Bonds escrita por frozenWings


Capítulo 7
Capítulo 7


Notas iniciais do capítulo

Gente, esse capítulo será um pouco mais diferente dos demais. Fiz uma espécie de flashback que conta parcialmente sobre o passado da Rukia, Kaien e outros personagens... Então, não me matem por não ter Ichigo. q
Boa leitura.



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Pertencer a um lugar e querer um lugar são coisas completamente diferentes...

Eu realmente... Quero estar com o Kaien-dono para sempre... Eu faria qualquer coisa para tê-lo ao meu lado, só mais uma vez.

Se me deixassem controlar o tempo por alguns instantes... Eu voltaria para aquela primeira primavera. Primaveras são tão nostálgicas. É onde os sentimentos começam a florescer.

Eu não quero ser sufocada pelo mundo sem as suas canções, Kaien-dono... Então, por favor, apenas cante mais uma música.

Eu não lembro muito de meu passado. As memórias sobre ele ainda temem em fugir de mim. Aos meus 12 anos, eu não lembro de ter uma casa ou um uma família ao qual eu pudesse amar. O único laço afetivo que eu possuía, era meu irmão que também vivia no mesmo orfanato que eu... Esse pequeno orfanato que tinha se tornado uma espécie de porto para nós desde que éramos mais novos.

Nii-sama jamais falou o motivo que nos levou a parar ali. Ele dizia não saber, mas eu sentia que ele não queria me contar.

Bem, tanto faz. Não há lembranças de meus pais, então é como se eles nunca tivessem existido. 

— O que estão fazendo com esse coelho, seus idiotas?! — urrei de raiva, enxergando alguns pirralhos torturarem um pequeno coelho.

Eram em torno de seis meninos. Eles usavam galhos e pedras para machucar o animalzinho. Como podiam? Aquilo era imperdoável!

— Parem com isso! — exclamei, fechando o punho. Quando percebi, já tinha acertado a cara de um deles.

Eu conhecia aqueles garotos. Eram uns arruaceiros imbecis que não tinham nada melhor a fazer do que atazanar a vida alheia.

— Qual é a dessa menina? Nós fazemos o que queremos, entendeu? Não vem querendo ser a durona! — resmungou um sardento, arremessando uma pedra contra minha cabeça.

Eu não soube dizer se estava com tanta raiva ao ponto de não sentir a pancada ou se ela simplesmente tinha sido tão forte que se transformara em um estado de dormência. Na verdade, só percebi que me atingiram quando o sangue escorreu pelo canto da minha testa.

— Oh, ela não é uma daqueles maltrapilhos do orfanato? Vamos nos divertir um pouco... Eu sempre quis bater em alguém dessa laia. — riu o gordinho, parecendo feliz.

Eu não me intimidei. Parti pra cima do mesmo, chutando-o no estômago.

Eles se aglomeraram em torno de mim, desferindo alguns socos e chutes. Eu dei uma joelhada nas partes baixas de um magrelo e mordi o braço de outro que não soube identificar.

“Se continuar desse jeito, eu acho que não vou aguentar...” refleti, ofegante.

Eram muitos. Eu geralmente daria um jeito se fossem um ou dois.

Um deles apanhou um pedaço de madeira no chão, atirando-o contra minhas costas. Aquilo foi o bastante pra meus joelhos cederem até que eu caísse no chão. Esperei que acabassem comigo, mas isso não aconteceu.  

— Vergonhoso, vergonhoso. Onde está a honra de vocês? Espancar uma mulher é coisa de canalhas. — proferiu uma voz masculina bastante audaciosa.

Eu ergui a face.

— Chegou mais um para a festa, pessoal! — gargalhou um dos garotos, puxando um canivete.

— Parecem confiantes! Ótimo, não gosto de ganhar de medrosos. — respondeu ele, se posicionando.

Direcionei os olhos para o intrometido. Ele era um moreno de pés descalços. Ele era um pouco alto e magro, de cabelos espetados e bagunçados. Um fato curioso era que ele levava entre as mãos uma espada de madeira. De onde ele surgiu? E por que diabos usava uma espada de madeira?!

Me perguntei o que pretendia fazer, afinal, eram muitos... Com sorte, ele conseguiria fugir, se fosse mais esperto.  

