Bonds escrita por frozenWings


Capítulo 17
Capítulo 17


Notas iniciais do capítulo

Bem, finalmente postei em pleno Natal. ~~
Tenho um comunicado a fazer, queridos leitores.
Estou propondo dois finais para a fanfic.
Para os que não sabem, eu também posto em uma comunidade IchiRuki do orkut.
Como arrecadei leitores fiéis, amantes de KaiRuki, atendi ao pedido deles, sem deixar os IchiRuki de lado.
Decidi que postarei o final IchiRuki na comunidade. Coisa de praxe, já que ela é estritamente IchiRuki.
No nyah eu tenho mais liberdade, então postarei o final KaiRuki por aqui.
Bom, estou dando esse aviso prévio para que os interessados em um final IchiRuki adicionem a comunidade e posteriormente, leiam por lá.
Segue o link abaixo:
> http://www.orkut.com.br/Main#CommMsgs?cmm=20953202&tid=5653986835214886202&na=4
Espero ter a compreensão de todos. Obrigada!



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Finalmente. Depois de tantos meses que mais pareciam anos, o dia, enfim, tinha chegado. Ele se acomodou a uma parte surreal, como se na verdade, não houvesse chegado, como se só estivesse pregando uma peça.

Kaien, mais do que qualquer um, tinha esperado incansavelmente por aquele dia.

O dia.

Os raios ultravioletas palpitavam, abrandavam toda a atmosfera, secando e manuseando qualquer rastro de nuvem, como se estivesse disposto a criar seu próprio cenário ou obra de arte.

Estava fresco, muito fresco. Com o clima a trazer alegria e muita expectativa, especialmente, expectativa. 

Parecia perfeito. Perfeito até demais.

Kaien acordou com um borbulhar na barriga que revirava tudo o que havia sobrado em seu estômago.

Rolou os olhos para o relógio em cima do criado-mudo. Ele marcava seis horas.

O moreno soltou o ar dura e longamente, levantando-se da cama. O borbulhar continuou, persistente e dessa vez mais intenso. Talvez não passasse de nervosismo.

Em todo caso, aquilo era de menos. Não havia espaçamentos ou distrações em seus pensamentos. Hoje era o foco. O dia.

A ascensão dos Thunders.   

Só em concentrar sua mente nesse tipo de pensamento, fazia Kaien suar frio.

Não podia errar ou cair. Ele era o líder. Tudo tinha que dar certo. Ia dar certo!

Verificara com frequência o andamento do palco improvisado em meio a um centro comercial de Karakura, tentando assim, evitar qualquer tipo de imprevisto.

Ele se encaminhou até o banheiro. Lavar o rosto talvez o ajudasse a se livrar daquela tensão.

Abriu a torneira, ergueu as mãos e apanhou uma quantidade relativa de água, jogando-a no rosto e espalhando o que sobrou pelo pescoço.

Sentiu-se um pouco melhor, pelo menos mais acordado.

Voltou ao quarto. Não conseguia entender como seus colegas de quarto mantinham aquelas expressões de despreocupação, como se aquele dia não fosse tão determinante e pudessem dormir até o meio-dia.   

— Me parecia óbvio você já estar de pé. — murmurou uma voz satisfeita com a resolução de seu palpite.

Kaien girou a cabeça, encontrando Hitsugaya encostado na porta do quarto.

— Parece que sim. — ele respondeu, com um sorriso inerme a contornar os lábios. — Dentro de poucas horas... Dentro de poucas horas estaremos no palco.

— Eu sei. — retrucou Toushirou, não compreendendo a estranheza na voz do moreno.

Ele desviou os olhos, refugiando-os no céu vívido que era refletido pela janela.

— Você acha que conseguiremos? — interrogou, ainda sem encará-lo.

O grisalho piscou algumas vezes, ficando em silêncio, até extingui-lo com um sopro.

— O que nos levou a chegar onde chegamos foi a incrível confiança que você depositou em nós e na sua liderança. Isso foi, durante alguns anos, o que nos moveu; as nossas pernas. Você deve saber. — Hitsugaya o sondou com seriedade, semicerrando os olhos — Mas, o que faremos se você perder a sua autoconfiança? Responda-me, Kaien.

O moreno estalou a língua, repuxando um sorriso de lado.

— É, você tem razão... Como sempre, Toushirou. — ele virou-se para o garoto, contemplando-o. — Não posso ficar com essa melancolia em nossa ré-estréia. Vamos mudar isso. E por consequência, acordar os outros. Estou achando que eles estão levando uma vida muito boa! Não gosto disso. — o rapaz mudou de tom, quase que instantaneamente, erguendo uma das pernas até que esta alcançasse o corpo de Renji, pisando-o. — Hey, tratem de acordar! Sabem que dia é hoje, seus malditos?! Parem de dormir tão tranquilamente! Será que acordariam se explodissem uma bomba nessa casa?

— Provavelmente não... Estariam mortos. — comentou Hitsugaya, vendo a bochecha de Renji ser amassada.

— Kaien-dono? — sussurrou uma voz feminil a entrar no santuário mais viril da casa. — O que está fazendo aqui, Rukia? Isso é mau. Não pode entrar nesse quarto. — repreendeu, fingindo soar indignação. — Você tem muita sorte de eu ter resolvido dormir de camisa e samba-calção. Imagine se eu estivesse pelado.

— Não seria uma cena muito agradável... — Toushirou fez uma careta enojada, lembrando-se da ultima vez que isso aconteceu.

— Desculpe entrar, a porta estava aberta, então... — adentrou sem qualquer hesitação, embora estivesse com os olhos voltados ao chão, com receio em focá-los na imagem de Kaien. — Muito bem, vou ser direta. Foi você quem deixou esse vestido preto com um par de asas partidas ao meio no meu quarto? — fez uma pergunta pouco corriqueira, erguendo um vestido guardado em plástico.  

— Sim, é claro. — respondeu com convicção exagerada. — Você esqueceu do dueto que vai fazer comigo? Eu pensei que a roupa fosse auto-explicativa. Nunca viu o clipe da música? A Amy usa asas, nada mais apropriado que você usasse o mesmo. — soltou um longo suspiro, tirando o pé de cima de Renji. — Aliás, por que vocês já estão acordados? Imaginei que só eu tivesse disposição o bastante pra acordar tão cedo.

— Do que está falando? São onze horas. — revelou Toushirou a arquear uma das sobrancelhas.

— Onze horas?! — Kaien se espantou, voltando os olhos confusos para o seu relógio. — Impossível! — caminhou até o criado-mudo, elevando o pequeno rádio-relógio.

— Durante a noite houve queda de energia. Isso deve ter causado o atraso no relógio. — raciocinou Rukia, olhando-o.

— Onze horas...?! — repetiu, dessa vez mais baixo e com certa incredulidade.

Kaien recolocou o relógio no lugar, a princípio, muito calado.

Rukia e Toushirou o fitaram, esperando alguma reação.

Em um segundo, ele disparou. Puxou Renji pela gola da camisa, sacudindo-o como um chocalho.

— Renji, acorde! Não temos tempo pra sua vida boa! Vamos ensaiar uma última vez e revisar cada nota! Acorde! — ele bradou, alto e sonoro, enfim, acordando o ruivo. — E você, Hisagi? Dá pra levantar?! Ligue pro Ulquiorra vir imediatamente. Quero todos de pé! — chutou o colchão da cama vizinha, causando no rapaz alguns murmúrios involuntários.

— Ele está realmente tenso. — murmurou Rukia, com uma gota a escorrer pelo canto do rosto.

— Muito mais que o convencional. — complementou o grisalho, sem emoção. 

Após ter concluído a árdua tarefa de acordá-los, Kaien se dirigiu até o quarto ao lado.

Pretendia acordar Grimmjow, se fosse o caso dele estar no quarto, o que se mostrou improvável naquele instante.

— Ué... Aonde foi o Grimmjow? — perguntou, não vendo nenhum sinal do azulado.

