando com as costas doloridas e não mais garantindo um devido descanso.

Passava da hora do almoço quando avistaram novas placas e sinalizações na rodovia que informavam a distância que se encontravam das cidades das redondezas. A mais próxima estava a poucos quilômetros dali: cidade de West Jordan; quase uma metrópole, uma cidade grande o suficiente para encontrarem provisões para estocarem o que precisassem. Uma cidade onde provavelmente encontrariam outros sobreviventes e certamente encontrariam outros mortos-vivos. A cidade que, coincidentemente, um dia já foi o lar de um dos jovens, e que no caos atual abrigava sua família.


– Tem certeza disso, Ger?

O sussurro de Red Rock preencheu o silêncio daquele sombrio início de tarde. Germany não se manifestou, permanecendo calada, seus olhos cravados na grande placa de boas-vindas a West Jordan - boas vindas à sua antiga cidade.

Sabia que os olhares dos outros estavam voltados para si, todos aguardando pacientemente sua resposta. Não precisava fazer aquilo se não quisesse, poderiam parar para reabastecer em outro lugar, aquele não era o único centro metropolitano da região.

E no entanto, ali estava ela, parada a poucos metros daquele letreiro que tanto visualizara durante os últimos anos em que viera visitar sua família, prestes a se afundar novamente naquele mar de lembranças.

Ela sabia que se infiltrar em um local como aquele era como caminhar com um aviso luminoso sobre a cabeça, pedindo para ser perseguida, mais uma vez, por milhares daquelas criaturas horrendas. Ainda assim, o que conseguiram reunir na casa de Frank Cross não seria o suficiente para seguirem uma viagem tão longa, precisariam se reabastecer o mais cedo possível e aquela era uma oportunidade da qual não poderiam simplesmente desperdiçar.

O nó que se formava em sua garganta só de imaginar que haveria a remota possibilidade de rever sua família novamente a impulsionava ainda mais a aceitar aquela ocasião - infelizmente esta angústia também crescia de uma maneira peçonhenta. Havia a grande, senão maior probabilidade de seu pai, sua mãe e sua irmã mais nova já terem sido mortos e transformados há muito tempo. E como se não bastasse ter presenciado as mortes de Dustin e de Spencer e o suicídio de Savannah, encontrar sua família em igual situação ou descobrir que haviam sido desmembrados e abocanhados seria a última gota que faltava para transbordar o copo frágil de sua sanidade. O pouco que Red e Road falavam da perda de seus pais para o Surto já era o suficiente para perceber o quão profundamente marcados haviam ficado graças àquilo, e Germany certamente não queria partilhar daquela circunstância.

Sentiu um leve prensar de dedos em sua cintura, Molotov havendo se prostrado a seu lado e apoiado uma das mãos em um cálido sinal de conforto. Ela desviou os olhos da placa para a comprida estrada à frente que os levaria em direção à cidade.

Mordeu o lábio inferior e fincou as unhas nas palmas de suas mãos. Já estava coberta até o pescoço com a merdaque jorrava daquele surto apocalíptico, o que seria se afundar mais um pouco naquele mar aberrante? E não poderiam se dar ao luxo de recusar uma metrópole como aquela e as provisões que ela podia oferecer. Conhecia a cidade como a palma de sua mão, poderiam fazer aquilo de maneira rápida e indolor.

E ela sabia em seu íntimo que, mesmo a contragosto, queria ter alguma informação sobre seus familiares, por pior que ela fosse. Talvez a ideia de permanecer na dúvida para sempre sobre que fim haviam levado seria um martírio muito maior do que o conhecimento da realidade em si.

– Sim. – Respondeu Germany, enfim, com firmeza. Todos voltaram a fitá-la com apreensão. Ela sentiu uma ruga se formar entre suas sobrancelhas e os dentes rangerem levemente. – Vamos logo, pra gente sair o mais rápido possível daqui.