O garoto não o fez. Pelo contrário, avançou com tamanha ousadia que me fez pensar que ele talvez soubesse o que estava fazendo. Como era rápido... Seus movimentos se mostraram precisos e letais, como se conhecesse os danos de onde acertava. Basicamente, eu não ficava admirada com mais ninguém que não fosse meu irmão, no entanto, aquele garoto...

Ele acertou três de uma vez só, manuseando a espada com perfeição. Surpreendentemente, os garotos caiam um por um. Ele girou com velocidade, acertando o último com um chute no rosto.

“Aonde ele aprendeu a lutar desse jeito?” me sentei, pouco ligando para a dor em meu corpo. 

Alguém assim... Me fez parecer tão idiota em querer enfrentar os seis.

Ele encostou a espada em um de seus ombros, andando até mim. Ele me encarou por alguns instantes, finalmente estendendo a mão.

— Por que me ajudou? — perguntei de cara amarrada, sem pegar a mão.

Eu não queria mostrar o quanto o tinha admirado...

Ele arqueou as sobrancelhas como se tivesse escutado algo estúpido. Bem, pensando melhor, isso soou realmente estúpido...

— Eu sou Shiba Kaien. Também sou do orfanato. E você deve ser a irmã mais nova do Kuchiki, não é? Parecem bastante... E bem, se ele soubesse que vi você levando uma surra e decidi não ajudar, ele ficaria desapontado comigo. — retrucou, até paciente.

Ele conhecia meu irmão?

— Que estranho. O nii-sama nunca mencionou o seu nome. — me levantei por mim mesma, batendo nas vestes empoeiradas.

O garoto repuxou um sorriso, rindo de uma piada que só ele conhecia.

— Qual é a graça? — perguntei, mal-humorada.

— Parece que esse jeito orgulhoso é uma característica marcante na sua família. Só conheço seu irmão por vista. — riu, passando o corpo do indicador por baixo do nariz. — Não fique irritada. Como você, o meu maior objetivo era ajudar o coelhinho.

Eu arregalei os olhos, enfim lembrando do pequeno animal.

— O coelhinho! — exclamei, correndo até ele.

Estava repleto de ferimentos... Malditos garotos. Ele fez um barulho estranho, talvez tivesse quebrado algo.

— O que eu vou fazer? No orfanato não aceitam que nós levemos animais... — murmurei, acolhendo-o nos braços.

— É verdade. — concordou ele, parando ao meu lado. Permaneceu pensativo. — Eu tenho uma ideia. Por que não pegamos uma caixa e o deixamos em local seguro? Acho que aqui seria um bom lugar. É grande, tem muitas árvores, além de ser um espaço acessível. Você só precisa pular o muro do orfanato e pronto.

— Parece bom. — assenti um pouco mais simpática, levantando. — Obrigada. Bem, meu nome é Kuchiki Rukia. É um prazer, Kaien-dono.

— Rukia. É um bonito nome. — abriu um sorriso. Ele fazia muito daquilo.

Kaien-dono deu-me as costas, andando em direção ao muro do orfanato.

— Pra onde você vai? — perguntei por impulso.

— Eu vou buscar uma caixa, então, por enquanto, procure um bom lugar. Obviamente não gostaria de ficar aqui, não é? Logo, logo esses babacas irão acordar. — falou, sumindo entre as arvores.

Eu fiz o que ele pediu. Levei o coelhinho até um lugar onde existiam muitas rochas e moitas. Desse modo ficava mais fácil escondê-lo.

— Eu gostei do lugar. — comentou ele, surgindo por trás de mim.

Quase saltei de susto.

— Aqui está a caixa. — ajustou a caixa por de baixo de um grande carvalho. Ele não estava mais com sua espada. — E isso aqui são alguns curativos para seus machucados. — acrescentou, de súbito, anexando um esparadrapo na minha testa.

— Não precisava... — murmurei, sem jeito.

— Eu sei. — respondeu, pegando o coelho de meus braços e em seguida, depositando-o na caixa. Ele amarrou uma gaze em torno de uma das patinhas do animal, mostrando-se carinhoso. — Já escolheu um nome pra ele? — perguntou, acariciando a cabeça do coelho.