            Durante a madrugada, alguma coisa tinha tirado o sono de Grimmjow Jeagerjaques. E não foi a súbita falta de energia. Longe disso.

Um apito que vinha de seu celular o havia acordado. O aparelhinho avisava sobre uma mensagem recente.

Pertencia a Tatsuki. Ela pedia pra que a encontrasse em uma praça pelo horário da manhã.

Era uma mensagem séria e objetiva, sem qualquer piada ou algo que fizesse o azulado deduzir que estava tudo bem.

As perguntas martelaram sua cabeça, pregando o sono em algum lugar onde não pudesse achá-lo.

O que ela tinha a dizer? Por que se sentia tão aflito e vulnerável ao que podia acontecer? Tatsuki, até então, que nunca houvera tido importância, começara a ter por esses meses. Sim, uma incrível onda confusa e impulsiva que batia contra o recife e recuava, trazendo certa calmaria.  

            Grimmjow alcançou o lugar. O banco em que Tatsuki estava sentada estava distante dos demais, numa área isolada onde as grandes árvores sombreavam com as folhas.  

Ele parou os passos.

A garota estava na ponta do banco, reflexiva, com as mãos fechadas acima do colo.   

— Tatsuki. — murmurou e ela o olhou.

— Sente-se. — pediu a garota, voltando a sondar o chão.

— O que houve? — perguntou Grimmjow, relutando-se em sentar.

— Eu falei pra você sentar. — disse friamente, quase que impaciente.

— Eu não preciso. — ele limpou a garganta. — Na verdade, eu não quero. Seja o que for, seja direta. Você deve saber, não gosto de rodeios. — estalou a língua, pondo as mãos no bolso e virando-se.

Ela o olhou por algum instante, suspirando.

— Não está fumando. — observou.

— Eu resolvi parar há algumas semanas. — ele a fitou de relance, buscando não mostrar muito interesse. — Fale o que tem a dizer de uma vez. Hoje o meu tempo está curto.   

 — Entendo. — ela engoliu o ar, fechando os olhos. — Grimmjow, eu estou grávida.

Uma gargalhada que mais parecia um uivo cortou o silêncio. Grimmjow estava quase chorando de tanto rir.

— Por que você está rindo, seu idiota?! — perguntou Tatsuki, com uma raiva aparente na voz.

— Que piada! Por um instante achei mesmo que você falou que estava grávida... — continuou com a chuva de risos devastadora.

— Eu não estou brincando. — assegurou ela, jogando-lhe um balde de água fria.

As risadas foram parando pouco a pouco. A confirmação pouco animadora o trouxera para a realidade atual.

Realidade? O experiente Grimmjow Jeagerjaques tinha engravidado uma garota? Não podia ser verdade. Isso mais parecia uma brincadeira de mau gosto.

— Grávida? — repetiu, entorpecido, enquanto cambaleava pra trás, sentando-se no banco. — Mas como? Como isso aconteceu? Pensei que estivesse tomando pílulas nos nossos encontros. Você tem certeza que está grávida? Pode ser apenas um alarme falso, há Tatsuki?!

Tatsuki soltou um longo suspiro, alterando a expressão.

— Não! Não é um engano! Eu fiz a droga do exame! Exame de farmácia e exame no médico. Ambos deram positivo. — respondeu ao elevar o tom, esfregando a mão na testa gelada. — Eu estava usando pílulas periodicamente, mas uma delas deve ter falhado. — ela sibilou com um tremor cortante na voz, como se tentasse conter um reboliço de palavras que estava se acumulando.

Grimmjow girou a cabeça. Fitou-a sem dizer qualquer coisa.

— Grimmjow. A partir de agora, você pode fazer o que quiser com a sua vida. — declarou, ainda cabisbaixa. — Eu sei o quanto preza a sua liberdade. Eu sei o que você quer pro seu futuro... E eu também sei o que quero pro meu futuro. É por isso que não vou forçá-lo a nada.

O azulado arregalou os olhos, com medo do que aquilo significava.

— O que quer dizer, Tatsuki? — interrogou em um murmúrio que saiu fraco, quase inaudível.

— Eu vou ter essa criança. — falou de modo que deixasse bastante claro. Ela pausou, encarando-o no fundo dos olhos. — Não vou impedi-lo se quiser fugir, Grimmjow. O papel que você vai exercer dependerá exclusivamente de você e de mais ninguém. — acrescentou com um timbre seco e direto.

O azulado perdeu a voz. Ele não pôde dizer nada e aquilo serviu pra que a garota se levantasse, decidindo ir embora.

O silêncio inoportuno tinha falado por ele, foi o suficiente. Tatsuki acolheu a resposta esperada com naturalidade.

O que havia de errado? Por que ela havia assumido aquela responsabilidade, mesmo sozinha? Afinal, ter um filho era algo perturbador. Por que ele a via naquele controle aparente, como se a notícia não a atingisse da mesma forma que o atingiu? Por que não definhava na mesma confusão de pensamentos que Grimmjow tinha caído? Tantas perguntas.

A morena passou ao seu lado, seguindo para algum lugar ao qual ele desconhecia. 

O som continuou falho, sem ser emitido, travando e se debatendo no meio da garganta.

Havia pensado sobre esse dia. O dia em que, acidentalmente, engravidasse alguém. Perguntaram-lhe qual seria a sua reação. Pareceu uma pergunta inofensiva e sem sentido. A resposta, naquela época, estava na ponta da língua.

“É claro que eu vou dar um pé na bunda da vadia. Filhos são um problema. Não gostaria de ter algo me prendendo pra sempre.” Foi o que disse.

Naquele tempo esse raciocínio fazia tanto sentido, mas por que diabos hoje em dia não conseguia encontrar o sentido que o preencheu por tanto tempo?

Por algum motivo, a lembrança do baile lhe emergiu na memória, como uma bolha quente que efervesceu as outras partes de sua mente. 

Tatsuki. O torneio. Grávidas não podiam lutar. Ela abrira mão do que mais gostava de fazer pra poder ter aquele filho; um projeto de vida não planejado. E mesmo assim, parecia tão forte e segura de si.

Sentiu-se envergonhado e ao mesmo tempo, encantado.

Tatsuki era realmente incrível. Aquela mulher... Não podia perdê-la, sob qualquer hipótese, não podia perdê-la, nem para a covardia que o habitava.

Pensar nela o encorajou.

— EI! — urrou, finalmente atravessando a barreira que se colocara entre o controle de suas próprias palavras.

Ela já estava em uma distância considerável, mas o ouviu, parando e olhando.

Ele estremeceu, respirando fundo.

Levantou-se e caminhou até a morena, esticando um sorriso apaziguador.

— O quê...? — ela murmurou, sem entender.

— Você é minha, Tatsuki. — falou de súbito, virando o rosto pro lado, sem muito jeito pra falar o que estava prestes a dizer. — E a criança... Sim, ela também é minha. As pessoas que me pertencem devem ficar comigo. Eu estou aqui. Não vou fugir. — coçou a cabeça, fungando. 

Nada romântico, mas, dessa vez, Tatsuki fora quem ficara sem palavras. Ela jamais imaginaria que Grimmjow — o rude e verdadeiro cafajeste — falaria algo do tipo.

Aquelas palavras soaram tão intensas, tão verdadeiras que não as desdenharia como mentiras ou ilusões.

— Grimmjow. — emitiu ela, os lábios a tremerem. Queria perguntar se o que disse era realmente sério, mas se deteve. Ele não mentiria, não sobre aquilo.

Ele voltou a fitá-la. Levou as mãos as dela, segurando-as.

Estavam quentes, mais quentes que o habitual.

— Idiota. — expirou lentamente, baixando a cabeça. — Você me deu um susto.

— Eu me declaro a você e é assim que me responde? — riu, sarcástico.

Seus braços passaram pelo corpo dela, cobrindo-o.

Ficaram assim por minutos. Ambos estavam precisando daquele abraço. Juntos, os problemas pareciam pequenos e simples.