Os outros permaneceram sem proferir quaisquer respostas, ainda refletindo as palavras da garota e sentindo a amargura nas notas de sua voz. A morena se desvencilhou dos dedos de Molotov com um casto sorriso para ele. Lançou um último e breve olhar para o banner de entrada da cidade e depois se dirigiu para a caminhonete estacionada, abrindo a porta sem hesitação e voltando a se sentar no banco de trás, sendo logo seguida pelo restante.



Desde quando o grupo se formou e pôs os pés na estrada, alcançaram uma altura da Interestadual 80 a qual Germany julgou estar muito distante de West Jordan. No entanto, após partirem da casa de Frank Cross e seguirem por uma nova rodovia que surgira, logo se vira novamente em um caminho conhecido, o mesmo que sempre seguia quando dirigia para a cidade de seus pais. Ao avistar a primeira placa informativa com o nome da cidade, e uma grande flecha branca apontando para frente, a garota sentiu um solavanco no estômago e um aperto no peito.

E agora esta mesma sensação lhe acometia, conforme a Ford Ranger dirigia lentamente em direção à West Jordan.

Algumas casas e lojas pequenas salpicavam aqui e ali no começo dos arredores dos subúrbios, mas ainda não havia sinal de qualquer sobrevivente ou morto-vivo nas ruas. Estava tudo na mais desértica e lúgubre paz. Os vivos provavelmente estavam trancados em suas casas e estabelecimentos, e os mortos deviam estar concentrados em algum local com a maior quantidade de civis desprotegidos.

Germany observava tudo lá fora com uma aguda atenção. Reconhecia todo aquele caminho, já passara diversas vezes na frente daquelas casas, até visitara algumas vezes os conhecidos de seus pais que viviam no casarão amarelo de esquina. Logo chegariam a uma das avenidas principais da cidade, com mais estabelecimentos e condomínios espalhados pelos dois lados do asfalto.

Estava tudo tão apático e surpreendentemente desabitado que ela temia que o destino estivesse reservando as primeiras aparições zumbis dali para serem justamente seus familiares e conhecidos.

Hollywood e Molotov estavam na caçamba da caminhonete a postos, o loiro empunhando seu machado e o moreno com a única espingarda restante em mãos. De dentro do veículo, Road dirigia com os dedos cravadas no volante e os lábios crispados em um sinal de apreensão; já Red colocava a cabeça para fora da janela do passageiro, esquadrinhando os arredores da rua com receio, e Sam se afundava no estofado do banco traseiro, sentindo uma fome crescente reclamar em seu estômago retraído de medo.

– Road, vira aqui! – Exclamou Germany subitamente, apontando uma das mãos para a próxima esquina à direita.

Os outros tripulantes lançaram olhares sobressaltados para ela, mas o ruivo respondeu imediatamente com uma girada brusca no volante, jogando as rodas da Ford Ranger em direção ao local indicado.

– Ger – Red cravara os olhos para a nova rua mais estreita que adentraram, seus dedos fincados no apoio da porta do passageiro – pra onde a gente...?

– Por aqui. – Retrucou a morena, apontando para entrarem em uma grande avenida. Sam levantou os olhos assustados para ela mais uma vez. - Confiem em mim.

– Germany, não me diga – Road fincou um olhar duro pelo vidro retrovisor, um verde autoritário encarando a garota – que estamos indo para a casa de sua família.

Aquilo não foi um questionamento. Germany permaneceu calada por alguns instantes, digerindo as palavras do ruivo.

Se o tom desgostoso do rapaz, ao sugerir que era aquilo que se passava em sua mente tribulada, tinha a menção de lhe ofender, então havia conseguido. Gostaria de responder que sim, era justamente para a casa de seus pais que eles estavam indo, porque ela queria encontrá-los a salvo lá, colocá-los dentro da porcaria da caminhonete e ir embora daquela cidade fantasma junto de sua família, quer o grupo concordasse ou não.

