Manchas escrita por Juliiet


Capítulo 38
Capítulo 37


Notas iniciais do capítulo

Hey, leitores, tudo bem?
Sim, faz quase 3 meses que eu não apareço por aqui e eu sinto MUITO por isso. Mas terminar essa história não tá sendo fácil, eu espero que vocês me perdoem e aguentem apenas mais um pouquinho. Estamos chegando no final já.
Esse capítulo foi meio estressante, mas espero que vocês gostem.
Um agradecimento especial pra Senhorita Cici e pra Dreams of a Witch, pelas recomendações, e também pra todo mundo que não desistiu de mim (yey!) e ficou esperando pela atualização. Eu resolvi postar logo, porque faz mto tempo desde a última atualização, mas eu ainda vou responder aos reviews do último capítulo, não se preocupem.
Bom, boa leitura.



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– Fala de novo – Paulo mandou, a voz rouca.

Eu engoli e disse:

– Eu te amo.

– De novo.

– Eu te amo. Eu te amo. Eu te a –

Seus lábios me calaram. Eu fechei os olhos e me entreguei ao beijo, esquecendo tudo ao meu redor. Talvez fosse por isso que eu não mentia, por isso que eu realmente o amava. Porque minha vida era uma bagunça e seus beijos me faziam esquecer de tudo. Em seus braços eu não era Julieta Vaughan nem Julieta Trenton. Eu nem era Julieta. Eu era apenas uma garota. E Paulo era apenas um garoto. E, por acaso, essa garota e esse garoto estavam apaixonados um pelo outro.

– Obrigado – ele falou em meus lábios, seu hálito quente arrepiando minha pele. – Obrigado.

Eu sorri, ainda de olhos fechados.

– Por que você está me agradecendo? – perguntei. – Por te amar?

Ele não falou nada e eu abri os olhos para ver as lágrimas cortando seu rosto. O ar pareceu preso em meus pulmões por um segundo e então ele sorriu, me puxou para seus braços e me abraçou forte, uma de suas mãos enterrada em meus cabelos, apertando meus fios delicadamente entre seus dedos.

– Não... – ele sussurrou em meu ouvido. – Eu...eu não sei, eu só...obrigado.

Passei meus braços por seus ombros e o apertei mais contra mim, se é que isso era possível.

– Não agradeça. Não é como se eu fizesse de propósito.

Ele riu, mas mesmo que eu não pudesse vê-lo, sabia que ainda estava chorando.

– Você é realmente insuportável.

– E você me ama – retruquei.

Ele me afastou para me olhar, suas mãos segurando meu rosto com firmeza e suavidade, seus dedos acariciando minhas bochechas.

– Sim. E você me ama de volta – seus olhos brilhavam com pequeninas lágrimas, ainda mais bonitos do que sempre foram.

– Você sabe que sim.

E eu voltei a beijá-lo, sentindo o gosto salgado das lágrimas que haviam escorrido até seus lábios, esperando que eu pudesse ser algum alívio para ele, esperando que eu pudesse ser o suficiente para diminuir sua dor.

Paulo e eu dormimos juntos em sua cama naquela noite. Ele iria para casa no dia seguinte, para ficar junto de sua família nesse momento horrível de suas vidas, e eu queria aproveitar meus últimos momentos com ele da melhor maneira possível. Passei a noite inteira com seu braço em volta da minha cintura e seu rosto em meu pescoço, como se ele também não suportasse a ideia de me deixar ir.

A verdade era que eu queria estar com ele naquele momento, mas achava que ele ficaria melhor sem mim. Eu não queria me intrometer num problema de família, quando eles precisavam ficar mais unidos. Exatamente como minha família não ficou.

Mas eu acreditava que a de Paulo seria diferente. Eles eram diferentes. Mesmo aquele irmão idiota dele, o Victor. Eu tinha esperanças para todos eles. E para Paulo e eu, porque, em vários momentos durante a noite, eu acordei com a voz sussurrada dele dizendo que me amava. Eu não sabia se ele estava acordado ou não, mas respondi todas as vezes.

– Eu te amo, meu monitor fascista.

...