Tatsuki ergueu a face, mostrando os olhos marejados.

Grimmjow os contemplou por algum instante até finalmente render-se ao feitiço dos lábios finos e rosados da morena.

Lentamente, tocou a superfície dos lábios, administrando-lhe um beijo carinhoso.

Ela apertou suas costas.

Grimmjow não era o único. Nunca cogitou um pensamento como aquele, mas, Tatsuki também queria ficar com ele. Se possível... Por toda a eternidade.

— Eu já disse pra você parar com isso! — exclamou Riruka, com as maçãs do rosto tão rosas quanto seu cabelo.

Esquivou-se de uma escova de banho que tinha como alvo as suas costas. Aquilo estava se tornando bastante estranho.  

Tsukishima suspirou, tinha que admitir, era difícil fazer com que a garota permitisse que ele a escovasse.

— Vamos, só uma escovada. — insistiu.

— Que droga! Você fica me tratando como uma criança. Não gosto disso! — resmungou ela, se desvencilhando do corpo do rapaz.

A rosada deslizou ao outro lado da extensa banheira de cerâmica. Ali parecia seguro. 

— Certo, faça como quiser. — desistiu, colocando a escova no chão.

Ela juntou uma boa quantidade de espuma em frente aos seios, mostrando-se mal-humorada.

— Por que está com vergonha? Eu já vi os seus seios. E, se me permite dizer, estavam muito bonitos ontem a noite. — a provocou propositalmente conforme estendia os braços à extremidade da banheira.

— Não! Eu não permito que diga! — grunhiu ela, com o rosto a queimar de vergonha.

— Agora é tarde. Eu já disse. — murmurou com a cara mais cínica que tinha.

— Maldito... — bufou baixo. — Nunca mais te chamo pra entrar na banheira comigo.

— Bem, não que eu ache que você lembre, mas, você não me chamou. — informou, curvando levemente os lábios. — Eu apenas entrei.

— Petulante! — xingou ela, estalando a língua.

Ela o fitou, corando no mesmo instante.

Tsukishima... Ele conseguia ser charmoso mesmo quando gostava de interpretar um irritante.     

— Você sabe que dia é hoje? — perguntou o rapaz e, por um segundo, ela teve a impressão de que seu corpo se aproximou alguns centímetros.

— Sexta-feira? — deduziu a rosada, sem muito interesse.

— Os Thunders farão a apresentação que significa a volta da banda. — ele apoiou o cotovelo na extremidade da banheira, pousando o queixo acima da mão.

— É, eu sei. Não esqueci. — garantiu-lhe, soprando parte da espuma.

— Só estava me certificando. — retrucou, ainda com o sorriso a se estender nos lábios.

— Vamos assistir ao show mais tarde. Não quero que nos vejam.  — sorriu, fechando os olhos para se deleitar na água morna. Sentia o triunfo do plano próximo as suas mãos.

— Por quê?

— Hoje é o show dos Thunders. Se aparecermos, vamos roubar a atenção. Sou uma estrela grande, fazer o quê. — começou a rir da própria afirmação.  

Quando abrira os olhos, Tsukishima estava bem mais próximo do que sua antiga posição — do outro lado da banheira.

— Você está muito perto, e... — viu ele mergulhar as mãos por baixo da água, fora de seu campo de visão. — Tsuki...

Algo a acariciava logo abaixo. Eram as mãos de Tsukishima.

— Você é muito pervertido. — ela corou, sem protestar ou repeli-lo.

— Não muito. — ergueu ambas as sobrancelhas, se apossando da boca de Riruka. — Por que não aproveitamos esse tempinho livre?

Quase sem ar, ela afastou os lábios da boca magnética do rapaz.

— Que coisa, eu desconhecia esse seu lado malicioso. — sorriu de canto, mordiscando o próprio lábio inferior. — Ainda temos tempo.

— Então vamos usá-lo. — sibilou Tsukishima, sem tantas palavras. O aroma devastador que exalava do corpo de Riruka tinha-lhe deixado inebriado, tomado por alguns desejos.

— A banheira parece um bom lugar. — sussurrou ela em seu ouvido, provocativa.

Ele não respondeu. Talvez a sensação do arrepio que percorreu sua pele tivesse lhe roubado a fala.

Uma de suas mãos brotou da água, segurando a nuca de Riruka.

Agora tinha o controle.

Puxou-a pela nuca, atraindo seus lábios aos seus onde depositou um beijo sedento e cheio de luxúria. 

            Na loja de conveniências próxima a casa dos Kuchiki, Hinamori Momo acabara de receber uma mensagem de texto.

Ela ergueu o celular. A mensagem indicava o horário e o local onde os Thunders tocariam, segundo Toushirou.

Mal acreditava que, agora, namorava um dos integrantes... Não podia ser melhor.

Pensou mais um pouco. Sim, podia.

Namorava o integrante que havia mais gostado desde que a banda surgiu. Poucas pessoas no mundo todo tinham algum relacionamento amoroso com o seu ídolo preferido.

— Tenho que sair do trabalho mais cedo. — comentou por alto, ligeiramente preocupada com o fato de não poder aparecer logo na abertura.

Não aceitaria desapontar Hitsugaya. Mesmo que perdesse o emprego, iria a esse show.

— Ouvi dizer que você tem de sair do trabalho mais cedo... O que aconteceu? Algo com a sua avó, Hinamori? — perguntou um dos funcionários mais curiosos já existentes naquele estabelecimento, mas que a principio lhe era mais próximo. Não por opção, é claro.

Hinamori era educada demais pra usar rudeza com outras pessoas.

— Não é nada pra se preocupar. — repuxou um sorriso torto, tentando descobrir como ele sempre sabia das coisas. Teria falado muito alto?

— Entendi. Você anda muito estranha esses meses. — murmurou o rapaz, jogando os cabelos pra trás em uma passada. — Sabe, eu estava pensando... O que acha de sairmos juntos qualquer dia desses?

Hinamori piscou rapidamente.

— Sair com você? — perguntou.

— Sim. Por que não? Garanto que será o melhor encontro da sua vida. — riu, confiante.

— Ah, desculpe... Eu estou muito ocupada pra sairmos. — inventou.

— Ocupada? Impossível que algo tome tanto do seu tempo. Está namorando?

— Namorado? Eu?

— Se for o caso, desejo conhecê-lo. Alguma foto no seu celular?

Querer conhecê-lo? Esse homem não tinha limites...  

— Eu não estou namorando... Err... Minha avó! Minha avó vem tomando bastante do meu tempo. Ela está doente, então eu mal posso sair do lado dela. — murmurou ela, convicta que não sabia mentir, muito menos elaborar uma história.

— Ah, entendo. — ele coçou a ponta do queixo dono de uma barbicha rala, pensativo. — Hinamori, você é tão boazinha! Gostaria de casar com uma garota como você. — juntou as mãos, mostrando um sorriso além do necessário.

— Fico lisonjeada... Quem sabe você encontra, não é? — ela retribuiu ao sorriso, seguindo um corredor. — Desculpe, agora eu tenho que conversar com o gerente. Até mais.

Deu passadas rápidas, quase correndo. Ficou aliviada de não senti-lo ao seu encalço, fungando em seu pescoço como sempre fazia quando estava distraída.

“Me espere, Shiro-chan... Eu estou indo.”

            O dia não estava tão agitado assim. Pelo menos pra uma pessoa.

Ichigo organizara alguns papéis, colocando-os dentro de uma pasta. Pegou um lápis e uma caneta. Devia ser o suficiente.

Os olhos mantiveram-se perspicazes, atentos ao deslocar dos ponteiros do relógio. 

O ruivo teria um compromisso diferente dos demais; mais importante. Ao seu ver, obviamente.   

— Ichigo! Está aí, Ichigo? — gritou Rukia, de sua sacada.

O rapaz parou de arrumar suas coisas, em dúvida se falava com garota ou não.

Optou por não ignorá-la.

