Bonds escrita por frozenWings


Capítulo 9
Capítulo 9


Notas iniciais do capítulo

Demorei, mas postei. x-x



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Um passado. Não existe nada ou ninguém neste mundo que não o tenha.

Ele é como um baú de lembranças, e não importa o quão tristes ou felizes essas lembranças sejam, ainda sim, ele continuará a ser o precioso recipiente delas.

Muitas pessoas tentam esquecer ou até mesmo apagar seus passados, em outros casos, buscam resgatar recordações que pouco a pouco vão se perdendo, e apesar de tudo isso, em geral, elas estão — constantemente — visitando-o.

Sabe, Ichigo, eu considero o passado não só como uma fonte de lembranças, eu penso que talvez seja ele a espécie de corrente que muitas vezes nos impede de olhar para o futuro.

— Ei, Toushirou, eu adoro a neve. Não acha incrível todo esse cenário branco e neutro? É como se pudéssemos pintá-lo de qualquer cor. Eu gostaria de mostrar a você mais invernos como esse. — ressoou uma voz feminil abafada.

— Mãe?! Onde você está? — gritou ele, ao ter reconhecido a voz.

O garoto olhou para todos os lados, no entanto, não viu nada além de flocos de neve que caiam sobre o chão branco que circundava toda a extensão daquele lugar.

— Vamos fazer bonecos de neve. Venha até aqui. — murmurou o timbre delicado, perdido pela imensidão alva.

— Apareça, por favor... Não me deixe sozinho... — gritou o grisalho, correndo em uma direção que dava exatamente ao mesmo lugar. 

Subitamente, uma mão surgiu, agarrando-lhe no pescoço. Logo, um braço também apareceu, formando o rosto do agressor.

— Por sua causa, a minha mulher morreu! Eu darei a você o mesmo destino que você deu a ela! — rosnou um sujeito de músculos salientes. Ele aparentava ter em torno de quarenta anos.

Toushirou agarrou o braço robusto que se inclinava sob seu pescoço, tentando contê-lo.

— Não foi minha culpa, pai... Eu nunca quis matá-la, eu não fiz nada a ela. Por favor, acredite em mim! — arfou ele, quase sem ar.

O sujeito mal encarado pareceu não ouvir, ou pelo menos fingir não ouvir. Ele cerrou o punho e começou uma série de socos que conseguiam ferir não só a pele do garoto, mas também, sua alma. 

Os espancamentos não duraram muito. Ele se viu cair em um lugar sem sentido ao tempo em que a imagem de seu pai fora se desintegrando, ainda que mantivesse a expressão odiosa no rosto.

Ele continuou a cair em um buraco que ao contrário dos outros, não era preto e sim, branco, como todas as outras partes daquele estranho lugar.

O buraco estava repleto de memórias marcantes que rompiam a imensidão branca, brotando em cenas que até hoje eram uma das mais nítidas que o garoto possuía.

Em seguida, ele viu a imagem de si mesmo, encolhido em um canto da casa. O rosto com vários machucados eminentes.— Não há com quem eu possa contar. Nesse mundo, eu estou sozinho. Eu queria ter morrido com a mamãe. Não há futuro pra mim. — murmurou ele, apertando os joelhos ralados. 

“É verdade... Naquela época eu não tinha a ninguém. Nem mesmo amigos. Só existia ódio em meu coração.”

Uma outra imagem surgiu, apagando a primeira. Essa mostrava Kaien e a si mesmo quando eram mais jovens.

— Você quer me dar um sonho? — perguntou Hitsugaya, de olhos arregalados.

— É isso mesmo. Se torne o meu baixista e então venceremos o mundo com nossas músicas, ou então, você pode continuar a ser esse garoto que fica se lamentando pelos cantos, sempre reclamando de como a vida foi injusta com você. Nós temos a força para mudar nossos destinos. E fica mais divertido quando fazemos isso ao lado de amigos. É só agarrarmos com tudo o que temos! — exclamou ele, energético com as suas palavras.