Manhã de domingo. A primeira que eu fui convencida a comparecer à missa. Nem foi tão difícil assim me convencer. Apesar de eu não saber se acreditava ou não em vida após a morte ou em alguma força superior, Paulo acreditava. Ele era o bom menino por completo e minha mãe teria gostado dele. Bom, eu supunha que devia ser um consolo acreditar nessas coisas, acreditar que a vida não acabava aqui e que um dia nossos pecados seriam perdoados. Em especial, eu gostaria de acreditar que poderia ver minha irmãzinha novamente, e que ela vivia num lugar melhor.

Saí antes para ir para o meu dormitório. Precisava tomar banho, trocar de roupa e ter cuidado para não ser pega saindo do dormitório masculino. Além disso, queria ver se conseguia falar com Luma antes que ela saísse.

Não tive tanta sorte. Apesar de ser obscenamente cedo quando cheguei ao meu quarto, Luma não estava mais lá. Dei de ombros, poderia falar com ela uma outra hora, e fui tomar meu banho. Vesti-me com um dos vestidos que havia comprado com Gabe no que parecia ter sido séculos atrás, o azul. Pensar nisso me fez lembrar da cena que havia visto entre Gabe e Bianca e em como ele fora grosso comigo depois. Mordi os lábios, pensando no que podia ter acontecido e tentando ignorar a pontada de dor que isso me trazia. Eu nunca havia sido do tipo ciumenta, mas sentia algo parecido a posse quando pensava em Gabe. Sim, era ridículo e eu me sentia patética apenas por admitir isso para mim mesma, mas não conseguia evitar sentir aquilo. Eu não o queria perto de Bianca, eu nem conseguia imaginar o porquê, mas não queria.

Ele era meu amigo, eu deveria querer que ele fosse feliz. Que tivesse amigos e encontrasse alguém que o amasse como ele queria ser amado.

Mas algo me dizia que Bianca dificilmente seria aquela pessoa.

Balancei a cabeça, eu não deveria pensar aquelas coisas da minha própria irmã, mas me sentia estranha desde que ela chegara, quase como...como se ela quisesse fazer algo ruim para mim.

Bom, ela meio que já tinha feito. Meu corpo dolorido ainda lembrava da briga da noite anterior. E, tudo bem que havia sido minha própria estupidez e não totalmente culpa de Bianca, mas eu tinha acabado brigando com Luma também.

Um pensamento escuro passou rapidamente pela minha cabeça, mas eu logo o descartei. Bianca não estava aqui quando eu fui acusada de atirar uma pedra em Willa nem quando picharam o muro da escola. Ela estava bem longe, então não podia ter sido ela.

Mais uma vez, balancei a cabeça. Talvez Paulo estivesse certo e eu estivesse realmente com algum complexo de perseguição.

Era uma daquelas manhãs congelantes, então coloquei botas e um sobretudo por cima do vestido, mas não consegui me forçar a vestir uma meia calça. Sequei o cabelo com o secador de Luma e o penteei com os dedos, deixando minhas madeixas recém-cortadas soltas e onduladas em meus ombros.

Depois de pronta, saí do dormitório e percebi que, apesar de muitas das garotas terem ido embora para suas casas, a grande maioria que ficara parecia que ia assistir à missa. Gabe me dissera uma vez que quase todos os alunos que ficavam na escola nos fins de semana iam, mas eu não tinha acreditado muito. Acordar cedo num domingo? Eu teria dado um jeito de me livrar, como fizera até agora.

Fui em direção à capela, que parecia já estar cheia de estudantes e tentei achar Paulo, Gabe ou Luma quando cheguei, mas o padre mandou todos se sentarem e só consegui achar um lugar num banco bem atrás, no meio de duas garotas que pareciam do primeiro ano e que ficavam me olhando como se eu fosse queimar a qualquer momento, a própria filha do diabo pisando em solo consagrado.

– E hoje peço que nossas orações sejam todas para a jovem Willa Becker – começou o padre. – Que ela estava bem e segura, e que volte logo para a companhia dos que a amam.