— Ah... — raciocinei, tentando escolher um nome que não fosse muito comum. — Que tal, Thunder? — perguntei, entusiasmada.

— Que nome estranho pra se por em um coelho. — franziu a testa, levantando. — Aliás, que nome estranho pra se por em qualquer coisa.

— Ora, por isso mesmo. É um nome autêntico. — apontei o indicador pra ele.

— Ah sim... Bem, Rukia, agora eu preciso ir. Vamos nos ver novamente, eu não confio muito em você pra cuidar sozinha desse coelho. — ele balançou a cabeça, acenando e finalmente desaparecendo.

Que garoto mais misterioso...

            Eu não fiquei muito com o Thunder. Resolvi voltar rapidamente para o orfanato e encontrar o nii-sama. Dessa forma, saberia mais sobre Shiba Kaien.

O orfanato era situado no meio do nada. Era um lugar desorganizado. Mal tinham controle sob as crianças, por isso podíamos fugir que ninguém notaria.

Basicamente eu só o usava o orfanato para comer e dormir.

Entrei por um corredor que dava acesso à uma biblioteca quase que abandonava. Só o nii-sama costumava freqüentá-la. Ele era alguém muito culto para estar em um orfanato...

Contive meus passos ao ter escutado alguns murmúrios vindos da mesma. Estiquei o pescoço, olhando de relance o que estava acontecendo. Um casal e um dos supervisores do orfanato conversavam com meu irmão.

— Então Byakuya, você sabe, é muito raro que um casal se interesse por alguém já adolescente. Eles querem adotá-lo! Veja as possibilidades. É um casal que tem condições perfeitas pra que você foque em seus estudos. Não foi isso que você quis desde o início? Aceite, Byakuya! — incentivou o supervisor.

Nii-sama continuou sentado, semicerrando os olhos.

Ele era tão incrível... Mesmo com 15 anos, conseguia atrair inúmeros casais por causa de sua inteligência e cordialidade. Ele deveria aceitar. O nii-sama sempre desejou ser adotado por alguém que o fizesse elevar seus conhecimentos.

— Sim, claro. — respondeu ele, folheando um livro. — Se vocês também adotarem a minha irmã mais nova, a Rukia. — acrescentou com tranquilidade.

Arregalei os olhos. Ele estava sendo tolo.

— Ah, aquela rebelde? Não. Nós só queremos você, Bya-kun. — respondeu a mulher, deixando sua decisão nítida.

— Nesse caso, a resposta é não. E mesmo que mudem de ideia, a resposta continuará a ser não. Eu não preciso de pessoas que não gostem da minha irmã. — respondeu com secamente, pegando um livro e se levantando.

— Espere, Byakuya! Eu prometo que ela ficará bem e também a colocaremos em um lar. Essa pode ser a sua última chance! — gesticulou o supervisor, já nervoso.

— A minha decisão está tomada. Com licença. — murmurou, saindo da biblioteca.

Ele se deparou comigo. Eu o fitava sem entender. Ele não deveria jogar seu futuro fora por minha causa.

Nii-sama não disse nada. Apenas circundou seu braço por meus ombros e me conduziu até o quarto em que dormíamos. Eu tinha perdido a vontade de conversar.

            No dia seguinte, eu caminhei até onde deixara Thunder. No caminho, encontrei com Kaien-dono que parecia estar me esperando. Empurramos os arbustos, encontrando uma multidão de formigas. Eu arregalei meus olhos ao vê-las devorarem o corpo morto de Thunder. Ele não resistira aos machucados.

As lágrimas escorreram antes que eu pudesse contê-las. Senti que não chorava apenas pela morte de Thunder e sim por causa da minha vida em si.

Ergui uma das mãos para limpar minha face, mas Kaien-dono fez isso por mim.

— Não chore, Rukia. Vamos enterrar o corpo de Thunder. — murmurou com tristeza, enquanto erguia a caixa.

Fizemos isso. Eu não sei como Kaien-dono me suportou durante aquele dia... Não parava de chorar. Minha vida parecia ser um eterno porto de despedidas...

 Kaien-dono sentou-se comigo em um monte, apanhando uma flor que até então eu nunca tinha visto.