— O que foi? Já estou indo. — respondeu em um grito, levantando-se da cama.

Ele puxou a cortina, em seguida, a porta de vidro, mostrando-se.

— Que cara é essa? Parece desanimado. — ela se debruçou na divisória metálica.

— Rukia, eu não tenho muito tempo, então seja breve. — ele girou a cabeça pro lado, bagunçando os cabelos alaranjados.

— Que azedo! — exclamou a pequena, mais sarcástica que séria. — Certo, certo... Você vai ver o show dos Thunders?

— Não. Tenho que fazer uma coisa hoje a tarde. — murmurou.

— Ah, que decepcionante. Pensei que fosse me ver. — suspirou, balançando a cabeça com desolação.

— Desculpe. — ele esticou um sorriso pouco convincente. — Tire algumas fotos pra depois me mostrar.

— Hm. — ela o analisou, intrigada. — Me diga, pra onde vai, Ichigo?

— Vou a uma seleção. Estão contratando jovens para trabalharem em lojas dentro daquele novo shopping que abriu a algumas quadras daqui. Não posso faltar. — explicou, até que paciente.

 — Compreendo. Sendo assim, eu não posso reclamar.

— Parece que não. — ele a fitou.

 — Estamos bastante estranhos, não? — sussurrou a pequena, com um semblante entristecido.

Ichigo desviou os olhos por uma fração de segundos, voltando-os para Rukia.

— Sinto que algo vai acontecer, só não sei o que é. — confidenciou — Algo com a força de um furacão. Isso me assusta.

— Desde quando você é perceptivo assim? — indagou a garota, usando um tom de surpresa.

Ele não respondeu. Esperou um comentário sério, embora soubesse que Rukia não brincara quando perguntara aquilo. Preferia não guardar como ofensa.

— Que tipo de pressentimento é esse? — questionou a morena.

— Eu não sei... Mas mudará tudo. — ele falou num timbre rouco e doloroso. 

— Ichigo...

— Seja o que for, ficaremos bem. — falou mesmo que mantivesse uma faísca de incerteza.

— Vamos sim. — ela assentiu, preocupada com o namorado.

— Enfim, tenho que ir. Bom show, Rukia. — acenou, sem mais delongas.

— Boa sorte, Ichigo. — rebateu em um murmúrio.

Ele fez qualquer sinal, sumindo ao entrar em seu quarto.

A pequena semicerrou os olhos, um tanto abatida.

— Rukia! Desça aqui! Já estamos de saída! — chamou Kaien com um de seus gritos mais potentes.

Rukia não se demorou. Podia pensar no que Ichigo havia lhe dito mais tarde.

Pegou a roupa, colocando-a cuidadosamente dentro de uma sacola. Decidiu vesti-la quando chegassem no pequeno camarim improvisado.

Matsumoto a ensinara técnicas eficientes de maquiagem. Não tinha com que se preocupar. Se sairia bem. Ela era uma boa aprendiza.

Em um segundo, aprontou tudo o que fosse precisar, saindo do quarto e descendo as escadas.

De imediato, ela se deparou com Kaien e Grimmjow discutindo sobre alguma coisa.

Aproximou-se mais, escutando o motivo da tal discussão.

— O que diabos você estava fazendo?! Lembra que temos um show importante hoje? — bradou Kaien, exasperado.

— Ah, não fique irritado. O que importa é que eu voltei. Não furaria o nosso show, pensei que soubesse disso. — falou Grimmjow, não entendendo toda aquela agressividade.

Geralmente, Kaien era calmo, mas parecia que o dia de hoje se colocou como uma exceção.

— Rukia, você demorou! — ele virou-se para a pequena, encarando-a como novo alvo de suas reclamações.

— Kaien, não me obrigue a usar uma fita adesiva na sua boca. — suspirou Hitsugaya.

— Ei, por que vocês ainda estão lerdeando? Eu já estou com o jipe aqui fora. — gritou Renji, apertando a buzina e, de repente, transformou o ambiente em um covil de gritos e discussões.

— Jipe? Não me diga que... — Rukia passou os olhos pelos supostos passageiros. Normalmente, um carro comum tinha vaga pra cinco pessoas. — O que vocês pensam que vão fazer? Somos sete! Não há espaço suficiente pra todos.

— Daremos um jeito. Agora ande, Kuchiki, antes que Kaien tenha um colapso. — retorquiu o grisalho, conduzindo-a até a entrada da residência.

— Rukia, fique no banco da frente. — mandou Kaien, jogando uma mochila na parte de trás do automóvel.

A morena assentiu.

Ficou se perguntando onde Renji arranjara aquele jipe... Nem ao menos se lembrava de tê-lo visto dirigindo qualquer automóvel.

Ela se acomodou no banco, passando o cinto ao redor de seu corpo.

Virou o rosto, vendo cinco dos Thunders se espremerem no banco de passageiro.

— Droga, você está com o cotovelo na minha cara, Grimmjow! — resmungava Toushirou, empurrando-o contra Ulquiorra.

— Eu preferia usar um ônibus... Acho que vou descer. — Ulquiorra pôs o pé pra fora do jipe, porém, foi logo puxado por Kaien.

— Não podemos arriscar de algum de nós chegar atrasado no show. Você vai ficar! Dê partida, Renji! — ordenou o moreno, caindo por cima de Grimmjow.

— Isso só pode ser um pesadelo! Vai pra lá. — o azulado rosnou, empurrando o corpo de Kaien contra Ulquiorra que fez o mesmo. — Ei, Ulquiorra, pare de empurrá-lo pra mim!

— Por que não faz o mesmo? — apesar da persistência, estava começando a perder para o azulado na força. 

— Vocês vão me matar desse jeito! — protestou Kaien, sentindo seus órgãos serem comprimidos de tantos apertões.

— Vocês reclamam demais. Fiquem quietos! Vou evitar avenidas que tenham patrulhas policiais... Desse jeito não teremos problemas. — Renji encaixou a chave, girando-a. — Vamos lá! — esticou um sorriso, pisando no acelerador.

O automóvel foi praticamente arrancado do chão. Os outros integrantes, por pouco, não caíram pra fora do veículo que no mínimo, era o tipo de carro menos apropriado para aquela situação.

— Você diz isso porque não é você quem está tendo os pulmões esmagados, Abarai.  — murmurou Hitsugaya, sem fôlego pra falar tão alto quanto os outros.

— Desculpe, não estou te ouvindo! — gritou Renji, com a excitação a lhe transbordar. Ele acelerou cada vez mais. Os pneus derraparam em algumas curvas. Estavam famintos por adrenalina e velocidade.   

— Renji! A velhinha! Olhe a velhinha! Você vai atropelá-la! — esperneou Rukia de olhos esbugalhados.

No ultimo momento, o jipe fez uma pequena curva, por pouco não atingindo uma senhora que atravessava.

Sem qualquer prudência, ele passou por uma lombada, usando-a como uma espécie de rampa que quase lhe deu asas.

— AHHHHHH! RENJI, SEU IDIOTA! — berrou Rukia, com o vento a chicotear seus cabelos. As mãos seguraram firmemente o cinto de segurança, como se ele fosse a sua vida ou pelo menos a garantia de que a manteria.

Os Thunders, por sua vez, não tiveram alternativa. Agarram-se uns aos outros, forçando o peso contra o carro, pra que assim não fossem lançados fora.

— Mas o que...! Dirija esse monte de lixo direito ou eu vou aí só pra arrancar a sua cabeça fora, Renji! — ameaçou Grimmjow, com as têmporas a nascerem pelos cantos da testa.

O automóvel aterrissou de maneira violenta e como Hitsugaya era, de fato, o mais leve, voou facilmente da sua pequena parte no assento.

Renji não havia dado ouvidos. Continuou a dirigir de modo desconexo, ziguezagueando como se estivesse em uma pista de esqui.

— T-Toushirou! — Kaien esticou o braço, segurando-o antes que fosse tarde demais.  

Os outros se juntaram na difícil tarefa de recolocar o garoto de volta no veiculo.

