Undead Revolution escrita por caarol


Capítulo 17
Tormenta - Parte II


Notas iniciais do capítulo

Já vou avisando que o capítulo tem bastante diálogo e ficou meio extenso. Mas talvez por ser basicamente conversa ele não flua tão lento, apesar da 'enrolação' de casal da Germany e do Molotov, haha
Boa leitura. (:



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Localização: Interestadual 80 - Residência da família Cross

9 dias após o Surto.


 


Germany arqueou as sobrancelhas. Molotov, sentado à sua frente em um dos sofás da grande sala de estar, aparentava nervoso e irrequieto, remexendo constantemente nas próprias mãos e balançando freneticamente uma das pernas. A chuva o havia deixado ainda mais angustiado - já que ele constantemente desviava o olhar para as janelas descobertas observando o temporal - e a presença da garota não parecia estar exatamente acalmando seus nervos.

– Molotov? – Chamou ela, após alguns minutos de silêncio.

– Ahn? – Ele levantou os olhos distraídos, parando momentaneamente de se mexer.

– Tá... tudo bem?

– Ah, hm... sim, tô bem, por quê?

– Você tá calado. Parece... apreensivo.

– Estou bem. – Repetiu ele.

– Você disse que queria conversar. – Ela arriscou, ainda fitando o rapaz com certa confusão.

– É.

– Então... já faz um tempo que estamos sentados aqui e você ainda não falou nada.

Ele voltou a encará-la, agora com um semblante mais surpreso. Ela sustentava o olhar com sutil apreensão, as pernas cruzadas no estofado e as mãos repousando nas coxas. Diferente do que ele imaginava, a voz dela não soou carregada de desconforto ou intolerância. Germany apenas o observava, curiosa e ligeiramente aflita – e seu semblante não transparecia a possibilidade dela ainda ressentir as breves amarguras que trocara mais cedo com o rapaz.

– Eu, ahn... desculpa. – Ele passou as mãos pelos cabelos, em sinal de nervosismo. Ela notou o gesto com atenção, já que ele raramente manifestava inquietação. – Estou bem, mas sim, tô angustiado também.

– Eu perguntaria o porquê, mas acho que já sei a resposta.

– Sabe? – Molotov arregalou os olhos, os dedos parando subitamente de transpassar pelos fios de cabelo.

– Ora, todos estamos agoniados. – Ela abriu um triste sorriso. – É só ver o que está acontecendo a nossa volta... é muita coisa pra nossas cabeças.

– Ah, sim. Isso. – Ele sorriu brevemente. – Isso também.

– Também?

Molotov se calou. Outro trovão estalou, desta vez mais distante. A tempestade havia acalmado sutilmente, silenciando os ventos sibilantes, mas ainda com os pesados pingos de água umedecendo a terra e batendo contra as telhas e cimentados dos arredores da casa. O moreno encarou novamente algumas gotas escorrendo pelo vidro límpido da janela às costas da garota.

– Não é só... essa história toda de zumbis. Poderia conversar sobre isso com qualquer um dos outros. – Lançou um olhar de esguelha para a morena. – Mas já disse, é com você que eu quero falar.

– Sobre hoje?

– É, eu...

– Sabe... – interrompeu ela – não vou mentir e dizer que não esperava que conversássemos. – Abriu um sorriso. – Mas enfim, relaxe, está bem? Estávamos de cabeça quente, só isso. Aquele atrito nem foi nada.

– Lógico que foi! - Proferiu ele, categórico. – Eu fui um bastardo idiota. E sem motivo, ainda por cima. Graças a você que agora estamos aqui, sentados num confortável sofá, com um teto sobre nossas cabeças e chocolate quente à disposição, e não espremidos numa caminhonete que fede a cigarro tentando se proteger desse temporal.

– Mas eu fui precipitada – Germany descruzou as pernas, fazendo menção de se levantar, mas permanecendo sentada no sofá – em pensar que nos receberiam de braços abertos.

– De qualquer forma, nos receberam. Por bem ou por mal, fomos acolhidos.

– É só que – a garota encolheu os ombros brevemente - pensei que as pessoas que encontraríamos ficariam felizes de verem mais sobreviventes, por isso me senti... não ofendida, mas contrariada por você ter pensado daquele jeito. Esqueci que pensar no bem dos outros é muito raro, independente da situação... e não culpo totalmente Frank por ter agido assim. Pra falar a verdade, não sei se faria muito diferente se fosse ele. – Ela suspirou brevemente, mas logo abriu um sorriso. – De qualquer forma, acabou que você estava certo.