— Você está vendo esse narciso? Eu acho que vocês têm muito em comum. — comentou, encaixando a flor por cima de minha orelha. — Narcisos são flores muito fortes. Não importa a estação ou o terreno em que nós o coloquemos, eles sempre vão florescer. Eu sei que isso é meio súbito, mas acredito que você vá superar tudo em sua vida, Rukia. Só precisa querer. E pra isso, eu estarei aqui. Conte comigo. — sorriu, deitando-se por cima da grama.

Corei, tocando na flor.

Kaien-dono... Seria possível? Você sabe que eu não estou chorando só por causa do Thunder?

            Apesar do Kaien-dono sumir por alguns momentos, continuamos a nos encontrar nos dias que se seguiram. Ele de vez em quando me levava à cidade. Aqueles foram os melhores tempos de minha vida. Eu nunca me diverti tanto. Nos tornamos realmente próximos. Tão próximos ao ponto de dividir segredos e confissões. Ele me contou sobre os seus sentimentos e sobre o que achava sobre o mundo. Eu me surpreendi quando soube o porquê dele ter parado no orfanato... Seus próprios pais o abandonaram aqui ainda que recentemente.

Rapidamente compreendi que eu que sequer vi a cara de meus pais não poderia saber como Kaien-dono se sentia.

Não conseguiria entender a dor de alguém que foi rejeitado pelas pessoas que ama desde o início. Mas ele vivia sorrindo, não importava quantas rasteiras a vida lhe desse... Kaien-dono, eu sempre admirei isso em você. Seu sorriso é contagiante.

Com o tempo, ele me ensinou a tocar violão e também revelou a sua grande paixão por música.  Ele tinha uma voz esplêndida, de timbre suave e ao mesmo tempo arranhado.

Eu não sabia de onde ele conseguia todos aqueles objetos inusitados... Mas ele era maravilhosamente bom em tudo que fazia.

Kaien-dono tinha se tornado o meu chão. O ponto em que me agarrei.

— Rukia, quero que conheça meus dois melhores amigos. Renji e Toushirou. — me apresentou a dois garotos particularmente estranhos. Um era ruivo demais e o outro tinha cabelos prematuramente brancos.

— Veja, encontrei alguém mais baixinho que eu. — festejei, pondo a mão em cima da cabeça de Hitsugaya.

— Já não gostei dessa garota. — bufou ele, pondo as mãos nos bolsos.

O sondei. Ele estava com alguns curativos no rosto e algumas partes de seu corpo encontravam-se arroxeadas.

— Kaien, parece que o Hitsugaya apanhou de novo. — murmurou Renji, desviando os olhos.

— Isso está se tornando um grande problema. Logo terei que tomar algumas atitudes, não é Toushirou? — questionou ele, preocupado.

— Não quero falar sobre isso. — ele virou as costas, sem emoção.

— Fique tranqüilo... A Rukia é de confiança. — Kaien-dono me olhou, coçando a cabeça. — A propósito, só eu e Renji somos do orfanato. Toushirou vive com os pais, apesar de não agirem como tais.

O que era aquilo? Ele era espancado pelos pais? Pelo que tudo indicava, ele também tinha uma vida instável, embora tivesse uma “família”. As coisas deveriam ser desse jeito mesmo quando vivíamos em uma família?

— Vocês sabiam? Vi nos noticiários que tem um serial killer solto pela cidade. Ele geralmente arranca a cabeça das suas vítimas e as deixa penduradas em algum lugar. O grande alvo são garotinhas. — informou o ruivo, um pouco assustado.

— Então você tem que ter cuidado, Renji. — ironizou Kaien-dono, repuxando um sorriso.— Bem, vamos falar sobre outras coisas. Descontrair o ambiente! Sabe, Rukia... Estamos pensando em montar uma banda. Juntar nossos talentos. Eu também ensinei o Renji a tocar contra-baixo. O que seria desse sem talento se não me tivesse, hein? — zombou, batendo levemente nas costas do ruivo. — Eu só estou brincando. O Renji é muito bom no que faz. Só precisa acreditar mais em suas habilidades.

— Que coisa mais clichê de se dizer. Onde você pega essas frases? Em mangás shounen? — rebateu Hitsugaya, decidindo enfim participar da conversa.

