Manchas escrita por Juliiet


Capítulo 24
Capítulo 23


Notas iniciais do capítulo

Hey, em primeiro lugar, MUITO obrigada às pessoas lindas que recomendaram a história :)))
- HATER
- Brus
- Payne
- lethPivetta
- Gabrielle Mariano
Obg de verdade *.* Recomendações me fazem ir ao céu e voltar :)))
Bom, desculpem a demora :((
Pra compensar, eu tinha feito um capítulo GIGANTE, mas como tem gente que já me disse que não gosta e tem preguiça de ler, eu dividi em dois u.u
Bom, espero que gostem :)



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   Então agora eu era namorada do garoto mais desejado do meu internato.

   Perfeito.

   Não sei como – nem por que – eu me deixei envolver naquela loucura. Um falso namoro? Sério? Eu ainda preferiria que o monitor tivesse dado algum jeito de colocar a culpa em mim...

   Mas eu não podia negar que a coisa tinha dado certo. Eu não fui expulsa! No fim, pela primeira vez na vida, eu fui absolvida! O monitor ficou com toda a punição. Chocante. Mas como o garoto admitiu que foi ele quem começou com aquilo, e eu tinha acabado de sair de uma longa detenção e estava me comportando muito bem (até onde a madre  sabia), foi decidido que uma advertência seria o suficiente para mim.

   E Paulo Chermont foi suspenso de suas atividades como monitor da escola e presidente do conselho estudantil por um mês por – e eu tive que me segurar para não rir – comportamento inapropriado.

   Seria um dia feliz na minha vida se eu não precisasse lembrar que, ah, eu era namorada dele.

   Assim que eu pudesse me livrar do meu pai, Chermont e eu teríamos uma conversinha.

   E por conversinha, eu quero dizer que provavelmente ia quebrar os dedos dele.

   – Como você está, filha? – papai perguntou, encostando-se na mesa da madre superiora.

   Depois daquela “reunião” que a madre teve com Paulo, nossos pais e eu, onde eu tive que agir como namorada do ex-monitor, papai pediu para ter um momento a sós para conversar comigo e a madre nos cedeu sua sala. Agora eu estava sozinha com aquele homem, que era quase um estranho para mim. Houve um tempo em que eu me achava parecida com ele, mas agora não. Tínhamos a mesma cor de cabelo, o mesmo queixo e o mesmo formato de rosto. Mas aquele homem havia ferrado com tudo. Era um hipócrita, um fraco, um mentiroso. E eu não queria ter absolutamente nada a ver com ele. Por vários minutos, ficamos apenas fitando o vazio sem dizer nada, até porque não tínhamos muita coisa para dizer um ao outro.

   “Hey, você é um fodido, sabia?” não é o tipo de coisa que uma garota deva dizer ao seu pai. Não que eu nunca tivesse dito, mas a última vez em que fiz isso, fui mandada para cá. Impressionante, mas às vezes eu sabia quando não falar merda.

   – Bem – respondi sua pergunta, apoiando o rosto na mão.

   Eu estava sentada numa das cadeiras em frente à mesa, com os olhos na janela atrás dela, tentando prestar a mínima atenção ao homem em pé próximo a mim. Talvez se fosse ignorado o suficiente, ele se irritasse e fosse embora. Era sempre assim.

   – Está gostando da escola? – perguntou casualmente.

   Eu ri fracamente pelo nariz.

   – Você não me mandou para cá para que eu gostasse – respondi. – Se eu disser que sim, vai ser uma decepção, não é?

   Pude ouvi-lo soltar um suspiro, mas não me mexi. Ele não devia estar ali. Nunca deveria ter vindo, especialmente se achava que seria recebido com abraços e sorrisos calorosos. Foi ele quem me mandou embora, ele quis que eu sumisse da sua vida. Era ele que, há anos, não me olhava nos olhos.

   Pra que eu precisaria de um pai assim?

   – Não sou seu inimigo, Julieta – ele disse e isso me fez olhá-lo.

   Cruzei os braços no peito e o encarei com uma sobrancelha arqueada.

   – Não, não é – eu disse. – Mas eu não posso dizer o mesmo.

   Como eu esperava, ele desviou o olhar.

   – Você não pode me odiar para sempre – disse com outro suspiro, apertando a ponte do nariz e fechando os olhos como se sua cabeça estivesse doendo. – Você precisa me perdoar.

   Eu não pude impedir que um pequeno sorriso de escárnio se formasse num canto dos meus lábios. Levantei-me e fui até a porta.