— Amigos? Você é meu primeiro amigo, Kaien.

Uma outra imagem se montou, mostrando ele e todos os integrantes da banda.

— Vocês devem saber, desde que minha mãe morreu, eu nem lembro mais quando eu tive uma família e também não sou de ficar falando sobre essas coisas... Mas, desde que nos encontramos, vocês se tornaram a minha mais preciosa família. Eu sou feliz por isso, bando de idiotas. — riu Toushirou, balançando a cabeça.

— Como ele é delicado. — zombou Grimmjow, passando o grande braço por seus ombros.   

As imagens aleatórias pararam de aparecer, igualmente ao buraco sem fim. Toushirou ficou de pé, vendo uma pessoa demasiadamente iluminada. Ela abriu os braços. Mesmo sem conseguir enxergar o rosto, o grisalho pôde saber... Era sua mãe.

“Minha mãe era tão gentil... Eu não quero esquecer o seu sorriso, mas parece que o tempo está lentamente tomando-a de mim.”

— Prometa ficar. — falou ele, mesmo sabendo que aquele pedido não devia ser levado em conta.

— Do que está falando? Eu não vou a lugar algum. — sussurrou ela, abraçando-o.

“Mesmo que eu a abrace até não poder mais, eu nunca mais sentirei o calor de seus braços. Eu já não lembro mais dessa sensação.”

— Inverno é a minha estação favorita... Tudo é tão tranqüilo. — suspirou ela, olhando para o céu nublado que lentamente tomava a parte superior do cenário.

“Inverno também é a minha estação preferida... Porque foi nela que nos encontramos pela última vez.”

Inesperadamente algo o sugou como se o estivesse transportando entre diversas dimensões de sua mente. O chão, antes sujo se tornou uma espécie de enorme poça de sangue. Havia uma pessoa no meio dessa poça de sangue, uma pessoa que era extremamente familiar para si. O grisalho tentou se aproximar para ver o rosto, mas não conseguiu ver. Na realidade, não conseguia se mexer. Suas pernas não o obedeciam.

“Porque estou com vontade de chorar?” perguntou, esfregando um dos olhos. “Quem é você? Quem...?” 

Hitsugaya abriu os olhos, inclinando-se rapidamente. Olhou ao redor, percebendo que tudo não tinha passado de um sonho.

— Que sonho maluco... — murmurou pra si mesmo. 

Ele respirou longamente, coçando os cabelos alvos.

Viu Grimmjow quase cair da cama ao lado enquanto se esticava por cima de seu travesseiro. Dividir o quarto com ele não estava se apresentando como um de seus maiores problemas como tinha previsto.

Toushirou se espreguiçou, buscando não concentrar seus pensamentos naquele sonho estranho.

 Levantou, se dirigindo até o banheiro. Existia um lugar ao qual desejava visitar naquela manhã.

O sininho da pequena loja de CDs e discos ressoou, indicando a presença de um possível freguês. Um dos funcionários do caixa o vistoriou, parecendo reconhecê-lo.

— Ei, Momo, venha até aqui. — cochichou ele, chamando a garota que ajustava alguns CDs em suas devidas prateleiras.

— O que foi? — perguntou ela, se aproximando.

— Olhe, é aquele mesmo esquisitão de antes. Ultimamente ele tem vindo muito aqui. — comentou com desconfiança, estreitando as orbes.

Hinamori não entendeu. Ela girou a cabeça, finalmente compreendendo o motivo daqueles comentários. Era o garoto dos cigarros, e também, o mesmo garoto que vinha toda semana para comprar algo por ali.

A garota prendeu o riso. Ele ainda continuava com os mesmos disfarces estranhos... Daquele jeito todos pensariam que ele era algum tipo de assaltante.

— Isso significa que a nossa loja tem agradado aos clientes, especialmente a esse, você não acha? — perguntou ela em um sorriso, ajeitando o arranjo que prendia seus cabelos. — Bem, se me der licença, eu vou atendê-lo.