— Não fale assim, Toushirou.  Na verdade, eu pego de livros de poesias... Não percebe o meu romantismo? — Kaien-dono o abraçou de lado, esfregando sua bochecha na dele.

Observei Kaien-dono. Ele tinha tanta facilidade em se relacionar com as pessoas...

— Pare com isso! Você está muito perto! — rosnou Hitsugaya, tentando empurrá-lo.

— Não se assuste, Rukia... Geralmente todos os dias são assim. — suspirou Renji, me fitando.

Naquela época ele não tinha tatuagens, então era mais aceitável de aparência.  

— O que há com o cabelo dele? — perguntei, deixando à tona a raiz de minha curiosidade.    

— Ah, então está curiosa sobre isso? É só tinta. Ele é um garotinho muito rebelde. — cruzou os braços, falando de maneira debochado.

— Cale-se, Abarai! — gritou ele, ainda com Kaien-dono pendurado no seu pescoço.

Francamente... Até mesmo nos dias atuais eu ainda não sei qual é a cor verdadeira do cabelo de Hitsugaya.

            Com o passar dos meses, eu acabei criando laços com até mesmo os amigos de Kaien-dono. Era divertido estar com eles, apesar de eu ser a única menina entre eles. Sempre fazíamos algo novo. Apesar dos problemas, eles sempre estavam olhando pra frente... Esse tipo de força que só era transmitida pelo Kaien-dono...

Você lembra, Kaien-dono? Você quem me ensinou a sempre sorrir por mais que todos teimassem em me derrubar.

— Então você quer ser adotada, Rukia? — perguntou ele, enquanto sentávamos em um banquinho de praça.

— Sim. Quero achar uma família que adote tanto a mim quanto ao nii-sama. — sussurrei, brincando com os dedos.  

— Parece problemático. — expirou longamente, se ajustando com desleixe no banquinho.

— Um pouco. Eu só quero experimentar como é ter pais, um lar... Uma família.

Kaien-dono ficou em silêncio.

— Bom, se você não conseguir achar esse tipo de família, pode demorar um pouco, mas eu te darei uma. Um pouco diferente do imaginado, contudo, mesmo assim, uma família de verdade. — ele me sondou com determinação.

Eu fiquei sem palavras.  

— Com licença... Você disse que quer ser adotada? Eu e minha esposa temos interesse em crianças há algum tempo. Meu nome é Fugita Ogawa... Sou dono de uma loja de brinquedos aqui perto. Sei que é meio repentino conversarmos agora, mas adotaríamos você e seu irmão. — disse um homem que se aproximou do nada, escutando a nossa conversa.

Ele era um pouco gordo, usava óculos e tinha uma expressão meio abobalhada. 

Eu me deslumbrei com a ideia de ser adotada juntamente com o nii-sama. Ela me cegou os olhos e tampou meus os ouvidos.

— Mesmo, Ogawa-san? — questionei com um brilho no olhar.

— Claro. Você sabe onde fica a Toy Planet? — esboçou um sorriso amarelo.

— Sim, é a loja mais bonitinha da cidade. — respondi.

Ele me entregou um pequeno cartão, ainda com um sorriso nos lábios.

— Caso queira nos visitar, aqui está o endereço e o telefone. Estaremos esperando ansiosamente por você. — pronunciou lentamente, como se quisesse que eu captasse todas as informações.

Eu assenti e ele se foi.

Kaien-dono me olhava de modo estranho. A princípio eu não entendi o motivo de sua expressão.

— Você não vai, não é? — perguntou ele, esperando uma determinada resposta.

Segurei o ar. Como não poderia ir? Era minha única chance...  

— Eu vou. — respondi.

Apesar de não o conhecer e saber dos riscos que eu estava prestes a passar... Eu tinha de ir. Se perdesse aquela oportunidade, eu nunca iria me perdoar.

— Que espécie de imbecil você é? Eu não gostei desse cara. Ele parece ser uma má pessoa! — me alertou, aparentando estar realmente preocupado.

— Eu sei que posso estar sendo imprudente, mas... O que aconteceria de ruim em uma loja de brinquedos?

No dia seguinte, eu fui me encontrar com o Ogawa-san no endereço indicado. A loja ficava um pouco distante já que era do outro lado da cidade.