   – Por ter desistido de mim? Posso perdoá-lo por isso – eu disse enquanto abria a porta. – Por ter ferrado minha mãe no momento em que ela mais precisou de você?

   Ele levou os olhos até os meus quando eu disse isso e, sob aquele castanho escuro intenso, eu podia ver a dor dele.

   – Nunca.

   Não tinha mais nada para falar com ele, nem para ouvir, então saí e bati a porta atrás de mim.

   Não havia ninguém na recepção para me ver saindo daquele jeito. Todos provavelmente estavam lá fora, aproveitando o festival. Não esperei para ver se meu pai me seguiria ou não e saí o mais rapidamente dali. Embora não estivesse chovendo, a grama estava úmida sob meus pés quando eu pisei fora da escola. Comecei a caminhar em direção ao palanque – onde havia mais pessoas – à procura do meu amado namorado.

   Tinha certas coisas para acertar com ele.

   Mas não o achei. Precisei aguentar os olhares estranhos e surpresos dos outros alunos e o burburinho das fofocas que sempre começava quando eu estava presente. Ignorei da melhor forma que podia, mas meus nós dos dedos estavam brancos de tanto que eu apertava minhas mãos.

   Resolvi me afastar dali para evitar problemas e clarear minha cabeça, e caminhei até os estábulos da escola. Entrei e fiquei olhando para os cavalos em suas baias, até que me aproximei de um. Era marrom escuro e tinha uma crina negra que eu adorava pentear. Eu não sabia o nome dele – aliás, não me preocupei em saber o nome de nenhum dos cavalos – mas era um dos que eu mais gostava. Porque ele era meio arisco e imprevisível e os alunos tinham medo dele. Só que eu sabia que ele era amável e doce, só não gostava de pessoas.

   Eu também não gostava de pessoas.

   Talvez fosse por isso que ele gostava de mim.

   Ou porque eu nunca tentei montar nele.

   Levantei a mão e acariciei a cabeça dele, sorrindo. Animais sempre tiveram esse apelo sobre mim, sempre me fizeram baixar a guarda, me sentir bem, sorrir como se não tivesse um só problema no mundo.

   – Previsível como sempre, irmãzinha – disse uma voz atrás de mim.

   Pulei com o susto e me virei para encarar o meu retrato vivo. Minha irmã.

   Ela estava parada na porta do estábulo, vestindo jeans escuros e um sobretudo vermelho.

   – O que você tá fazendo aqui? – perguntei, virando de costas para o cavalo e passando minha mão no braço como se o lugar tivesse ficado subitamente gelado.

   – Não posso vir visitar minha irmãzinha? – ela perguntou, fazendo uma expressão de inocência.

   Rolei os olhos.

   – Já pode parar com o teatro, Bianca. Não tem ninguém aqui que vai apreciá-lo.

   Ela quem rolou os olhos dessa vez. Se desencostou da porta do estábulo e se aproximou de mim.

   – Você se tornou uma vadia sem graça, não é? – com um sorriso meio irônico.

   – E você sempre foi uma – respondi, imitando seu sorriso.

   Ela deu de ombros e encostou na baia ao meu lado, passando a mexer na bolsa até tirar dela uma cartela de cigarros light e um isqueiro. Colocou um entre os lábios e o acendeu, depois o ofereceu a mim.

   – O que você quer? – perguntei antes de dar uma longa tragada.

   – Ver se você está odiando isso aqui o suficiente – Bianca respondeu, acendendo outro cigarro. – Mas pela cena que eu vi mais cedo, acho que está é se divertindo.

   – Ótimo, agora você já pode pegar o papai e ir embora daqui.

   Ela deu de ombros enquanto a fumaça saía por seus lábios.

   – Quem era o aquele gostoso que você estava pegando? – ela perguntou, ignorando totalmente o que eu havia dito. Típico.

   Meu coração afundou um pouco com a pergunta dela.

   – Não é da sua conta – respondi, nervosa e irritada.

   Bianca riu.

   – Preocupada que eu roube seu namorado de novo, querida?

   – Ele não é meu namorado – foi só o que eu respondi.

   Ficamos em silêncio depois disso. Estávamos lado a lado, mas nunca estivemos tão distantes. Era tão estranho aquele sentimento de estar perto de alguém com quem eu já ri, já chorei, já compartilhei segredos e dúvidas, alguém que já foi minha melhor amiga, minha irmã...e agora é só uma garota que se parece muito comigo. Alguém em quem eu não podia confiar, que me olhava com desprezo, alguém de quem eu até tinha...medo.