— Eu não acho que seja a loja a agradar esse pivete... — murmurou pra si mesmo, olhando-a se afastar.

— Bom dia, Matsui-san. Precisa de alguma coisa? — perguntou com entusiasmo.

— Olá, Hinamori. — respondeu Toushirou, tentando parecer imparcial. — Na verdade só estou olhando alguns desses CDs aqui, então você não precisa se preocupar, mas fique por perto. Odeio ter que ficar chamando atendentes. — acrescentou, limitando-se a passear os olhos pela prateleira de Hardcore.

Sentiu um pouco de peso na consciência por ter dado um nome falso à garota... No entanto, talvez fosse melhor que tudo ocorresse daquele jeito, seria um pouco problemático revelar a sua real identidade.

— Entendido. O senhor gosta mesmo de músicas, não é, Matsui-san? — questionou ela, vendo-o passar as mãos em torno de quatro CDs.

— Sim, mas por que a pergunta?

— Não é nada. É que o senhor vem muito aqui para comprar alguns deles.

— Ah, é verdade. É que montarei uma banda, então estou avaliando possíveis influências.

— Sério? Que incrível! — a garota pareceu ainda mais esfuziante.

— Que animação anormal...

— Desculpe, é que eu realmente gosto de bandas. — riu, completamente sem graça.

— Bem, ainda estamos em fase de preparos... Quando fizermos nosso primeiro show, eu convido você para assistir. — soprou timidamente, mantendo a atenção em um disco de J-music.

— Isso seria muito agradável! Obrigada, Matsui-san. — agradeceu a garota, batendo algumas palminhas. — Ah, se você quer uma boa influência, então ouça mais os Thunders. Eu simplesmente acho que as músicas deles são feitas com o coração. — sorriu ela, empregando meios de não parecer tão invasiva.

O garoto curvou os lábios no que pareceu ser um sorriso, erguendo um dos CDs até Hinamori.

— Eu gostaria de levar esse. — a fitou nos olhos.

Eles ficaram a se olhar por longos segundos, como se estivessem presos em um transe que estranhamente só os envolvia.

— Ah, bom, eu vou... Vou levar até o caixa e embalar para o senhor. — ela retribuiu o sorriso, quebrando o silêncio momentâneo.

— Obrigado. — murmurou ele, voltando-se para a prateleira que parecia bem mais interessante.

Ela caminhou até o caixa, deixando-o sozinho.

Hitsugaya suspirou. Na verdade, ele só evitara que a garota percebesse o quanto suas palavras o faziam sorrir.    

            Enquanto isso, um pouco longe dali, mais especificamente no colégio, estavam Ichigo e Rukia dessa vez acompanhados por um pequeno grupo de amigos. Graças ao ruivo, ela tinha se socializado mais com os demais e vice-versa. Daquele jeito eles podiam conversar ao mesmo tempo e não ter que se separarem em mini-grupos.

— AH! Já está chegando perto do baile de fim de ano e eu ainda não arranjei nenhum par! Vou morrer! Alguém me salve! — dramatizou Keigo, conseguindo ser a criatura mais escandalosa do colégio, quiçá do mundo.

— Não seja tão exagerado. É só um baile. E se nenhuma menina do colégio quiser ir com você, o que acho muito provável, você pode convidar alguém fora daqui... Tipo a sua irmã que talvez vá... Ou não. — falou Ichigo, dando uma mordida farta em seu sanduíche de frango.

— Que cruel, Ichigo! Não sou uma aberração. Mas e você? Já tem algum par? — perguntou ele, com os olhos lacrimejados.

— Não. E também, eu não pretendo vir a esse tal baile. Acho tudo isso muito inútil. — respondeu, franzindo o cenho.

— É por falta de par? Então simplesmente convide a Inoue. — murmurou Rukia, devorando um pedaço de bolo.

Aquilo serviu para travar a garganta de Ichigo, e como um esguicho, ele cuspiu praticamente todo o sanduíche.