Ela sabia, no entanto, que a chance de percorrerem praticamente a cidade inteira para chegarem até a casa deles apenas para descobrir que havia sido em vão, era esmagadoramente real. Além do mais, aquilo tomaria o tempo, combustível e segurança que pouco tinham para reforçar uma possibilidade que era praticamente inevitável.

Estreitou os olhos para o ruivo, empertigou-se sutilmente e respondeu em igual frieza.

– Não, Road. – Cuspiu o nome dele com certo desdém. - Não estamos indo para a casa da minha família. Não se preocupe com isso.

Red virou o pescoço para encarar a morena, com um esgar de inquietação, e fez menção de lhe dizer algo, mas Germany continuou:

– Estamos indo para a delegacia, se é o que quer saber.





Localização: Departamento de Polícia de West Jordan

15 dias após o Surto.

As duas garotas e Molotov subiam a pequena escadaria para o prédio da delegacia com pressa, esquadrinhando todo o território com desconfiança. O rapaz empunhava a espingarda, a ruiva levava seu bastão de críquete a postos e Germany carregava uma das malas para o possível reabastecimento que fariam ali dentro. Hollywood e Road permaneceram ao lado de fora, dando cobertura ao restante dos jovens e resguardando a Ford Ranger e o pequeno Sam.

Dos subúrbios até o bairro do Distrito de Polícia encontraram apenas meia dúzia de zumbis perdidos, esparsos uns dos outros. Essa ausência de um aglomerado maior de mortos-vivos não lhes passou despercebida; para uma cidade grande como West Jordan, era de se esperar que encontrassem um bom número deles pelo caminho - feliz ou infelizmente, não foi o que aconteceu. Os arredores da delegacia estavam tão desertos quanto a entrada da cidade. A estranheza da situação pareceu deixar o ar que respiravam mais pesado.

Germany irrompeu afoita pelo prédio, entrando com pressa no saguão principal, sabendo exatamente aonde procurar o que precisavam naquele lugar que tão bem conhecia. Diminuiu bruscamente os passos, porém, ao avistar diversos corpos caídos ao chão pela recepção e pelos corredores - homens fardados e banhados em sangue, alguns com membros decepados e outros com buracos de balas no espaço entre os olhos. Uma chacina ocorrera ali, de policiais contra os próprios policiais, vivos contra os mortos, e que, aparentemente, não tivera nenhum vencedor.

A morena reconhecera alguns dos oficiais. Homens que trabalharam com seu pai, que compareciam à sua casa para o jantar de Ação de Graças, que a treinavam para atirar nos finais de semana, todos que agora não passavam de cadáveres negligenciados no piso sujo. O tremor que lhe subia aos dentes se intensificava ao passo que mais corpos fardados apareciam à sua frente; a possibilidade de seu pai aparecer jazendo ao chão entre os outros era quase certa.

– Será que não tem ninguém vivo? – Sussurrou Red, aproximando-se enquanto fitava um homem recostado à parede com a cabeça pendendo sem vida.

–...Acho que não. – Respondeu Molotov às costas das duas.

Germany permaneceu calada, seus olhos ainda cravados no corpo que lia na farda “Detetive Tremont”, um amigo de longa data de sua família. Fitou-o por alguns segundos com uma crescente ânsia em seu estômago, até forçar-se a desviar o olhar e voltá-lo para os outros jovens.

– Venham comigo.

Seguiram a passos rápidos por um estreito corredor próximo de um complexo de salas de reuniões, desviando ao máximo de poças de sangue ressecadas e de membros decepados que salpicavam pelo chão, até chegarem a uma porta fechada, com uma pequena placa “Depósito de Equipamentos”.

– Torça para não terem levado tudo. – Disse a morena, com um suspiro contido.