   Quando tudo começou a dar tão errado?

   – Você gosta dele – a voz de Bianca era clara e quase triste.

   – Do que você está falando? – perguntei virando-me para olhá-la, mas o que me assustava era que eu sabia a resposta.

   – Daquele garoto de olhos verdes – ela respondeu, dando uma tragada no cigarro. – O tempo pode ter passado, mas você não mudou tanto assim. Eu te conheço, Julieta. Seus lábios tremeram quando eu falei dele, seu olhar ficou perdido. Você quer esconder porque gosta dele. Muito.

   Meu coração batia violentamente no peito, mas eu tentei manter minha expressão indiferente. Inútil, meu rosto sempre foi um livro aberto para minha irmã mais velha. Seus olhos estavam em mim agora. Baixei a cabeça e desejei que meu cabelo estivesse solto para me livrar do seu escrutínio.

   – Não vai negar? – ela continuou e finalmente desviou o olhar do meu rosto. – Não pode, não é? Você o ama. Por isso sabe que não pode ficar perto dele, ou esqueceu?

   – Eu sei – murmurei, com os olhos fixos nos meus próprios pés.

   – É mesmo? – ela soltou com uma risadinha e se moveu até ficar parada na minha frente.

   Eu levantei os olhos para encarar os dela.

   – Não vá estragar a vida do pobre garoto – ela disse, sorrindo com maldade. – Você sabe que isso vai acontecer se ficar perto dele.

   Soltei a fumaça no rosto dela, que não se moveu nem um centímetro.

   – Eu já disse que sei – disse.

   Eu estava tentando bancar a garota má, como sempre fazia, mas era difícil na frente de alguém que conhecia cada um dos meus segredos, cada canto do meu passado escuro, dos meus arrependimentos. Ou talvez eu só tivesse chegado em um momento em que era difícil fingir.

   Tem que existir um certo limite de mentiras em que uma pessoa pode acreditar para continuar vivendo. Tem que existir um limite para quanta dor uma garota como eu pode suportar. Um limite.

   Talvez eu apenas tivesse atingido o meu.

   – Enxugue as lágrimas antes de sair – Bianca disse antes de me dar às costas e ir embora.

   Fiquei vendo-a se afastar, alta e graciosa, enquanto eu continuava lá, parada, com lágrimas que eu nem havia sentido marcando meu rosto.

   Senti algo tocar minha bochecha e me assustei. Virei-me e vi o cavalo que eu estivera acariciando mais cedo e sorri. Claro que era idiotice, mas eu senti como se ele quisesse me consolar. Não parei de sorrir para ele. E não parei de chorar. Meus joelhos ficaram fracos e eu fui me abaixando, arrastando minhas costas na madeira, até abraçar minhas pernas e descansar minha cabeça em meus joelhos.

   Não importava o quão longe eu estivesse, não importava os momentos em que eu conseguia me divertir, sorrir e esquecer, não importava o quanto meu coração batesse mais rápido por uma pessoa, o quanto minha boca secava quando e minhas mãos ficavam suadas quando eu o via, não importava que eu tivesse aprendido a amar de novo. Nada disso importava. Meu passado sempre voltaria. Eu não poderia esquecer, nunca. Eu não poderia me perdoar. Bianca havia me lembrado de que eu só poderia trazer tristeza e miséria àqueles que estavam ao meu lado.

   Qual o propósito de se apaixonar se você sabe que só poderá fazer a pessoa que ama sofrer?

   Mas foi sem querer. Eu não queria me apaixonar, eu lutei contra isso, eu tentei afastá-lo...mas acho que nenhum dos meus esforços teriam sido suficientes. Meu coração congelado estava resolvido a bater de novo.

   E era como uma dor doce. Como sentir o cheiro da torta de maçã que a mamãe costumava fazer quando eu era criança e não poder prová-la porque era para um presente de boas vindas para algum vizinho novo. Como ver um lindo pôr do sol através de uma janela com grades. Como assistir um filme lindo, mas com um final triste. Como perder a última peça que completaria o quebra cabeça e achá-la depois que você já desmanchou tudo.

   Era como se faltasse alguma coisa.

   Enxuguei minhas lágrimas com a manga do meu vestido.

   É, eu tinha atingido meu limite com certeza.

   – Julieta?