– Uau. – Ele sorriu de canto, após alguns segundos em silêncio. – Então é esta a sensação.

– Que sensação? – Germany levantou as sobrancelhas.

– De te ouvir admitindo que estou certo.

A garota revirou os olhos, sem deixar de sorrir, e ele se empertigou em triunfo.

– É muito boa, por sinal.

– Seu babaca.

– Tô brincando, Ger. – Seu semblante subitamente se enrijeceu. – Nada justifica a maneira como eu te tratei.

– Molotov, não foi nem tudo isso. – Ela desviou o olhos para as próprias mãos, remexendo nos dedos finos. – Estamos cansados, destruídos, com medo, fome, frio... em meio a zumbis! Isso é... totalmente surreal. Já falei, é muito pra qualquer pessoa sã e...

– Você realmente acha que estamos sãos? – Molotov riu brevemente.

– Você entendeu. – A morena o olhou, retribuindo o riso. – O que estou dizendo é que ninguém é obrigado a estar sempre de bom humor com todo mundo.

– Mesmo assim. Não foi motivo para eu agir assim, ainda mais com você.

– Ainda mais comigo?

– E além disso – continuou ele, dando de ombros - eu nunca tô de bom humor.

– Eu sei. – Germany riu novamente, ligeiramente envergonhada. – E você sabe que eu também não sou a alegria em pessoa.

– Não. Por isso me sinto confortável com você.

Ela franziu ligeiramente o cenho e levantou uma sobrancelha.

– Como assim?

– Já falei, Ger, você não é como as outras garotas ou as outras pessoas. Você não é toda sorrisos, arco-íris e tudo o mais. E eu também tô longe de ser assim, por isso que conseguimos aturar um ao outro. Pelo menos na maioria das vezes. – Ele abriu um sorriso.

– Ou seja, eu sou uma machona estressada e cara-fechada? – Ela cruzou os braços.

– Considere um elogio. – Ele riu e a garota fez uma careta. – Mas não é isso... estou falando que você é diferente dos outros, diferente de uma maneira... boa. E você é meio parecida comigo também.

– Não sou chata pra caramba igual você.

– Não, isso é exclusividade minha. - Eles riram juntos. – Pessoas felizinhas demais podem até ser bem vistas pelos outros, mas não por mim.

– Falando assim, parece que tô vendo o Frank à minha frente. Você nem é tão carrancudo e amargurado assim, Molotov, não tanto quanto o ele ou o Road, pelo menos.

– Olha, eles tão competindo pra ver quem se supera.

– Você sabe ser gentil também. – Continuou ela.

– Só sou gentil com quem merece, mocinha, é diferente.

– E quem merece?

– Já me viu sendo um amor com qualquer um dos outros?

– Você nunca destratou ninguém.

– Umas brigas e xingamentos sempre rolam. – Ele sorriu.

– Hm, não com a Red ou com o Sam.

– Com o Sam não teria motivo, gosto daquele garoto. E a Red se juntaria ao irmão verme dela pra me darem uma sova se eu falasse alguma coisa pra ela.

– Ela te dá uma sova sozinha.

Germany riu mais uma vez e o rapaz levantou uma sobrancelha, contrariado.

– Então... – ela hesitou momentaneamente, embaraçada, mas tentando não transparecer o frio em seu estômago - só eu tenho o privilégio de presenciar sir Molotov sendo simpático?

– Já disse. Só quem merece. Então basicamente sim, só você. – Ele sorriu novamente; um sorriso bonito, e talvez um dos mais suaves que a garota já viu se esboçar no rosto dele. – Exceto por hoje cedo... Desculpa de novo por isso.

– Só... retruquei por que também sou mau humorada. - Proferiu ela, sem desviar os olhos do sorriso hipnotizante dele. - E por que você soube me enfrentar.

– É bom encontrar alguém à altura pra brigar.

– Sabia que você gostava de briga.

– Sabe também que meiguice não faz exatamente meu gênero.

– Nem o meu, apesar de eu ser menina. – Ela abriu um sorriso triste.

– Você é meiga sim, Ger.

– Só com quem merece. – A garota deu de ombros e sorriu, sustentando o olhar dele.

Ele a observou por alguns segundos e logo abriu, lentamente, outro sorriso.

Por algum tempo, apenas o intermitente som da chuva preenchia a sala, com ocasionais estalos nos alicerces de madeira da casa. Alguns ruídos discrepantes da sinfonia chamaram a atenção dos dois brevemente, com ambos dirigindo os olhares para a possível origem do barulho – algum ponto lá fora, próximo da entrada da casa.

– Isso que é uma droga. Qualquer coisinha já é motivo pra ficar alerta. – Proferiu Molotov, em um baixo tom de voz.

