Manchas escrita por Juliiet


Capítulo 31
Capítulo 30


Notas iniciais do capítulo

Hey, o capítulo não tá revisado, então me desculpem qualquer erro. Se ele não fizer sentido, me desculpem também, eu escrevi a maior parte dele super grogue de sono na madrugada.
Um obrigada bem grande pra Chilenaa, que recomendou a história *.*
LEIAM AS NOTAS FINAIS!
Boa leitura :)



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   Acordei na minha cama na segunda feira sentindo-me especialmente desgraçada.

   De acordo com a madre superiora, hoje eu seria agraciada com a adorável presença do meu progenitor. Não achava que Bianca fosse vir – se Deus permitisse, papai não a deixaria faltar à aula para acompanhá-lo. Afinal, assim como eu, Bianca sempre tinha sido uma aluna medíocre.

   Para completar, Gabe não estava falando comigo.

   Não que eu pudesse culpá-lo. Eu realmente havia atingido novos níveis de idiotice com ele e precisava pedir desculpas.

   Céus, eu odiava me desculpar.

   Estiquei-me na cama e me sentei, soltando um gemido quando a luz que entrava pela janela do quarto feriu meus olhos. Enquanto eu continuava ali, sentada, piscando até meus olhos se adaptarem ao ambiente iluminado – quem tinha sido a puta que abriu a cortina? –, bocejando e com o cabelo fazendo cosplay de moita, Willa e Luma entraram no quarto – a primeira sem sua costumeira aura arrumada e sem graça, além de ter um grande curativo na testa, e a outra parecendo emitir seu próprio e usual brilho.

   Mesmo que me irritasse até o osso, eu não podia negar que a pele branca da Britto – diferente da minha palidez cadavérica – parecia rosada e viçosa. Seus olhos tinham a cor do mar do Caribe, coroados com cílios loiros pintados com máscara para cílios preta. Seu cabelo cor de rosa não possuía um fio fora do lugar – enquanto o meu apontava para todos os lados – e parecia ter sido pintado recentemente, já que reluzia em um rosa tão escuro que quase parecia púrpura.

   O fato de a garota parecer uma deusa com cabelo colorido tão cedo pela manhã só me deixava ainda mais mal humorada.

    As duas garotas olharam para mim e pararam de falar uma com a outra, mas Willa rapidamente desviou o olhar e pegou sua mochila de cima da cama, dizendo:

   – Vamos, Lu, você não quer se atrasar.

   Mas a Britto não se moveu nem desviou o olhar para a amiga, que chamou seu nome nervosamente duas vezes mais. Ela havia voltado para a escola na noite anterior, já estava dormindo em sua cama quando eu entrei no quarto, e parecia bem, apenas mais assustada que de costume.

   – Vai na frente – Luma finalmente disse. – Eu já te alcanço.

   A garota não hesitou, apenas lançou um rápido e nervoso olhar na minha direção e depois obedeceu à amiga, disparando pela porta.

   Depois que a porta se fechou, eu me levantei e peguei meu uniforme meio amassado de uma gaveta do armário – os de Willa e Luma sempre estavam impecavelmente passados –, decidindo deixar o banho para o final do dia, já que estava muito provavelmente atrasada.

   Era claro que eu estava ignorando o pirulito humano. Não queria confusão tão cedo pela manhã, o que não deixava de ser uma refrescante novidade – já estava acostumada a ser a garota que achava que qualquer hora era uma boa hora para me meter em problemas.

   Mas já me bastava o que tinha acontecido no final de semana.

   – Eu preciso falar com você – a voz da Britto não era agressiva como pensei que seria.

   Parecia que toda vez que a garota abria a boca para falar comigo, ela engolia um ferrão de abelha. Mas não daquela vez. O que deve ter sido o motivo para eu ter controlado meu primeiro impulso – que era mandá-la ir mastigar uma pedra – e tentei ser civilizada.

   – Fala – dei de ombros, colocando a saia do uniforme.

   Ouvi seu suspiro e, em seguida, ela se sentou na beira da sua cama perfeita e ridiculamente arrumada, dizendo:

   – É coisa séria, Vaughan, seria muito bom se você prestasse atenção.

