Bonds escrita por frozenWings


Capítulo 21
Capítulo 20


Notas iniciais do capítulo

Olá queridos leitores! Gostaria de me desculpar pela demora.
Vocês devem saber... Agora que estou fazendo dois capítulos de uma vez só, as coisas tendem a demorar um pouquinho. x-x
Espero que tenham paciência o bastante para continuarem acompanhando. ♥
Enfim, aqui está o capítulo IchiRuki! Boa leitura.



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Em particular, aquele não era um dia ensolarado. As nuvens estavam pesadas. Um manto cinzento e melancólico cobria o céu, tratando de aterrar todo e qualquer rastro de alegres raios solares.

O ar estava saturado de tristeza. Movia-se fraco pelas folhas, sem causar um farfalhar realmente audível.

Ele não era o único a se resguardar no silêncio.

Os noticiários relataram a morte de Kaien. De uma forma deplorável, os Thunders viraram notícia. Não pelo motivo esperado, mas viraram.

Por essa razão, buscaram preservar o último adeus do amigo, espalhando uma data e local falsos. Talvez o retardassem por um bom tempo. Torciam por isso.


Uma quantidade considerável de pessoas se reuniu em torno do caixão.

Estavam devidamente trajados do mais absoluto e sombrio preto. Uma condolência. A maneira mais simples de mostrar o quanto a morte era mórbida, sem sentido e vazia.

É verdade que a maioria estava escondida por trás de óculos, guarda-chuvas e chapéus.

Não queriam deixar aparente. Não aquela dor.

Criaram uma fileira improvisada. Um por um pousou delicadamente ramos, buquês e arranjos de várias flores sob o corpo imóvel de Shiba Kaien.

O sorriso tinha desaparecido junto com a vivacidade daquele rapaz. Agora, nada mais restava que uma inexpressividade perturbadora.

Não havia muita gente. Só os mais próximos acompanharam o funeral.

Kaien havia morrido. Era espantoso, mas o mundo continuava como se nada houvesse acontecido. E assim que deveria ser.

Os Thunders contribuíram com suas economias para providenciarem um caixão mais que apropriado para o amigo. Os outros quiseram ajudar, mas os Thunders não permitiram. Recusaram sob a justificativa de Kaien ser da responsabilidade deles.

Rukia se aproximou. Ela era a última a entregar flores.

Os olhos antes brilhantes estavam fundos e serenos, sem vida.

Ela acariciou o buquê que levava nas mãos, fitando-o por um tempo prolongado. Não queria que fechassem o caixão. Só mais um pouco... Que a deixassem ali só mais um pouco, olhando pra ele.

A morena apertou os lábios para não chorar.

— Olá Kaien. — disse, com a voz a vacilar. — Eu os trouxe. São os seus preferidos. Sei que vai gostar. — aproximou o buquê de narcisos alvos e perfumados, encaixando-o perto do rosto do amigo.

Ichigo observou de longe. A culpa se achegou na sua cabeça, transformando-se em uma companheira indesejável. Por mais que Rukia lhe dissesse que não haveria jeito dele chegar mais rápido e que a causa da morte de Kaien não fora nada mais que pura decisão do destino, o ruivo não podia evitar.

Ele enfiou as mãos nos bolsos, baixando a cabeça.

Ignorar não adiantaria.

Aguardaram demorados minutos até Ukitake, mais habituado a aquele tipo de situação, descer a tampa do caixão.

Para os ali presentes, esse teria sido um dos momentos mais agonizantes, se não fosse, logo em seguida, o soterrar do caixão.

Pouco a pouco, a terra era jogada por cima do caixão, sufocando a existência de Kaien. Sufocando seus sonhos.

Riruka teve de ser contida por Tsukishima, caso contrário, ela saltaria pra dentro daquele buraco e desenterraria Kaien.

Ikkaku, Yumichika e Kira haviam retornado de sua viagem quando tiveram conhecimento da morte do Thunder.

Toushirou estremeceu. De todos, talvez, o pequeno fosse o mais sensível a morte de Kaien. Estava em numa situação mais lamentável que os demais, como se tivessem lhe roubado tudo.

O pequeno enganou-se ao pensar que suportaria acompanhar o sepultamento de Kaien até o fim.

Ele desviou os olhos em um movimento brusco, olhando pra qualquer coisa que não fosse aquele maldito caixão.