— AHHH! NÃO ME SOLTEM!!! — esperneou Hitsugaya, com as pernas estendidas no ar.

— HAHA! Um garoto pipa! — Grimmjow não conseguiu evitar a piada seguida de risadas.

Kaien deu-lhe uma cotovelada, reprovando sua brincadeira fora de hora.

— Esperem um pouco... Não estamos nos esquecendo de algo? — indagou Ulquiorra, segurando a respiração para não correr o risco de vomitar.

Ficaram em silêncio por demorados segundos, se entreolhando com espanto.

— HISAGI! — disseram em uníssono.

Nesse mesmo instante, alguma coisa puxou o pé de Grimmjow, apertando-o.

— Que merda é essa?! — ele chacoalhou as pernas, começando a pisotear qualquer que fosse aquilo abaixo de seus pés.

Eles ouviram um gemido penoso.

Ulquiorra espiou, se assustando com a imagem.

Aquele era Hisagi. Por algum motivo desconhecido, ele estava no chão do jipe, por cima de algumas mochilas.

— É o Hisagi. — respondeu o tecladista, conservando sua seriedade.

— Nem em um momento como esse você deixa de lado esse seu jeito repugnante de ser? — perguntou Grimmjow, entediado.

— EI! EU AINDA ESTOU AQUI, BANDO DE IMBECIS! COLOQUEM-ME PRA DENTRO, AGORA! — berrou Hitsugaya, quase certo que todo seu sangue tinha ido pros pés.   

Eles lhe deram um único e definitivo puxão.

O grisalho acabara caindo por cima de Hisagi que nem mais parecia um ser humano de tão empalidecido que estava.

— Como veio parar aqui, Shuuhei idiota? — interrogou o garoto, contundente como de costume. 

— Eu não lembro. — gemeu ele, os olhos entreabertos. — Quando me dei conta, já estava com os pés de vocês na minha cara... E ninguém me ouvia, ninguém...

— Levantem ele. Um pouco de ar fresco vai resolver essa cara de pateta. — Grimmjow apresentou a solução, sentindo seu espaço diminuir ao dar aquela maldita ideia.

— Por que estão deixando Renji dirigir? — interrogou Hisagi, com a voz fraca.

— Ele se disponibilizou a isso, Hisagi. Como ele alugou esse jipe, não vi problema nele conduzi-lo... Embora meu estômago diga o contrário. — resfolegou Kaien, não achando oxigênio suficiente para anular aquela sensação de mal-estar.

— Renji não tem carteira. — revelou o moreno, ainda entorpecido.

— O QUÊ?! — gritaram de uma só vez, chocados.

 — Hey, hey Renji! Olhe, tem duas viaturas da polícia nessa rua! Dê a volta! — apontou Rukia, temendo que ele fizesse mais uma de suas acrobacias malucas.

— Deixa comigo! — ele estalou um sorriso maroto, girando o volante por completo.

Os pneus derraparam no asfalto, fazendo uma curva barulhenta. O jipe se inclinou de maneira perigosa, ficando por duas rodas em uma rápida fração de tempo.

Por um segundo, só por um segundo, a pequena pressentiu que o carro fosse virar de vez, batendo em algum muro e matando a todos, mas, para o seu alivio, isso não aconteceu. Estavam salvos! 

Ela expirou e inspirou com dificuldade, o corpo trêmulo e a pele mais branca que o normal.

— Eu tenho um atalho que nos levará rapidinho para o centro. — falou Renji, livre da tensão que cada vez mais se acumulava em seus passageiros.

Enquanto isso, longe dali, Ichigo se dirigia até uma sala. Estava na segunda etapa de sua seleção.

Tinha sido cuidadoso na primeira fase, o que lhe garantiu um lugar nessa segunda etapa.

Tinha confiança em si mesmo. Seria um dos contratados, não restava dúvidas.

 Ele se sentou em uma cadeira, escutando atentamente as instruções que foram dadas minutos depois.

— Agora, vou separá-los em duplas. O objetivo dessa dinâmica é medir até onde a criatividade e capacidade de persuasão de cada um de vocês pode atingir. Passarei uma sacola com pedaços de papéis. Nesses papéis, estarão produtos inusitados que vocês terão que me convencer a comprar ou a pelo menos pensar em comprá-los. — o instrutor se localizou no meio do círculo formado por cadeiras, ficando assim, visível a todos. — Não há motivo pra nervosismo. Fiquem calmos e se concentrem. É uma tarefa simples e garanto que boa parte se sairá bem. Agora vamos as duplas... — ele puxou a prancheta, passando o dedo por uma lista. — Kusosaki Ichigo e Tachikawa Senna... Oh, que conveniente. Já estão sentados próximos um ao outro. — ele estendeu o saco defronte a Ichigo, esperando que o ruivo apanhasse algum papel.

O rapaz o fez e o instrutor se dirigiu a outras pessoas, anunciando as demais duplas.

— Que saco isso tudo... Bem, parece que seremos parceiros, Ichigo! Vamos nos esforçar. Espero que você não seja burro. — a garota ao lado iniciou, bastante atrevida.

Ichigo seguiu sua voz, girando a cabeça e fitando-a.

Senna não era alta. Mantinha os cabelos arroxeados presos em um rabo de cavalo, as mechas laterais se sobressaiam do prendedor, ficando a altura do queixo, agia como charme, juntamente a uma pequena franja que caia por cima de sua testa.

Os olhos, por outro lado, eram grandes e curiosos, cor de topázio... Tão vivos quanto o resto de seu semblante divertido, embora, no momento estivesse emburrado. 

— Burro? Eu não diria isso. Você não tem uma expressão muito esperta. — retrucou o rapaz, não acreditando como alguém podia ser tão insolente. Já estava resolvido. Iria descartar de simpatia para com aquela garota.

— Como é? Será mesmo que tenho que fazer dupla com você? — ela arqueou a sobrancelha, arrastando a voz.

— Bem, todas as duplas estão formadas. Não será aceito trocas entre os parceiros. — comunicou o instrutor, voltando a sentar em sua cadeira.

— Acho que isso é uma resposta. — Ichigo repuxou um sorriso sarcástico.

— Vamos ao que importa. — balançou a cabeça, mudando a expressão — Manda aí. Qual é o nosso produto. — ela sorriu, parecendo divertida.

— Um cavalo cego. — murmurou o ruivo.

Ela ficou em silêncio, colocando a mão no queixo.

— Que espécie de produto é esse?! Quem compraria uma droga de cavalo cego? — perguntou ela em voz alta, colocando as mãos na cabeça.

— Ei, não fale tão alto, sua idiota! — Ichigo também se exaltou, colocando a mão por cima da boca de Senna, tampando-a. — Você quer que ambos sejam desclassificados? Vamos bolar algo bem simples e criativo... Pessoas cegas tendem a ter uma audição e olfato mais apurados que as pessoas comuns. Com cavalos não pode ser diferente. Vamos levantar pontos positivos.

Senna mordeu a mão do ruivo, afastando-o.

— Argh! Maldita! Você me mordeu! — choramingou ele, prestes a enforcá-la com as próprias mãos.

— Pontos positivos? Só você está vendo eles... Esse é o pior produto do mundo! Eu não posso ser demitida! — ela encostou a cabeça na cadeira, deprimida.

— Você ainda não foi empregada, sua estranha... — sibilou Ichigo, franzindo o cenho.  

            A evitar um possível ataque cardíaco em massa, Renji finalmente conduzira o jipe até o destino da banda.

— Wow! Que incrível! Preciso dirigir mais vezes. — o ruivo soltou um longo assobio, agitando a ponta da camisa para que entrasse ar e ventilasse sua pele suada.

— Terra firme! Oh, terra firme! — Rukia se jogou pra fora do veículo, faltando pouco pra beijar o chão.

— Eu não sinto nada do pescoço pra baixo... — murmurou Hitsugaya, amassado no canto do jipe.