Girou a maçaneta sem esforço e abriu a porta para seus amigos vislumbrarem o que os aguardava lá dentro. Não estava exatamente da maneira como Germany esperava encontrar – prateleiras estavam reviradas, estantes caídas, diversos materiais jogados e vários inclusive em pedaços se espalhavam pela espaçosa sala. Ainda assim, ali encontrariam tudo o que não fosse letal para se recarregarem – mochilas, sinalizadores, binóculos, comunicadores, ferramentas – mas algumas armas de fogo também jaziam no chão, delatando uma possível invasão de policiais aterrorizados ali.

Espalharam-se rapidamente pelo cômodo, ressabiados com qualquer movimentação suspeita e sons diferenciados, temerosos que algum zumbi fardado aparecesse das sombras para atacá-los. No entanto, contrariando suas suspeitas, ninguém os surpreendeu ali dentro, e conseguiram recolher o máximo de objetos que ainda estavam em bom estado e que encheriam a mochila de Germany e as duas outras que encontraram.

– Red! – Germany chamou do outro lado da sala. – Veja se consegue encontrar algum tipo de kitde primeiros socorros, qualquer coisa do gênero!

A ruiva anuiu com a cabeça, prendendo um pequeno canivete que encontrara no cós da calça e vasculhando algumas das prateleiras reviradas. Molotov havia abarrotado uma das mochilas com sinalizadores, taisers, sprays de pimenta e algumas munições, enquanto recolhia pistolas de gás e algumas pistolas ensanguentadas jogadas pelo piso frio.

Em poucos minutos, os três já haviam se reunido novamente à entrada da sala, analisando o que haviam conseguido recolher e procurando por mais armas de fogo negligenciadas.

– Tem uma Sala de Tiros aqui. – Manifestou-se Germany. – Lembro que guardavam várias armas lá... mas fica do outro lado da delegacia e as armas geralmente ficavam descarregadas.

– Vamos ter que pegar dos policiais mortos. – Respondeu Molotov. – Não acho que aqui vamos encontrar mais do que esses dois revólveres e a pistola de gás, e não temos tempo para vasculhar o prédio inteiro.

– Eu preferia não ter de pegar armas sujas de sangue e de miolos de zumbis – Red, retrucou, torcendo o nariz – mas não acho que a gente está em posição de ser exigente.

Molotov colocou uma das mochilas nas costas e empunhou uma das pistolas, entregando a outra à Germany e a pistola de gás para Red.

– Devem haver mais armas dentro das viaturas. – Acrescentou Germany. – Os carros ficam estacionados na parte de trás do prédio, e muitas vezes estão carregados com rifles e coisas do gênero.

– Vamos roubar uma viatura de polícia, então? – Red abriu um sorriso brincalhão. – Bem irônico.

– Se for necessário. – Molotov devolveu o sorriso. – De qualquer forma, precisamos de munição e mais armas de fogo, independente da origem.... E rápido.

As duas garotas assentiram, acompanhando o moreno para fora do cômodo e se dirigindo para o salão principal do prédio.

– Encontrei uma caixa de primeiro socorros – disse Red, subitamente, enquanto caminhavam por entre os corpos caídos no chão sujo de sangue – só que ela não tem tanta coisa assim... Acho que ainda vamos ter que passar em alguma farmácia se quisermos estocar remédios e-

Um baque metálico ecoou por um dos corredores, interrompendo a ruiva e fazendo os jovens voltarem suas cabeças para a direção do som. Os três permaneceram calados e imóveis, prendendo a respiração involuntariamente. Mais alguns baques, agora intermitentes, com outros ruídos indistinguíveis continuaram ecoando do fundo do prédio e os jovens se entreolharam.

Um tácito entendimento percorreu seus olhares, com Germany sendo a mais ressabiada quanto àquela situação – a morena seguiu os outros dois de qualquer maneira, os três se dirigindo para o local de origem do barulho.

Molotov agachou-se de súbito para dois corpos próximos, uma mulher de cabelos presos desgrenhados e olhos arregalados e um homem de pele bronzeada com uma das pernas repleta de feridas expostas, apanhando mais uma pistola e entregando-a para Red. A ruiva olhou a arma entre seus dedos com certa apreensão, mas empunhou-a de qualquer maneira, guardando a pistola de gás no bolso da calça.

