Undead Revolution escrita por caarol


Capítulo 28
Horas Solenes


Notas iniciais do capítulo

Férias, é isso mesmo gente?? Nem acredito ahahahaha
Finalmente estou de férias da faculdade (tive aula em janeiro, viva.) e agora vou poder me dedicar mais à UR. Espero conseguir postar com mais regularidade até minhas aulas voltarem de novo, rs
No vemos lá embaixo!
Boa leitura!



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Localização: Interestadual 80 - Residência da família Cross

11 dias após o Surto.



A fina garoa que voltava a umedecer o extenso gramado de Frank Cross já perdurava há horas. O prelúdio de uma tempestade que aterrorizara os sobreviventes horas atrás, enquanto enfrentavam uma horda de mortos-vivos, transformou-se em um céu pouco enegrecido, com esparsas nuvens derramando escassas gotas geladas. De qualquer maneira, para a sorte do grupo, o chuvisco começou algum tempo depois de Molotov ter sido bem sucedido em sua empreitada em queimar os zumbis invasores – a fumaça negra já se encontrava com as nuvens lá em cima quando a água resolveu cair. Além disso, a garoa demorou a conseguir amenizar, e finalmente apagar, o fogareiro que consumia a cabana e o pequeno pedaço do gramado lateral à casa.

Ao início daquela noite, o fogo já havia se extinguido por completo, levando consigo aquele montante de não-humanos, e a água voltava a reinar como elemento principal naquele dia. Ainda assim, a calmaria daquela chuva em nada se comparava à tormenta que acometeu a fazenda de Frank na noite anterior - a recepção violenta da tempestade aos jovens pôde ser comparada à repentina invasão da horda de zumbis; e a bonança proporcionada por aquela fraca garoa, ao esfriar de ânimos e acalmar dos medos após terem enfrentado e vencido mais um assombroso problema.

O grande relógio envelhecido que repousava no hall de entrada do casarão soou retumbante, anunciando a virada da noite - era meia noite, e a madrugada já embalava o sono de praticamente todos os sobreviventes.

Quase todos já haviam se recolhido algumas horas antes. Assim que satisfeitos com o resultado da batalha, puseram-se, um por um, a, silenciosamente, forrarem seus estômagos, tomarem seus banhos, deitarem nas camas e esfriarem seus pensamentos agitados. Não trocaram quase nenhuma palavra entre si durante esse tempo, as gargantas temendo manifestarem tudo o que lhes corroia por dentro. Acenos de cabeça, resmungos e sorrisos cabisbaixos resumiam a socialização entre eles; nenhum se arriscava a instigar o começo de alguma conversa – só queriam paz, e o silêncio era a primeira maneira de conseguirem isso.

Quanto ao jantar, apenas Sam e Hollywood se alimentaram realmente bem. Do restante, sequer tocaram na comida - em especial Javier, que recusara o jantar oferecido pelos jovens, permanecendo deitado no sofá, e Frank, que havia se trancado em seu quarto antes do jantar e não havia descido mais.

Enquanto alguns jantavam, outros tomavam seus devidos banhos nos pequenos banheiros da pousada. As consequências daquele dia haviam lhes deixado inteiramente sujos de tudo imaginável – sangue, suor, terra, pólvora, cinzas, mais sangue. Suas roupas estavam em péssimo estado, em especial a camisa de Molotov; seus tênis e meias completamente enlameados, o cheiro de fumaça e sangue pisado impregnado nas vestimentas. Colocaram todas as roupas que haviam utilizado em um canto na área de serviço da casa, e decidiriam posteriormente se valeria a pena tentarem lavar aquelas vestes ou se era melhor livrarem-se delas de uma vez, tão péssima a condição em que estavam.

Cada um deles, exceto por Sam, demoraram o máximo que podiam no banho. Por mais que já estivessem limpos após poucos minutos, todos aproveitaram para tentar tirar o máximo de conforto e acalento que aquelas gotas mornas podiam lhes proporcionar. O cheiro de sabonete, a espuma que lhes cobria os corpos, a sensação prazerosa da água escorrendo pela pele, limpando-a dos vestígios físicos daquele dia, embalaram cada um dos jovens, proporcionando o mínimo de alívio que poderiam experimentar. Precisariam de muito mais do que um banho quente para lavarem suas almas e enviarem ralo abaixo as imagens que impregnaram em suas retinas, mas o fraco entorpecimento e o sutil relaxamento que sentiram enquanto estavam ali, debaixo do chuveiro, foram muito bem vindos.