O tempo estava chuvoso. Kaien-dono insistira em me acompanhar juntamente à Renji e Hitsugaya, mesmo que eu dissesse não ser necessário. Até porque era problemático dividir um guarda-chuva pra quatro pessoas. Estávamos praticamente nos espremendo e desafiando as leis da natureza.

Tínhamos parado em frente ao estabelecimento. A loja de brinquedos estava sem nenhum cliente.

— Rukia, eu ainda acho uma péssima idéia... Você pode desistir. — Kaien-dono segurou minha mão, me olhando seriamente.

Eu me afastei, esboçando um sorriso apaziguador.

— Me esperem, eu volto logo.   

Eu entrei na loja. Dei alguns passos com alguma timidez. Estava realmente vazia.

— Ogawa-san? Sou eu, Kuchiki Rukia... Onde o senhor está? — continuei a caminhar, entrando por um dos corredores de brinquedos. O ambiente permaneceu assustadoramente silencioso. Que estranho não ter ninguém na loja. Esse motivo parecia altamente convincente para me fazer voltar.

“Eu devia ter ficado na entrada... Perto do caixa. Estou com medo.” Logo, tudo que Kaien-dono me disse viera à tona, como um bombardeio e quando percebi, minhas pernas já estavam tremendo.

Os brinquedos antes tão fofinhos de repente pareceram ser assustadores, quase vivos... Eu estava perdendo o controle da situação, tinha de retomar.

Decidi voltar, porém, quando eu virei, vi uma figura gigantesca em minha frente.

— Ogawa-san...? — murmurei, de olhos arregalados.

Gritei com o susto.

Sua mão pressionou uma parte de minha face. Aquilo fora o bastante para tampar minha boca. Com a outra, ele me imobilizou com muita prática.

— Então a garotinha boba veio, hã? Eu estava esperando você... Vamos nos divertir um pouco. — sussurrou no meu ouvido, puxando uma faca enorme por dentro de um bolso. Eu não conseguia raciocinar. A taxa de adrenalina tinha subido demais. Meu rosto começou a molhar. Era tudo uma farsa? Seria ele o serial killer que Renji ressaltaria dias atrás? Droga, eu não queria morrer... Não!

— Gordo maldito! — gritou Kaien-dono, surgindo por nossas costas onde o acertou com um chute que o fez me soltar.

Como ele conseguia sempre chegar nessas horas? Não sabia se ficava aliviada ou mais angustiada. Ele estava correndo perigo.

— Corra, Rukia! — mandou ele. Eu obedeci.

O gordo ergueu-se, urrando de ódio. Começou a dar algumas investidas com a faca contra Kaien-dono. Uma delas, para o meu desgosto, atingiu seu ombro, dilacerando toda a carne e criando um corte medialmente profundo.  

Kaien-dono caiu no chão, gritando de dor. O sangue rapidamente escorreu pelo ferimento, sujando todas as suas vestes.

— Kaien-dono! — berrei entre lágrimas. Eu não podia fugir.

— O QUE ESTÁ FAZENDO? EU MANDEI VOCÊ CORRER! — rosnou entredentes.

Eu me joguei por cima de seu corpo, agarrando-o. Eu me tornaria o seu escudo se fosse preciso.

— VOCÊ NÃO ENTENDE? EU NUNCA TE DEIXARIA PRA TRÁS! — gritei até que minhas cordas vocais ardessem.

O gordo avançou de novo. Ele nos mataria.

Algo o atingiu milagrosamente por trás, fazendo-o cair desacordado próximo a nós. Um caminhão de brinquedo tinha sido arremessado por Renji e Hitsugaya que tinham chegado no momento certo.

— Kaien! Você está bem? — perguntou Renji, se aproximando.

Que tipo de pergunta era aquela? Ele por acaso estava vendo alguém sorrindo ou pulando? A resposta era óbvia demais.

— Renji, Hitsugaya... Me ajudem a levantá-lo, por favor! Kaien-dono está perdendo muito sangue. — balbuciei, com as mãos molhadas de sangue.

Kaien-dono empalideceu rapidamente, quase perdendo a consciência.

