Undead Revolution escrita por caarol


Capítulo 29
Que o Vento os Carregue para Casa


Notas iniciais do capítulo

Olá queridos! Mais um capítulo, finalmente dando continuidade à viagem turbulenta do grupo.
Tá na hora de mudarem de ares né? A partir do próximo já teremos um cenário novo...
Nos vamos lá embaixo!
Boa leitura (:



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Localização: Base da Força Aérea Americana Hill - Utah

8 dias após o Surto.


O rapaz irrompeu entre tropeços pelo corredor, correndo desenfreadamente. Lançava olhares arregalados por sob os ombros a todo o momento, temeroso que pudessem estar em seu encalço. Sua farda estava suja de sangue e a barra de sua calça havia rasgado durante sua fuga. Já havia perdido seu cap há muito tempo. Assim que avistou a sala que precisava entrar, escancarou a porta sem cerimônias, pondo-se para dentro do cômodo com rapidez.

– M-major McDuncan, senhor! – Girou rapidamente em seus calcanhares, batendo continência assim que trancou a porta atrás de si. – Senhor, nós temos que...

– À vontade, Tenente Thomas.

O rapaz se calou no mesmo instante, arregalando os olhos. Seu primeiro nome, proferido por aquela voz grossa e característica, o fez sentir as pernas tremerem ainda mais. Baixou lentamente o braço que havia levado à testa. Agora que finalmente havia parado de correr, sentia os pulmões queimando dentro de seu peito, sua respiração ruidosa fazendo-se ouvir por toda a vasta sala.

A presença austera do homem que se encontrava à sua frente o fez se encolher ainda mais. Gregory McDuncan era um corpulento homem negro com seus cinquenta e poucos anos, um enorme representante da hierarquia da Força Aérea Americana. Sua careca tornava seus ombros ainda mais largos, seus grandes olhos castanhos claros destoando de sua pele bem escura, a barba meticulosamente aparada revelando sua mandíbula quadrada. A farda azul marinho adornava seu tronco graúdo, suas mãos repousando uma sob a outra em suas costas. O fitar quase ensandecido que transbordava de seus olhos endurecidos ainda não haviam se recaído sob a figura do subordinado às suas costas. O Major assistia, lívido, à cena lá embaixo pelas grandes janelas panorâmicas da sala de reuniões.

Era possível ver tudo: os pilotos, os aviões, os camburões, os mortos, os mortos que andavam, a chacina. Aquilo fez as rugas entre suas sobrancelhas se aprofundarem.

– E-Estão... Estão invadindo tudo, senhor! – Continuou o outro, ainda recuperando o fôlego. Seus olhos verdes estavam cravados no pouco que conseguia discernir do que ocorria lá fora, no grande pátio da Base. – Eles estão... M-merda! Nós... Nós precisamos ir embora!

– Ir embora? – Retrucou o Major, sua voz ainda mais grave. Thomas engoliu em seco. – Como assim ir embora, Tenente?

McDuncan se virou para encarar o mais novo.

Thomas Sanders, com seus trinta e poucos anos, era um homem formado, consideravelmente musculoso, com o corpo duramente conquistado em horas de treinamento da Academia e tinha sua estatura relativamente acima da média; mas sequer chegava perto da presença corpulenta de seu superior. Parecia um esquálido perto de McDuncan.

Apesar de ter sido condecorado diversas vezes, ter se tornado Segundo-Tenente com pouca idade, de ter participado de missões perigosas e ter se tornado um piloto excelente, Thomas agora mal conseguia manter-se em pé, tamanho o desespero descontrolado que lhe afundava no estômago. Não havia sido treinado para aquilo. Nenhum deles havia. Contra terroristas, contra queda de aviões, contra exércitos inimigos, contra quaisquer problemas imagináveis ele tinha tido o treinamento perfeito exigido pela Força Aérea – mas não para aquilo.

Aquilo não estava nos planos. Aquilo não devia estar acontecendo.

E aquilo ia acabar com todos eles.