Road Runner soltara lentamente uma baforada de fumaça, repousando a mão que segurava o cigarro no apoio da cadeira. Deliciara-se com o momento como nunca, como se aquela fosse a primeira tragada que dava em um cigarro há dias - na realidade, já estava no quinto seguido, na tentativa de compensar todo o tempo que passara sem colocar o vício em prática naquele dia.

Assim que conseguira finalmente se sentar à varanda para seu turno de vigília, sacara o maço com uma avidez descomunal, não se sentindo tão diferente dos mortos que pouco tempo antes também tentavam agarrar suas recompensas vivas com as mãos vorazes. O ruivo riu desgostoso com o pensamento.

A maneira como tremia quando colocou o primeiro nos lábios e o acendeu com pressa deveria tê-lo surpreendido mais. Sabia que dificilmente passava pouco mais de duas, três horas sem fumar – naquela tarde, no entanto, perdera a conta de quanto tempo sequer tocou em algum cigarro. Antes de descer para defender o casarão de Cross, deixara todos os seus maços muito bem guardados no quarto em que estavam suas coisas. Sabia que a agonia, o desespero, o fato de estar em meio a zumbis sedentos por ele, por seus amigos e, especialmente, por sua irmã, apenas endossaria sua vontade de sacar um cigarro para baforar para longe tudo aquilo. E, por mais ridículo que pudesse parecer o fato de parar de abrir fogo contra zumbis para fumar, ele não duvidaria que realmente fizesse isso, caso soubesse que havia algum esperando por ele em seu bolso; por isso, resolveu mantê-los seguros de suas mãos e de sua cobiça.

Em determinado momento, no entanto, durante todo aquele caos, ele realmente se sentiu fraco, abstêmio, querendo, necessitando de seu escape para todo o estresse e toda a angústia que o cercava – mas ele não fraquejaria, e não fraquejou, ainda mais para um vício tão ridículo. Ridículo ao ponto de fazê-lo suar frio, mas ridículo em seus pensamentos de qualquer maneira. A esperança de tornar a casa segura para sua irmã fora o que o mantivera focado e silenciara os gritos de sua abstinência, que o dera forças para tentar ignorar o sentimento de vazio que a falta do cigarro fazia e continuar aniquilando aqueles que ameaçavam a segurança de todos.

Todo seu esforço frenético e abstinente eventualmente viera a calhar. Agora finalmente estava ali, em seu momento solitário e bem recebido de descanso, acompanhado de mais um cigarro recém-aceso, livre da horda de zumbis morféticos que invadira a fazenda e a sanidade de todos.

Pelo menos “estarem livres” era o que ele e o restante gostariam de acreditar fervorosamente que estavam.

Após a queima de quase todos os zumbis na cabana dos Cross, graças às artimanhas incendiárias de Molotov, fora bem mais fácil colocar abaixo o restante dos invasores, findando, por fim, aquela horda. O ruivo, Red e Germany terminaram o serviço com os zumbis retardatários e mais atrevidos que ainda tentavam invadir o casarão, enquanto Hollywood, Molotov e Frank Cross findavam com aqueles que, apesar de ardentes em chamas, ainda se moviam pelas proximidades da cabana.

Os três homens retornaram para perto do casarão depois de alguns minutos. Germany abrira um sorriso enorme assim que os viu – o maior sorriso que seu rosto conseguira estampar em horas – e correra para abraçar Molotov, enquanto Frank carregava um sorriso triste e apoiava uma das mãos em um ombro de Hollywood, compartilhando da vitória tacitamente.

O grupo todo se reuniu à varanda da casa, ainda devidamente espalhados e atentos. Ninguém se manifestou por longos minutos, todos estáticos, paralisados onde estavam, partilhando dos corações descompassados, das respirações ruidosas, do gelado que teimava em continuar em seus estômagos. Os olhos estavam todos cravados no fogo que consumia aqueles que tentaram devorá-los; devorar seus corpos, atacar a casa, atacar um por um até transformá-los em novos mortos-vivos.