Eu não sabia rezar. A verdade era que minha família nunca havia sido muito religiosa e meus pais não haviam exatamente me criado em uma específica. Mas meu avô – antes de sumir no mundo – uma vez me disse que rezar era meio que como conversar com alguém, um alguém que não estava presente fisicamente.

Bom, eu não me sentia confortável conversando com um Deus que eu não conhecia, então, em vez disso, dentro da minha cabeça, eu conversei com Sofia. Sim, podia ser estranho, mas se ela estava realmente em algum Céu ou Paraíso e Deus realmente existisse, ela podia entregar minha mensagem, não é? Não que fosse algo realmente importante, afinal, eu não era uma pessoa muito profunda para essas coisas.

Sofia, eu me lembro de você todos os dias. Mas não como antes, não com a dor de antes. Agora tento ser feliz por você. Por mim. E essa garota que sumiu, bom, ela pode ser um saco, mas espero que ela esteja bem. E se você por acaso esbarrar com o irmão do Paulo por aí, mande um oi por mim. Não acho que rezar seja como pedir um desejo, mas vejo que as pessoas realmente pedem coisas, então se eu puder pedir algo, acho que seria que Paulo e sua família consigam se recuperar depois de perder alguém que amavam. Eu conheço essa dor e sei que ela nunca vai embora, então só peço que eles consigam viver com ela. E acho que também devia pedir que Willa apareça, bem e saudável. Espero realmente que ela tenha fugido com um motoqueiro gostoso, então, quando ela voltar, seus pais a trancarão no seu quarto pelo resto do século por assustá-los desse jeito.

Eu posso não saber de muita coisa nessa vida, mas eu sei que, se existir um Céu, você está nele. Então espero que realmente exista, porque se tem alguém que eu gostaria que tivesse a felicidade eterna, esse alguém é você. Talvez eu só esteja falando sozinha dentro da minha cabeça como uma pessoa que precisa de tratamento psiquiátrico, mas gostaria de poder acreditar que...onde quer que você esteja, minha voz pode te alcançar. Meu amor pode te alcançar. Você sempre vai ser minha irmãzinha.

– Eu te amo – murmurei baixinho, fazendo uma das garotas ao meu lado me olhar confusa. Corei um pouco por ser pega falando sozinha, mas a ignorei e tentei prestar atenção às palavras do padre.

A missa demorou menos do que eu teria imaginado e logo todos estavam se dirigindo à saída. Fiz o mesmo e fiquei lá fora, esperando para ver se encontrava algum dos meus amigos ou Paulo. Queria vê-lo uma última vez antes que ele fosse para casa.

Luma foi a primeira que vi, descendo as escadas da capela com o bonito e recém pintado cabelo preso desajeitadamente. Ela tinha lágrimas nos grandes olhos azuis e havia parado para olhar atentamente alguma coisa em seu celular. Eu já estava indo em sua direção quando Paulo saiu da capela acompanhado por Victor e passou um braço pelos ombros estreitos de Luma, que parecia que começaria a soluçar a qualquer momento.

Foi então que percebi que as pessoas estavam me encarando mais do que o usual. A maioria me lançava olhares hostis, mas alguns pareciam estar se divertindo. Franzi o cenho e voltei a concentrar minha atenção em Paulo e Luma. Foi quando ele levantou o rosto e encontrou meu olhar. Sua expressão era contrariada, zangada até. Eu comecei a ir até eles, sem ter ideia do que podia ter acontecido naquele mínimo espaço de tempo em que tínhamos ficado separados. Eu não lembrava de nada que eu pudesse ter feito para fazê-lo me olhar assim, não quando nós tínhamos nos despedidos com um “eu te amo” natural da parte dele e novo para mim, mas que parecia soar tão certo que eu nem ficava mais tão assustada por dizer.

Quando eu estava a dois degraus de distância, Luma também levantou o rosto e me viu, e eu pude ver que ela estava chorando pra valer. Parei abruptamente, surpresa por vê-la assim e imaginando que era por causa de Willa. Mas então ela cortou a distância entre nós e me olhou com mágoa e dor quando disse, a voz entrecortada pelas lágrimas:

– Eu posso perdoá-la por não gostar de mim e até por ter feito isso. Mas não depois de ter fingido ser minha amiga. Não posso perdoar você por ter fingido que se importava, por ter me feito acreditar que era minha amiga. Isso foi baixo, Vaughan, mesmo para você.