Para o seu azar, a ruivinha também estava incluída na pequena roda de amigos e provavelmente escutara o que Rukia falara. Ele começou a desconfiar de que ela realmente gostasse de criar situações constrangedoras para si.  

— Eu... Eu adoraria, Kurosaki-kun. — proferiu ela, de súbito.

Ichigo começou a tossir freneticamente, engasgado com um pedaço de pão que resolveu dificultar ainda mais a sua vida.

— Acho bom você cuidar da Orihime, Ichigo. Caso não faça isso, eu vou te arrebentar. — murmurou Tatsuki, sem emoção.  

— Que feliz. Parece que temos um casal. — cantarolou Rukia, mais teatral que de costume.

— E então, Ichigo, perdeu a língua? Não vai responder? — perguntou Tatsuki, arqueando uma das sobrancelhas.

— Que infortúnio esse assunto. — suspirou Ishida, pensando alto demais.

— R-Responder o quê? — gaguejou ele, meio nauseado.

— Em que mundo está a sua cabeça? — resmungou Keigo.

— Ah, Inoue... Eu... Err... Bem, eu aceito. — balbuciou, corando gradativamente.

Orihime também corou. Ela abriu um sorriso tímido, sentindo-se feliz em ter sido convidada justo pela pessoa com quem mais desejava ir.  

Rukia olhou de relance para Ishida. Notou sua mudança de comportamento quase imperceptível. Tinha sido imprudente com aquela brincadeira. Acabara ferindo alguém sem qualquer intenção. 

“Me desculpe, Ishida.”

— Então me resta chamar a única garota bonita que ainda está sem par... A Kuchiki-san!!! Gostaria de me acompanhar, Kuchi-

Um soco o impediu de continuar seu convite insano. A mão Tatsuki estava praticamente afundada em sua cara.

— Como assim “a única garota bonita”? O que você está querendo insinuar, seu maldito? — rosnou Tatsuki, roçando o punho na bochecha do rapaz.

— E-E-Eu só quis dizer que... É que... Então... Ah, você não gosta de bailes, então pensei que não gostaria de ir, e...

— Eu não gosto. Mas eu vou mesmo assim, idiota. — reclamou ela.

— Defina “garota bonita”, Keigo. Você precisa usar óculos. — disse Ichigo.

Rukia o ignorou. 

— Isso me fez lembrar que eu também não tenho um par. — comentou ela, olhando para o alto. — Acho que vou chamar o Kaien-dono para me acompanhar. Esse baile parece ser divertido. — sobrepôs, entusiasmada com a ideia.

Ichigo a fitou por alguns instantes. Parecia um pouco desnorteado com a notícia.

— Faça como achar melhor. Não me importo nem um pouco. — bufou, coçando a cabeça e em seguida deitando-se na grama.

— Quem é esse Kaien-dono? — perguntou Keigo.

— Não interessa! — exclamou o ruivo.

— O Ichigo parece irritadinho. — comentou Tatsuki, sem entender a grosseria do ruivo.

— Kurosaki-kun, está se sentindo bem? — interrogou Inoue.

— Se eu não o conhecesse tão bem, diria que sente um pouco de repulsa desse rapaz só por causa da Kuchiki-san. Isso poderia ser...? — alfinetou Mizuiro, querendo provocar.

— Calem a boca! — mandou ele, mal humorado.

— Do que vocês estão falando? — questionou Keigo com certa frustração no rosto, afinal, já não sabia mais que tipo de rumo o assunto tinha tomado.

Nesse mesmo instante, um pequeno celular no bolso do uniforme da pequena vibrou.

— Ah, uma mensagem. — murmurou ela, apanhando o aparelho.

— Desde quando você tem celular? — perguntou Ichigo, pelo visto, atento a tudo que a envolvia.

— Desde o dia em que o Kaien-dono chegou. Ele me deu um de seus celulares pra que mantivéssemos contato e também, pra ele me contatar caso houvesse alguma emergência. — ela clicou em alguns botões, esboçando um sorriso inusitado. — Parece que hoje eles vão se encontrar com o novo integrante da banda.