Naquele momento estavam mais esperançosos - na realidade, quase desacreditados do feito - mas cada qual ainda observando os arredores a cada instante, como se à espera de mais algum morto-vivo saltar à vista e correr para agarrá-los. Não estavam convencidos o bastante de que a horda havia acabado – ela durou por tanto tempo que não se surpreenderiam se mais alguns zumbis ainda aparecessem.

Sabiam do risco que ainda corriam. Não podiam se dar ao luxo de descansarem completamente sem ficarem atentos a possíveis novos ataques; cada um deles sabia que o aparecimento de mais alguma massa de zumbis seria o fim definitivo de todos. Sequer conseguiam cogitar em continuar enfrentando mortos-vivos, mas a realidade estava ali, atormentando-os, a prevenção falando mais alto e a segurança tornando-se a máxima para todo o grupo.

Por isso Road estava ali, sentando na confortável cadeira de balanço na varanda do casarão de Cross, desfrutando de um novo cigarro durante seu turno de vigia. Por mais fisicamente exaustos e emocionalmente despedaçados que estivessem, os jovens decidiram, por unanimidade, que se revezariam em turnos de sentinela na varanda enquanto o restante descansava. Era o mais sensato e óbvio a ser feito depois de terem passado por tamanha situação. Serem pegos de surpresa por novos zumbis enquanto todos dormem não lhes pareceu nada aprazível.



A chuva fazia rastros de finas correntes d’água nas extremidades do telhado da varanda. Não aparentava que pararia tão cedo, mas, para o ruivo, poderia durar quanto tempo fosse. Quem sabe a água não mantivesse possíveis novos zumbis longe? Pareceu-lhe uma ideia ingênua, e muito provável que falsa, mas serviu-lhe para aplacar os nervos enquanto permanecia sozinho lá fora.

As pouquíssimas balas restantes do estoque de munição se encontravam carregadas em uma única espingarda, a espingarda de Molotov, a única arma de fogo que seria capaz de causar algum estrago se algum novo visitante indesejado aparecesse. Logo ao lado da espingarda repousavam, também, uma adaga e o machado de Hollywood. Os outros jovens trataram de se equipar com facas grandes de cozinha e espetos de churrasco – era preferível brandir armas simples a arma nenhuma.

Road cruzou os braços atrás da cabeça, o cigarro pendendo do canto dos lábios e os pés repousando acima de um pequeno banco de madeira à sua frente. Fitava nada em particular, estando perdido em pensamentos, uma revoada turbulenta ocorrendo em sua cabeça, com reflexões e devaneios dos mais diversos. Não se permitiria parar de pensar e ponderar sobre o que quer que fosse, não poderia deixar seu cérebro ocioso; pois, senão, sabia que cairia no sono ali mesmo.

Estava tremendamente cansado, seu corpo doía, sua cabeça latejava, mas este mesmo cansaço não o deixava se sentir exatamente sonolento – provavelmente por isso decidira pegar um turno maior de sentinela e justamente naquele horário. Ainda assim, tinha certeza que, em algum momento, o temido sono viria; só não poderia deixar que fosse justo quando estivesse ali.

Soltou um longo suspiro, observando as gotas que caíam do telhado, ainda absorto em pensamentos. Agora que a horda havia sido dizimada, por quanto tempo mais permaneceriam ali? Frank Cross e Javier Mirrez viajariam com eles ou insistiriam em ficar na fazenda, sozinhos, sujeitos a mais invasões? Seriam realmente idiotas àquele ponto? Depois de todo o drama que aconteceu com as famílias dos dois?

...E aonde conseguiriam mais munições? Mais armas, comida, combustível? Precisavam abastecer a caminhonete. Ela, aliás, devia estar tomando chuva. Inundaria toda a caçamba mais uma vez. “Que porcaria.” Mas possuíam um transporte, um transporte grande, e isso era bom. Era ótimo. Só precisavam de munição e mantimentos, infelizmente igualmente importantes.