– Acha melhor ver o que é? – Perguntou a garota, com ligeira hesitação nas palavras.

– Só se o barulho continuar.

E se calaram novamente. O ruído cessou, permitindo que relaxassem brevemente os músculos tensos dos ombros. Uma brisa fria invadiu a sala por uma das janelas e Germany estremeceu sutilmente.

– Tá com frio? – Perguntou o moreno, já se levantando do sofá e se dirigindo para uma larga poltrona ao lado de alguns móveis.

– Estou bem. – Ela sorriu brevemente.

Ignorando a resposta, o rapaz agarrou a pesada colcha que repousava no encosto da poltrona e retornou ao sofá onde estava a garota, sentando-se bem próximo dela e ajeitando a coberta por cima dos dois. Ela sorriu timidamente para ele em agradecimento e ele voltou a sorrir daquela maneira diferente, fazendo-a fitá-lo por longos segundos.

– O que foi? – Perguntou ele, erguendo uma sobrancelha.

– Você... devia sorrir mais.

Sustentou o olhar da morena por alguns instantes, até soltar um risinho debochado.

– Eu até que sorrio bastante, apesar de toda minha pose birrenta.

– Digo sorrir desse jeito.

– Que jeito? – Ele franziu o cenho.

– Espontâneo... como você fez quase agora.

Mesmo ainda ligeiramente confuso, o rapaz desviou brevemente o olhar para os lábios dela, que se abriam em outro sorriso tímido.

– É engraçado, sabe. – Pronunciou ela, após alguns instantes de silêncio, e fitando um dos tapetes próximos dos sofás.

– O quê?

– Você tem razão, nós somos meio parecidos. Emburrados, estressados, mandões, amargurados, o que for. Mas agora, por exemplo, não consigo ver isso em você. E nem em mim, eu acho. Nossos comportamentos variam muito. Uma hora a gente tá quase se matando e na outra...

– Isso porque a gente mal brigou de verdade. – Interrompeu ele. - E não foram nem duas vezes direito que aconteceu. – Zombou, sendo acompanhado de um riso sutil dela.

– É verdade, tinha me esquecido do dia que a gente se conheceu.

– Nem lembra, senão vou começar a me sentir um otário de novo.

– Se você é otário, então eu sou otária também.

– Provavelmente. – Molotov abriu um sorriso, olhando-a nos olhos e recebendo um franzir de cenho em resposta. – Ger.

– Oi.

– Você... não está mais nervosa comigo?

– Nunca estive de verdade. – Retrucou a morena, sorrindo brevemente. - Já disse, foi momentâneo, ninguém teve culpa... só não garanto que não volte a acontecer, já que vamos estar constantemente cansados e de cabeça cheia, mas vou tentar me controlar.

– Eu não me importo de discutir de novo... - ela o olhou com desconfiança – se toda a vez que a gente for se desculpar acabarmos debaixo da mesma coberta. – Ele abriu um sorriso torto; incrivelmente, aos olhos da garota, sem tanta malícia quanto suas palavras.

– Eu te socaria, se você não tivesse sorrindo do jeito que eu falei.

– É tão bonito assim? – Ele levantou uma sobrancelha e se aproximou sutilmente dela, com o sorriso se transformando - agora visivelmente mais maroto. Seu braço estava praticamente colado ao dela e a coberta os circundava formando um único pacote de tecido envolto em ambos os corpos. Por ser alguns centímetros mais alto, o rapaz ainda conseguia olhá-la ligeiramente por cima, mesmo sentados. Ela levantou os olhos para ele.

– Esqueci que além de mais chato, você é mais convencido também. – Foi a vez dela de sorrir. – Mas sim... é muito bonito.

– Então acho bom eu ir treinando.

– Treinando?

– Pra sorrir assim mais vezes pra você.

Germany se calou por alguns instantes, encabulada. Percebendo a vulnerabilidade que subitamente acometera à garota, o rapaz alargou ainda mais o sorriso malicioso. Travavam inconscientemente uma silenciosa batalha de quem cederia primeiro ao outro; um jogo sem quaisquer prejuízos para ambas as partes, mas com o puro cunho de provarem para si mesmos que realmente eram absoluta e igualmente orgulhosos.

Recompondo-se brevemente, a morena endureceu o olhar e levantou uma sobrancelha.

– Então é assim que Molotov flerta com as garotas? – Ela abriu um sorriso divertido, recebendo um levantar de sobrancelhas dele. Então ela ainda estava jogando.

– Não estou flertando. – Disse ele, apático, mas esboçando um meio sorriso.