— Quer dizer que agora o assunto é música?! — Keigo puxou os cabelos, quase arrancando-os. Estava mais que evidente que ele tinha se tornado o avulso da conversa.

— Eles já não estão com integrantes até demais? — suspirou Ichigo, entediado.

— Tolo! Você não sabe nada sobre bandas! Eles resolveram mudar um pouco o estilo musical e por isso precisavam de um tecladista para suavizar as músicas. Antes de ir ao trabalho, vou até ao estúdio que eles estão para ver o novo integrante.

— Você anda muito concentrada nessa banda. Eu não entendo isso. Ninguém te chamou pra ir até lá e também, você nem faz parte daquele grupo. — resmungou Ichigo, voltando a se levantar.

— Por que agora estamos discutindo sobre a Kuchiki-san ser metida? — choramingou Keigo.

— Que conversa mais exaustiva, eu vou voltar para a sala. — suspirou Ishida, erguendo o corpo.

— Eu farei o mesmo. Até mais. — disse Rukia, indiferente.

Ichigo os viu se afastar e não pôde resistir ao impulso de querer ir atrás da pequena. Os olhos de Inoue o seguiram. Eles guardavam um fundo de tristeza todas as vezes que focavam em Ichigo e Rukia.

Os outros também decidiram se levantar e ir a outros lugares, sobrando apenas Keigo e Sado.

— A conversa já acabou? Então só sobramos nós dois? — perguntou ele, aos surtos.

Sado não respondeu.

— Correção... Acho que só fiquei eu mesmo.

            Rukia seguiu ao encalço de Ishida, pensativa sobre abordá-lo ou não. Se fizesse algo assim, não se tornaria um tanto inconveniente? E pra início, quando fizesse isso, o que falaria a ele? Provavelmente, uma pessoa não deve gostar quando outras acabam descobrindo os sentimentos que elas nutrem por outro alguém. Existiam certas coisas que acabavam sendo inevitáveis e possivelmente, uma dessas coisas era a certeza de que Ishida sofreria em relação à Inoue. 

“Como pode o idiota do Ichigo não perceber o que causa no próprio amigo? Ele é tão lento... Provavelmente é a pessoa mais lerda que eu conheço.”

— Hey, Rukia! — chamou Ichigo à uma distância medial.

A garota parou de caminhar, virando-se para ele.

— O que foi?

Ele apressou os passos, iniciando uma pequena corrida até a pequena. Seus pés deram passadas tão próximas umas das outras que acabaram tropeçando neles mesmos, quase o derrubando por cima dela.

— Err... — ele ergueu a cabeça, deparando-se com o rosto assustado da morena. Aquele rosto que via tantas vezes durante os dias... Dessa vez estava mais perto que o normal. — Então... Você... — tentou continuar, mesmo que as palavras fugissem de sua cabeça. — Você vai mesmo a esse ensaio?

— É claro que sim. Eu quero estar em todos os momentos importantes para a banda... E também, para o Kaien-dono. — ela lhe deu as costas, mais fria que de costume. — Ah, aprenda a dançar. Seria muito vergonhoso se você pisasse no pé da Inoue enquanto dançam. Não se preocupe, eu darei um jeito pra que vocês fiquem mais tempo sozinhos.

Ela estava dando as costas a ele mais uma vez... Excluindo-o de sua vida e agindo como uma pessoa indiferente. Que insuportável aquilo estava se tornando.

Dessa vez não deixaria que isso se repetisse.

 Ichigo agarrou um dos braços de Rukia, puxando-a de volta.

— Não é desse jeito! Será que você não consegue entender, idiota?! — ele subiu ambas as mãos até os ombros da garota, balançando-a como se quisesse acordá-la de alguma ilusão.

Ela o fitou sem compreender.