   Levantei os olhos e o vi parado na porta do estábulo, como Bianca havia feito mais cedo. Bonito e alto. Quase como se os meus pensamentos o tivessem chamado.

   – Ei, você está...fumando? – perguntou, andando até mim e tirando o cigarro da minha mão.

   – Não – respondi, sem conseguir parar de olhá-lo. – Estou tentando tocar fogo no estábulo.

   Ele se abaixou até ficar com o rosto no mesmo nível do meu.

   – Sem gracinhas, você já devia saber que cigarros são proibidos na escola e vão te matar de câncer um dia.

   – E o que te preocupa mais? Me ver sendo expulsa ou morrendo porque envenenei meus pulmões?

   Ele franziu as sobrancelhas e me olhou com raiva.

   – Qual o seu problema hoje? – perguntou.

   Ignorei sua pergunta e fiz outra:

   – Porque disse que éramos namorados?

   Ele pareceu ficar um pouco desconfortável, mas respondeu:

   – Para salvar a nossa pele.

   Dei de ombros.

   – Podia haver outra maneira.

   – Bom, essa foi a primeira em que pensei.

   Assenti e me levantei. Ele fez o mesmo. Agora nossos rostos não estavam mais no mesmo nível. Eu tinha que levantar a cabeça para encará-lo e não ao seu pescoço.

   – Não quero que ninguém saiba – eu disse de repente.

   – Como assim? – ele ficou confuso.

   – Além de nossas famílias, não quero que ninguém fique sabendo desse nosso namoro. Não é de verdade mesmo. Ameace seu irmão para ele não contar, se for preciso. Se alguém ficar sabendo, eu digo que é você é gay e eu sou sua namorada de fachada.

   Ele riu sem humor.

   – Tudo isso para o seu precioso Gabe não saber? – perguntou, dizendo o apelido do ex amigo com nojo.

   Respirei fundo, sentindo o cheiro gostoso de Paulo, que era mais intoxicante do que qualquer coisa. Eu sabia que, se tivéssemos que fingir ser o casal apaixonado na frente de todo mundo, precisaríamos passar mais tempo juntos. Precisaríamos nos ver o tempo todo, sorrir como bobos, nos tocar. Que casal adolescente não se beija, mesmo num internato?

   E eu simplesmente não ia conseguir. Não ia conseguir ser a protagonista de uma farsa que eu realmente gostaria de viver. Seria tortura.

   – Também – respondi. – Mas não é só por ele. Eu já estou cansada de ser julgada pelo que sou, Paulo. Não vou ser julgada pelo que não sou também.

   Seus olhos se suavizaram um pouco e ele levou os dedos até minha bochecha, acariciando minha pele bem de leve.

   – Tudo bem, então – disse. – Se você quer assim.

   Assenti e tirei a mão dele do meu rosto.

   – Mas me diz, onde você conseguiu cigarros aqui? – perguntou, sério. – Vou ter que mandar revistarem seu quarto?

   Bufei.

   – Você não pode mandar ninguém revistar meu quarto – retruquei com um sorriso. – Não é mais monitor, lembra?

   Ele soltou um palavrão, como se tivesse esquecido aquele pequeno detalhe. E, sem as vantagens de ser monitor e presidente do conselho estudantil, o garoto tinha pouca coisa com que me ameaçar. Pelo menos por um mês.

   – Mas é sério, Julieta – ele insistiu. – Onde você conseguiu?

   Suspirei e respondi:

   – Bianca.

   – Sua irmã? – perguntou e eu assenti. Então ele ficou olhando para o nada por alguns segundos, parecendo estar muito concentrado pensando em alguma coisa. – Vocês não são gêmeas...como podem ser tão parecidas?

   Pensei em sua pergunta por um momento. A mesma altura, o mesmo peso, a mesma pele, o mesmos olhos, nariz, boca...

   – A pergunta certa é outra – eu disse, com um sorriso triste. – Como podemos ser tão diferentes?

   Seu olhar estava confuso, mas ele não perguntou nada. Talvez quisesse ler a resposta no meu rosto mas, pobre garoto inexperiente, ele não era minha irmã, que conhecia cada uma de minhas expressões.

   De repente, ele começou a se aproximar. Devagar, passo a passo, chegando mais perto de mim. Eu fui instintivamente para trás, até minhas costas tocarem a baia.

   – O quê...? – comecei a perguntar, mas a minha voz morreu no momento em que Paulo rodeou meu corpo com os braços e me puxou para ele.