E antes que eu pudesse falar qualquer coisa, antes mesmo que eu pudesse processar o que havia acabado de escutar, ela passou por mim, esbarrando com força no meu ombro e foi quase correndo em direção ao dormitório.

Que merda foi aquela?

Minha cabeça ainda estava lenta por estar em seu normal estado semi catatônico por eu estar acordada numa manhã de domingo e, para completar, eu não tinha a menor ideia sobre o que Luma estava falando nem porque estava com tanta raiva de mim. O que eu havia feito, afinal? Era apenas por causa de minhas palavras ácidas do dia anterior? Não podia ser, eu estava certa de que ela aceitaria minhas desculpas, perceberia que aquelas palavras foram ditas num momento de raiva e frustração, mas...

Uma mão rodeou meu braço e me puxou para longe da pequena multidão de alunos que ainda estava formada na frente da capela.

– O que... – comecei, virando-me para ver quem estava me manuseando bruscamente daquele jeito.

– Precisamos conversar, Julieta – Paulo falou com voz dura e sem olhar para mim, ainda puxando-me pelo braço.

– Eu não sabia que para conversarmos você precisaria arrancar meu braço – resmunguei, puxando o dito braço da mão dele, que o soltou e parou de costas para mim, passando os dedos furiosamente pelo cabelo.

Percebi que estávamos a uma distância razoável da capela e das outras pessoas. Ainda visíveis, mas ninguém poderia nos escutar. Estávamos na entrada da mini floresta particular que aquela escola tinha a cara de pau de chamar de “bosque” e eu podia jurar que já tínhamos estado naquele ponto exato antes. No que parecia que havia sido há um milhão de anos, quando eu pulara o jantar para vagar sozinha e pensar sobre minha miséria, na primeira semana de aulas, e fui emboscada pelo, então odiado, monitor.

– Você simplesmente não sabe quando parar, não é? – Paulo falou, finalmente se virando para me encarar com olhos cansados e magoados.

Eu estava totalmente paralisada com aquilo. Do que diabo ele estava falando?

– Eu não sei o que você quer dizer com isso – respondi no que fiquei contente por ser uma voz normal e pacífica, não a voz aguda e ligeiramente desesperada que soava em minha cabeça dizendo que alguma coisa estava muito errada por ali.

Minha consciência era campeã em notar coisas realmente óbvias.

Paulo parecia tão desapontado comigo que era até difícil encarar seus olhos e, embora eu não tivesse a menor ideia do que pudesse ter feito para merecer aquele olhar, ele era tão bom que eu já estava começando até a sentir culpa.

Por algo que eu nem sabia o que era.

Boa, Julieta.

– Se esta foi sua ideia de uma brincadeira, só vou dizer que não teve graça nenhuma – Paulo falou, sua voz dura e ao mesmo tempo cheia de mágoa para combinar com o olhar. – Mas se você fez isso pra machucar deliberadamente uma das minhas melhores amigas...

– Do que você está falando? – perguntei, mas daria no mesmo não ter falado nada, porque fui sumariamente ignorada por um namorado que estava começando a extinguir minha paciência.

– Eu podia perdoá-la por isso em qualquer momento, ainda que fosse ficar chateado, mas não nesse, Julieta. Você acha que Luma já não tem o bastante na cabeça com tudo o que está acontecendo? Com Willa? E eu ainda nem lhe falei sobre o meu irmão e, caso você não saiba, ela é amiga da nossa família há anos e o conheceu a vida inteira. Isso já é o bastante para lidar sem suas brincadeiras cruéis.

Ok, minha paciência estava oficialmente acabada.

– Eu vou perguntar uma última vez antes de ficar realmente violenta aqui – avisei, fechando os olhos por um segundo e respirando fundo para tentar acessar minhas reservas extras de paciência. Não deu certo. – De. Que. Porra. Você. Está. Falando?

Paulo bufou.