Hinamori ficou apreensiva por vê-lo daquele modo. Segurou sua mão, mas ele manteve-se distante, sem dar-lhe atenção.

Hitsugaya sentiu-se incomodado pelas lágrimas que impregnou os olhos. Ele os esfregou e nesse momento, viu uma figura estranha se esgueirar por trás de uma lápide.

Se fosse um convidado, não teria motivo pra estar tão distante.

Por um momento, o pensamento do homem se tratar de um repórter disfarçado lhe ocorreu na mente.

Não havia jeito. Sentiu-se forçado a averiguar.

Tentou fazer com que Hinamori ficasse, mas a garota insistiu em segui-lo.

Ambos marcharam em passadas rápidas, percebendo que o visitante inesperado se afastava quase que de propósito, como se soubesse que estava sendo perseguido.

Andaram assim por uma boa distância, distância suficiente para sumir do campo de visão dos outros.

— É melhor pararmos por aqui. Shirou-chan, estamos assustando o homem... — advertiu Hinamori, convencida de que espreitavam nada mais que um sujeito inofensivo.

Toushirou cerrou os olhos. A desconfiança o cutucava. Hinamori estava errada, existia algo de estranho naquele homem e percebeu isso no primeiro momento quando pôs os olhos em cima dele.

Mesmo com o alvo de costas, o grisalho procurou focar em suas roupas.

Tudo branco. Desde o chapéu até os sapatos.

O baixista sentiu um aperto no coração e, de repente, avançou em cima do desconhecido como um touro furioso.

— Takeshi!!! — rugiu, puxando-o pelo ombro.

Ao ouvir o nome, Hinamori saltou, sentindo o choque consumi-la por inteiro.

O homem girou a cabeça, evidenciando as suspeitas do garoto. Estava com a feição pálida, semelhante a do finado Kaien.

Shiba Takeshi. Não se sabia a razão que o levou a estar ali. Consciência pesada, talvez?

O sangue de Toushirou ferveu, borbulhando de cólera.

Ele não se deteve. Antes que um pensamento coordenado lhe atingisse o cérebro, o punho cerrou, preparando o soco mais esperado de sua vida.

Por muito pouco os nós dos dedos não partiram ao meio.

Hitsugaya não deu tempo pra que o homem pensasse em fugir ou se proteger. Antes que notasse, um soco magnífico pegou Takeshi de surpresa.

Atingiu-lhe em cheio, derrubando seu corpo troncudo contra o chão.

— Shirou-chan! — gritou Hinamori, correndo em direção aos dois.

— Fique longe! — ele lhe devolveu um berro ainda mais potente, fazendo um aceno severo.

A garota paralisou, não reconhecendo a hostilidade que emanava do namorado.

Pensou em pedir ajuda, chamar pelos outros, mas não conseguiu mexer um músculo sequer.

Takeshi tentou levantar-se, ainda tonto, porém, foi impedido pelo garoto. Ele o presenteou com mais um soco belamente distribuído, ficando por cima de seu tórax.

— Seu pivete de uma figa... Deixa eu te pegar... — rosnou trêmulo, sem saber ao certo o que dizia.

— Kaien... — a voz saiu falha, numa rouquidão tenebrosa. — Mesmo tendo um miserável como você como pai... Ele te amava... Ele sempre procurou ficar perto de você... Mesmo que você só o visse com cobiça. Mesmo que você amasse o dinheiro dele e não a ele. Kaien... Kaien... Está morto por sua causa! — o sangue desceu pelas extremidades dos lábios rachados de Takeshi. Ainda que fitasse Hitsugaya, pouco compreendia o que aquele garoto dizia. — Você roubou os sonhos de Kaien! Eu... Eu nunca vou perdoá-lo!!! — as lágrimas desceram, percorrendo a face preenchida de amargura.

Toushirou o acertou com mais um soco. E outro. E novamente.

Não parou. Atacou-o com toda a sua dor.

Hinamori só escutou o barulho oco que os murros provocavam.

Via os espasmos de Takeshi e quando menos percebeu, o todo branco de sua roupa ganhara uma tonalidade rubra.

Hinamori arregalou os olhos. O sangue caiu em gotas grossas, tingindo a grama.