– Esperem! Lá no fundo... – Sussurrou Germany, estancando os passos. Os outros dois voltaram os olhares para a morena. – Lá no fundo ficam as celas.

Red arregalou os olhos.

– O quê? Celas?!

– Sim... – Germany arqueou as sobrancelhas. – Geralmente alguns presos ficavam mantidos lá no fundo da delegacia, pessoas que só vão passar uma noite na cadeira por bebedeira, uso de drogas, ou que estão esperando para serem transferidas para uma cadeia de verdade... Meu pai nunca deixava eu vir para cá quando haviam pessoas lá atrás.

– Você acha que... são eles fazendo barulho? Será que viraram zumbis? – Red lançou um olhar assustado para Molotov.

– Vamos embora! – Pronunciou a morena. – Ainda temos qu-

E, desta vez, um ruído distinto do restante também ecoou pelo corredor. Um ruído provocado apenas por uma garganta humana, e que não era o grunhido gutural agora bem conhecido dos sobreviventes - eram palavras abafadas em desespero.

– S...rro! Alg-ém...!

As supostas palavras eram seguidas de notas mais longas e lamuriantes, mais parecidas com gritos distantes.

– Vocês ouviram isso? – Molotov soltou o ar com dificuldade.

– Tem alguém lá atrás! – Red retrucou, cravando os olhos no final do corredor e dando mais alguns passos à frente.

O rapaz a acompanhou instantaneamente, deixando uma confusa e assustada Germany para trás.

Os pés da garota não respondiam a seus comandos, ela não conseguia se mexer. Via seus amigos se distanciando e se dirigindo para quem quer que estivesse clamando por ajuda e algo dentro de si lhe dizia fervorosamente que não gostaria de saber o que acontecia ali.



Red engoliu em seco antes de passar pelo batente que dividia aquela porção da delegacia do restante do prédio. Algumas mesas de escritório se encontravam reviradas no canto do largo corredor, e celas de grossas vigas de metal se distribuíam por todo o cômodo alongado. A maioria estava com as portas abertas e diversos corpos, tanto fardados quanto de civis, que provavelmente estavam presos antes de terem sido dizimados, jaziam inertes no chão. O odor fétido que se elevou dali fez tanto a garota quanto Molotov tossirem involuntariamente assim que adentraram o lugar.

Os ruídos metálicos vinham do fundo do cômodo, chamando novamente a atenção dos jovens.

– Oh meu Deus – murmurou a ruiva, prendendo a respiração, ao finalmente identificar sua origem.

Um rapaz, bem jovem, estava sentado, largado no piso branco, e algemado a uma das grades da última cela. Contorcia-se debilmente e se revirava para tentar escapar, inutilmente, do aperto das algemas, escorregando em seus próprios pés vestidos de pesadas botas. Puxava o pulso esquerdo preso à algema e cravava as unhas da mão livre às argolas da corrente, tentando livrar-se com tentativas infrutíferas.

Era um adolescente de rosto bem pálido, com olheiras aparentes abaixo dos olhos azuis apagados e maçãs do rosto fundas e angulosas tingidas de respingos de sangue. Uma de suas bochechas estava cortada da altura da orelha até próximo dos lábios, e de seu nariz comprido saía um filete de sangue que logo se misturava ao restante do vermelho em sua face. O que mais chamava atenção, no entanto, não era apenas o fato de estar coberto de hematomas e vestir roupas escuras e pesadas, com correntes pendendo das calças puídas e empapadas de sangue; era o moicano proeminente que emergia no alto de sua cabeça, evidenciado pelas laterais raspadas do cabelo e com o penteado espetado pintado malmente de verde, combinando com a camiseta de mesma cor - que, embora suja de sangue, exibia um logotipo de alguma banda de punk rockfamosa.