– Você está numa Base Aérea, Sanders. – Major Gregory deu dois passos à frente, as mãos ainda nas costas, os olhos cravados no Segundo-Tenente. Sua mandíbula trincada e suas olheiras profundas evidenciavam seu cansaço e nervosismo, os olhos intensos arregalados delatando seu terror, mas isso não era o suficiente para ruir sua armadura autoritária. – Numa porra de uma Base Aérea. Entende, Tenente?

Thomas engoliu em seco e anuiu rapidamente.

– Eu quero vê-los bombardeados. Todos eles. Não quero que reste nenhum para contar história, está compreendendo?

Gregory parou a poucos centímetros do rapaz, baixando os olhos para o mais novo.

– Acabe com eles. – Sibilou, furioso.

– M-mas, Major...

Sanders!

Thomas bateu uma rápida continência, sobressaltado, e destrancou a porta mais rápido ainda, saindo da sala e deixando um Major furioso para trás. McDuncan voltou a passos rápidos para perto da janela – sua vontade de desviar o olhar para longe não sobrepunha sua maldita necessidade de esquadrinhar o que acontecia com seu pelotão, por mais calamitosa que fosse a situação.

Não era possível que estavam prestes a perder uma batalha contra mortos-vivos. Aquilo era completa e irrevogavelmente ridículo; risível, no mínimo. Oficiais com tamanho preparo, em uma base com tamanho poder de fogo, armas, equipamentos e aviões com uma tecnologia de ponta daquele nível, sendo massacrados por zumbis. Bem ali, debaixo de seu nariz, como aconteceu com tantos outros militares por todos os cantos do país - de todo o mundo. Era a isso que seriam resumidos, então? Os seres humanos mais bem treinados da América terminariam sendo devorados pelos civis que tanto juraram proteger? E, pior, se tornariam uma daquelas criaturas vis também?

Tomado por um súbito acesso de fúria, lançou um soco raivoso no vidro da grande janela, rogando um palavrão. Os homens não estavam conseguindo contê-los. A cada minuto, mais oficiais, que haviam sido atacados horas antes, já se juntavam aos primeiros mortos, formando seu próprio exército de moribundos contra os vivos.

De onde aquela multidão de mortos havia surgido, era um mistério. Muito provavelmente as cidades mais próximas já haviam sido dizimadas e, por alguma razão desconhecida, todos os mortos se concentraram em se juntar e atacar a Base Aérea do estado. Eram mais espertos do que imaginava, então. Sabiam que militares apresentavam um perigo muito maior do que civis que brandiam meros revólveres em suas casas. Malditos.

Um bipe característico chamou sua atenção. Ainda fitando o cenário tenebroso lá embaixo, sacou o radiotransmissor do bolso.

– McDuncan.

–- Major! – Uma voz arfante se manifestou do outro lado do aparelho. –- Senhor, precisamos levá-lo para um lugar seguro!

– Não vou a lugar nenhum, Jackson.

–- Gregory – a voz do outro homem pareceu subitamente mais segura. McDuncan estreitou o olhar. –- não podemos mais ficar aqui! Não podemos correr o risco de perder todos os homens da Base inteira, droga! Precisamos salvar os que ainda não foram atacados, precisamos proteger os civis que também estão sendo mortos! Precisamos de você!

O Major soltou um longo suspiro. Abandonar a Base não estava em seus planos; mesmo quando tudo aquilo começou, quando as notícias se alastraram como fogo em palha seca, quando seu sono nunca mais lhe veio depois que o Surto tomou conta. Não se daria por vencido diante de uma situação como aquela. Não lhe era admissível que não conseguiriam conter aquelas criaturas. Tinham poder de fogo, aquilo deveria ser suficiente.

–- Já invadiram o prédio, Major! – Continuou a voz, com urgência. Sons de tiros, gritos e grunhidos se faziam ouvir ao fundo. –- É questão de minutos para chegarem aí no segundo andar! Desça para o alojamento, estamos recolhendo o máximo de oficiais ilesos, vamos embora antes que isso vá tudo vire uma merda completa!

Gregory apertou com os dedos o espaço entre os olhos, procurando inutilmente fazer sua enxaqueca deixar suas têmporas em paz.