– Oh, essa resposta é tão melhor. – Ironizou ela, cruzando os braços e ainda sorrindo.

– Ah, Ger, eu... não foi isso, eu... ah, você entendeu, caramba. – Bufou o rapaz, logo percebendo que perdia o controle. A proximidade deles agora começava a fazer sua angústia voltar violentamente; uma angústia inovadora, transbordando em vontades. Suspirou, enfim, e abriu um sorriso. – Você está aprendendo a me tirar do sério, isso não é legal. Cortou totalmente minha onda.

– Seu bobo, só estou te enchendo o saco.

– Pois é, é o que pessoas birrentas fazem, aporrinham umas as outras.

– Sim. Mas gostam da companhia umas das outras também.

Molotov se calou. Ao invés de esboçar seu conhecido sorriso irônico e divertido ele apenas fitou o rosto da garota, com um semblante sério e enigmático. O riso de Germany se esvaiu lentamente e ela apenas o encarou de volta.

A melodia da chuva voltou a preencher as mentes turbulentas dos dois jovens, que se analisavam minuciosamente e numa perigosa proximidade. Inconscientemente diminuíam a distância ainda mais, até serem interrompidos por novos ruídos à frente da casa. Afastaram-se bruscamente, Germany sentindo as faces arderem sutilmente e o rapaz não desviando os olhos um segundo dos dela.

– Relaxe, eu estou aqui. – Murmurou ele, com certa rouquidão na voz, soando involuntariamente sedutora aos ouvidos da garota.

– Eu sei... – Respondeu ela, iluminando o rosto com um sorriso e voltando a fitá-lo. – Obrigada.

– Vou te proteger, Ger, não se preocupe.

– É mais provável que eu proteja você, Molotov, e você sabe disso. – A morena ainda sorria e voltou a se aproximar sutilmente dele. – Ou já se esqueceu de que fui eu quem te tirou daquele mercado?

– Eu só estava te testando aquele dia. – Respondeu ele, com um riso baixo, ora fitando os olhos dela, ora os lábios. A garota revirou os olhos e esboçou um meio sorriso. – Queria ter certeza que vocês voltariam pra me buscar.

– Lógico que a gente não ia largar você lá.

– Pelo Road não teria problema.

– O Road é um idiota. Mas... eu não podia te deixar lá, Molotov.

– E por que não? – Perguntou ele, pausadamente, com um sorriso mais largo.

– Preciso... mesmo falar? – A morena baixou os olhos.

– Adoraria ouvir.

Com um suspiro, ela franziu o cenho e fitou uma das janelas, pensativa. Parecia ansiosa, e o rapaz sabia que era da mesma ansiedade que ele também sentia martelar por todo o corpo.

Sempre fora confiante perante indivíduos do sexo feminino, mas aquela em particular parecia deixá-lo completamente perdido, perdido e inseguro, com sensações novas que despertaram sua curiosidade; nunca se vira assim por causa de uma garota.

Ali, sentado ao lado dela, percebeu que os efeitos intimidantes daquela tenebrosa noite chuvosa não pareciam falar mais alto que seu desejo de tê-la para si, física e emocionalmente. Seus nervos e emoções à flor da pele, intensificados pelos acontecimentos da última semana, se voltavam totalmente para Germany - e ele conseguiu perceber, pela maneira como ela passou a fitá-lo de volta, que ela não se sentia muito diferente dele.

Com uma súbita parada em sua linha confusa de pensamento, Molotov apenas se aproximou ainda mais do rosto dela, levando inconscientemente uma das mãos para repousar na nuca da garota. Ela não desviava o olhar daquele castanho profundo tão próximo e não se opôs de forma alguma à aproximação – ele, porém, parou subitamente, os narizes quase colados, e abriu um sorriso.

– Estou esperando. – Sussurrou ele.

– E-esperando? – Repetiu Germany, levemente desnorteada.

– Sim. Sua resposta. – O rapaz se aproximou lentamente do pescoço dela. – Porque você quis me salvar.

– Ainda com isso? – Ela revirou os olhos, num misto de impaciência e angústia. – Meu Deus, nunca vi tanta presunção numa pessoa só.

– Presunção?

– E na hora errada ainda.

– Hora errada? – Molotov roçou levemente os lábios pouco abaixo da linha mandibular da garota, causando-lhe uma série de arrepios; ele apenas alargou ainda mais o sorriso com a reação.

– Argh – ela franziu o cenho, os arrepios contribuindo para o aumento do frio em seu estômago - você é tão...

– Presunçoso, eu sei. – Prensou novamente a boca no pescoço dela.