— Shirou-chan! Pare com isso! Desse jeito... Desse jeito ele vai acabar morrendo! — alertou a garota, ignorando o aviso inicial de Toushirou que a dizia para manter distância.

— Dane-se! Não seria nada mais justo! — ele trincou os dentes e sem lhe dar ouvidos, continuou com seu espancamento particular.

— Shirou-chan... Por favor, eu...

— Cala a boca! Já mandei ficar longe! — atalhou ele, laçando-lhe um olhar apavorante. — Não foi o seu melhor amigo que morreu nas garras desse desgraçado! Eu vou matá-lo! Não me importo de ir preso!

— Já chega, Shirou-chan! Eu sei que está com raiva, mas você não pode ser igual a esse homem! — contestou.

— Não ligo se vou ser pior ou melhor que ele! A vida de Kaien não vai mais voltar... Eu não ligo mais pra nada disso... Takeshi!!! — mirou os olhos para a vista desordenada do homem, acertando-o com mais um murro.

Não tardou pra sua face começar a se deformar por tantos socos recebidos.

— Pare!!! — Hinamori tomou coragem, avançou por cima de Toushirou, contendo um dos seus braços.

— Me solte! — grunhiu, tentando livrar-se.

— Você não é assim, Shirou-chan! — continuou, embora estivesse difícil segurá-lo.



Numa onda de raiva, Hitsugaya a empurrou grosseiramente, fazendo-a cair ao lado.

Percebendo o que houvera feito, o garoto parou, incrédulo.

— Hinamori... — murmurou, sem acreditar, de fato, que a machucara.

A garota estremeceu. As lágrimas encheram seus olhos.

— Shirou-chan... Por favor, pare... Você não precisa matar esse homem... Eu sei que devo ser uma tola falando assim, mas por favor, não faça isso... — persistiu, sem dar importância ao fato de ter sido empurrada.

Toushirou a fitou com tristeza, boquiaberto.

— Eu... — ela mesma se interrompeu, vendo Takeshi se restabelecer. — Shirou-chan! Cuidado! — gritou. Por instinto, o garoto girou a cabeça, mas fora tarde demais.

Takeshi juntou suas últimas reservas de energia, unindo-as em um soco potente que acertou o nariz do grisalho.

Ele caiu e rolou pro lado, contorcendo-se de dor.

Takeshi aproveitou a ocasião para chutar-lhe a boca do estômago, adicionando mais uma cota de agonia para Toushirou.

— Moleque atrevido. Pegou-me porque me distraí. Na próxima vez, isso não vai se repetir. — ele cuspiu o resto de sangue, sentindo o gosto intenso de ferro. Ignorou. Mesmo com o rosto contorcido de pancadas, não perdeu a pose. Ele deu alguns passos, apanhando o chapéu empoeirado.

Os gemidos de Hinamori fizeram com que Takeshi lhe direcionasse o olhar.

— Ah, garota, você ainda está aí, é? — indagou com um sorriso sarcástico nos lábios.

— Não se aproxime dela! — rosnou Toushirou, tentando se levantar, mas não conseguiu. — Estou avisando, Takeshi! Eu vou chamar a polícia e te enfiar em uma dessas jaulas onde colocam os animais imundos!

Takeshi soltou uma gargalhada de satisfação.

— Oh! Você parece perigoso. Devo me assustar? — ele se voltou para o grisalho, pressionando a sola de sapato contra sua bochecha.

— Deixe-o em paz! — exigiu Hinamori, dando sinais de que levantaria.

O sujeitinho detestável acomodou o chapéu na cabeça, passando a mão pelo vasto bigode.

— Muito bem. O pedido da moça me parece aceitável. Fique grato, pivete. Eu não costumo destratar pequenas tão adoráveis como a sua. — ele divertiu-se mais um pouco, amassando o rosto de Toushirou contra a terra. — Mas fique avisado. Não se meta no meu caminho. Pode se juntar ao seu melhor amigo muito mais cedo do que imagina. — Takeshi puxou um cigarro amarrotado do bolso, inserindo-o entre os lábios conforme erguia um isqueiro, acendendo-o.

Deu uma última olhada para Hinamori, partindo pra fora do cemitério.

— Shirou-chan! — ela engatinhou até o garoto, apoiando-o.

Um sangramento vago percorria além de suas narinas, mas não era ali onde a dor se concentrava.

A derrota não era física.