Fechou os olhos por breves instantes, baforando mais um pouco de fumaça. Uma brisa refrescante tilintou por sua pele, arrepiando-lhe os pelos dos braços e fazendo-o fechar mais a jaqueta jeans – não vestia nada por debaixo dela. Remexeu-se na cadeira, encolhendo-se um pouco mais e fazendo-a balançar-se sutilmente. Será que Red também estava com frio? Não tinha nenhum cobertor que ele pudesse pegar para se cobrir enquanto estava na varanda? Será que Frank se importaria se ele pegasse alguns goles de uísque?

Alguns passos à sua esquerda o fizeram abrir os olhos instantaneamente e tirar os pés de cima do banquinho. Levantou a cabeça para o lado e pôde ver a figura do velho Frank Cross parada a poucos passos à frente da porta de entrada, o perfil do homem exibindo um semblante indecifrável. Estava envolto em um pesado roupão felpudo, de um verde musgo, calças listradas de flanela cobrindo suas pernas curtas e, destoando da vestimenta, uma pesada bota surrada em seus pés. Estava sem seus óculos e os cabelos ralos e grisalhos bagunçados no topo de sua cabeça.

Na mão direita, a única visível para Road, pendia um cachimbo de madeira aceso, de onde rodopiavam finas golfadas de fumaça.

Frank virou a cabeça para o rapaz, encontrando o olhar verde ressabiado do mais novo. Road trincou a mandíbula. O senhor Cross estava completamente abatido, pálido, o rosto, já magro, mais encovado ainda e os olhos inchados e avermelhados – de sono, de cansaço, de choro. Seus lábios finos estavam curvados para baixo, quase sumindo na barba que crescia rapidamente. Os olhos pequeninos, apagados, fundos, tristes, fitaram o ruivo por alguns instantes. A garoa foi o único som a entoar o olhar profundo que os dois homens trocaram naqueles rápidos segundos.

Frank deu alguns passos lentos em direção ao outro. Road o observava atentamente, sem mexer um único músculo. O mais velho arrastou uma cadeira, antes ao lado da porta de entrada, para perto do ruivo, desviando das armas apoiadas na parede ali perto.

Sentou-se sofregamente na cadeira, apoiando-se nos encostos de madeira. Road fez menção de ajudá-lo, esticando um dos braços em sua direção, mas Frank já havia se jogado pesadamente no assento. Soltando um suspiro audível, ajeitou-se na cadeira e levou o cachimbo à boca. O cheiro ocre do fumo queimando a madeira trabalhada logo invadiu as narinas do ruivo, um odor diferente da sua tão acostumada fumaça de cigarro. De certa forma, pareceu-lhe agradável ao olfato.

Permaneceram assim, sentados um ao lado do outro, calados e cada qual concentrado em seu respectivo fumo. Apenas observavam a vasta escuridão à frente, que envolvia todo o quintal, todos os escombros da cabana queimada, toda a Interestadual 80. A delicada cortina de gotas que pendia do limite do telhado acrescentava pequenos pontos brilhantes ao campo de visão da extensão para além da varanda.

Então, com um suspiro trêmulo, Frank apoiou o cotovelo esquerdo no apoio da cadeira e afundou o rosto da mão calejada, chorando baixinho. Road, distraído, só percebeu o choro após alguns instantes, quando o soluçar do mais velho foi mais audível do que a garoa. Seus olhos cansados repousaram sobre a figura de Cross, seu cigarro entre os dedos sendo ignorado pela primeira vez naquela noite.

Os ombros franzinos chacoalhavam sutilmente sobre o roupão felpudo. O pouco que era visível de seu rosto, coberto pela palma da mão, mostrava um canto de lábios retorcidos em um esgar pesaroso, soltando descompassados soluços, acompanhados de lágrimas que corriam até sua barba.

Road, paralisado, não sabia como reagir. Mesmo se soubesse, nada do que pudesse dizer ou fazer por aquele homem sequer começaria a aplacar seu choro. O que pesava nas costas de Frank Cross eram acontecimentos terríveis que Road, bem como o restante do grupo, já haviam tomado conhecimento. Por isso, apenas repousou fracamente a mão livre no ombro do homem, num calado e sutil acalento para toda a tristeza que Frank soluçava para fora.