   Agora ela soava mais como a garota insuportável que eu conhecia, mas não muito. Ainda havia uma nota de vulnerabilidade na sua voz, algo que traía seu nervosismo.

   Foi a minha vez de suspirar. Eu havia ficado com Paulo até quase o amanhecer na noite anterior e só havia dormido por umas poucas horas. Estava cansada, irritada, prestes a precisar olhar para a cara do meu pai e tinha brigado com meu único amigo. A última coisa que eu queria era sentar para ouvir os problemas da cabeça de pirulito.

   Mas acabei sentando na minha própria cama bagunçada, ainda vestida só com a saia do uniforme e a blusa do pijama, e consegui dizer sem revirar os olhos:

   – Melhor agora?

   – Ele não te contou, contou? – ela perguntou antes mesmo que eu terminasse de falar.

   Franzi o cenho, não sabendo do que a louca estava falando e, sinceramente, sem a menor paciência para lidar com ela.

   – Olha, Britto, eu realmente não tenho –

   – Eu recebi uma mensagem – ela me interrompeu, apertando as mãos juntas. – Todo mundo recebeu.

   Suspirei, reunindo toda a minha reserva de paciência.

   – Do que você está falando?

   – De sábado. No final da manhã, uma mensagem de um número desconhecido chegou no meu celular. Dizia que eu não iria querer perder o espetáculo que iria acontecer no refeitório do colégio em algumas horas. Fiquei curiosa e vim, só pra perceber que todo mundo tinha recebido uma mensagem igual. E logo depois, pedras começaram a ser jogadas na janela e, bem, você sabe.

   Fiquei parada, embasbacada, por alguns segundos. Aquilo não podia ser verdade, a garota só podia estar querendo brincar comigo.

   Como se lesse meus pensamentos, ela tirou o celular do bolso do blazer do uniforme e procurou a mensagem para me mostrar. Era exatamente como ela disse, mas mesmo assim, eu me recusava a acreditar. Ela podia ter inventado aquilo tudo e mandado a mensagem para o próprio celular do de alguém.

   – E o que você quis dizer quando perguntou se ele não me contou? – perguntei, apesar de mim mesma. – Quem é ele?

    Por algum motivo, eu jurava que o nome de Gabe sairia dos lábios dela.

   – Paulo – foi a resposta. – Eu o procurei cedo ontem para contar tudo, mas ele não me deu ouvidos. Eu fiz Maya, Rob, Yuri, Willa e Pietro confirmarem a história para ele. E mesmo assim, ele disse que era provavelmente uma brincadeira de mau gosto e minhas suposições não passavam de fantasia. Ele até ousou sugerir que eu parasse de assistir seriados de investigação – a indignação se impregnava em suas últimas palavras.

   Franzi ainda mais o cenho, perguntando-me se aquilo era realmente verdade. Se fosse, por que Paulo não havia me dito nada? Havíamos nos encontrado na hora do almoço e passado o dia inteiro juntos, ele teria me dito alguma coisa...certo?

   – E quais são suas suposições? – acabei perguntando.

   Luma não disse nada por um momento, respirou fundo e me encarou nos olhos. E naquele instante, eu percebi que ela não estava mentindo.

   – Acho que alguém está armando pra você, Vaughan.

   Levantei-me e andei até a janela, pensando tão furiosamente que era uma surpresa que meus pensamentos não estivessem sendo riscados na minha testa. Luma continuou:

   – Logo depois que a Willa foi atingida, alguém comentou que tinha visto você no refeitório mais cedo. Então o rumor foi se espalhando. A garota nova é estranha, rebelde, agressiva – foi falando como se repetindo o que havia escutado. – De repente, todo mundo estava acusando você. E aí, você apareceu.

   Virei-me para ela e a vi de pé, olhando-me com uma mistura de piedade e medo.

   – O mais estranho é que ninguém parece saber quem começou tudo isso.

   Continuei sem falar nada e resolvi terminar de me vestir. Demorei mais do que normalmente, abotoando cada botão do blazer cuidadosamente e sentando-me para colocar as meias e os sapatos. Achei que talvez Luma se cansasse de esperar por uma resposta e fosse embora, mas ela continuava lá, quieta, ainda de pé, observando cada movimento meu.