Quando Toushirou e Hinamori retornaram, explicaram para os Thunders que haviam visto Takeshi pelas redondezas.

Grimmjow foi o primeiro e único a correr atrás do Shiba. Não sabia onde encontrá-lo, mas queria sentir que ao menos o procurou matar ou provocar sérios danos. O resultado, porém, mostrou-se pouco satisfatório.

Takeshi sumia como fumaça, apagando qualquer rastro deixado pra trás.

Foi difícil até mesmo para a polícia encontrar o paradeiro do golpista barato. Os dias passaram e as investigações não avançavam. Sempre eram cheias de buracos indecifráveis. Não havia provas suficientes que apontassem Takeshi como culpado. Nem ao menos o carro fora encontrado.

Aquilo deixou a todos frustrados.


A casa dos Kuchiki não era mais a mesma. Uma nova moradora tinha se instalado e tornado-se amiga de todos; a tristeza.

Ninguém ousava perguntar sobre o hiato que envolvia os Thunders.

Uma vez ou outra, Riruka aparecia, animando-os por um tempo, mas logo ia embora. Ela mesma ainda tentava se adaptar aos novos dias. Dias escuros, é verdade.

— Então estão considerando a hipótese de arquivar o caso. — murmurou Rukia, de bruços em sua sacada.

— Não podem fazer isso! O próprio Kaien revelou que foi Takeshi a guiar o carro, não é? — Ichigo pressionou os dedos na barra de ferro de sua sacada, exaltado.

— Eles disseram que pode ter sido só impressa do Kaien-dono. Fora ele, ninguém mais serviu de testemunha ocular... — acrescentou, sem emoção.

Ichigo bateu a mão contra a barra, com o cenho franzido. Se existia algo que detestava no mundo, essa era a chamada injustiça.

— Droga! Deve ter algo que possamos fazer! Não tem de terminar assim.

— Não há mais nada a se fazer, Ichigo. — suspirou ela, massageando a testa com uma das mãos. — Deixemos esse assunto de lado... Ultimamente eu tenho tomado muito do seu tempo com essas coisas. Me diga, como está indo no emprego?

Ele a fitou. Podia enxergar a esgotamento nas feições de Rukia. Talvez fosse melhor mudar de assunto.

— Estou me saindo bem. O ambiente é diferente do tempo do colégio. As pessoas não reagem mal com a cor do meu cabelo. — ele inclinou-se sobre a barra, apoiando os cotovelos.

— Isso é muito bom, Ichigo. Fico feliz. — ela tentou soar uma gentileza na voz.

— Obrigado.

— Bem... — ela soprou, espreguiçando-se. — Eu tenho umas coisas pra fazer, então conversamos uma outra hora.

O ruivo semicerrou os olhos, cabisbaixo.

— Hey, Rukia...

— Hm?

— Me desculpe.

— Por que está se desculpando?

— Desculpe por ter falhado. Eu queria ter chegado mais cedo.

Um silêncio fez-se presente por entre as sacadas. Rukia o sondou com serenidade.

— Não seja tão duro consigo mesmo. — sussurrou. Dessa vez, sua voz soou verdadeiramente gentil. — Não há porque sentir-se culpado... Não me peça desculpas. Se existe alguém que deve desculpar-se por ter sido responsável pela morte do Kaien-dono, esse alguém sou eu. — houve uma pausa drástica. Ichigo levantou os olhos. — Agora eu vou entrar. Obrigada por me escutar, Ichigo.

A pequena deu as costas, fechando a porta de vidro que separava o quarto da varanda.

Ichigo continuou imóvel, seguindo-a com os olhos até que esta saísse do quarto.

— Rukia. — chamou Byakuya ao vê-la atravessar o corredor.

— Não foi trabalhar hoje, Nii-sama?

O moreno aproximou-se da irmã. Ele trajava um kimono feito de um tecido fresco, propício para o ar quente e seco daquela tarde.

— Hoje é meu dia de folga. — respondeu, parando ao seu lado. — Preciso que faça um favor pra mim.

— Claro.

— Eu estava arrumando o quarto onde Shiba Kaien costumava dormir, porém, tive de parar. Yoruichi está vindo para acertamos os últimos detalhes de nosso casamento.

— Já? Ela parece apressada. — comentou a morena.

