Manchas escrita por Juliiet


Capítulo 41
Epílogo


Notas iniciais do capítulo

É aqui que Manchas acaba, pelo menos pra mim. Mas não precisa acabar pra vocês e é por isso que meus finais costumam ser abertos.
Talvez um dia role um bônus, mas não vou prometer nada.
Espero que gostem, foi um prazer ter vocês comigo.
Boa leitura.



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O dia estava ameno.

Isso surpreendeu a garota que agora entrava no trem, mas agradou-a imensamente. Era bom ver o sol sair em seu último dia ali.

Ela procurou por um assento vazio, o que não foi difícil, o vagão não estava cheio. Acabou sentando-se junto à janela na última fileira de bancos, onde podia ficar só com seus pensamentos.

Um sorriso brincava em seus lábios vez ou outra – lábios que ainda pareciam queimar do beijo que recebera antes de sair da escola, que ainda pareciam manter o gosto de outros lábios, que ela tentava, de algum modo, reter por mais alguns preciosos momentos – e seus olhos brilhavam com uma luz que não estava ali quando ela chegara naquela mesma estação, meses antes.

Ela tirou o casaco e o amassou para usá-lo como travesseiro. O trem começou a se mover vagarosamente e uma brisa gelada aliviou o calor que começava a fazer. Deixou seu rosto meio para fora da janela para senti-la melhor, fechando os olhos. Sem cabelos compridos no caminho, o vento acariciava perfeitamente sua pele. O trem começou a ficar mais rápido.

Ela quisera que as coisas fossem daquele jeito. E estava feliz por ter seguido com sua intuição. Algo lhe dizia que ela tinha que ir embora do lugar que lhe trouxera tanta dor e tanta cura sozinha. Do mesmo modo em que viera.

Bem, não exatamente do mesmo modo. Ainda lembrava da garota que havia chegado naquela cidade, quebrada como uma boneca de porcelana e tão frágil quanto. A garota que vestia uma capa de raiva e rebeldia para esconder seus sentimentos estilhaçados e um passado para o qual tinha medo de olhar. Hoje ela podia não estar inteira e forte como gostaria, mas estava lentamente se curando. Correndo atrás da luz que nunca mais abandonaria sua vida.

Abriu os olhos, deixando uma única lágrima escapar por eles enquanto seus lábios se curvavam num pequeno sorriso. Parecia que havia se passado tanto tempo. Sentia-se mais velha do que seus anos, mas não de uma maneira ruim. Sentia-se mais forte, mais madura, mais pronta para enfrentar o que quer que a vida quisesse colocar em seu caminho. Não tinha mais medo.

Abriu os olhos, lembrando-se de algo. Pegou a mochila e tirou dela uma pequena caixa. Na tampa havia seu nome escrito. Julieta. Dentro estavam cartas das pessoas que deixara para trás. Haviam-na proibido de ler até que estivesse fora da cidade, mas, apesar de ainda não ter saído, Julieta resolveu abri-las, seu espírito sempre um pouquinho rebelde.

E a cada palavra daqueles que ela aprendera a amar quando já nem se acreditava capaz disso mais lágrimas seguiam. Lágrimas de saudade e de felicidade. Eram como um sopro suave num ferimento aberto. Consolavam, mas faziam arder. Julieta ficava feliz com isso. Que as lembranças ardessem. Que doessem e machucassem.

Ela não daria às costas ao seu passado nunca mais. Não agora que percebera que precisava dele para ser quem era.

Segurou as cartas em seu peito, apertando-as contra o colar com o pingente que continuava usando – que nunca deixaria de usar – e olhou para trás pela janela. Para o lugar que estava deixando. Seu coração sabia que teria para sempre uma casa ali. Sabia que teria alguém que seria para sempre seu. E alguém que talvez não fosse ver de novo.

Uma curva quebrou a imagem da pequena estação e da cidade. Julieta voltou a se acomodar e a colocar a cabeça em seu casaco. E ainda com os sentimentos daqueles que amava nas mãos, não demorou a cair no sono.


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Notas finais do capítulo

Talvez essas notas sejam maiores do que o capítulo em si, mas vocês não precisam ler. É mais pra mim que pra vocês, é só uma coisa que tenho que fazer.
Eu comecei a escrever a primeira versão de Manchas há pouco menos de 10 anos (sim, é uma ideia muito velha!), quando conheci uma garota na minha sala da Cultura Inglesa. Talvez amor à primeira vista não exista, mas eu posso dizer que já tive uma amizade à primeira vista.
Ela foi uma amiga como eu nunca tive antes. Uma amiga completa. Eu tinha vários amigos, mas nunca podia ser tudo de mim com eles. Era como se eu precisasse ser um lado meu com cada um, mas nunca tudo ao mesmo tempo. E ela era a única pessoa com a qual eu podia ser tudo o que sou e de quem eu nunca escondia nada.
Mas o que ela tem a ver com Manchas?
Eu comecei a escrever essa história por causa dela. Antes eu escrevia, mas só contos e poesia (man, eu era muito ruim em poesia, senhor). E ela escrevia, então nós começamos a criar histórias e uma ajudava a outra e era incrível. Passávamos noites inteiras conversando sobre isso - e sobre tudo.
O grande problema, pra mim, é que essa minha amiga tinha zero confiança em si mesma, estava sempre se colocando pra baixo e deixando todo mundo, inclusive a própria família, passar por cima das suas vontades. Eu sempre fui diferente e não conseguia aceitar a passividade dela, então vivia brigando com ela, tentando fazer com que ela parasse de deixar que as outras pessoas tratassem ela como quisessem - sem perceber que eu mesma estava tentando impor minha vontade.
Eu era muito dura com ela. Talvez fizesse mais mal que bem.
Então a família dela se mudou e, sempre que eu podia, eu ia passar as férias com ela - e nunca queria voltar, eu adorava a companhia dela, mesmo que fôssemos quase opostos.
Enquanto ela era esforçada e estudiosa, eu estava acostumada a conseguir as coisas com charme e sorte. E, principalmente no vestibular, ela começou a se matar de estudar enquanto eu ficava reclamando por atenção. Eu me saía bem nas coisas que fazia e estava feliz com isso, mas ela...ela queria a perfeição.
Por motivos que não vou falar aqui, até porque não saberia explicá-los, hoje nós já não nos falamos, apesar de agora morarmos praticamente na mesma cidade. Muito tem a ver com meu orgulho, muito tem a ver com ela mesma e coisas que eu nunca entendi. Passei muito tempo querendo entender, esperando explicações.
E esse tempo de espera terminou, porque, com o fim de Manchas, eu sinto que é o fim de qualquer resquício da amizade mais linda que eu tive na vida. Esse é meu último laço com ela e eu não vou mais me prender a algo que sei que não existe mais. Agora eu sei que acabou.
E posso seguir em frente.