O ruivo não pensou em mais nada. De repente, ele se viu guiado por algo que não era racional. Que sentimentos eram aqueles que tinham lhe invadido?

Ichigo inclinou a cabeça, movendo-a lentamente. Ele a fitou nos olhos, elevando uma das mãos até a bochecha desta, onde a acariciou com ternura.

O ruivo rapidamente entendeu o que estava acontecendo. Ele queria beijá-la, queria impedi-la de ficar ao lado de Kaien. Esse desejo pulsou, se tornando mais intenso que seus próprios batimentos cardíacos. Como poderia querer encontrar os lábios de Rukia? Por que justo os dela?

— Ichi...? — murmurou ela, sentindo a respiração entrecortada dele.

— Será que você não entende...? Eu preciso de você... Então, se for desse jeito... Eu não precisarei de mais ninguém. — ele sussurrou, deixando que seus pensamentos mais trancafiados se tornassem palavras sólidas.  

Rukia soltou o ar com dificuldade. Aquilo tinha sido muito inusitado, porém, as palavras de Ichigo estranhamente conseguiram afetá-la de maneira que mal se agüentasse em pé.

Suas bochechas estavam queimando. Não sabia o que dizer ou fazer. Estava perdendo o controle sob seu corpo.

A outra mão de Ichigo também se ergueu, segurando levemente a cabeça da morena. As testas encostaram uma na outra e eles puderam sentir a temperatura de suas peles aumentarem a cada segundo. Lentamente, ambos fecharam os olhos enquanto os narizes se encontraram, roçando um no outro.

O espaço que restava entre os lábios se tornou cada vez mais estreito. Só mais um pouco e se tocariam.

Uma imagem rápida, no entanto certeira, surgiu entre borrões nos espaços brancos que tinham se formado na mente de Rukia.

Ver a imagem de Kaien a fez parar imediatamente.

A garota pôs a mão na frente do rosto de Ichigo, impedindo-o de prosseguir com o que queria.

Rukia sentia-se completamente confusa. A única coisa que sabia era que não poderia fazer algo assim... Ela era muito leal aos seus sentimentos para sucumbir tão fácil assim a um possível beijo.

Mais do que qualquer coisa... Isso... Ela desejava o beijo de Kaien.

— Droga, Ichigo! Você conseguiu estragar tudo! — exclamou com nervosismo, empurrando-o.

Não, na verdade, quem estragara tudo foi ela.

O ruivo piscou rapidamente, não entendendo porque ela tinha lhe repelido.

— Eu estraguei tudo?! Do que está falando? — resmungou ele, se dando conta do que quase fizera.

— Eu vou voltar para a sala. Não me siga. Pegarei minhas coisas e partirei para o trabalho. — ela mudou de assunto, afugentando os olhos dos dele.

Ela correu quase que em disparada até a sala, deixando-o para trás. Rukia sempre largava mais cedo que os outros alunos por causa de seu trabalho, então permitiam que ela saísse por volta da penúltima aula que era colada ao intervalo.  

Ichigo semicerrou os olhos. O que aconteceu para querer ter beijado Rukia? Eles eram amigos, não eram? É, era pra ser assim... A convivência com ela só o confundiu.

Há muito tempo Ichigo deveria ter conhecido o seu lugar. Agora, ele conhecera da pior forma. Percebeu que um lugar como o seu jamais alcançaria os sentimentos mais profundos de Rukia. Algo assim só era possível para Kaien e isso não era uma surpresa.

Ele sentiu um misto de vergonha e frustração lhe engolir pouco a pouco. Estava decidido. Não havia mais o que fazer ou dizer sobre aquele assunto. Havia sido definitivamente encerrado.

            Ichigo caminhou de volta ao pátio, ainda atônito com o que ocorrera. Ele encontrou Inoue abaixo de uma árvore. Para a sua surpresa, ela não estava acompanhada de Tatsuki. Ela olhava para o céu, séria demais, o que também era raro.

O rapaz cerrou o punho. Há três anos ele definiu que estava apaixonado por Inoue e até hoje não fizera muitas coisas a respeito desse assunto.