— Temos que estancar a hemorragia. — falou Hitsugaya, puxando sua camisa para então pressioná-la contra o corte. — Vamos sair daqui antes que esse doente mental acorde!

— Kaien-dono, me desculpe, se eu tivesse escutado você... — murmurei. — Temos de levá-lo ao hospital! Vamos!

— Não se culpe, Rukia... — arfou ele, se esforçando pra dizer cada palavra. — No hospital não... Me levem até o Ukitake-san... — gemeu, perdendo o resto da consciência que lhe restava.

— Quem é Ukitake? É alguém que pode ajudá-lo? Me digam, Renji! Hitsugaya! — exigi, abraçando o corpo gelado de Kaien-dono.

— É-É uma boa pessoa... — gaguejou Renji, agachando-se. — Vamos, Hitsugaya, me ajude aqui. Temos de levá-lo o quanto antes. — mandou, se posicionando de um lado enquanto Hitsugaya o suspendia pelo outro braço.

Eu os segui. Andamos um quarteirão inteiro. Foi muita sorte não ter ninguém por causa da chuva. Desse modo evitaríamos tumultos e olhares curiosos.

Eles pararam em frente a uma casa de madeira. Ela era velha e um tanto mórbida. Tive minhas dúvidas se Kaien-dono poderia ficar ali... Só me restava confiar em seus amigos.   

Renji bateu na porta. Ela não se demorou a abrir.

— Mas... O que houve com o Kaien? — perguntou o dono da casa. Ele era um homem alto de cabelos esbranquiçados e longos. Parecia já ter uma idade avançada, além da expressão meio adoentada. — Entrem, entrem.

Nós adentramos ao local pouco iluminado enquanto ele se arriscou em tomar Kaien-dono nos braços, levando-o até um quarto que parecia ser um consultório improvisado.

— Terei que fechar esse ferimento às pressas! Depois me contem o que aconteceu! — falou, sumindo com Kaien-dono.

— Ukitake-san é um grande amigo de Kaien, ele até estava tentando adotá-lo... Ukitake-san é um médico aposentado... E também, a única pessoa que Kaien confiaria pra esse tipo de coisa. — sussurrou Renji, um pouco abatido.

Eu fiquei em silêncio. Sentei ao lado da porta, rezando para Ukitake-san salvar a vida de Kaien-dono. Eu não iria embora até que isso acontecesse.

Três longas horas haviam se passado. Ukitake-san finalmente abriu o quarto. Eu levantei em um salto quando o vi sair.

— Como está Kaien-dono?! — perguntei, aflita.

— Kuchiki, não se preocupe, Ukitake-san é muito bom no que faz. — suspirou Hitsugaya, se ajustando melhor no sofá da salinha.

— Parece que você gosta muito do Kaien. — sorriu Ukitake-san, gentil. — Vou permitir que você o veja por alguns minutos. Então seja breve. Ele precisa descansar.

Eu assenti com gratidão, adentrando ao quarto enquanto ele fechava a porta.

— Agora me contem vocês... — escutei ele murmurar para os garotos, mas voltei minha atenção ao corpo de Kaien-dono que estava repousado em uma cama. O ferimento tinha sido pontilhado com linha. Eu até então não tinha percebido a proporção daquele corte. Vê-lo tão desprotegido me assustou. Por minha causa... Kaien-dono tinha se machucado.

Pousei a mão por cima de sua pele morna, prendendo as lágrimas que teimavam em inundar meus olhos. Para a minha surpresa, sua mão se moveu até a minha, pressionando-a.

— Kaien-dono...?

— Mesmo ferrado, eu ainda continuo bonito, o que acha? — esboçou um sorriso pálido. Ele parecia sonolento.  

— Me perdoe, Kaien-dono... O meu desejo estúpido quase levou você à ruína. Eu realmente...

— Existe uma coisa que eu queria te falar há algum tempo... — me interrompeu, apertando a minha mão.

— O quê?

— Rukia... Eu...

Seus olhos acabaram fechando e ele se rendeu ao sono. Eu queria saber o que ele ia dizer, mas... Não seria bom que Kaien-dono se esforçasse.

— Bom, se quer saber... Você ainda continua muito bonito. — sussurrei, sorrindo conforme o acariciava.