– Tem alguma informação das outras bases, Capitão? Como está o restante do país?

O outro lado do transmissor não lhe deu a resposta. Os ruídos ao fundo, porém, ainda podiam ser escutados, significando que o aparelho ainda estava ligado e Jackson ainda estava na escuta.

O silêncio do outro homem foi o suficiente para responder sua pergunta.

– Merda. – Murmurou para si mesmo.

–- ...Major, estamos partindo para a base isolada do oeste do estado! – O homem voltara a falar após alguns chiados e gritos desesperados cessarem brevemente ao fundo. -- Vários outros militares estarão lá, civis também. Nosso objetivo agora deve ser reunir o máximo de pessoas vivas possíveis lá! Droga, não sabemos quantos seremos amanhã!

– Meu objetivo é vencer essa guerra, Capitão Jackson. – Respondeu Gregory, sombrio.

–- O de todos nós é, Major, mas não aqui! Já não há mais futuro pra esse lugar!

McDuncan apertou o olhar para um grupo de meia dúzia de zumbis que desmembravam um de seus pilotos em meio ao tiroteio e fogaréu que se arrastavam lá embaixo – aparentava ser o jovem oficial David Clarence, um novato; conseguira reconhecê-lo mesmo daquela distância. Viu o sangue jorrando, os membros sendo abocanhados, outros oficiais tentando chutar os zumbis para longe, mas recebendo o mesmo tratamento atroz que Clarence recebera.

Aviões taxiavam, alguns alçavam voo, mas nenhum ainda se arriscara a atacar a própria base. Era questão de minutos para isso, no entanto. Era a única maneira de conter com eficiência aquele desastre todo.

A única e mortal maneira. Jackson estava certo.

“Mas que merda.”

–- ...Aqui não temos a mínima chance! Nossa única alternativa é lanç-

Jackson fora interrompido por gritos de outros oficias, tiroteios e um alvoroço sonoro do outro lado do transmissor. A gritaria permaneceu assim por vários segundos, McDuncan prestando atenção a tudo com uma cautela afiada. Enquanto Jackson não voltava a falar, o Major permanecia na escuta, o transmissor próximo do ouvido, uma das mãos, trêmula, tentando dar apoio ao troncudo corpo ao se apoiar no vidro da janela panorâmica.

– Já dei a ordem para Sanders.

Arriscou falar pelo rádio. Pela ausência de resposta e a continuidade da barulheira do outro lado da linha, resolveu repetir suas palavras, desta vez com mais autoridade.

– Já dei a ordem para-

–- Então você...? J-justamente por isso! Porra! – Jackson cuspiu, arfante, como se estivesse correndo ou se movimentando rapidamente. –- Bombardear isso aqui é o único jeito, mas não vai só acabar com essas coisas, Senhor! Vamos antes que viremos pó também!

Gregory respirou fundo. Estava chegando a seu limite. Por mais que odiasse admitir, no fundo de seu cérebro martelava o pensamento que ele sabia que não tinha futuro algum ali. Berrara com Sanders, colérico pelo pedido do rapaz de tirá-lo dali, mas o mais novo estava certo, assim como Jackson também irritantemente estava. Teria de abandonar a Base. Abandonar a Base. Aquele pensamento lhe causou uma náusea mais forte do que imaginava que sentiria.

–- Pense na Terri!

Os olhos amendoados se apertaram instantaneamente, a imagem da filha dançando à frente de suas pálpebras fechadas. Suspirou e trincou a mandíbula mais uma vez, enfim, decidido. Se realmente faria aquilo, que fosse por ela. Aquela Base Aérea sempre fora seu segundo lar, mas Terri era sua mais importante razão de viver, no fim das contas - e a protegeria com unhas e dentes daquela maré de bastardos infectados.

Caminhou a passos rápidos para uma das mesas isoladas ao canto da sala, abrindo uma das gavetas com pressa. O som dos chiados e ruídos lamuriosos do outro lado do aparelho e vindos lá do pátio lhe arrepiavam até à alma. Apanhou uma pistola dali de dentro e não arriscou olhar mais para o panorama lá embaixo. O silêncio de Jackson delatava a ansiedade do outro pela decisão de seu superior.