Se os seus sentimentos em relação à Rukia se encontravam confusos, ele arrancaria fora toda aquela confusão mesmo que lhe custasse a vida.

Ele foi em direção à ruivinha, pretendendo elevar o grau de seus diálogos.

Orihime arregalou os olhos, ao vê-lo se aproximar. Eles se cumprimentaram e Ichigo logo tratou de esquecer a situação passada e focar na ruivinha. 

Nesse mesmo instante, Rukia passava pelo pátio, guiando uma velha bicicleta que seu irmão comprou no intuito dela chegar mais rápido ao trabalho.

Ela subiu em cima desta, posicionando um dos pés no pedal. Iniciou uma pedalada até o portão da escola. Encontrava-se pensativa. Mal prestava atenção para onde levava a bicicleta.

Por algum motivo, quando ela pedalou até uma parte do pátio, direcionou a cabeça para o lado, enxergando Ichigo e Inoue conversando a sós. Eles pareciam animados com a conversa.

“Eu acho que é mais sensato se for dessa forma...” pensou, continuando a observá-los.

Houve uma alteração relevante de comportamento e este partiu de Orihime que pela primeira vez se mostrou impetuosa. Suas mãos tocaram o peitoral de Ichigo. Ela ficou parada por alguns instantes, até que tivesse coragem suficiente para colocar-se à ponta de pés, esticando o pescoço.

Os seus lábios se projetaram contra os de Ichigo, surpreendendo até mesmo o garoto que permaneceu estático, de olhos esbugalhados.

Aquela cena se reproduziu com vagarosidade na cabeça de Rukia, como se estivesse sob o efeito de alguma câmera lenta. 

Rukia paralisou. Àquela altura, atravessara o portão do colégio, mas ainda sim, a cena continuou a se repetir em seu cérebro.

Ela perdeu o controle da bicicleta, caindo em alta velocidade de uma ladeira próxima à escola.

As pancadas não lhe machucaram. A dor ficara encoberta por conta de uma dor maior que tomou conta de todo o seu ser. Nada conseguia ser mais doloroso do que um coração ferido.

A morena permaneceu no chão, de olhos arregalados. As pessoas começaram a se amontoar em torno de si para saberem se ela estava bem.

— Ei, menina, você está bem? Consegue falar? — perguntou uma mulher gorda, levantando-a com rapidez.

— Hã? Ah, eu estou bem. — respondeu a garota, com as palavras a saírem por conta própria.

— Como pode estar bem? Sua testa e seus joelhos estão sangrando, sem falar que você está chorando! — se assustou um senhor ao seu lado.

— Chorando? — perguntou Rukia em um murmúrio, tocando a face.

De fato, seu rosto estava molhado. As lágrimas tinham transbordado sem se dar conta.

— Eu estou bem, de verdade. Desculpem o incômodo. — retrucou ela, erguendo a bicicleta e continuando sua pedalada mesmo que as pessoas insistissem pra que ela ficasse um tempo parada.

Rukia ficou em silêncio. As lágrimas se perdiam no vento que transpassava por seu rosto.

“Ah, é verdade. Durante todo esse tempo... Conviver com o Ichigo tinha se tornado absurdamente divertido. Eu não entendo o motivo dessas lágrimas e também não consigo compreender porque meu peito dói. Eu apenas vou continuar a fazer o que sempre fiz. Seguir em frente.”

É desanimador ver pessoas conseguirem tão facilmente algo que você desejou com todas as forças. Eu diria que é quase humilhante.

Eu compreendo esses sentimentos. Neste mundo existem determinadas portas que não foram feitas para serem abertas por nós. E por mais duro que tudo isso seja, nós devemos entender que é preciso ter a chave certa.

Ver que o Kaien possuía muitas das chaves que eu queria, me deixava em estado crítico. A força da existência dele na vida de Rukia era tão evidente que eu simplesmente não queria mais tentar possuí-las...


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