— O importante é que estamos aqui. — falou Kaien, olhando o grande palco que havia mandado montar nessas últimas semanas.

O deixara sob a supervisão de três seguranças que cuidaram de guardar o camarim construído por trás daquele palco. Nele, tinha guardado os instrumentos necessários com antecedência. Era reservado. Um lugar perfeito pra que se preparassem.

— Parem de moleza. Vamos. — ele se adiantou, animado, saltando fora do jipe.

Os outros o seguiram. As pessoas que atravessavam o centro, contemplavam o palco por alguns instantes, na esperança de possuírem alguma informação referente ao que iria acontecer.

Kaien não se demorou. Ele ergueu uma chave, levando-a e encaixando na fechadura do camarim.

— O que é aquela bola que está ligada a ferros em cima do palco? — indagou Rukia, apontando com o indicador.

— É uma besteira. — respondeu o moreno, sem detalhes.

Primeiramente, enfiou Rukia, mandando que esta trocasse de roupa atrás de uma velha cortina que servia como um tipo de provador. Enquanto isso, os garotos trataram de trocarem o figurino um na frente no outro. Não havia outra opção.

Kaien puxou a camisa, seus olhos caíram distraidamente na cortina que ocultava Rukia. Uma fraca luminária projetou a sombra de Rukia. Ela jogou o cabelo pro lado. De um modo atrapalhado, mas sensual, as roupas deslizavam por aquelas curvas delicadas.

O rosto do moreno ferveu. Sentiu-se como se estivesse no princípio de uma febre.

Ele engoliu em seco. Os lábios se tocaram, desprendendo-se mais uma vez.

Estava difícil controlar os pensamentos. Eles corroíam seus sentidos, sua razão.

Sua vontade era de entrar naquele provador e beijar Rukia, beijá-la até que se sentisse satisfeito, o que achava impossível... Aqueles lábios... Sonhava com eles quase toda noite.

O coração começou a bater dolorosamente. Aquela confusão de sentimentos lhe arrancava do chão, transportando-o pra algum lugar muito distante. Um lugar que até então tinha visitado sozinho.

Será que algum dia Rukia aceitaria vir com ele? A esse lugar tão particular, mas que só fora criado por causa dela?  

— Não era você que estava todo apressadinho? Ainda nem trocou de calça! — notou Renji, dando-lhe um leve empurrão. — Pare de sonhar acordado.

— Ah... Eu só me distraí! — saltou, sacudindo a cabeça. — Farei isso rápido.

— Ulquiorra está mais emo que o normal. Inaceitável. — grunhiu Grimmjow, num ar de desdém.

— Por que não torna nosso tempo e o oxigênio desse lugar mais proveitoso? Pare de falar. — rebateu Ulquiorra, indiferente.

— Parem vocês dois. — mandou Kaien, colocando a jaqueta. — Pronto, vamos começar com a música de abertura. O dueto. — ele bagunçou os cabelos espetados, fazendo alguns alongamentos estranhos. — Rukia, já está pronta?

A pequena puxou a cortina para o lado, andando até eles.

— Sim. Podemos ir. — murmurou.

Ele ficou boquiaberto. Ela estava exuberante. Uma beleza perfeitamente sombria.

— Bom trabalho, Rukia. Nunca pensei que você soubesse se maquiar. Sempre tão masculina... — analisou Renji, coçando o queixo com a ponta do dedo.

— Tolo! — rezingou a morena — Matsumoto-san me ensinou como usar maquiagem. Algo errado, Kaien-dono? Por que estamos demorando tanto?

— É-É... Vamos subir... — balbuciou, sem tirar os olhos dela. — Peguem seus instrumentos, pessoal.

— Uh! É agora. — Grimmjow estalou o pescoço e as pequenas falanges dos dedos, espantando qualquer tensão corporal. 

Eles saíram do camarim, todos devidamente caracterizados como estrelas do rock, prontos para o show que durante meses se tornou a maior espera de suas vidas.

— Rukia... Estou realmente feliz por ter você aqui. — reconheceu Kaien, andando ao seu lado, fitando-a com um olhar afetuoso. — Quero que fique aqui. Não apareça no palco até a hora em que você deve cantar, certo?

— Entendido, Kaien-dono. — não refutou a ordem. Confiava em suas decisões.   

Ele esboçou um sorriso, beijando-lhe na testa.

— Você está parecendo uma anjinha que resolveu virar gótica. — zombou, colocando sua franja de lado. — Até mais.

— Sem graça. — bufou a pequena, com um sorriso nos lábios.

Eles subiram. Ligaram os instrumentos aos devidos aparelhos, testando alguns acordes e recebendo a confirmação dos seguranças de que estava tudo bem.

— Muito bem, galera... Está na hora. Os Thunders voltaram. Vamos conquistar esse público. — Kaien agarrou o microfone, respirando fundo.

Fazia tempo que não se familiarizava com aquele objeto. Depositaria toda a sua esperança nele, na sua voz e no talento de todos os seus parceiros.

Kaien deu um sinal. Renji interceptou, iniciando a música com o tocar de um violão.

— Olá a todos de Karakura. Nós somos os Thunders. — comunicou e algumas pessoas se detiveram, intrigadas. — Não vou ficar falando sobre nós, mas, escutem, escutem com atenção e então nos conheçam.

— Nossa, que nada profundo. — murmurou Toushirou a Grimmjow que riu.

I wanted you to know. — Kaien iniciara a música, com voz mais apurada que costumava ter antigamente. — That I love the way you laugh, I wanna hold you high and steal your pain away… — ele fechara ambos os olhos, sentindo a emoção da letra, de como o tocava e o quanto gostaria dizer aquilo, de verdade, para Rukia. — I’m Keep your photograph and I know it serves me well, I wanna hold you high and steal your pain.

Rukia subiu, sedutora, as escadas do palco, levando consigo um microfone.

Cause I'm broken... — sua voz surgiu e acompanhou o timbre de Kaien como a mais bela sinfonia, aveludada, delicada, letal. — When I'm lonesome and I don't feel right

when you're gone away.

No momento em que Rukia ficara posta ao lado de Kaien, a bola que em outrora havia lhe despertado a curiosidade, se abriu.

De dentro saiu uma quantidade satisfatória de penas negras. Elas caíram, flutuando por determinados segundos até que dançassem e pousassem no chão do palco, dando um efeito autêntico a sua apresentação.

Eles se entreolharam com carinho. A mão de Rukia segurou a do vocalista, apertando-a enquanto prosseguiam com a música.

Rukia reluziu como uma verdadeira estrela, um talento natural. Assumiu-se no palco como alguém destemido, sem brechas para o tão pavoroso nervosismo.

As pessoas se encantaram.

— Olhem só? Não são os Thunders?! Ouvi falar que são incríveis! Que previlégio termos um show deles de graça. — Hinamori conseguira chegar ao local, não menos encantada que os demais, porém, se incumbira de uma tarefa pessoal e a seu ver, importante.

Andava de lugar a lugar, espalhando comentários e elogios que alagasse o interesse do público.    

As vozes de Kaien e Rukia se encaixavam, perfeitas... Como se fossem feitas uma para a outra, se completando.

Cantaram com emoção e isso, de certa forma, surpreendeu Kaien. Não sabia que Rukia guardava todo aquele potencial.

Estava admirado, encantado, entregue à pequena.

Ao fim da canção, ela se aproximou o bastante para causar uma alteração em seus batimentos cardíacos.

Encostou a testa a dele, soprando a última nota.

Ele a fitou, esquecendo de respirar.

— Obrigada por esse dueto, Kaien-dono. Obrigada por tudo. — ela agradeceu em um sussurro, longe do microfone.

Kaien limpou a garganta, sem palavras para rebatê-la.

Algumas pessoas que tinham assistido vibraram, presenteando-os com uma salva de palmas.

Ele piscou algumas vezes, voltando o rosto para seu pequeno público que crescia pouco a pouco.