– Estou descendo. – Respondeu McDuncan, enfim. – Vamos embora.





Localização: Interestadual 80

14 dias após o Surto.


Molotov bocejou abertamente, estremecendo os braços levemente na tentativa de um espreguiçar contido. Ajeitara-se com esforço em seu espaço, sentindo as costas doloridas, a caçamba pouco confortável da Ford Ranger não contribuindo exatamente para uma boa postura. Já estava sentado naquela posição, com as costas coladas à divisória da cabine com a parte traseira e a espingarda repousando nas pernas dobradas, por um tempo que julgou indeterminado. Seu turno de vigia daquela tarde parecia se arrastar lentamente, a visão monótona da estrada, com os descampados secos e o céu sem nuvens, trazendo-lhe um tédio inédito.

Era a primeira vez em dias em que realmente não estava sendo envolvido por tribulações, risco de morte iminente ou se sujando com sangue alheio. Não que nunca carregasse aquela pontada gelada de ansiedade em seu estômago, como se no instante seguinte alguma coisa pularia detrás de um arbusto para degolá-lo; ele e o restante do grupo faziam parte de mundo apocalíptico e tendendo à autodestruição, no fim das contas, mas, naquele momento, não sentia a mesma urgência crescente de cavar um buraco na terra para se proteger.

Apenas estava sentado ali, desviando os olhos vez e outra pela estrada vazia, sem realmente esquadrinhar o terreno à sua volta, retratando seu papel de sentinela superficialmente. Não que aquele silêncio e completa isolação do restante da população humana (e não-humana) o incomodasse – quanto mais tranquilidade, melhor. Ainda assim, ele e seus amigos não poderiam mais perambular estrada afora arrebanhando provisões e descansando em turnos em uma caminhonete empoeirada no meio do nada. Mesmo lhe soando contraditório, ali, no meio daquela estrada deserta, apreciando um raro momento de sossego, admitiu que a presença de mais pessoas vivas lhes traria, sim, uma sensação de segurança, por mais fraca que fosse.

Bebeu grandes goles do galão de água que repousava próximo de seus pés, refrescando a garganta arranhada, e agradeceu aos céus por terem encontrado uma pequena árvore que fizera sombra o suficiente para cobrir a caminhonete, para não precisarem estacionar e permanecerem expostos ao Sol. Já estavam todos cansados, famintos e ferrados o suficiente para, ainda por cima, ganharem queimaduras severas e vermelhidões incômodos no rosto e nos ombros.

Germany se remexeu a seu lado. Baixou os olhos para ela, deitada próxima de si, observando-a tentando encontrar uma posição menos desconfortável. A garota havia insistido com veemência em ficar junto do moreno de vigia na caçamba, enquanto os outros descansavam dentro do veículo, mesmo que fosse para ela cochilar ali fora. Molotov eventualmente cedeu ao pedido – praticamente uma ordem – da garota, sabendo que dificilmente arrancaria aquela ideia da cabeça dura de uma teimosa filha de policial.

Mas percebeu que ela estando ali, mesmo que aninhada desajeitadamente próxima de seu corpo e dormindo profundamente, lhe trouxe uma calmaria ainda maior. Abriu um fraco sorriso e afagou-lhe os cabelos, tirando uma mexa da franja de seu rosto adormecido.

Ela estava com o rosto fundo, o redor dos olhos escurecido, um semblante cansado mesmo durante seu sono. Por mais que ela tentasse evitar transparecer, os últimos dias a haviam afetado severamente. Seu desabar em um choro desesperado após a conversa com Frank Cross foi a prova concreta de tanto, por mais que ela evitasse falar sobre aquilo. Na realidade, ela foi a que menos proferiu quaisquer palavras nos últimos dias, sentindo-se relativamente confortável apenas com a presença de um calado e compreensivo Molotov.