   Finalmente, quando eu estava pronta – e até penteada –, eu me aproximei dela e a encarei.

   – Mesmo se isso for verdade – eu disse, embora tivesse acreditado em cada palavra. – Por que você me diria? Por que me avisaria? Se fosse para me ver assustada e preocupada, você teria uma expressão mais satisfeita no rosto.

   E a garota parecia ter engolido veneno, mas eu tive a educação de não apontar isso.

   Luma pegou sua mochila e a pendurou em um ombro, ainda olhando para mim com aquela expressão que eu não entendia absolutamente.

   – Talvez eu devesse dizer que, se Paulo gosta de você, você deve ter algo de bom nesse coração congelado – suas palavras não eram amargas nem irônicas, pelo contrário, seu tom era tão sem emoção que eu tive certeza de que ela estava forçando sua voz a soar assim. – Mas a verdade é que você simplesmente não é o tipo de garota que, me perdoe o uso do trocadilho, atira a pedra e esconde a mão. De algum modo, se você fosse machucar alguém de propósito, acho que você hastearia orgulhosamente uma bandeira com o sangue do infeliz.

   Eu não concordei, só perguntei:

   – Então você não acha que tenha sido eu?

   Ela negou com a cabeça.

   – Não. Mas sou uma das poucas que pensa assim.

...

   O tempo havia continuado seco e até não insuportavelmente frio, só levemente congelante. Mas eu havia decidido não me importar. Era um daqueles momentos que eu havia começado a chamar de momentos parêntese. Era como se o mundo e todos os problemas que ele tinha comigo me dessem uma trégua, e simplesmente parassem por algum tempo. Sim, eu teria que enfrentar meu pai no dia seguinte e meu coração ainda doía por ter brigado com Gabe.

   Mas durante aquela noite, eu não me importaria.

   Fechei os olhos e ouvi o barulho da cacheira embaixo de mim. Estava sentada em uma pedra quase em cima de uma queda d’água, o que fazia com que algumas gotas respingassem no enorme casaco que eu tinha sobre o corpo. Não era desagradável, era bom. O som era como uma melodia suave, calmante, que me fazia querer sorrir e chorar ao mesmo tempo. Não fiz nenhuma das duas coisas, apenas me aconcheguei mais aos braços que circulavam minha cintura e apoiei minha cabeça em um peito largo e quente, que cheirava exatamente como o meu casaco. Que não era meu, mas dele.

   Paulo esfregou o nariz no ponto entre meu ombro e meu pescoço e, apesar do seu corpo estar mais aquecido que o meu, seu nariz era gelado e me fez ficar arrepiada. Abri os olhos e virei o rosto para vê-lo, embora fosse uma tarefa difícil só com a meia luz azulada das estrelas para iluminá-lo.

   – Não encosta em mim com esse nariz gelado! – reclamei, mas suavemente e com um pequeno sorriso nos lábios.

   – É que eu quero esquentá-lo e seu pescoço tem um cheiro muito bom – ele me respondeu, fazendo de novo.

   – Meu nariz também está gelado e nem por isso eu estou incomodando você – falei, enquanto tentava me desviar dele e do nariz ofensivo.

   Paulo tirou uma das mãos da minha cintura e a colocou no meu rosto, tapando minha boca e nariz, esfregando-os.

   – Ei, o que você tá fazendo? – perguntei depois de afastar a mão dele do meu rosto.

   – Esquentando seu nariz.

   – E aproveitando pra me matar por falta de ar, né?

   Ele riu e me abraçou mais, voltando a colocar seu rosto entre meu pescoço e ombro, dessa vez beijando o local delicadamente. Seus braços se apertaram ao meu redor, como se ele quisesse fundir nossos corpos juntos. Eu não voltei a fechar os olhos, apenas os levantei e fiquei contemplando a infinita teia de estrelas pontilhando o céu escuro.

   Sentia-me realmente numa brecha temporal. Onde nada importava, onde os problemas não existiam e onde eu não precisava me preocupar com o amanhã até ele chegar. Aquele monitor de quinta me fazia sentir assim e eu o amava um pouco mais por, mesmo que por um segundo, ele pudesse aliviar o peso nos meus ombros.