Byakuya pigarreou, sem dar-lhe uma resposta precisa sobre aquilo. Sabia bem porque a noiva insistia para que o casamento logo ocorresse, mas optava por não revelar.

— Rukia, eu preciso que você termine de arrumar o quarto. Temos de ter aquela parte desocupada para quem sabe, um novo inquilino. — ele prosseguiu, observando-a.

Rukia limpou a garganta. Não queria encarar os objetos, o cheiro e tudo o que pertenceu a Kaien. Seria muito doloroso.

— Por que eu, Nii-sama? Mande os Thunders. — sugeriu impassível.

— Eles se recusam. — retrucou.

— Por quê?

Ele fechou os olhos.

— Pelo mesmo motivo que o seu. — falou calmamente. — Sendo minha irmã, você é, automaticamente a co-proprietária desse lugar. Não tolerarei relutas de sua parte. — ele não lhe deu opções. Apenas continuou sua caminhada até a escada, descendo.

Rukia girou a cabeça, vendo-o por cima do ombro. Será que ele não entendia o quão angustiante seria arrumar as coisas de Kaien? Nessas horas, honestamente, gostaria que seu irmão fosse um pouco mais sensível...

— Nii-sama, por favor... Reconsidere.

O Kuchiki parou.

— Não recue. Ao contrário deles, você saberá o que fazer. — a sondou com uma ponta de sugestão desconhecida, em seguida, sumindo.

Sem mais chances de recusa, ela seguiu, medrosa, ao quarto onde Kaien dormia junto a Renji e Hisagi.

Era o maior quarto da casa. As camas eram bem distribuídas naquele espaço. Podiam conviver ali sem terem a privacidade invadida.

Rukia se direcionou a cama do moreno. Ainda estava desfeita. Ninguém ousara mexer em nada desde a sua ida, era como conservar desesperadamente cada detalhe, cada marca abandonada por Kaien. Arrumar e encaixotar tudo seria o mesmo de apagá-lo parte por parte.

A morena correu os olhos pelo quarto, vendo que Byakuya não tinha arrumado quase nada. Estaria ele se aproveitando de seu posto de irmão mais velho?

Ela suspirou, avistando uma caixa provavelmente trazida por ele. Ficou pensando por onde iria começar.

Buscou qualquer indício da “limpeza” de Byakuya, assim teria um ponto de partida.

Olhou a cômoda. Uma de suas gavetas estava aberta, com algumas roupas cuidadosamente dobradas e colocadas logo acima.

Rukia se aproximou, decidindo começar por ali. Enquanto tateava algumas das outras roupas, viu algo reluzir do fundo desta mesma gaveta.

A pequena piscou algumas vezes, apanhando o objeto. Era um CD.

Dentro da capa, um pedaço de papel dizia em kanjis muito bem pincelados: A escada para o sucesso.

Esbugalhou os olhos. Ela reconhecia a caligrafia. Kaien tinha escrito aquilo.

De repente, parecia que o oxigênio tinha acabado. O ar faltou nos pulmões. Ela correu desenfreada até um pequeno aparelho de som na parte de Renji, ligando-o.

Abriu a capa, tirando o CD e inserindo-o sem demora dentro do aparelho.

O dedo tremulou, apertando o play.

O visor identificou doze faixas. E não era só isso... Dentro daquele CD estavam todas as novas músicas criadas durante o ano inteiro. Feitas especialmente para o show em que cantou com Kaien.


Ele planejava lançar o CD depois do show. Procurar uma nova gravadora.

Rukia se emocionou. As lágrimas vieram à tona quando a voz de Kaien alcançou seus ouvidos numa canção avassaladora.

Seus joelhos fraquejaram e ela agachou-se no chão, tentando recompor-se.

Os outros Thunders teriam conhecimento desse CD? Não seria possível, não é? Eles teriam feito ou comentado algo.

Rukia não quis formular perguntas pra si mesma. Ela apanhou o CD, andando as pressas até a sala, onde encontrou Renji e Toushirou assistindo um programa de comédia.

— Renji, Hitsugaya! — ela exclamou, pulando o corrimão e por pouco, não caindo.

— Hey Rukia, pra que todo esse alvoroço? — indagou Renji, coçando a nuca.

Ela não respondeu. Ergueu o CD.

— O que é isso? Se quer ouvir música, faça isso sozinha. Estamos ocupados. — falou o grisalho, afiado como de costume.