Fosse por conta do choque da situação da família Cross, o medo de serem engolidos por aquela horda de zumbis ou o receio de receber olhares reprovativos dos outros sobre ter deixado o corpo das duas mulheres para trás, algo a impedia de sequer esboçar um sorriso mais aberto. Os outros, no entanto, encontravam-se tão abatidos quanto ela – e sequer se arriscavam a ter qualquer pensamento mais ousado sobre a situação. Eu teria agido da mesma maneira, era o que Molotov repetia insistentemente para ela, tentando reconfortá-la.


O grupo ainda permaneceu na residência de Frank Cross por quase três dias após a invasão. Não se encontravam recuperados fisicamente para seguir viagem tão cedo e eles insistiram em ajudar o dono da casa a colocar tudo em ordem o máximo que pudessem antes de irem embora.

Mesmo com muita insistência, Frank não cedeu ao pedido dos jovens de partir com eles. Javier também se negou a sair dali. Os dois homens chegaram a um mútuo acordo de se protegerem juntos no casarão; afinal, um era o que restara de algum tipo de conceito familiar para o outro. Mesmo a contragosto, os jovens cederam às teimosas negações; mas, em retorno ao favor do senhor Cross de ter lhes dado comida e um teto, decidiram reforçar as proteções nas portas e janelas da casa, por precaução, caso alguma horda voltasse a dar as caras.

Prontificaram-se, também, a darem um jeito nas centenas de corpos apodrecidos que se espalhavam pelo quintal da fazenda. Se os deixassem ali, tomando sol e decompondo-se a esmo, só trariam dor de cabeça para o dono da casa – não só o cheiro seria intolerável, como a possibilidade de contração de alguma moléstia ou de chamar a atenção de mais deles pelo odor eram preocupações pertinentes.

Em primeira instância, os rapazes se propuseram a jogar os corpos em algum buraco ou vala mais afastada, mas só o fato de terem de se aproximar daquele montante de carne putrefata, infectada e repugnante os fizeram repensar o plano. Quase perderam suas vidas colocando os zumbis abaixo, seria estupidez se arriscarem a contrair o que quer que levassem em seus corpos ocos por tentarem mover as carcaças para longe. Após várias ponderações de cérebros cansados, Red sugeriu que voltassem a usar a tática de Molotov – queimar os bastardos ao chão.

Eliminariam o problema de carne relativamente fresca exposta ao sol, e aproveitariam e queimariam junto qualquer tipo de infecção que os mortos levassem consigo; pelo menos era o que esperavam. O cheiro de pele, membros e cabelos queimados e a fumaça que invariavelmente invadiria a casa pareceram pontos bem negativos, mas aquela era a única alternativa mais viável que tinham em mãos.

Um dos únicos momentos em que viram Frank Cross durante aquelas horas foi quando ele foi buscar álcool e alguns galões guardados de combustível que utilizava em seu pequeno trator. Não parecia exatamente uma quantidade grande de líquido inflamável para aquele montante de corpos, já que o grupo guardaria parte daquele combustível para abastecer a caminhonete de Road, mas era melhor do que nada. Os rapazes rapidamente salpicaram no máximo de cadáveres que conseguiram, tentando juntá-los debilmente com pás e outros instrumentos longos de jardinagem que Frank possuía – tocar nos zumbis estava fora de cogitação – para fazerem as fogueiras.

Durante um bom tempo, o que restara da horda invasora queimou no quintal da fazenda, como uma continuação agourenta da peripécia incendiária na cabana próxima da estrada. Como a garoa da madrugada cessara pela manhã, o fogo perdurou por várias horas, até o momento em que ninguém do grupo sequer distinguia mais o que era o cheiro de fumaça e o que era ar puro, a consequência de se verem livres dos corpos queimando-lhe as narinas e ferindo seus pulmões.

– Até mortos de vez os malditos continuam ferrando com as nossas vidas. - Fora a máxima de Hollywood durante todo aquele dia.

Já o destino dos corpos de Savannah e Spencer Cross fora um assunto discutido o mais tardiamente possível – ninguém se encontrava com forças o suficiente para lidar com aquela situação. No entanto, não podiam simplesmente largá-las lá, especialmente por estarem à vista de Frank. Germany, com uma súbita determinação que surpreendeu a todos os outros, dado seu estado apático desde o dia fatídico, se prontificou a tirá-las de lá e enterrá-las apropriadamente, afinal, era algo que ela afirmou que já deveria ter feito anteriormente.