   Eu me sentia inteira como não lembrava de ter sido. Cada vez mais, pensava no passado de uma maneira diferente, com olhos diferentes. Gostava de acreditar que eu finalmente estava caminhando a longa e tortuosa estrada para perdoar a mim mesma e Paulo estava segurando minha mão.

   Mesmo assim, a solidão havia se tornado o meu estilo de vida e era difícil abandoná-lo. Por isso, quando Paulo comentou:

   – É uma pena que hoje não tenha lua.

   Eu não hesitei em replicar:

   – Eu prefiro assim. A lua ofusca o brilho das estrelas.

   – Um dos maiores prazeres que eu tenho na vida é nadar de noite, enquanto a lua faz a água brilhar como se cada gota fosse feita de cristal. Você não gosta de admirar a lua?

   Pensei sobre isso por um instante, e então respondi com sinceridade:

   – Não muito.

   – Por quê?

   – As estrelas são muito mais belas – respondi, olhando os minúsculos pontos prateados e brilhantes. – Elas ficam lá, distantes e solitárias, mas brilhando por conta própria. Não importa se formam constelações, elas brilham sozinhas. A lua não tem luz própria, ela precisa do sol pra brilhar. Soa como trapaça pra mim.

   Ficamos em silêncio depois disso. Eu, por me sentir muito idiota por ter divagado tanto e Chermont por qualquer que fosse seu motivo misterioso. Suas mãos quentes cobriram as minhas, geladas, e ele as esfregou carinhosamente, passando seu calor para mim.

   – Ninguém é feliz sozinho, Julieta – ele sussurrou, tão baixinho que, mesmo com apenas o ruído fraco da água, eu precisei me esforçar para ouvi-lo. – Às vezes, brilhar sozinho pode ser triste e solitário.

   Soltei um risinho nervoso.

   – Ainda estamos falando de astros?

   Ele segurou meu rosto e me fez encará-lo, e eu pude enxergar o verde dos seus olhos mesmo no escuro.

   – Eu seria feliz por dividir minha luz com você. Eu gostaria que você me deixasse ser seu sol – seu rosto era sério enquanto dizia isso.

   E se qualquer outro garoto tivesse me dito aquelas mesmas palavras, eu acharia ridículo. Mas, de alguma maneira, eu só me sentia aquecida. De dentro para fora. Meus olhos coçavam e eu fiquei realmente com medo de chorar.

   Eu precisava me importar por ser tão patética?

   Não, não naquele momento.

   Mas Paulo não precisava saber o quanto me afetava, por isso, vesti um sorriso irônico e dei uma fraca cotovelada em suas costelas.

   – Você tem noção que o que acabou de falar parece refrão de música brega? – perguntei.

   Ele bufou e posso jurar que ficou corado, mas escondeu seu rosto em meus cabelos e eu não pude mais vê-lo, então voltei a contemplar o céu. Então, o ouvi cantar baixinho:

   – I can finally see that you’re right there beside me – sua voz era apenas um sussurro, e ele cantava tão fora de ritmo que levei um momento para reconhecer a música. – I am not my own, for I had been made new. Please don’t let me go, I desperately need you.

   Quando eu não disse nada, ele perguntou:

   – Essa música é brega o bastante pra você? – eu podia ouvir o ruído do seu sorriso.

   Engoli novamente a vontade de chorar. O que diabos estava acontecendo comigo?

   – Não – consegui dizer em um fio de voz. – Essa música é linda.

   – Eu te amo – sua voz não era sussurrada agora. Mas não era como se ele tivesse gritado. Era simplesmente uma afirmação segura e firme, que não deixava nenhuma dúvida quanto à sua veracidade.

   Peguei uma das suas mãos, que ainda seguravam as minhas, e gentilmente beijei a palma, esperando que meu amor transbordasse por aquele pequeno gesto. Pelo menos um pouco.

   – Julieta, Julieta!

   Saí do meu devaneio sobre a noite passada – quando Paulo me levou para fazer um piquenique sob a luz das estrelas numa cachoeira perto da escola (por mais estranho que isso possa parecer) – para acordar na minha dura realidade que, no momento, trazia uma madre superiora me olhando muito irritada.