— Não é nada disso! Esse CD é o que Kaien-dono produziu! Vocês não viram?!

Ambos a encararam por segundos contados, tornando a TV.

— Respondam! Eu estou falando com vocês!

— Dá pra ficar quieta? Você faz muito barulho. É irritante! — rosnou Toushirou, levantando do sofá.

— Hitsugaya... — sibilou Renji.

O ruivo antevia a confusão já armada entre os dois. Mesmo que não quisesse, era preciso se colocar ao meio.

— Rukia, escute. Conhecemos esse CD. Há, como não saberíamos? Trabalhamos duro nele durante todo esse ano... Mas, essa foi uma decisão tomada por todos nós. Você tem de encarar e aceitar. Os Thunders não existem mais. Não há porque lançarmos esse CD sem ter Kaien conosco. — explicou em um tom de consternação acentuada na voz.

A garota sacudiu fortemente a cabeça, como se aquilo pudesse fazê-la esquecer o que Renji acabara de dizer.

— Não! Não! Não! — repetiu freneticamente. — Kaien-dono fez do suor sangue pra que esse CD chegasse a existir. Não me venham dizer que vão ignorá-lo! Isso é inaceitável!

— Rukia, você precisa se acalmar. — aconselhou o rapaz, erguendo as mãos num gesto pra que ela parasse.

— Cale-se, Renji! Vocês estão envergonhando a memória de Kaien-dono! — berrou.

— Cale a boca você, Kuchiki! — rebateu Toushirou, elevando a voz mais ainda. — Pensa que não queríamos que esse CD fosse lançado? Sonhávamos com isso antes de Kaien morrer! Agora ele se foi! Será que você não consegue entender uma coisa simples dessa?! É tão difícil?! — estava difícil decidir quem dos dois estava mais alterado.

Renji, por precaução, se enfiou no meio de ambos, separando-os.

— Hey, vocês dois, parem com isso! — ordenou Renji.

— É como uma piada. — sussurrou ela, com a repulsa a gotejar pelos poros. — Thunders estão em todos vocês. Por que não enxergam isso? Julgar que a banda acabou porque Kaien-dono se foi é dizer que os Thunders nunca fizeram parte de vocês. Eu sei, Kaien-dono, certamente não aprovaria como estão agindo... Mas não importa! — terminou em um urro, afastando-se deles.

Ela caminhou com os pés pesados, parando em frente a saída da sala. Não olhou pra trás, apenas batendo a porta.



Rukia não foi pra longe. Limitou-se a escalar uma árvore que ficava no quintal de trás da residência de seu irmão.

A pequena apreciava toda e qualquer árvore. Preservava os antigos hábitos. No orfanato, quando queria pensar sozinha, subia nas árvores do bosque. Lhe transmitia uma sensação de paz e calmaria... E naquele momento, era o que mais precisava.

Ela deitou no galho que definiu como sendo o mais confiável. As folhas a protegia do calor incessante do sol.

Aquele era um limoeiro. Ele fora plantado antes mesmo de comprarem a casa.

Ela permaneceu em silêncio, olhando demoradamente para o CD em sua mão.

— Estou atrapalhando? — indagou alguém que ousou invadir o seu refúgio.

A garota aprumou o corpo, descobrindo quem era o invasor.

— Ichigo... — sibilou, percebendo o quanto ficou submersa em seus pensamentos.

— Honestamente, as árvores que você escolhe estão ficando cada vez mais impossíveis de serem escaladas. — falou, arfando.

— Limoeiros são fáceis.

— Não são.

— Sim.

— Não.

— Sim.

— Cale-se.

— Sabe, atualmente estou recebendo muitos pedidos pra que eu me cale. Minha voz não deve ser tão ruim. — ela esgueirou um sorriso.

— Na verdade, eu me acostumei com a sua voz... Mas no início, eu achava que você fosse um garoto disfarçado de menina.

— Maldito... O que veio fazer aqui? Me tirar do sério?

— Não seja boba. Hoje em dia existem coisas mais divertidas que isso. — ele arqueou uma das sobrancelhas, sarcástico.

A pequena arrancou um limão próximo a eles, exibindo-o.

— Ichigo, você é igual a esse limão. Insuportavelmente azedo...

— Azedo? Pensei que limões fossem amargos...