Road quase riu da franqueza pueril da morena. Disse que ele faria o que precisava ser feito, sem maiores preocupações para os outros e sem precisar envolvê-la em algo tão alarmante. Com muito alarde e uma discussão acalorada especialmente entre os irmãos ruivos, o grupo chegou ao acordo de que todos ajudariam na missão de enterrar as mulheres Cross devidamente, fosse para mover os corpos desfigurados, para cavar as covas ou para revezarem no transporte delas. Não poderiam simplesmente queimá-las como fizeram com o restante, apesar da ideia parecer bem aprazível para Road e Molotov. Seus corpos mereciam um funeral mais apropriado, afinal, segundo Red, também foram donas da casa e não se tratavam de pessoas quaisquer.

No fim das contas, ao final daquele primeiro dia de calmaria na residência Cross, Savannah e Spencer estavam enterradas próximas do pequeno celeiro atrás do casarão, com duas cruzes de madeira fabricadas manualmente sinalizando suas sepulturas. Aquilo trouxe uma espécie de alivio para uma perturbada Germany; especialmente quando ela viu, na calada daquela noite, um sorrateiro Frank escapulir pela porta da frente, levando consigo uma lanterna e um punhado de flores recolhidas dos arranjos decorativos da casa.


– Que el viento os carregue para casa.

Que o vento os carregue para casa, foi a última coisa que Javier Mirrez disse aos jovens, assim que todos já haviam se acomodado na caminhonete de Road. Sam achou graça na frase, inclusive perguntando o significado para o homem; que apenas respondeu com um sorriso cansado e dois tapinhas na lataria do veículo antes deste ser colocado em movimento. Frank Cross os observava da varanda do casarão, com o cachimbo aceso em uma das mãos e a outra escondida no bolso do roupão. Assim que o veículo partiu, subindo a sutil colina que se fazia entre a estrada e a pousada, Frank crispou os lábios numa tentativa de abrir um sorriso e ergueu o cachimbo em um sinal de saudação. Javier acenou brevemente para o grupo antes de voltar, cambaleante, com uma das mãos apoiada em sua lombar dolorida, para a varanda da casa de seu vizinho ao som de pedregulhos crepitando sob os pneus da caminhonete.


Red Rock crispou os lábios. Já devia ser a quarta vez que escutava àquilo enquanto remexia no pequeno rádio, e talvez a décima desde que mostrara a mensagem ao restante do grupo, antes de todos acalmarem os ânimos e se ajeitarem para dormir.

“Esta é uma mensagem oficial do Centro de Controle e Prevenção de Doenças do governo federal dos Estados Unidos: solicitamos a todos que permaneçam trancados em suas residências, com estoque de provisões para, no mínimo, duas semanas, até que a situação esteja devidamente controlada. Não arrisquem a sua segurança e a de seus familiares, permaneçam abrigados até novas solicitações e evitem o contato com civis infectados a todo o custo.

.....

.....

Esta é uma mensagem oficial do Centro de Controle e Prevenção de...”

Com um suspiro, Red girou o pequeno botão do rádio até que a voz mecanizada se transformasse novamente no leve chiado transmitido da próxima estação. Aquela fora a única real transmissão que conseguira do pequeno radinho dado de presente por Frank Cross. Não fora exatamente o que ela e seus amigos esperavam – não era uma mensagem esperançosa, uma notícia de que aquele caos estava por terminar ou alguma descoberta sobre como acabar mais fácil com os zumbis. Sequer era uma pessoa de verdade que estava transmitindo aquilo.

A vibração inicial de alguma mensagem estar sendo passada para a população passou tão rápida quanto veio, provavelmente porque o grupo, desgostoso, não poderia, nem se quisesse, seguir àquelas recomendações. Não estavam trancados na segurança de suas casas, não possuíam provisões para no mínimo duas semanas, proteger seus familiares já lhes parecia uma ideia muito distante e ”evitar contato com os infectados” fora tudo o que menos conseguiram ter sucesso nos últimos dias. Ou seja, estavam mais do que ferrados, nas palavras de Road Runner.