   – O que há com você? – perguntou, enquanto eu me levantava do sofá da sala de espera do seu gabinete. – Parece sonhando acordada.

   Como ela não estava muito longe da realidade, eu preferi ficar calada.

   – Bom, eu já conversei com seu pai – ela me informou, ainda me olhando de modo condescendente, como se eu fosse uma adolescente boba sonhando com o namorado...é, bem...melhor era não pensar no assunto sob esse prisma. – E agora ele quer ver você.

   – Apresse-se, menina, ele está esperando – adicionou, quando viu que eu não havia me movido.

   Gemi internamente. Era esperar demais que meu pai fosse embora logo depois de falar com a diretora. Resolvi que, quanto mais cedo o enfrentasse, mais cedo me livraria dele. Levantei o queixo, endireitei os ombros e entrei na sala.

   Meu pai estava de costas, mas se virou quando entrei. Estava impecavelmente vestido com um terno escuro e uma camisa cinza. Ele abriu um pequeno sorriso ao me ver, embora parecesse meio receoso, e se aproximou para me abraçar.

   – Filha, é um alívio ver que está bem.

   Meu olhar foi o suficiente para fazê-lo hesitar antes de me tocar, e então dar um passo para trás.

   – Estou ótima – concordei, mais por não ter nada para falar do que por qualquer coisa.

   Papai correu os dedos pelos cabelos escuros. Percebi que estavam começando a ficar meio cinzentos dos lados de sua cabeça.

      – Mesmo que a madre superiora tenha me tranquilizado, – ele disse – eu estava muito preocupado com você, Julieta.

   Ele de fato, parecia preocupado, com o cenho franzido e as mãos nervosas, que não paravam de tocar na gravata, como se ele não soubesse o que fazer com elas.

   Então um pensamento nada agradável surgiu na minha cabeça.

   – Deixe-me adivinhar – falei, tentando soar indiferente ao mesmo tempo em que sentia minhas mãos ficarem úmidas. – Vai querer me tirar do colégio, não é?

   Por Deus, não.

   Eu não podia ir embora, eu não...eu tinha uma vida em St. Werburgh, uma vida como eu não tinha em nenhum outro lugar. As coisas eram constantemente confusas e, muitas vezes, horríveis. Mas havia Paulo. E...Gabe. E as paredes de pedra frias, as provas semana que vem, o verde quase ininterrupto, a chuva maldita e meu chalé escondido no bosque.

   Eu amava aquele lugar, mesmo que reclamasse de tudo, mesmo que não gostasse de dividir o quarto com duas garotas insuportavelmente chatas e precisar acordar com os sinos da igreja e ser basicamente a ovelha negra do colégio, eu...eu sentia que tinha um lugar ali. Que era onde eu deveria estar, onde eu me sentia viva, onde eu me sentia...

   Eu mesma.

   Não era só pelo meu monitor idiota – que, por acaso, era meu mais recente namorado – ou pelo pálido garoto com uma habilidade incrível para pintura e para ser o melhor amigo do mundo. Embora boa parte da minha vontade de ficar era por causa deles, não era tudo.

   Eu sentiria falta de St. Werburgh. A cidade e o colégio. Eu deixaria parte de mim aqui.

   E eu não estava pronta para isso. Eu não iria embora.

   Eu não podia.

   – Algo me diz que você não gosta da ideia – meu pai comentou com um suspiro.

   Devia estar evidente na minha cara.

   – Não – admiti, apoiando as mãos nos quadris e fitando aquele homem com toda a determinação que possuía. – Não gosto e não aceito. Você não pode me tirar daqui, eu não vou embora.

   – Você fará o que eu mandar – sua voz era autoritária, mas não me intimidou. – Você é minha filha.

   Bufei.

   – Não precisa me lembrar desse triste fato.

   – Estou falando sério, Julieta.

   – E você acha que eu estou brincando? – questionei, sem acreditar que estava tendo aquela conversa. – O que você vai fazer comigo, se eu não obedecer? Me colocar de castigo no meu quarto? Me fazer frequentar todos os analistas que puder encontrar, pra ver se algum dá um jeito na sua filha rebelde? E, quando nada disso funcionar, me mandar para um internato bem longe, pra que eu não seja mais problema seu? Ah, espera aí...você já fez todas essas coisas.