Assim que todos haviam adentrado a casa novamente, após terem certeza de que a horda havia sido controlada e que o fogo terminaria seu serviço com parte dos zumbis, Germany pôs-se à frente de Frank, afirmando que tinha um assunto muito sério a tratar com ele. O velho, naturalmente ressabiado e abalado dos acontecimentos daquele dia tenebroso, sequer deu ouvidos à garota e quis prontamente entrar em sua casa e finalmente chorar em paz a morte de sua neta.

Porém, a gravidade na súplica e nos olhos da morena foi intensa o suficiente para ele, e o restante do grupo, concluírem que se tratava de algo sério – tão sério quanto o que vivenciaram com Spencer e Savannah horas antes.

Os dois subiram para o segundo andar sem trocarem mais nenhuma palavra. Germany apenas lançou um expressivo olhar para seus amigos e sussurrou que logo explicaria para eles também. Red e Road prontificaram-se a atualizar Hollywood e Molotov sobre o que havia acontecido com Spencer Cross, sobre o porquê de todos terem permanecido dentro da pousada por aquele tempo.

Todos haviam estranhado, no entanto, o sumiço de Savannah Cross e do corpo da menina – mas algo os dizia que era justamente sobre isso que Germany queria conversar com o dono da fazenda. A ideia de que algo ainda mais terrível teria acontecido com as duas mulheres Cross apenas amargou ainda mais as gargantas dos jovens. Germany ter provavelmente presenciado tudo deixou Molotov ainda mais irrequieto.

O velho e a garota permaneceram um bom tempo trancados no quarto no segundo andar. Molotov várias vezes fez menção de subir e checar se estavam bem, dar um apoio à morena quanto a contar a Cross sobre o que quer que fosse que havia acontecido, mas os outros o impediram. A conversa provavelmente já estaria complicada por si só sem qualquer outra pessoa a mais nas explicações.

Enquanto aguardavam, Road e Red haviam se dirigido à cozinha para procurar algo que servisse de jantar; Hollywood e Sam ficaram sentados à sala, calados, fazendo companhia a um choroso Javier, que constantemente se revirara de dor no sofá; e Molotov ficara de prontidão na porta de entrada do casarão, apenas observando a fumaça densa que rodopiava grossa metros à frente, agoniado por não poder acalentar a assustadiça Germany.

Após incontáveis minutos, a morena eventualmente desceu para o primeiro andar, com passos vagarosos e hesitantes. Molotov ouviu Hollywood chamá-la e correu em direção à garota. Ela apenas o fitou, pálida, por alguns instantes - antes de cair em prantos em seus braços, soluçando convulsivamente e tremendo por inteira. O moreno, assustado, apenas a envolveu forte em seus braços e voltou os olhos para os outros, tão confusos quanto ele.

O mesmo choro desesperado agora desabava de Frank Cross – mais comedido, menos esganiçado do que o da garota, mas ainda assim, inconsolável. Aparentemente perdera a vergonha de cair em prantos na frente de Road, não conseguindo conter aquilo que lhe roía a alma, sequer se importando se o ruivo ia lhe fitar com olhos piedosos ou intransigentes.

Após Germany finalmente ter se acalmado e contado a todos o que presenciara – recebendo expressões e arfares de espanto em resposta – ninguém mais viu o velho Cross descer de seu quarto do segundo andar. Durante as horas que se arrastaram com o cair da noite, com cada qual se preparando para receber seu merecido descanso, entre conjecturas sobre como tirar Javier do sofá e deixá-lo mais confortável e frequentes olhadelas desconfiadas para o quintal lá fora, o dono da casa não mais apareceu. Germany o descreveu como impassível enquanto contava sua história – para depois evoluir para desesperado, desacreditado, e, enfim, profundamente depressivo.

Temeu deixá-lo sozinho no quarto, mas ele tanto insistiu que ela assim o fez. Temia que ele a culpasse pelo o que aconteceu, que a culpasse por ter permitido que Savannah se jogasse da cabana, por não tê-lo avisado antes, por não ter arrastado os corpos para longe dali, mas ele nada falou durante toda a conversa. Apenas a fitou com seus pequeninos e tristes olhos, calado, arfante, até pedir para que ela se retirasse do quarto.