– Como se você não soubesse – disse, mas me entregou seu celular mesmo assim.

Percebi que era um e-mail. Nossa, e-mails ainda existiam? Mas não só existiam como eu tinha um, apenas não o usava. Bem, até o que parecia ser cinco e vinte e três daquela manhã, quando eu havia enviado um e-mail para basicamente a escola inteira. E o conteúdo era...tudo o que eu havia escrito sobre Luma ter sido trocada por um dos garotos mais populares da escola, descartada como um lenço de papel velho e sujo. Enfim, a leitura toda era bastante suja e debochada, escrita como se fosse uma espécie de “reportagem” e falando sobre a garota em questão em termos tão baixos que eu me envergonhava apenas por ler aquilo.

E por saber que eu tinha escrito.

Sim, havia sido na época em que eu achava que Luma era a cria do Satã e ela não era exatamente a pessoa mais gentil do mundo comigo, para usar um eufemismo. Então eu havia escrito aquilo depois de haver escutado sua conversa com Willa depois da aula de dança. Mas eu havia totalmente esquecido daquilo há séculos. E eu com certeza não enviara nada daquilo para ninguém, principalmente porque eu não pensava mais em Luma daquela maneira. Ela era...

Ela era minha amiga agora.

– Paulo – eu comecei, olhando-o seriamente, embora sentisse que meus olhos estavam arregalados em meu rosto. – Não fui eu. Quer dizer, eu escrevi isso...

– Quem você vai culpar agora, Julieta? Você por acaso tem dupla personalidade?

– Você quer fazer o favor de me escutar?!

E foi aí que ele ficou calado, apenas me olhando com aquela expressão reprovadora e aquela maldita sobrancelha arqueada.

– Eu escrevi isso, mas não mandei pra ninguém! Eu juro!

Paulo não parecia convencido. Seus olhos continuavam opacos com decepção, seu cenho franzido fazendo-me ter vontade de alisar a pele com meus dedos.

– Esse e-mail é seu? – perguntou.

– Mais alguém tem sua senha?

Neguei e ele balançou a cabeça.

– Mas eu estou falando a verdade, não fui eu quem enviou isso! – insisti.

– Eu gostaria de acreditar em você, Julieta, de verdade.

– Então acredite!

Ele voltou a balançar a cabeça.

– Mesmo que alguém tivesse conseguido sua senha, se você diz que não mandou isso pra ninguém, como teriam conseguido o arquivo? – perguntou, como se estivesse se esforçando pra montar uma possibilidade lógica em sua cabeça, qualquer coisa para não me culpar.

Mas eu não sabia como ajudar. Eu não tinha ideia do que havia acontecido ou como aquela porcaria que eu havia escrito há séculos tinha aparecido assim.

– Estava no meu computador – foi só o que eu respondi. E o computador estava no meu quarto.

– Julieta, você voltou cedo o bastante para o seu quarto para ter tempo de enviar isso – Paulo disse, sua voz ficando cada vez mais calma. E mais fria. – A única outra pessoa no seu quarto agora é Luma. Você acha que ela teria feito isso consigo mesma?

Não. E, mesmo que a resposta fosse sim, ela não sabia minha senha. Ninguém sabia.

– Você vê o que isso parece?

Sim, eu via. Mas se Paulo acreditasse em mim. Se só ele acreditasse em mim...

– Não fui eu – voltei a dizer, baixinho.

– Não é o bastante – sua voz soava cansada agora. – E eu não tenho tempo para lidar com isso agora. Minha mãe está me esperando e eu preciso ir pra casa.

– Mas..

– Agora não, Julieta, por favor – e essas foram suas últimas palavras para mim antes de me dar as costas e ir embora sem olhar para trás.

Ele simplesmente foi embora. E eu não pude dizer tudo o que queria. Como eu sentia muito por tudo o que havia acontecido com seu irmão e como eu o amava. Talvez eu tivesse demorado a dizer, mas era verdade. Era a maior verdade na minha vida naquele momento.

– Não fui eu – sussurrei pateticamente mesmo depois que ele já tinha ido.