   O rosto do papai foi ficando vermelho gradualmente enquanto ouvia minhas palavras. Mas eu não parei.

   – Eu não vou embora daqui. Eu gosto daqui, sou feliz aqui. Mas é bem o seu estilo mesmo, me fazer miserável.

   Papai suspirou de novo e puxou a gravata do seu apertado nó, folgando-a enquanto passava mais uma vez os dedos pelo cabelo.

   – Eu só quero vê-la feliz e segura, filha – disse, olhando-me cheio de dor. – Não entendo como você pode acreditar no contrário.

   Não disse nada à essa afirmação, nem queria ir por esse caminho ou a conversa desagradável nunca teria fim. O que eu realmente queria era dar às costas para aquele homem e fingir que não tinha pai.

   Machucava menos.

   – Eu não vou tirá-la do colégio – anunciou de repente, fazendo-me fitá-lo com surpresa. – Achei que você não iria querer mesmo e, da última vez em que a vi, você realmente parecia...parece diferente. Talvez esse lugar esteja realmente fazendo bem a você e não precisa ir embora se não quiser.

   Respirei aliviada, mas não sorri. Não queria mostrar minhas reações ao meu pai. Eu sempre me forçava a ser uma rocha gelada perto dele e isso não iria mudar. Era como eu me protegia.

   – Ótimo – foi o que eu me permiti dizer.

   – Mas há uma condição – murmurou, sem me olhar nos olhos.

   Eu ia perguntar qual. Para não conseguir me encarar, só podia ser coisa ruim. Não era como se eu pudesse esperar qualquer coisa boa do meu pai, de qualquer jeito. Mas no momento em que abri a boca, ouvimos uma batida leve na porta que, logo em seguida, foi aberta.

   Viramos os dois para a porta, apenas para ver irmã Manuela, Paulo e...Bianca.

   Ela usava jeans justos e uma blusa de botões fininha, com um casaco por cima. Também era a única que tinha um satisfeito sorriso no rosto. Paulo mantinha uma expressão impenetrável

   – Então, já contei as novidades pra ela, papai? – perguntou com um prazer perverso.

   – Que novidades? – consegui perguntar, embora, se pudesse dar um palpite, imaginava qual seria.

   Papai correu os olhos de Bianca para mim, quase parecendo como alguém preso em uma armadilha. O que quer que ele fosse dizer, já sabia que eu odiaria.

   – Eu estou preocupado com você, Julieta – começou, finalmente, mas não mantendo o olhar no meu por muito tempo. – Você não conversa comigo, não me liga, e sei que nem com suas primas, que são as únicas pessoas com quem você ocasionalmente conversava, você tem falado. Então sua irmã gentilmente se ofereceu para –

   – Não! – gritei, interrompendo-o ao finalmente ter meus temores confirmados. – Ela não vai ficar aqui!

   – Tarde demais, irmãzinha – Bianca falou, chamando a atenção para si e sorrindo de modo a mostrar quase todos os dentes. – Já fui transferida e agora seremos colegas de escola, não é ótimo? Seu namoradinho estava me levando para conhecer o lugar.

   Ignorei-a. Tudo o que ela mais queria era que eu fizesse uma ceninha patética de ciúmes, mas não ia funcionar. Eu conhecia muito bem a mente da minha irmã e ela não iria me atingir.

   Virei-me para papai, aproximando-me dele até ficarmos a meros palmos um do outro.

   – Você não ficou contente em destruir a vida da minha mãe, não é? – acusei, apontando o dedo para ele. – Precisa destruir a minha também. Bom, faça o que quiser, não vai conseguir – e virei-me para ir embora.

   Sua voz, porém, me fez parar.

   – Não é tudo sobre você, Julieta – papai soava quase...embargado? – Você passou por algo que nenhuma garota da sua idade deveria passar e, sim, talvez eu não tenha lidado com isso da melhor maneira, mas...Você esquece que, naquele dia, você perdeu sua irmã e depois sua mãe. Mas eu perdi uma filha. E, depois, uma esposa.

   Continuava de costas para ele, observando os rostos dos outros três na porta da sala. Irmã Manuela estava dignamente com uma expressão vazia, Bianca tinha guardado seu sorriso, mas seus olhos continuavam a me fitar com superioridade e Paulo...