Se por todo aquele tempo que ficara trancado lá ele chorara, gritara, se debatera, se negara a acreditar no que acontecera, ninguém saberia. Mas pela maneira como se portava ali, horas depois, ao lado de Road, parecia que havia acabado de receber a notícia.

Road não se arriscou a sequer entreabrir os lábios para lhe dizer algo. Não havia o que dizer para o homem. Não havia o que ser dito para alguém que perdera tudo de importante que possuía num mesmo dia, e de maneira tão violenta, tão abrupta.

Justamente por sua própria família ter sido tirada de si de uma forma tão irreal, daquela mesma forma, que Road apenas permaneceu com os dedos cravados ao ombro do homem que soluçava abertamente a seu lado, a única maneira que encontrara de demonstrar ao dono da casa que não estava sozinho.

E, então, subitamente, o ruivo também se pôs a chorar.

Como não chorava desde que vira seus pais tirados de si e de sua irmã por aquela tragédia que os envolvia. Como não imaginava que choraria nunca mais, tamanho o gelo que crescera ao redor de seu coração com o que presenciara até o momento. Todo o medo que sentira naquele primeiro dia, e toda a raiva, o ódio, a agonia que consumiu seu corpo naquela tarde apenas acrescentava mais angústia para seu âmago.

Ainda assim, estranhamente, não se sentia fraco por estar chorando, por estar compartilhando daquela dor pungente com o homem ao seu lado. Sentia-se humano, como não mais havia se sentido em muito tempo. Como não mais sentiam aqueles que o rodearam durante todo aquele dia, que aniquilaram sua família e a de tantos outros. Como não mais tinha certeza se sentiria no dia seguinte.

E permaneceram assim, sentados um ao lado do outro, expondo toda aquela dor que lhes apertava o peito, cada qual ignorando seus respectivos fumos.





– Uma semana.

A voz levemente enrouquecida de Hollywood ecoou pela cozinha. Red, Sam e Molotov levantaram os olhos para ele.

O loiro fitava o copo de suco de laranja que tinha em mãos, a fraca iluminação que vinha das pequenas janelas descobertas da cozinha lançava algumas rajadas de sol da manhã para dentro do cômodo, iluminando parte do corpo do rapaz.

– Ou menos. – Continuou ele, imerso em pensamentos.

– Uma semana o quê? – Questionou Sam, erguendo as sobrancelhas.

– Que enfrentamos aquela horda do 7-Eleven.

Ninguém respondeu. Era possível ver em seus rostos que todos resgatavam involuntariamente as memórias daquele dia problemático, do fatídico dia em que enfrentaram uma real horda zumbi pela primeira vez. Em que ninguém mais tinha a certeza se sairiam vivos ou pelo menos ilesos daquilo - os mesmos pensamentos que nortearam o dia interior, na invasão da fazenda de Cross.

– Eu ainda tenho pesadelos com o que a gente passou lá. – Hollywood se manifestou mais uma vez, novamente recebendo os olhares dos outros. – Eu... tô falando sério. Eu ainda tremo só de pensar. Porra, ainda posso lembrar dos rostos dos que vinham pra cima de mim, pra cima de todos nós! Ainda sinto o peso daquela merda de machado na minha mão, a primeira vez que precisei usar um na minha vida.

Sam desviou os olhos, fitando os próprios pés. Red crispara os lábios inconscientemente.

– Eu decepei pessoas. Decepei. Decapitei. Tem noção do que é isso? – O loiro levantou o olhar grave para os outros jovens, seu rosto magro estava pálido.

– Hollywood... – Sussurrou Red.

– Também já sonhei que eles haviam conseguido nos pegar. Que eles pegavam um por um de nós, que havíamos falhado em enfrentá-los... – Ele a interrompeu, agora fitando o pouco da sala que era possível ver da entrada da cozinha. – Eu ainda não me recuperei daquele dia. E, droga, não sei se algum dia vou recuperar. É foda, sabe? Pra todos nós, eu tenho certeza! Quem consegue superar uma coisa dessas?! E não sei vocês, mas, pra mim, uma semana é muito pouco tempo pra ter de enfrentar outra dessas. Minhas pernas ainda bambeiam do outro dia, e ontem já tive que decepar pessoas de novo.