Ainda assim, apesar de tudo, o rádio de Frank realmente funcionava e o chiado das outras emissoras não devia ser por mau funcionamento, mas provavelmente por falta de radialistas. A garota não sabia se preferia ouvir os ruídos chispantes ou a voz robotizada que transmitia a mensagem em um loop contínuo.

Transmissões de rádio, transmissões por satélite, linhas telefônicas, parecia que tudo o que envolvesse o mínimo de contato virtual com outros seres humanos havia praticamente se extinguido de todo o planeta, deixando os que ainda sobreviviam quase incomunicáveis com o restante dos vivos – uma brincadeira de muito mau gosto do destino, aos olhos de Red. Ainda assim, Frank lhes deu o rádio que, segundo ele, funcionava muito bem e lhes poderia ser útil.

A ruiva se encontrava insistindo em encontrar alguma outra transmissão, alguma notícia, a voz de algum locutor, de algum outro sobrevivente que não fosse aquela mesma mensagem que ferrenhamente insistia que todos permanecessem em suas casas. Se aquela mensagem estava sendo comunicada, porque não outra? Mas nem músicas estavam sendo transmitidas, provavelmente porque quem quer que trabalhasse em estações de rádio já devia ter sido, no mínimo, mordido por um morto-vivo.

Red estava sentada com as pernas cruzadas uma sobre a outra no banco do passageiro, apoiando um dos cotovelos no encosto da porta e com uma expressão apática e aborrecida em seu rosto. Road ressonava a seu lado, tendo reclinado levemente o banco para trás e escorregado o corpo para baixo, em uma posição que a ruiva dificilmente se convenceu ser confortável - mas seu irmão dormia profundamente mesmo assim. Hollywood e Sam repousavam no banco traseiro, apoiados em malas e sacolas dos poucos mantimentos que possuíam. Germany e Molotov estavam lá fora, um deles provavelmente tendo pegado no sono também, devido o silêncio que se fazia lá atrás.

A ruiva pensou em sair um pouco do veículo, esticar as pernas, tentar fazer aquele prelúdio de sono se esvair, mas se viu indecisa e ao mesmo tempo esperançosa do torpor lhe vir repentinamente enquanto estava sentada ali. Estava tentando pegar no sono há um bom tempo, mas, surpreendemente, não estava tendo nenhum sucesso.

Para os outros fora tão fácil, em poucos segundos já deviam estar sonhando. Mas, naquele dia, ela se viu com uma exaustão que teimava em não evoluir para algo mais reconfortante, e alguma coisa em seu cérebro não o deixava se desligar - talvez por conta do maldito rádio que estava em seu colo. Então, para passar o tempo e provar que aquele devia ser o motivo de não estar dormindo, resolveu mexer deliberadamente no aparelho, tentando escutar alguma outra coisa que não fosse a mensagem já conhecida de todos eles.

Após vários minutos, remeexera-se em seu assento, tapando a boca com uma das mãos enquanto bocejava. ra o primeiro sinal de que finalmente o sossego daquela tarde e o marasmo que a cercava estavam evoluindo para algumas possíveis horas de sono, se tudo corresse bem. Colocara o rádio no painel da caminhonete, acima do porta-luvas, o ruído sibilante da falta de transmissão ainda ecoando do aparelho. Girara o pequeno botão uma última vez, num impulso mecanizado que lhe pareceu completamente inútil. Pelo visto não conseguiria alguma estação que transmitia qualquer outra coisa.

Embalada por um bocejo mais alto, coçou um dos olhos com os nós dos dedos e recostou-se ao banco do passageiro, suspirando em derrota. O rádio permaneceu ligado, na estação que Red julgou a que menos fazia o chiado incômodo. Ao pensar em esticar-se novamente para desligar o aparelho, já se via entorpecida pela sonolência que, enfim, vinha. Fechou os olhos e desistiu da ideia, deixando o aparelho ligado à sua frente e recostando a cabeça no vidro frio da janela.