            Depois daquele incidente, Ukitake-san insistiu para que Kaien-dono se apresentasse à polícia e mostrasse o ferimento causado pelo serial killer. Para nosso alívio, o gordo maldito tinha sido apreendido e os assassinatos diminuíram de uma forma inacreditável. Sua agressão levou os policiais a investigarem mais sobre sua vida, descobrindo vários indícios de que ele era o assassino das garotinhas.

Desde então, alguns anos se passaram e essa história acabou se tornando mais uma espécie de lenda do que uma história realmente verídica. Kaien-dono não utilizava mais pontos, porém, tinha ganhado uma grande cicatriz que partia do seu ombro e alcançava uma pequena parte do peito e das costas.

Eu completara 15 anos quando ele resolveu tornar sua banda algo mais sério. Eu lembro como se fosse ontem. Estávamos próximos a uma estação de metrô. Era primavera como na vez em que nos conhecemos. A estação de nosso encontro e despedida. Aonde tudo parecia florescer...

— Rukia, então... Estamos indo para Tóquio para arranjar mais membros para a banda. Prometa que vai se cuidar. — pediu Kaien, encaixando novamente um narciso por cima de minha orelha. Ele tentou esconder a preocupação que se acumulava em sua expressão.

Incrível. Ele estava seguindo um sonho seu... Mais que isso, música era tudo o que Kaien-dono tinha em sua vida. Eu não poderia pedir pra alguém assim ficar comigo por puro egoísmo. Eu nem sequer deveria me mostrar triste. Sorria, ande... Apenas sorria.

— Claro. E prometa vocês que vamos nos encontrar novamente. — olhei para Renji e Hitsugaya, esboçando um sorriso.

Hitsugaya fugira da casa de seus pais desequilibrados. Não havia mais motivos pra continuar naquele lugar, era o que ele dizia.  

— Veja se come mais feijão e arroz pra crescer mais. Quem sabe ganha mais carne na frente. — zombou Renji.

— Isso seria uma utopia, Abarai. — murmurou Hitsugaya, olhando pro lado.

— Idiotas... — resmunguei, fuzilando-os com os olhos.

Segurei um de meus braços. Como sentiria falta deles. Eu queria controlar esse desejo quase sedento de ir com eles. Eu ansiava que Kaien-dono me levasse junto, mas não cederia a esse desejo. Não iria atrapalhá-lo. Decidi me tornar suficientemente forte para reencontrá-lo. Kaien-dono estava se esforçando. Eu também daria o melhor de mim.

— Faremos isso antes mesmo que você perceba. — disse Kaien-dono, pondo as mãos nos bolsos. — Ah, Rukia... Finalmente decidimos o nome da banda. Será The Thunders. — abriu um sorriso enorme, piscando um dos olhos.

Eu pisquei rapidamente, não acreditando no que ele dissera. Pra falar a verdade, se não tivesse saído da boca de Kaien-dono, eu jamais acreditaria...

— Que nome estranho pra se por em uma banda. — repeti com satisfação suas palavras de anos atrás. Sim, eu ainda lembrava. — Aliás, que nome estranho pra se por em qualquer coisa.

— Então... Tenham uma boa viagem. — o fitei nos olhos esverdeados. Não pude evitar a expressão triste que se formou em meu rosto.

— Até mais, Rukia. — murmurou Kaien-dono, parecendo estar tão angustiado quanto eu. — Mantenha seus ouvidos atentos. Não terá que esperar muito pra me ouvir cantar para você.

“Obrigada por tudo, Kaien-dono.”

Rukia, eu queria tanto levá-la comigo no dia em que eu parti. Não ter o melhor para te oferecer foi o que me impediu de fazer isso na época. Foi um pensamento tolo, eu sei, mas eu só queria que você visse um lar em qualquer lugar que estivéssemos.

Sabe, a família que eu prometi a você ainda continua a viver em meus sonhos.

Mas acho que me atrasei demais... Esse foi um erro determinante em nossas vidas. Agora minhas mãos não conseguem mais alcançá-la e isso é muito doloroso.

Me perdoe Rukia, eu não desejava causar todas essas feridas.


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Notas finais do capítulo

Sim, dessa vez houve pensamento do Kaien. u_u