— Pra mim eles sempre foram azedos. — suspirou, jogando o limão no chão.

— Idiota, não desperdice frutas só pra dar um exemplo tão inútil quanto esse! — ele fez uma careta, sentindo pena do limão.

— Estou no meu quintal. Posso fazer o que quiser, inclusive, expulsar você. — sorriu, alfinetando-o com um aviso sutil.

— Parece justo. — Ichigo se encaixou melhor sobre o galho vizinho, contemplando o céu à frente da árvore. — Que bela visão.

Rukia o fitou carinhosamente.

— Ichigo, por que não está no trabalho?

Ele franziu a testa, olhando-a de esguelha.

— Acho que pelo mesmo motivo que você não foi ao trabalho. Hoje é domingo.

— Ah, é verdade.

A morena se colocou em pé, equilibrando-se no tronco como se estivesse no circo.

— Hey Rukia, você vai acabar caindo! Pare de agir como uma maluca! — bufou, segurando-a na mão.

Aquilo, de um jeito estranho, a fez perder o equilíbrio e, felizmente, cair por cima do colo do rapaz.

— Isso foi perigoso. Você quase se espatifou no chão! — segurou-a com força, pressionando seu corpo contra o peito.

O braços de Ichigo eram quentes e aconchegantes. Rukia estremeceu. A ideia de não sentir mais os braços acolhedores de Ichigo a apavoravam.

— Ichigo... — ela gemeu, abraçando-o e escondendo o rosto em seu peitoral.

O ruivo não compreendeu mudança súbita de comportamento.

— Está tudo bem... Só foi um susto... Você não precisa ficar desse jeito! — tentou tranquilizá-la sem jeito pra aquilo, é verdade, mas fez o que pôde.

A garota não respondeu.

Sem aviso, sentou-se sob o colo do morango, estreitando o espaço entre seus rostos.

Mesmo intimamente corado, Ichigo não relutou e nem falou qualquer coisa.

Os lábios agiram cúmplices. Encostaram um no outro e deslizaram por suas extensões, desbravando-as.

Rukia deixou o CD cair por cima de seu colo, erguendo as mãos às bochechas de Ichigo, tocando-o.

Foi um beijo lento e prolongado. Fazia tempo que Rukia não sentia seu coração palpitar daquela maneira... Ela afastou a boca só para poder suspirar, no entanto, logo foi novamente tomada.

Algumas lágrimas molharam os olhos, mas, felizmente, Ichigo não notou.

Ichigo pressionou suas costas, elevando uma das mãos à nuca da pequena, onde prendeu as madeixas negras.

“Tudo o que eu mais queria era que Ichigo continuasse a me tocar... Tal como a brisa toca as folhas do limoeiro... Eu gostaria de me afogar nessa sensação.”




No fim da noite, Rukia tinha disposto um pouco do seu tempo para escrever uma carta em cima da escrivaninha.

Havia uma mochila gorda ao seu lado. Parecia congestionada de roupas e outros apetrechos.

No fim da carta, ela desenhou um chappy de longos cílios que em sua singela opinião, era a coisa mais fofa do mundo.

— Pronto. — largou a caneta, dobrando o papel e encaixando-o dentro de um envelope endereçado a Ichigo. — Esse é o último. — sentenciou pra si mesma, olhando a carta.

Enfileirou os três envelopes, organizando-os.

Puxou a mochila, a ajeitando nas costas.

Rukia caminhou até a porta de vidro, tendo acesso a sua varanda.

Parecia ter algo em mente.

Tomou distância, firmando os pés no chão. Correu rapidamente, saltando a barra de ferro.

Ao contrário do que imaginou, não teve uma aterrissagem das mais confortáveis.

Caiu com tudo na sacada de Ichigo, feliz por ele não ter acordado.

Ela limpou os joelhos feridos, abrindo a porta de vidro do ruivo.

Como sempre, ele era um descuidado. Não havia tranca na porta.

A garota andou na ponta dos pés, aproximando-se do namorado adormecido.

Enfiou metade do envelope no travesseiro, olhando a sua face.

Ela estava calma... Bem diferente de quanto Ichigo estava de pé.

Rukia sorriu, acariciando-o.

— Ichigo, me perdoe. — beijou-lhe no rosto, sentindo uma tristeza profunda dominar seu coração.