Bebeu o suco de laranja num só gole, seus amigos ainda em silêncio. O tilintar do copo sob o mármore da pia fez Sam estremecer levemente.

– Se no começo dessa porcaria toda já estamos nessa situação, como vai ser da próxima vez? Uma horda por dia? Por hora?! – O loiro apoiou as mãos no mármore frio, encolhendo os ombros e suspirando. – Eu sei que o que a gente menos precisa agora é negativismo e essas merdas todas, mas eu... eu não sei mais o que pensar. Não dá pra evitar. É a porra da realidade. Como vai ser daqui a algumas semanas? Daqui a alguns meses? Como...?

– É por isso que precisamos ir embora.

A voz grave de Road fez os outros jovens voltarem seus olhares para ele, inclusive Hollywood. O ruivo estava parado ao batente da entrada da cozinha, com as mãos no bolso da calça jeans surrada e os cabelos úmidos e escurecidos, delatando que acabara de sair do banho.

– Precisamos ir embora e arranjar um lugar seguro. Não podemos mais vagar por estradas desertas, nem nos aventurar em propriedades alheias e corrermos os mesmos riscos que ontem. Temos uma sorte do caralho de termos saídos ilesos disso... pelo menos fisicamente. A gente não pode se arriscar mais assim, e eu tenho certeza que vocês concordam comigo.

Os outros anuíram sutilmente. Hollywood desencostou da pia e caminhou até a mesa de jantar, sentando-se ao lado de Molotov.

– Precisamos encontrar alguma cidade grande que esteja conseguindo se proteger com mais sucesso! Não sei se ainda devemos arriscar ir mais para oeste, mas acho que é a única chance que temos. – Continuou o loiro, fitando a bandeja prateada recheada de frutas ao centro da mesa. – O exército, a força aérea, alguém deve estar conseguindo proteger alguma cidade pelo caminho ou algo do gênero. Não é possível que caras com tanques de guerra não estejam conseguindo dizimar zumbis e proteger sobreviventes.

– Exato. – O ruivo abriu um sorriso abatido, sem dentes.

Permaneceram calados por alguns instantes, digerindo as palavras proferidas pelos dois rapazes. Molotov parecia o mais absorto de todos, não trocando uma palavra com os outros por todo o tempo que permanecera na cozinha. Não só aquela conversa, mas a ausência de Germany, que estava trancada do quarto a um bom tempo, o estava deixando aflito.

– Oeste, então? – Red finalmente quebrou o silêncio, voltando a olhar para o irmão.

Os outros levantaram os olhos novamente para o ruivo. Molotov foi o último a olhar para o rapaz. Road alargou brevemente o sorriso, cruzando os braços, e respondeu com certeza na voz.

– Oeste, então.


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Notas finais do capítulo

Mais um capítulo de transição, mais para nos situarmos depois de terem enfrentado aquela horda. Espero que tenham gostado de qualquer maneira ahahahah a história dos Cross ainda vai nortear as conversar dos jovens, com novas explicações e tudo o mais, mas, por hora, vamos partir para a estrada novamente! ahahahhaa
Ah, sim tenho uma nova pergunta para vocês! Gosto muito de saber as opiniões dos leitores, acho muito importante esse feedback, haha!
Digam-me, o que vocês acham sobre mortes de personagens principais? Acreditam que dão maior veracidade às histórias - em especial de suspense/ação/terror - ou preferem vê-los sobreviverem até o final? Acham que o enredo perderia o sentido com a morte de algum deles, ou garantiria novos rumos ao desenrolar da história?
Ah, não se preocupem, não pretendo fazer mal a nenhum dos nossos queridos jovens, gosto muito deles para fazer isso HAHAHAHA Mas sempre há a possibilidade, não é? Para o possível bem da história. Ainda mais no meio de um apocalipse zumbi. E é bom sempre ter uma carta na manga, vai saber? Ahahahaha

Beijos, abraços, e até o próximo!