– P-petulante. Teimoso.

– Não sou eu que estou hesitando. – O rapaz olhou de esguelha para ela.

– Não estou hesitando! – Exasperou a garota, afastando brevemente o rapaz, tornando a se olharem nos olhos.

– ...Ou com o orgulho ferido. – Ele abriu um sorriso malicioso.

– Molotov, você não sabe nunca a hora de parar de falar?

O moreno se calou por alguns instantes, sustentando o olhar desafiador de Germany. Suspirou brevemente e abriu um triste sorriso.

– Infelizmente não. Cacete, tô pior que o Hollywood. – Ele cerrou os olhos, soltou um riso baixo e passou uma das mãos pelos cabelos. – É meio difícil eu calar a boca quando tô nervoso.

– Então, por favor, deixa que eu te ajudo.

Antes que pudesse voltar a fitar a garota, esta o segurou pelo rosto com as duas mãos e aproximou-o rapidamente de si, colando seus lábios. Pego de surpresa, Molotov arregalou os olhos e permaneceu estático por alguns instantes, enquanto Germany aproximava seus corpos e o abraçava pelo pescoço.

Intensificando súbita e freneticamente o beijo, a morena fincava os dedos nas costas e braços do rapaz e puxava seus cabelos, pedindo ainda mais passagem com sua língua. Logo recebeu uma resposta dele, que retribuiu sem hesitação e com um sutil sorriso de canto. Puxou as pernas da garota para seu colo, por baixo do cobertor, passando a ponta dos dedos pela pele arrepiada das coxas desnudas dela, subindo lentamente em direção às costas esguias.

Permaneceram no calado e febril contato por longos segundos, desligados inclusive da chuva que voltava com força lá fora, até pararem subitamente com arfares nos lábios entreabertos, tentando recobrar o pouco de fôlego que os restava. Fitaram-se por alguns instantes, as mãos ainda repousando nas costas, pescoços e cabelos.

– Pode... calar minha boca quando quiser. – Murmurou Molotov, afrouxando o aperto na perna da garota.

A morena apenas abriu um largo sorriso e colou suavemente os lábios nos dele.

– Bom aprender a lidar com você, marrento. – Disse ela, mostrando a língua.

– Guarda essa língua, mocinha, ou não me responsabilizo pelas minhas ações. – Respondeu o moreno, puxando-a para si novamente, sorrindo de canto.

– Uh, que medo. – Riu ela, repousando uma mão numa das coxas dele.

– E cuidado com essa mão também.

Germany revirou os olhos, sorrindo.

– Faz quanto tempo que a gente se conhece mesmo? – Perguntou ele, subitamente.

– Não faz nem uma semana direito.

– Então porque parece que faz meses que eu venho querendo beijar você?

Segurou delicadamente o queixo dela, levantando o rosto enrubescido da morena para olhá-la nos olhos.

– Quis... beijar você logo quando a gente se conheceu. – Respondeu ela, com timidez na voz.

– Sério? – Ele levantou as sobrancelhas e sorriu largamente.

– É. Pra ver se você largava a mão de querer assaltar a gente. – A garota riu brevemente e recebeu uma careta do moreno em resposta.

– Ah, sim. – Riu ele, puxando-a para si. - E posso saber porque não fez isso?

Voltaram a se beijar, dessa vez com mais suavidade, tateando cada parte do corpo do outro sem a pressa inicial. O moreno acariciava com os dedos o rosto redondo da garota e ela sentia o coração aquecer a cada carinho; aquecer como nunca sentiu antes, nem com Dustin ou qualquer outro rapaz.

Dustin.

Ela subitamente franziu o cenho, se lembrando do quão pouco fazia que havia perdido o rapaz loiro para as criaturas cambaleantes. Ele nunca fora a melhor pessoa do mundo, muito menos o namorado perfeito para ela - e, pelo visto, nunca teria a chance de trabalhar em suas falhas - mas nem por isso ele merecia tudo o que passou nos últimos instantes de vida. Um fraco remorso passou a tomar conta da mente da garota: será que estava desrespeitando a memória do ex-namorado por já estar nos braços de um novo rapaz, e em tão pouco tempo?

Uma mordiscada que levou no lábio inferior a fez dispersar brevemente os pensamentos e se lembrar do moreno que estava à sua frente; mais do que disposto a ficar com ela, mesmo em meio a todo um rebuliço apocalíptico. Um rapaz melhor do que Dustin, em muitos aspectos.