— Obrigado, pessoal. Essa foi uma apresentação especial com a minha amiga Rukia. Uma música encantadora de Amy Lee junto a Seether. Por favor, uma salva de palmas para Rukia e a sua belíssima voz. — ele ergueu a delicada mão de Rukia, recebendo os aplausos requeridos.

Ela corou, ficando sem jeito.

— Boa sorte com o resto do show, Kaien-dono. Estarei assistindo. — sorriu, orgulhosa. — Obrigada, gente. Até a próxima! — a pequena acenou e eles lamentaram a sua saída.

— Ow, parece que vocês ficaram animados com a Rukia, não é? — brincou o moreno. — Bem, vamos lá.

A janela de uma limusine luxuosa estacionada próximo ao palco desceu.

Riruka pôs os olhos pra fora, tendo a certeza de como Kaien e os outros estavam se saindo bem.

— Sabe, eu havia pensado em tocar junto com eles. Oferecer a nossa banda. — murmurou de súbito, absorta em pensamentos.

— O quê? Mais uma decisão sem nos consultar? — suspirou Shinji, ajustando a boina na cabeça.

— O que a fez desistir dessa ideia, Riruka-san? — perguntou Kira, juntando-se a ela.  

— Kaien nunca me perdoaria. Ele quer voltar ao sucesso por si próprio. Se tocássemos com eles... Seria certo que nossos fãs assistiriam. Talvez os Thunders ficassem apagados.  — retrucou com um timbre lento e melancólico.

— Do que está falando? Esses caras podem ser melhores que nós. — proferiu Ikkaku e aquilo atraiu os olhos de Riruka. — Se tocássemos com eles, seria certo que nós quem ficaríamos ofuscados. — o careca repuxou um sorriso, dando uma longa tragada no cigarro entre os dedos.

A rosada arregalou as orbes. Estava certo, não havia porque subestimá-los.

— O que está fazendo, seu careca?! Eu já disse pra não fumar dentro do carro. Essa fumaça vai danificar a minha linda voz! — bradou ela, exasperada.

— Olhe, o público dos Thunders parece estar aumentando. — indicou Shinji.

Eles olharam através da janela, testemunhando o acúmulo inconstante de pessoas. Enquanto faziam compras ou simplesmente passavam, o som daquela banda os atraia como um feitiço em notas.

Aplaudiam, ficando a cada minuto um grau maior de agitação.

Alguns tinham tido a sensação de amor a primeira vista, enquanto que outra porção já os conhecia. Um tempo distante, é verdade, mas não puderam deixar de se surpreender. A banda mudara. Cresceu e evoluiu.

O objetivo tinha sido atingido.

— Malditos. Estão brilhando mais que o próprio sol. — sorriu Riruka, recostando no banco acolchoado da limusine. — Vamos embora. A noite parabenizamos eles.

— Por que já? Eu queria vê-los por mais tempo. — falou Yumichika num choramingo fingido.

— Se quer, saia do carro! — determinou Riruka, bufando.

— Ir para o hotel de repente me parece ser uma ideia melhor. — assentiu, com um sorriso amarelo.

— Vamos motorista! — a vocal estalou os dedos, autoritária.

— Eu não sou seu motorista. — suspirou Tsukishima, ligando o motor.

— Ah não? Suas mãos no volante me dizem o contrário. — esboçou um sorriso perverso.

O motorista não pudera acompanhá-los, então Tsukishima se encarregou de dirigir o carro já que parecia ser uma ocasião especial.

— É provisório. — não discutiu mais, tratando de levá-los de volta ao hotel.  

            Uma hora mais tarde, os Thunders tiveram um bom resultado.

A platéia já cheia, pediam por bis que foram atendidos em algumas vezes.

Como já estava anoitecendo, decidiram por encerrar o show. Estavam com a satisfação estampada na cara.

Rukia, por sua vez, não foi embora. Os esperou até que o show acabasse.

Eles desceram do palco alucinados, fora da terra.

— Tudo ocorreu perfeitamente bem. — comentou a pequena, presenteando-os com um de seus mais belos sorrisos.

— Nem me fale. Estou tão satisfeito! — exclamou Kaien com euforia, a respiração descompassada. — Você também foi espetacular, Rukia.

— Cara, vocês viram como eles gritavam os nossos nomes?! Foi hilariante! — uivou Grimmjow, ainda em processo de frenesi.

— Os Thunders voltaram! É isso aí! — gargalhou Renji, tagarelando um bocado de palavrões que talvez descrevessem melhor o que estava sentindo.

— Mandamos muito bem. Depois dessa, ninguém mais nos segura, maluco. — Hisagi fora o último a descer. As baquetas continuavam a vibrar em suas mãos, batendo em qualquer coisa, até mesmo nas costas de Ulquiorra.

— Foi legal quando vocês tocaram algumas das suas músicas antigas. O público foi às alturas. Cantaram em coro e tudo mais! — Rukia deu pequenas toalhas de rosto pra cada um, sendo a mais prestativa possível.

— Cigarro? — perguntou Renji, oferecendo o maço especialmente para Grimmjow.

— Não, eu não fumo mais. A gente vai se encontrar em casa, não é? Agora eu tenho que ir... Fiquei de resolver umas coisas com a Tatsuki. — Grimmjow sacudiu o cabelo molhado de suor, olhando o relógio de pulso.

Os integrantes se entreolharam, surpresos.

— Não fuma mais?! Tatsuki?! Você está com essa garota há algum tempo, não? Seria possível...? O grande Grimmjow indomável finalmente conheceu uma coleira?! — perguntou Renji, pasmo com a possibilidade.

— Pare com essas gracinhas, retardado. — ele sorriu, dando um empurrão no ruivo. — O que eu tenho a dizer é o seguinte: Agora, não só a música é o meu compromisso eterno. — Grimmjow deu as costas aos seus parceiros, acenando e correndo em direção a alguma rua.

— Acho que os milagres ainda podem acontecer. — sibilou Toushirou, vendo-o sumir.

— O show foi ótimo, mas agora eu também tenho que ir. Tenho alguns compromissos. Cuidem-se. — disse Ulquiorra, com um tanto de simpatia na voz.

— Espere, Ulquiorra. Você vai pra sua casa? — indagou Hisagi.

— Sim, por quê?

— Gosto de uma loja que fica próximo de onde você mora. Acho que vou comprar algumas coisas pra gente comer. Então eu vejo vocês mais tarde. Vou levar um monte de porcaria. Preparem os estômagos. — ele deu contados passos até o tecladista, colocando a mão por cima de seu ombro. — Ah, Kaien, vocês vão levar os instrumentos no jipe, não é?

— Sim. Vamos também mudar o antigo motorista. — respondeu o moreno, lançando um olhar desdenhoso para Renji.

— Então, vamos logo. — Ulquiorra soprou o ar, caminhando.

Hisagi o seguiu, não sem antes se despedir dos outros.  

— Só ficamos nós quatro. — observou Kaien.

— Kaien-dono, por que não tiramos uma foto de recordação? — propôs Rukia.

— Ah sim, alguém trouxe celular aí? — interrogou o moreno.

— Não fotos de celular. Foto de verdade. — ela balançou a cabeça, apontando com o indicador. — Olhe, aquele velho lá tira fotos e revela na hora.

— Puxa, no centro têm de tudo hein. — falou, lembrando que não tinham esse tipo de coisa no subúrbio que morava. — Parece uma boa ideia. Vamos, Renji, Toushirou.

Eles caminharam em rumo ao velhinho bigodudo. A câmera era velha, talvez do século XIX, mas suficientemente conservada.

— Senhor, poderia, por favor, nos fotografar? — pediu Rukia. 

— É claro, minha jovem. Por dinheiro eu faço quase tudo. — ele tossiu no que pareceu ser uma risada torta.

Eles fizeram uma careta, posicionando-se em frente a lente.

Colocaram os pequenos na frente, o que não agradou muito a Hitsugaya.

O senhor encaixou-se em um pano por trás da câmera, apertando um botão meio barulhento.