Seu semblante se contorcia em esgares de um desespero contido. Parecia querer gritar, espernear, mas sua voz saía falha e entrecortada, como se algo em sua garganta o impedisse de se articular corretamente. Estava atordoado, entorpecido, mas ainda assim continuava se debatendo, tentando libertar o pulso algemado. Estava completamente alheio aos dois jovens que haviam acabado de aparecer ali, apenas concentrando suas pálpebras semi-cerradas no que estava à sua frente.

A razão de seu esperneio estava a poucos metros de distância de suas botas, no canto direito da sala, e que logo entrou no campo de visão de Red e Molotov assim que deram mais alguns passos para dentro do cômodo. Um morto-vivo se debatia ali, com a bocarra voltada para o rapaz e o tronco despido coberto de um vermelho escuro e seco, se arrastando muito lentamente em direção de sua próxima vítima. Estava sem os dois braços, com o torso jazendo de barriga para baixo no chão frio, mas, ainda assim, tentava encontrar o mínimo de coordenação em suas pernas para rastejar-se para o pobre rapaz algemado, que apenas se via cada vez mais próximo daquela criatura decepada ululante.

Poucos instantes após o entendimento da bizarra cena, Molotov apontou a pistola para o morto-vivo e atirou, lançando gotas grossas de sangue escurecido da cabeça da criatura. O zunido fez o rapaz algemado engasgar-se com sua voz abafada e finalmente parar de se debater, arfando ruidosamente.

– Molotov, o quê... - Germany entrou no cômodo no mesmo instante, parando ao lado dos dois amigos.

Assim que baixou os olhos para o adolescente, a morena arregalou o olhar e cambaleou para trás. Seus lábios se escancararam e sequer reparou no corpo recém-morto que jazia próximo dos pés do garoto.

– Tyler?!

Ele, ao som da voz de Germany, levantou os olhos injetados paulatinamente em direção aos sobreviventes, pela primeira vez reconhecendo suas presenças ali.

– M-mas... o qu-...? – Suas palavras arrastadas pareceram fazê-lo perder o pouco de fôlego que possuía, já que logo arfou ruidosamente e esbugalhou os olhos avermelhados para a morena.

– Merda! Tyler! – Germany apressou-se pra perto dele e ajoelhou-se a seu lado. – Tyler, meu Deus do céu, o quê aconteceu com você?!

– A-ann...? - Foi só o que conseguiu responder, não mais que um sussurro.

O adolescente via-se tendo os ombros chacoalhados pela garota, seus olhos leitosos vidrados no rosto conhecido dela, mas nenhuma palavra saía de seus lábios entreabertos e ressecados. A presença de Germany claramente o havia deixado surpreso, mas parecia grogue demais para qualquer reação mais enérgica.

– Tyler, você tá bem? Porque você tá aqui? Cacete, porque você tá algemado?!

– Ger, espera!

Molotov se aproximou da garota com a pistola levemente em riste. Lançou um último olhar para o zumbi desmembrado que acabara de eliminar antes de parar à frente do garoto.

– Ele está coberto de sangue – proferiu o rapaz, sombrio – pode ter sido ferido por outro morto-vivo.

Germany sustentou o olhar do moreno e anuiu sutilmente, entendendo a gravidade da situação. O reconhecimento de Tyler a fez baixar completamente a guarda – o garoto estava vivo, mas em um estado deplorável. A possibilidade de ter sido infectado, estar prestes a morrer e a tornar-se um deles era enorme.

A morena baixou os olhos para a camiseta manchada e levemente retalhada de Tyler. O adolescente seguiu o olhar com certa lentidão, e, assim que reparou no vermelho que tingia suas roupas, passou a se debater debilmente de novo, desesperado.

– Tyler, Tyler, se acalme! – Germany repousou uma das mãos no ombro do rapaz. – Você tá bem? Está ferido? O que aconteceu com você?