Decidiu rapidamente que não estava sendo desrespeitosa quanto ao loiro; e mesmo se estivesse, não se importaria. Aquele também não era um bom momento para refletir como se sentia em relação àquilo tudo, pois não estaria sendo justa com Molotov se matutasse algo em relação ao ex enquanto ficavam juntos. Conversaria com o moreno posteriormente sobre tudo aquilo – ou nem falaria nada, já que não sentia exatamente culpa por estar praticamente perdendo as roupas com ele. O pensamento a fez perceber que ele subia uma das mãos pelas suas costas por dentro da blusa.

O rapaz, percebendo o súbito distanciamento da garota, parou de beijá-la e a fitou com olhos confusos.

– Ger? Tá tudo bem? – Perguntou. Logo percebeu, pela maneira como ela corou brevemente, que a acariciava na linha da lombar desnuda. Arregalou os olhos e desencostou os dedos da pele macia. – Ah, eu, desculpa, eu não...

– Eu tô bem. – Interrompeu ela.

– O que foi?

– Nada. – A morena sorriu brevemente. – Nada mesmo.

– Se... você acha que estamos indo rápido demais, eu...

Shh. – Ela encostou o indicador nos lábios dele, silenciando-o. – Não é isso. E não tem problema, pelo contrário.

Molotov a encarou por alguns instantes e voltou a repousar a palma nas costas dela. Ela sorriu em resposta, encorajando-o. Ele, então, subiu ainda mais a mão, lentamente, quase chegando ao fecho do sutiã, mas fora interrompido e sobressaltado por vozes no andar de cima.

Ambos levantaram os olhos para a escada atrás do sofá onde se encontravam, tentando discernir o que acontecia lá em cima, mas com certa dificuldade devido ao ruído da tempestade.

– São a Spencer e a Savannah falando? – Perguntou Germany, em um baixo tom de voz.

– Parece que sim. E pelo visto elas tão conversando bem alto, porque dá pra ouvir mesmo com a chuva.

As vozes pareciam se exaltar cada vez mais, vozes estridentes e femininas, que discutiam fervorosamente. As aparências serenas e caladas das duas mulheres da família Cross não pareciam condizer nada com o que ocorria no quarto do andar de cima.

– Elas estão mais é brigando. – Germany ainda fitava a escada.

– Estranho. Nunca ouvi a voz da menina.

– Eu também não.

– E a mãe dela também parece meio esquisita.

– A Savannah? Por quê? – A morena baixou os olhos para o rapaz.

– Ela nos recebeu tão... alegre hoje. Ela é sorridente até demais.

– Esqueci que você não gosta de pessoas felizes. – Riu a garota.

– Não é isso. É só que... Ela não parece estar abalada com toda essa história de zumbis. É como se fosse um acontecimento como outro qualquer. E agora, ouvi-la gritando assim... Acho que ela é meio louca.

– Pára, Molotov. Ela só está discutindo com a filha, é normal. E ela só estava sendo simpática com a gente.

– Sei lá. De normal essa mulher parece que não tem nada.

– Quer mesmo ficar falando dela? – Perguntou a garota, erguendo uma sobrancelha.

– Por quê? Tem algo melhor em mente? – O moreno sorriu de canto.

– Digamos que sim.

Germany voltou a se aproximar do rapaz, que alargava o sorriso malicioso. Porém, antes de voltarem às carícias, foram novamente interrompidos, desta vez pelo barulho de uma porta sendo aberta e a conversa das duas outras mulheres se tornando mais nítida.

– Mãe, fica aqui! – Exasperou uma voz aguda. – Amanhã você vê isso!

– Já falei, vou agora, Spencer! – Respondeu quem os jovens concluíram ser Savannah.

– Tá chovendo muito, mãe, você não pode esperar uma noite sequer?!

– Não, não posso!

Passos pesados se dirigiam para a escada. Germany e Molotov voltaram a olhar para o andar de cima, se afastando um do outro sutilmente.

– Mãe, pára com isso, alguém pode acordar, o vovô vai acordar! Vão desconfiar da gente!

– Que merda, Spencer, cale a boca!

Os dois morenos se entreolharam, assustados. Savannah Cross não parecia capaz de agir com tamanha rispidez e exaltação na voz, ainda mais com a própria filha; Germany logo percebeu que, pelo visto, havia se enganado em relação a ela.

– Fique aqui. Não vou demorar. – Continuou Savannah, seca. – Boa noite.

– Eu...

– Boa. Noite.

A menina se calou, em obediência à colérica ordem da mãe, e um baque surdo evidenciou a porta do quarto se fechando. Novos passos, sutilmente encobertos pela chuva, desciam a escada, e os dois jovens rapidamente se separaram, ambos se sentando corretamente e permanecendo calados.