   Ele não se moveu um milímetro, não mudou a expressão em seu rosto de maneira alguma, mas seus olhos...eram pra mim. Eu o sentia me dando forças, sentia-o cuidando de mim, sentia todo o amor que eu sabia que ele sentia por mim.

   Virei-me no lugar para dar uma última olhada para meu pai.

   – Você está enganado – falei, fitando-o quase com pena. – Você não perdeu uma filha. Perdeu duas.

   Dei às costas a ele e empurrei Bianca do caminho. Paulo segurou minha mão antes mesmo que eu pedisse e, juntos, saímos daquele lugar.

   – Você é tão cruel quando quer – ele comentou enquanto avançávamos pelo corredor que levava até o pátio.

   – O quê? Vai me dar um sermão agora? – perguntei, rolando os olhos. Era tudo o que eu precisava.

   Ele riu e me parou quando passamos por uma escada, puxando-me para ficar escondida no vão entre a parede, colando-se imediatamente a mim e levando as mãos até minha cintura.

   – Não mesmo. Para falar a verdade, eu acho meio excitante.

   – Você é doente, cara – sorri, tentando me focar apenas em seu rosto bonito e sorridente, um sorriso que fazia um trabalho porco em esconder sua preocupação. – Então, gosta quando eu sou uma menina má?

   Ele riu alto.

   – Você é sempre uma menina má. Se eu não gostasse disso, estaria ferrado.

   – Você é realmente doente.

   – E você me ama.

   Eu sorri e deixei-o me beijar, saboreando nosso pequeno momento secreto, que era como minha própria dose de paz no meio da minha vida caótica.

   Eu precisava mesmo aproveitar, sentia que não teria muitos momentos de paz num futuro próximo.


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Notas finais do capítulo

Então, o que acharam do capítulo? Eu gostei dele, de verdade. Mas acho que eu não deveria dizer isso, porque aí vocês acham defeito D: heasuheuha
Bom, pra quem não acompanha minha outra história, Perfectly Wrong, eu vou copiar e colar minhas notas de lá, pra explicar o tempo que eu fiquei afastada.
"Então, como alguns de vocês sabem, eu voltei a ser plagiada. Dessa vez, em dois lugares diferentes. Um, em outro site de fanfics (mas que felizmente já foi retirado) e o outro, em um blog. E esse que tá me dando problema, eu não consegui fazer o google tirar TUDO. É uma coisa bizarra, ele tirou algumas das postagens, mas não todas. E eu tinha dito a mim mesma que não iria postar mais nada aqui enquanto eu não conseguisse tirar da internet todos esses plágios.
Mas como eu consegui tirar um pedaço e algumas pessoas vieram me perguntar se eu tinha parado de postar e essas coisas, eu resolvi dar um sinal de vida. Plágios me deixam MUITO revoltada e chateada e, mais de uma vez, me fizeram pensar em largar isso aqui.
Mas tudo bem, eu estou otimista e acho que vou conseguir, só achava que vocês (os que não me plagiam né?) mereciam uma consideração da minha parte."
Bom, agora vocês sabem. Na boa, eu não ia mesmo postar nada enquanto não tirasse o plágio da internet, mas não sei o que me deu, liguei o foda-se e senti saudades disso aqui.
Vou jogar macumba em todos os plagiadores e ser feliz.
Bom, eu devo avisar que Manchas está - FINALMENTE!!! - chegando ao fim (eu posso ouvir os gritos de aleluia, ok?). E eu to muito nervosa com isso, então talvez os caps demorem mais que em PW, porque eu vou tentar fazer o melhor que posso. Quero que tudo saia exatamente como eu imaginei, por isso peço a paciência de vocês. Meu objetivo é terminar Manchas antes do ano acabar, vamos ver se eu consigo, né?
Bom, sabe o que me faria escrever mais rápido? Se vocês aparecessem e comentassem. Só tem fantasma aqui, tá me deixando muito chateada já. Me façam feliz, porque eu sou muito mais simpática quando estou feliz.
Beijinhos :***
Obs: Quem gosta do Gabe vai gostar do próximo capítulo hauehasuheuashe