Sentia o torpor tomar conta de seu cérebro fadigado e seus olhos insistindo em permanecerem fechados quando um ruído mais alto sibilou do rádio, e chiados com volumes diferentes começaram a ser transmitidos. Abrindo os olhos para o aparelho, a garota franziu o cenho em confusão. Era impossível discernir a transmissão, mas definitivamente era algo diferente do monótono chiado. Achou estranho aquilo se tratar de interferência da estação da mensagem do Centro de Prevenção de Doenças, já que estava mexendo no rádio há um bom tempo e as outras estações não haviam exibido aquele ruído descontínuo e diferenciado antes.

Impulsionada por um revigorar em sua curiosidade, que sobrepôs seu quase-sono mesmo que a contragosto, Red esticou a mão direita até o rádio e girou lentamente o botão até que conseguisse discernir o que estava gerando a interferência. Sentiu-se ligeiramente estúpida por ainda alimentar esperanças quanto àquilo, já que provavelmente apareceria a mesma mensagem gravada que ouvira há minutos atrás. Assim que conseguiu uma transmissão mais clara, quase livre por completo dos ruídos e que possibilitasse entender o que se dizia, desviou os olhos para qual era o número da estação. Era outro do que o da mensagem oficial.

O verde sonolento de seus olhos se arregalou lentamente. O que estava sendo transmitido não era uma voz mecanizada, não era ausente de entonação, soava como se o locutor que tentava se controlar para não perder a frieza e a gravidade da mensagem. Uma voz masculina, dura, forte, preencheu o silêncio com uma sensação que há muito Red não se lembrava como era. Um princípio de sorriso tremeu no canto de sua boca conforme computava o que aquela voz lhe dizia.

“...mais próximos do Oeste do país, repito, estamos nos arredores de Nixon, Nevada. Venham ao nosso encontro o mais rápido que puderem. Boa sorte a todos.”

A voz parou por alguns instantes, seguida de um sutil, porém audível suspiro, até que o homem recomeçou.

“Eu sou o Tenente Dominic Reece e esta é uma transmissão ao vivo da Zona de Segurança de Nixon, Nevada. Se você está ouvindo isto... graças a Deus é um sobrevivente, como eu e como outros. E, como sobreviventes, nosso dever é garantir nossa segurança e a de maior número da população. Mais pessoas vivas são menos mortos-vivos para enfrentarmos. Por isso, venho clamar que se juntem à nossa resistência. Aos que conseguiram se acomodar devidamente em suas casas, permaneçam em segurança, não se arrisquem a menos que estritamente necessário! Ao restante, à procura de abrigo ou dispostos a apostarem mais alto em nossa salvação, encontrem a Zona de Segurança mais próxima. Aos mais próximos do Oeste do país, repito, estamos nos arredores de Nixon, Nevada. Venham ao nosso encontro o mais rápido que puderem. Boa sorte a todos.”


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Notas finais do capítulo

Personagens novos, é isso mesmo? Introduzidos assim, do nada, em um cenário totalmente diferente?
Acho que tava precisando pra mudar um pouco as coisas né ahahahaha Quis introduzir esta outra situação brevemente aqui mais para dar uma dinamizada na história... E sim, Gregory McDuncan fará novas aparições no futuro. Aguardem, haha!

Ah, algumas informações/curiosidades que podem ser pertinentes, caso alguém tenha se sentido meio perdido:
— Centro de Controle e Prevenção de Doenças do governo federal americano realmente existe!
— Assim como a Hill Air Force Base de Utah
— Utah é um estado americano que faz divisa com o estado de Nevada
— Para quem não sabe exatamente a localização do grupo, no próximo capítulo ela será melhor explicada!
— A última transmissão é de outro oficial, não de McDuncan. Gregory só vai aparecer mais pra frente, como eu falei, e ele não está na Zona de Segurança. Bom, agora começa a aparição de vários membros das Forças Armadas, e etc, por que, né, é bom as vezes uma ajuda no meio do apocalipse! hahahahaha
Quaisquer outras dúvidas, comentários, sugestões, sou toda ouvidos!
Espero muito que tenham gostado e nos vemos no próximo!
o/



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