Savannah já estava quase no primeiro andar quando percebeu os dois na sala.

– Oh! – Exclamou ela, chamando a atenção de ambos para si. Os jovens se fizeram de surpresos, receosos de transparecerem que escutaram a briga com Spencer. – Não sabia que estavam acordados, pensei que alguém só havia esquecido a luz da sala acesa.

A mulher voltou a abrir aquele sorriso sereno e otimista. Não trajava pijamas ou qualquer roupa mais apropriada para dormir, e sim as mesmas vestimentas que vestira durante todo o dia. A única diferença mais evidente eram as galochas de um vermelho bem vivo que calçava e um guarda-chuva florido empunhado em uma das mãos.

– Não queríamos acordá-la. – Disse Germany, tentando sorrir naturalmente.

– Não, não, eu já estava acordada. – Ela se dirigiu para o outro sofá e tentando esconder o guarda-chuva atrás das costas, sem muito sucesso. – Não... ahn... não consigo dormir.

– Nós também não. – Continuou Molotov, sério.

– Que pena, pois precisamos todos descansar. - A mulher soltou um sonoro e pesaroso suspiro. – Vocês deviam voltar para a cama. Não se preocupem que eu apago as luzes.

E, com mais um sorriso, ela conseguiu depositar o apetrecho atrás de um dos sofás e se dirigiu rapidamente para a cozinha, sendo acompanhada por dois pares de olhos desconfiados. Suas galochas produziram um peculiar ruído emborrachado no assoalho.

– Impressão minha ou ela está nos expulsando da sala? – Murmurou Germany, com um franzir de cenho.

– Falei que essa mulher é estranha.

– Ela e a filha pareciam bem transtornadas.

– Vai por mim, Ger, alguma coisa não tá certa. Porque ela tá toda vestida, com guarda-chuva e tudo?

– O que você acha que tá acontecendo? – Cochichou a garota, se aproximando do rosto do rapaz e lançando um olhar desconfiado para a entrada da cozinha.

Savannah já voltava do outro cômodo com uma xícara fumegante em mãos, que emanava um aroma de leite bem quente, e o mesmo sorriso teatral no rosto. Apesar das sutis olheiras evidenciando seu cansaço, ela não parecia nem um pouco indisposta.

– Que chuva, hein? – Comentou ela, num tom divertido, parando próxima do sofá dos dois jovens e virando a cabeça para uma das grandes janelas que gotejavam. – Espero que passe logo!

– A chuva está atrapalhando alguma coisa? – Perguntou Molotov, de supetão, franzindo o cenho para a mulher. Recebeu um sutil cutucão no braço de Germany.

A mulher se virou lentamente para o rapaz, sem deixar esvair sua face otimista.

– Porque atrapalharia algo, querido?

– Me diga você. – Desafiou ele, estreitando os olhos.

– Molotov. – Sussurrou a morena, sem desviar o olhar da senhora Cross.

– Acho que – continuou a loira, sentando-se confortavelmente numa das poltronas e tomando um gole da xícara antes de continuar – vocês deviam se deitar.

Germany levantou num pulo do sofá, agarrando parte da colcha que cobria a ela e ao moreno.

– Boa noite, Savannah. – Disse, lançando um rápido sorriso à mulher e voltando-se para Molotov. – Boa noite, Molotov.

– Espera. – Chamou ele, também se levantando. – Também estou indo.

Dobrou rapidamente a colcha e a repousou no encosto de outra poltrona. Germany o fitava apreensiva, já quase no corredor dos quartos. Savannah Cross não desviava os olhos soturnos um segundo sequer do rapaz, transpirando tamanha serenidade e indiferença perturbadoras por trás do sorriso estampado que fizeram a morena engolir em seco.

– Até amanhã, jovens. – Declamou a loira, erguendo a xícara em sinal de saudação.

O rapaz meneou brevemente a cabeça, calado, e se retirou da sala acompanhado da garota, ambos se dirigindo para o final do corredor dos quartos. Lançaram breves olhares por cima dos ombros, avistando a mulher ainda sentada, uma perna sobre a outra, bebericando de seu leite quente e apreciando a vista lá fora.

– Ela me deu calafrios. – Cochichou Germany, apoiando as costas na porta de seu quarto e encolhendo os ombros.

– Aquele sorriso fixo de manequim perverso dela não me engana. – Retrucou o rapaz, cruzando os braços e cerrando a fronte.

– Você tinha que provocar ela! – A garota beliscou novamente o braço dele, que soltou uma exclamação de surpresa.

– Não vou baixar a crista pra essa coroa, ela sendo pirada ou não. – Bufou ele, desviando os olhos para a sala novamente.