Com a mão livre, o adolescente tremulamente tentou levantar a barra da camiseta, e Germany o ajudou puxando-a até a altura do pescoço. O tórax bem magro e desprovido de pelos exibia apenas a brancura de sua pele, junto de uma grande e colorida tatuagem adornando a porção direita de sua cintura. O vermelho que tingia suas roupas manchara levemente sua pele, mas aparentemente o sangue não era seu - não parecia ter sido abocanhado ou estar ferido.

Suspirando de alívio, a morena abaixou o tecido, cobrindo o tronco esguio novamente, e apoiou as mãos nos joelhos, tentando se recompor. Tyler ainda fitava seu próprio corpo com certo receio nos olhos apagados.

– Ger - Red chamou, às costas de Germany – quem é ele?

A morena levantou os olhos para os outros dois jovens.

– Tyler Mace. Namorado da minha... – Cessou a voz por alguns instantes, sentindo o peso que suas palavras subitamente faziam em sua garganta. - ...da minha irmã. - Baixou novamente os olhos verdes para o garoto. Deu leves tapinhas no rosto lívido dele, que apenas respondia com um olhar vidrado e confuso. – Tyler, tá me ouvindo? Onde está minha irmã? Cadê a Jill, Tyler? Você sabe dela, dos meus pais? Tyler!

– Ger. – Molotov apoiou uma mão no ombro trêmulo dela. – Ele parece dopado, acho que não vai conseguir responder muita coisa agora.

A morena baixou os ombros num sinal sutil de desolação. O adolescente apenas encarava seu rosto como se pudesse ver através dele, absorto com as pálpebras pesadas e a respiração descompassada.

– Quem seria capaz de dopá-lo e prendê-lo aqui, para ser comido por zumbis? – Sussurrou Red, abraçando o próprio corpo ao sentir um calafrio pela espinha. – Isso é desumano.

Germany ainda fitava profundamente o rosto de Tyler, como se esperando que ele subitamente recobrasse a consciência o suficiente para responder algo sobre sua família.

– Vamos tirar as algemas dele? - A pergunta súbita de Red teve uma nota de hesitação. A ruiva recebeu dois pares de olhos confusos. - Ele não parece capaz de nos atacar, nem mesmo com essas correntes das calças – ela soltou um riso apático – mas... não sei, ele não parece nada bem...

– Não vai nos fazer mal, não se deixem enganar pela aparência dele. – Germany abriu um sorriso triste. – Conheço ele há um tempo...

– Ele pode ter informações da família da Germany – acrescentou Molotov – e se não foi infectado, não podemos simplesmente largá-lo aqui como quem quer que o tenha prendido fez. - Desviou os olhos para o pulso direito algemado do adolescente. – Vamos encontrar um lugar para ficarmos até que ele se recupere, daí decidiremos o que fazer.

Red pareceu ponderar as palavras de Molotov por alguns instantes, sustentando os olhares apreensivos dos dois morenos.

– Você sabe o que o Road vai pensar disso, não é? – As palavras debochadas da ruiva foram seguidas da tentativa de um sorriso brincalhão para a outra garota.

– Eu cuido do Road. – Germany se pôs em pé, empertigando-se, e adotando um tom de firmeza na voz. – Vou procurar as chaves que abrem as algemas dele, recolham mais algumas armas e vamos dar o fora daqui. – Sustentou o olhar dos outros dois, recebendo um sorriso casto de Molotov. - Já ficamos tempo demais aqui dentro.


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Notas finais do capítulo

E lhes apresento Tyler Mace, o "cunhado" adolescente punk rebelde da Ger. Ele vai nos acompanhar por alguns capítulos, e junto dele virão algumas reviravoltas. Um viva para moicanos verdes o/
Ah, para os apreciadores de romance e do casal MolotovxGermany, só o que digo sobre o próximo capítulo é que acho que vocês vão gostar.... MUAHAHAH !
Um beijo, seus lindos, e até o próximo!