A garota recuou, sem tirar os olhos do ruivo. Queria gravar aquela imagem... Uma última vez.



Retornando ao seu quarto, Rukia virou-se uma última vez, contemplando seu quarto com certa nostalgia nos olhos.

Não se demorou. Desligou a luz e saiu pelo corredor.

Em silêncio, entrou no quarto onde Renji e Hisagi dormiam, pousando um dos envelopes acima do criado-mudo. Eles tinham sono pesado. Se fosse no quarto de Hitsugaya, isso não seria possível.

Logo depois, se encaminhou ao quarto de Byakuya.

Parou em frente à porta, relutante.

O irmão era como Hitsugaya. Perceberia sua presença, então, a forma mais eficaz que encontrara era passar por baixo da porta. E assim o fez.

Empurrou lentamente o envelope, mas, foi tragicamente surpreendida pelo escancarar da porta.

— Rukia. — dois pés surgiram em sua frente. Eram os pés de seu irmão.

A garota engoliu em seco, levantando o rosto.

— Nii-sama... Eu só estava...! — ergueu-se, tentando se justificar sem muito sucesso.

— Assegure-se de levar o que há de mais necessário. — murmurou, olhando-a fixamente.

— C-como? — perguntou, sem entender.

Não houve resposta. Encaminhou-se pelo corredor, andando até as escadas.

— Venha.

Rukia obedeceu, seguindo-o.

Ao descer os últimos degraus, o Kuchiki passou a chave, abrindo a porta.

— Nii-sama... Por que está fazendo isso? — Rukia se deteve no último degrau, confusa com a atitude do irmão.

— Essa é uma pergunta tola. — seus olhos frios encontraram os dela, brilhando na escuridão.

Ela soltou o ar, desistindo de arrancar os motivos.

— Sinto muito... Nii-sama, o seu casamento... Eu não queria perdê-lo... — murmurou com a voz embargada.

— Apenas faça o que tiver de fazer, Rukia. — pousou a mão por cima dos cabelos da pequena, afagando-os.

Rukia não resistiu. Abraçou ao irmão com todas as forças.

— Obrigada. De verdade... Obrigada.

Ela saiu da casa, marchando em rumo ao desconhecido.

— Rukia. — a voz de Byakuya parou-a num passo. — Certifique-se de voltar vitoriosa. Não envergonhe a família Kuchiki. — acrescentou com uma leve curva nos lábios que Rukia interpretou como um sorriso.

— Ficarei atenta. — ela sorriu, caminhando pela avenida vazia.






Na manhã seguinte, Ichigo não demorou a perceber a existência da carta.

Logo que viu um desenho de um coelho de aparência estranha, abriu-a quase rasgando.

Ele correu, sem ao menos trocar as vestes, até a casa dos Kuchiki.

Por algum motivo, a porta estava destrancada, o que fez Ichigo adentrar sem ser convidado.

Ele passou pela sala, despercebido por Matsumoto e Hisagi que estavam no sofá, comendo cereal como duas crianças.

Avançou até a cozinha, parando em meios aos resfôlegos.

Byakuya saboreou a sua xícara de café, mesmo submetido a presença inesperada de Ichigo.

— Onde está Rukia?! — ele bateu nervosamente a mão acima da mesa, jogando a carta amassada em frente aos olhos tranquilos do Kuchiki.





Ichigo, eu não sei de uma maneira menos dolorosa de dizer a você que estou partindo.

Eu sinto muito. De todos, você era a pessoa que eu não conseguiria me despedir pessoalmente. Doeria demais, provavelmente eu desistiria do que tenho de fazer... Tornar o sonho de Kaien-dono uma realidade.

Eu sei, é um absurdo. Não o culpo se me odiar. Sei que não tenho agido como uma boa namorada. Tenho deixado nosso namoro de lado... E mais uma vez, parece que estou fazendo o mesmo. Seguindo o mesmo caminho e indo por uma estrada que nem ao menos sei aonde vai dar.

Eu não penso que vá me perdoar ou me esperar, por isso, Ichigo, faça o que bem entender de sua vida.

Kuchiki Rukia.



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Notas finais do capítulo

Um capítulo meio triste, hã? Talvez as coisas melhorem daqui pra frente...
Bom, quero avisá-los que a partir do próximo capítulo, se iniciará os tão esperados DIAS ATUAIS. Finalmente né? x-x