– Se fizermos qualquer besteira, os Cross nos expulsam daqui rapidinho, Molotov. Seja lá o que essa mulher tenha na cabeça, é melhor não nos metermos.

– Acho que ela desconfiou que ouvimos a conversa e vai seguir cada passo nosso.

– O que você quer dizer?

– Olha lá, mesmo estando longe ela parece mais do que atenta a nós. – Ele meneou a cabeça para onde a loira estava. Savannah continuava sentada na mesma posição, lançando olhares vez e outra par o corredor, a argúcia que emanava dela mais do que evidente. – E, pra começo de conversa, ela pode ter vindo toda sorrisos, mas acho que não gostou muito do fato da gente estar se pegando no sofá dela.

– Imagina se descobre que a gente foi dormir junto. – Continuou a garota, séria, também fitando a mulher.

– É. – O rapaz subitamente arregalou os olhos. – Espera, o quê?

A garota riu primeiro abertamente, mas logo tapando a própria boca com uma das mãos para não fazer muito barulho.

– Devia ter visto sua cara! – Ficou na ponta dos pés, ainda risonha, e depositou um beijo estalado na bochecha do rapaz. - Boa noite, Molotov.

Chacoalhando sutilmente a cabeça, ele baixou os olhos para a morena e arqueou as sobrancelhas.

– Você me deixa... confuso, garota.

– Eu tava brincando, seu bobo.

– Tava... brincando? – A decepção na voz do rapaz era mais do que perceptível.

Germany riu novamente, abraçando-o pela cintura e se aproximando o máximo que podia do ouvido dele.

– Sim e não. Sim porque a gente não vai poder fazer isso... tranquilamente. Não com essa mulher aqui do lado, pronta pra nos degolar a qualquer oportunidade, em especial porque a filha dela tá no andar de cima. E não por que... bom, porque eu ainda quero brincar com você, ué.

– Confuso não, você tá me deixando é louco. – Arfou o rapaz passando uma das mãos pelos cabelos e repousando a outra na lombar da garota.

– É melhor descansarmos também. – Continuou ela, dando de ombros.

– Mas sabe-se lá quando vamos ter outra oportunidade?

– Por quê não teríamos?

– Esqueceu que a gente praticamente mora numa caminhonete com mais quatro pessoas?

A garota pareceu ponderar as palavras do moreno por alguns instantes, então suspirou.

– Merda. Tinha me esquecido.

– Mas você tem razão. – Ele também soltou o ar pesarosamente. – Não acredito que vou falar isso, mas acho que agora não é mesmo o... momento certo.

É o momento certo, só que na casa da pessoa errada.

– É, de certa forma isso soa errado. E muito sexy. – O rapaz abriu um sorriso largo.

– Fica quieto.

Os dois riram juntos e logo trocaram sorrisos mais suaves.

– Boa noite então, mocinha. – Molotov colou os lábios nos da garota, que logo entrelaçou os braços por seu pescoço. Ele deslizou lentamente as mãos dos ombros dela para a cintura e pressionou-as no local, aproximando seus corpos e provocando um inconsciente suspiro em reposta.

– Hmm, não faz isso senão mando tudo o que a gente acabou de falar pelos ares.

– Bom saber. – Ele abriu um sorriso e beijou-a novamente. – Qualquer coisa me chama, tá bom? Qualquer coisa mesmo. Nem que seja pra dizer que teve pesadelos com a mulher loira dos infernos.

– Até invadiria seu quarto se não fosse o Sam.

– Argh, esqueci do garoto.

Com um último riso e um beijo rápido, os dois jovens se despediram carinhosamente e cada um partiu para seu respectivo quarto, sem antes trocarem sorrisos suaves e piscadelas.

Apesar de terem deixado as portas dos quartos abertas, a ainda constante melodia da tormenta encobriu quase totalmente um característico e intermitente ruído emborrachado, que logo foi seguido de suaves cliques - cliques da porta de entrada da casa sendo aberta e logo fechada novamente.


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Notas finais do capítulo

Mas é lógico que alguma coisa ia atrapalhar os dois e as coisas não iam mais pra frente que isso, né? Senão perde toda a emoção da coisa! ahahahaahaa
Demorei um pouquinho mais pra postar, mas por causas mais... sérias. As provas da faculdade estão me matando.
Preferia mil vezes passar horas escrevendo do que estudando...
Mas enfim.
Espero que tenham gostado! Deixem comentários, críticas e tudo o mais, fico muito feliz quando os recebo!
Até o próximo capítulo (onde as coisas vão começar a complicar, hihi)



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