Eu teria aguentado que qualquer pessoa fosse embora daquele jeito. Doeria se fosse Gabe, por exemplo, mas eu não me sentiria tão destruída. Eu confiara em Paulo mais do que já tinha confiado em alguém. Ele fora a primeira pessoa para quem eu havia dito “eu te amo” desde que minha irmãzinha morrera. Eu o seguiria cegamente para qualquer lugar; eu confiava nele.

E descobrir que ele não confiava, que não acreditava em mim...era como se meu coração fosse novamente de vidro. Tão frágil que se quebraria se alguém o apertasse forte demais.

Eu estava com medo de começar a chorar ali, onde qualquer um podia me ver, mas estava com medo de ir para o meu quarto e me deparar com Luma. Eu queria explicar as coisas para ela, dizer que não havia sido eu que fizera aquilo. Eu não havia fingido, eu realmente a considerava uma amiga e cada momento que havíamos passado juntas, principalmente nos últimos dias, me fez perceber que amigos eram sim um dos bens mais preciosos de uma pessoa.

Ela era preciosa para mim.

Mas eu não tinha certeza se aguentaria ver outra pessoa que não acreditava em nada do que eu dizia.

Acabei indo mesmo assim, apenas porque não sabia para onde ir ou que fazer. Não devia ter me preocupado porque Luma não estava lá quando eu cheguei. Eu não queria ir tomar o café da manhã e ter todo mundo me olhando como se fosse a primeira semana de aula de novo. Sabia que não devia me importar com o que pessoas que eu mal conhecia pensavam, mas não queria que eles acreditassem que eu humilhara deliberadamente uma amiga. Luma era tão vaidosa, tão orgulhosa...era como ela era e eu sabia disso antes mesmo de me aproximar dela e por isso soubera instintivamente que aquilo a machucaria, por isso havia escrito. Eu queria machucá-la na época. Não mais.

Cacei uma barra de cereal vencida na minha mochila e a engoli sem sentir o gosto. Minha expressão devia ser a de alguém prestes a chorar, mas eu segurava as lágrimas. Eu podia consertar aquilo, havia sido apenas um mal entendido, não havia razão para chorar. E enquanto eu dizia isso a mim mesma como se fosse um mantra, eu via, em minha cabeça, as costas de Paulo enquanto ele ia embora, sem sequer me dar o benefício da dúvida.

Sem me dar um beijo de despedida.

Suspirei, querendo-o odiá-lo por um minuto inteiro, mas falhando a cada tentativa. Quem era ele para me tratar daquele jeito? Quem havia lhe dado o direito de não confiar em mim? O que raios ele estava pensando? Aquele babaca, tirano, idiota, insensível...

Eu podia xingá-lo o quanto quisesse. Eu ainda queria ele de volta, ao meu alcance; queria beijá-lo e dizer infinitas vezes que eu o amava. Eu queria consolá-lo e estar ao seu lado agora que ele estava tão machucado.

Não era como se eu não estivesse totalmente arrasada e irada com ele por ser um babaca completo e não acreditar em mim, eu estava. Mas eu não conseguia esquecer que ele estava passando pelo pior momento da sua vida e...

Eu não sabia de mais nada. Não sabia se estava furiosa ou magoada. Se iria correr para os seus braços se o visse ou lhe daria um chute na canela. Eu só sabia que, qualquer das opções, uma coisa era a mesma. Eu queria que ele estivesse ali agora.

– Eu não sei se sou estúpida ou se você que é – murmurei, jogando-me de costas na cama.

Não foi uma surpresa eu acabar adormecendo. Era domingo de manhã, o que claramente não era meu elemento, e a coisa natural para se estar fazendo era dormir.

Sonhei com beijos e despedidas. Com sombras que me faziam mal, mas cujos rostos eu nunca conseguia enxergar. Sonhei que o rosto de Bianca se transformava no de Sofia, as mudanças sutis em suas aparências claras como cristal para mim, como não haviam sido no passado. Acordei assustada, suando em meu vestido, completamente sozinha. Não havia sinal nenhum de que Luma tivesse retornado. Respirei fundo algumas vezes e cavei as horas no meu celular. Passava um pouco da hora do almoço, mas se eu me apressasse, talvez ainda conseguisse comer alguma coisa, e eu estava faminta.