— Pronto. Aguardem só um minuto. — ele ajustou a câmera, esperando que a mesma processasse a imagem da foto.

Enquanto isso, Kaien puxou a carteira do bolso, passeando os dedos por algumas cédulas.

— Muito bem, aqui está. — entregou a pequena fotografia, recebendo o devido pagamento. — Obrigado.

— Obrigada também. — agradeceu Rukia, sondando a foto. — Ficou boa.

— Odeio tirar fotos. Não sou fotogênico. — resmungou Toushirou, sem interesse na fotografia.

— Me diga algo que você não odeie. — zombou Kaien, franzindo a testa.

— Vou comprar alguns sorvetes pra nós. Me acompanham? — indagou a morena.

— Não, não. Eu e o Hitsugaya vamos guardar os instrumentos no jipe. Estaremos esperando vocês. — Renji coçou a cabeça, parecendo estranho.

— Guarde sozinho, Abarai. Não lembro de ter dito que iria guardar os instrumentos. — contrapôs o grisalho, cruzando os braços.

Renji pousou a mão por cima dos cabelos de Toushirou, quase amassando sua cabeça.

— HAHA! Vamos sim, Hitsugaya. Preciso conversar a sós com você. — ele o puxou a força, afastando-se de Rukia e Kaien.

— Hey Abarai, qual o seu problema? Pare de me puxar!

— Que estranhos. — comentou Rukia, arqueando as sobrancelhas.

— Vai entender. — Kaien começou a andar, chamando Rukia com um aceno.

Próximo a eles, o motor de carro surrado e de tintura desgastada roncava, paciente.

O condutor os observava atentamente, com uma fagulha de ódio nos olhos. Ele mordiscou o lábio inferior, apertando os nós dos dedos no volante. Estava tenso, bastante tenso.

Tinha que fazer. Precisava fazer. Arrumara o carro para aquilo, não é? Não podia voltar atrás logo naquele momento.

Ele esticou os lábios em plena excitação. A realização de seu desejo. Poderia sentir a vingança confusa e azeda escorrer de seus poros, sumir.

Ele respirou fundo, jogando a cabeça pra trás. É isso. Era a hora. Oportunidade melhor não teria.

Sem relutância. Precisa limpar a mente e se concentrar no que o guiava naquele exato instante.

Não evitaria. Não, esse seria um bom golpe.

Acelerou o carro que urrou de fúria. Seguiu veloz, certeiro, extremamente barulhento e silencioso.

Foi rápido. Aconteceu em menos de uma fração de segundos e ao mesmo tempo tão lento, ao passo de uma lesma.

Kaien girou a cabeça e a única coisa que lhe brotou na mente foi salvar. Não sua própria vida, mas a vida de Rukia.

Um berro que não foi ouvido.

Os membros se estenderam além do espaço existente entre eles. Empurrou a desavisada que caiu a alguns metros para o lado.

Seu corpo serviu de escudo. De sacrifício.

Antes que o carro o acertasse, ele viu a pessoa e a pessoa o viu.

Ficaram conectados a uma outra dimensão, uma ligação entre os olhos esverdeados.  

Kaien sentiu que os seus arderam numa mescla de surpresa e decepção.

Shiba Takeshi, foi o que pensou, e num segundo, o carro colidiu. 

Foi um estrondo violento. Faminto por sangue.

O vidro quebrara e o vocalista fora lançado as alturas, como um boneco de papel.

O coração de Takeshi quase parou. Não era ele. Tinha errado o alvo.

Queria acertar Rukia. Esse seria o castigo por seu filho proibi-lo de espremê-lo em busca de dinheiro. Não Kaien. Não o seu filho.

O que tinha feito?

Não parou. O carro seguiu, violento. Não pôde olhar pra trás. Fugiu.

— KAIEN-DONO!!! — Rukia se deu conta do que acontecera. Seu grito foi estridente.

Kaien caiu abruptamente no chão. Não se mexeu.

Rukia rastejou até ele, as lágrimas a alagarem os olhos.

— Kaien... Kaien-dono! — resfolegou entre soluços apertados e incrédulos.

Renji e Hitsugaya miraram os olhos para ambos.

— Kaien! — gritou o pequeno, correndo em tropeços até eles.

— Kaien! — repetiu Renji, ao encalço de Toushirou.

Rukia tocou a mão de Kaien. Estava gelada. Quando menos percebeu, Kaien estava deitado em uma espessa cama de sangue que se alastrava por todo o chão.

A foto, tirada a pouco, caíra ao seu lado sendo manchada pelo sangue.

— Kaien-dono... Kaien-dono! Não! Por favor! — as lágrimas caíram sob o rosto do moreno.

Seus olhos opacos abriram, meio confusos, meio dormentes.

— Renji! Uma ambulância, rápido! — berrou Hitsugaya, se ajoelhando ao lado do amigo.

— Kaien! Fale comigo! Mantenha-se consciente! — ele não pôde evitar. As lágrimas também lhe vieram à tona, destruindo a expressão séria que construíra durante todos esses anos.   

— Ah... — Kaien tossiu. — Eu não consigo sentir meu corpo. — murmurou, a voz fraca e desconexa.

— ALÔ? EU PRECISO DE UMA AMBULÂNCIA. AGORA!!! — Renji estava trêmulo e nervoso, mal conseguia pensar.

— Como isso aconteceu? — perguntou Hitsugaya a Rukia.

— Não sei... Foi muito rápido. Um carro apareceu e atropelou ele... — explicou a pequena, chorando.

— Meu pai. — sibilou Kaien em um sopro.

— Foi aquele maldito? Desgraçado!!! — bradou Toushirou, desejando matá-lo.

— Kaien-dono... Por favor, Kaien-dono... Não se esforce, não se mexa. — clamou Rukia, com a voz cortada.

— Como acha que posso me mexer, Rukia? — ele curvou os lábios. — Minhas costelas devem estar todas fraturadas.

— Droga! Droga! Droga! — Toushirou esfregou os olhos. — Vai ficar tudo bem, Kaien!  

— Estou feliz. — acrescentou Kaien. — Não poderia ter uma morte melhor... Junto aos meus melhores amigos. — uma lágrima desceu de um dos olhos.

— Pare de falar bobagens, seu idiota! — grunhiu o grisalho.

— Toushirou... Me perdoe. — aquelas palavras soaram como uma estaca no peito do grisalho. — Por favor, segurem a minha mão.

Os dois pequenos dividiram a mão de Kaien, segurando-a enquanto tremiam.

Kaien moveu a íris para Rukia.

— Rukia. — soprou com pouco ar, o peitoral a arquejar com dificuldade. Não lhe restavam mais forças para emitir palavras.

A única imagem que ficou cravado em sua cabeça foram aqueles grandes olhos azuis. Olhos tão encantadores que agora transbordavam em lágrimas...

O ambiente foi se distorcendo, levando consigo o que havia de sonoro. Sua visão estava se apagando, fechando em uma cortina negra.

“No fim eu não pude dar uma família como havia prometido a Rukia... Que fraco. Enquanto eu não conseguisse cumprir essa promessa, não me senti a vontade pra dizer o quanto a amava e ainda amo... Amo mais que a mim mesmo... Fui tão idiota. A perdi.”

Refletiu em seu subconsciente. As lembranças rasgaram-lhe, preenchendo o que ainda restava de vazio naquele espaço. Viu, em flashs rápidos, os momentos mais memoráveis e preciosos que o seu coração guardava.  

“Toushirou... O nosso sonho, será que eu te dei o sonho daquele dia em que nos conhecemos? Eu espero que a Hinamori cuide bem de você.

Renji... Você pode se superar a cada dia, você tem talento... Espero que você nunca se esqueça disso. Fique junto aos outros...

D-Droga... Eu queria passar mais tempo com todos vocês... Não quero ir a um mundo onde não tenha os melhores amigos que já fiz na vida. Um mundo assim... Não, eu não quero existir em um mundo como esse.” 


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Notas finais do capítulo

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