Percebi que estava chovendo lá fora, o barulho de água na minha janela sendo o que provavelmente havia me acordado. Troquei meu vestido por jeans folgados, moletom e botas. Prendi o cabelo num rabo de cavalo desajeitado como sempre, sem vontade nenhuma de sair do quarto, mas sabendo que minhas barras de cereal vencidas haviam acabado. Onde estaria Luma agora? Onde estaria Paulo? Como ele estaria? Sendo forte por sua mãe e seus irmãos menores, como eu suspeitava? Se sim, quem seria forte por ele?

Balancei a cabeça, tentando esquecê-lo por um tempo, sem sucesso. Peguei uma capa de chuva e fui para fora do dormitório silencioso. Talvez eu não estivesse tão atrasada assim, se todos ainda estavam no refeitório. Ou provavelmente a chuva pegara todos fora de guarda e as meninas não queriam molhar o cabelo para voltar para seus quartos ou algo assim. Não seria novidade.

Meu celular vibrou no bolso da minha calça antes que eu pudesse colocar um pé para fora do hall do dormitório. Pensando que fosse Paulo ou Luma, eu o peguei tão rapidamente que ele acabou escorregando da minha mão e caindo no chão. Xingando, resgatei-o do chão, percebendo que a tela rachara. E que não era Paulo nem Luma. Era uma mensagem de Gabe.

Irritada, pensei em ignorá-lo e transferir minha raiva para o moreno. Mas, apesar de também estar ligeiramente chateada com ele, seria simplesmente infantil fazer aquilo, então abri a mensagem e li.

Gabe implorava para que eu fosse para o chalé. “Estou machucado”, ele escrevera, “tropecei numa raiz no caminho para cá e acho que torci o pé. Não consigo andar, Julieta, por favor, me ajuda”.

Meu coração falhou uma batida. Ele estava machucado. O que diabos aquele menino estava indo fazer no meio daquele matagal com aquela chuva? Estava pintando de novo? Eu sabia que ele gostava de ir lá para pintar...bom, não importava o que ele estava fazendo, eu não podia deixá-lo lá, com um pé torcido, na chuva. Sem pensar duas vezes, coloquei o capuz da minha capa e saí para enfrentar a chuva, que parecia só piorar a cada segundo.

Demorei mais do que o normal para chegar perto da casa. Dentro do bosque, as árvores impediam que a pouca luz chegasse e deixava o lugar escuro como se fosse noite. O caminho enlameado era traiçoeiro, e várias vezes eu escorreguei na lama, praguejando e xingando Gabe de todos os nomes possíveis. Se ele não estivesse machucado, eu o machucaria, por me fazer ir até ali com aquele tempo.

– Gabe! – gritei quando cheguei perto. – Gabe! Onde você está?

Mas não havia resposta nenhuma. E eu não o enxergava em lugar nenhum. Não que desse para ver muita coisa por ali. Chamei-o mais algumas vezes, gritando alto por cima do barulho da chuva, e nada. Talvez ele tivesse conseguido se arrastar até o chalé e estivesse se aquecendo lá, então rumei direto para a porta. Ela estava um pouquinho emperrada – mas isso não era novidade, ela costumava emperrar – e eu precisei fazer força e jogar meu peso sobre ela para finalmente abri-la.

E o que eu vi quando a porta finalmente abriu não fez apenas meu coração pular uma batida. Eu senti como se ele tivesse parado completamente.

– O que... – comecei a dizer, sem fôlego, sem acreditar na visão na minha frente. Aquilo era um pesadelo. Uma brincadeira.

Então algo me acertou do lado da cabeça. E o mundo inteiro ficou completamente preto antes mesmo que meu corpo chegasse ao chão.


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Notas finais do capítulo

Não me matem, ok? (:
Btw, ganhei um notebook, YEEEY, então tá mais fácil escrever e eu to prolífica essa semana. Pra quem lê PW, tem capítulo novo ainda esses dias (:
Obrigada e até o próximo! Beijos :**