   Era um abraço, percebi quando minha bochecha ficou amassada contra o peito dele. O idiota estava me abraçando.

   Por quê?

   – Você estava com uma expressão de quem precisava de um abraço – ele disse com o queixo apoiado na minha cabeça, como se tivesse lido meus pensamentos.

   Pisquei várias vezes, sem entender como ele havia conseguido. Talvez não se precisasse conhecer todas as expressões de alguém para saber enxergar o que há sob a superfície. Talvez Paulo apenas tivesse uma boa visão.

   – Isso não significa nada, não vá tendo ideias – eu disse, minha voz abafada pela sua roupa, enquanto passava meus próprios braços pela cintura dele.

   – Tudo bem – ele disse.

   – Eu estou falando sério –insisti, sentindo-me cada vez mais protegida em seus braços. – Eu te odeio.

   Eu senti seu peito reverberar quando ele riu de leve.

   – Eu sei.

  

...

   – Estude, faça a lição de casa, passe de ano e, por favor, tente se manter livre de problemas, ok? – papai disse enquanto estava de pé ao lado do carro, no estacionamento.

   Rolei os olhos e vi que Bianca, já dentro do carro, fazia a mesma coisa.

   – Decorou o roteiro direitinho, papai – falei sarcasticamente. – Parabéns. Quem sabe agora você ganhe o prêmio de melhor pai do ano.

   Ele suspirou e eu quase podia ouvir seus pensamentos gritarem algo como “desisto, ela não tem jeito” antes de tentar se inclinar para me dar um beijo de despedida. Só que eu fui mais rápida e me afastei. Ele suspirou de novo e entrou logo no carro.

   – Tchau, Julieta – disse, pela janela aberta. – Eu amo você.

   Eu ri sem humor.

   – Claro.

   Papai não protelou mais a partida e saiu com o carro. Bianca deu tchauzinho com os dedos através do vidro da sua janela e eu fiquei lá, vendo-os partir.

   Não era como se fosse doloroso. Não mesmo. Mas era amargo. Talvez por eu sentir que não devia estar tão aliviada por ver minha família indo embora.

   Mas aquilo não era uma família de verdade.

   Olhei para trás depois que vi o carro do papai saindo pelos portões da escola. Dali podia ver os três grandes prédios contrastando contra o – raro – céu azul. Não tinha percebido da primeira vez – e nem da segunda, da terceira... – mas existia certa beleza naqueles tijolos antigos. Não só o lugar ao redor era bonito, com tanto verde e tudo isso, mas minha escola em si, era bonita. Era antiga, meio macabra, com algumas rachaduras e infiltrações, mas depois de passar um tempo aqui, de alguma forma, comecei a sentir uma certa paz ao olhar para ela.

   Nunca gostei de voltar atrás nas coisas que digo, mas aquela era uma das raras vezes em que eu não podia negar a realidade.

   St. Werburgh realmente parecia como um lar pra mim.

   Só eu achava isso muito estranho?

   – Eu falei que você ia ficar bonita – disse uma voz atrás de mim, fazendo-me pular de susto pela segunda vez naquele dia.

   – Gabe, seu babaca! – eu falei, virando-me para bater nele, que ria enquanto desviava dos meus tapas.

   Eu não consegui manter o rosto sério e comecei a rir também enquanto a intensidade dos meus golpes diminuía.

   – Se você me machucar bastante, talvez eles me mandem pro hospital e eu não vou ser obrigado a aguentar a minha mãe – ele disse, parando de rir lentamente.

   Eu parei também e o fitei preocupada.

   – Ela está aqui? – perguntei.

   Ele suspirou e tirou o cabelo da testa com a mão.

   – Você sempre pode contar com a Sra. Kimak para ser a primeira a aparecer num lugar e a última a sair – disse. – Estou fugindo dela agora.

   Eu dei tapinhas de simpatia no ombro dele.

   – Quer que eu fique com você? – perguntei.

   – Não mesmo. Eu prefiro que você não a conheça. Sério.

   Assenti e voltei a olhar para a escola.

   Será que eu devia contar ao Gabe o que havia acontecido naquela manhã? Não tinha pensado muito nisso até Paulo perguntar se era por ele que eu queria manter segredo. Eu realmente queria contar ao Gabe que teria de brincar de ser a namorada do monitor fascista pra família dele? Não. Não mesmo. Porque aí eu teria que contar como fui acabar nessa confusão e isso envolvia capelas, altares e línguas que simplesmente não conseguiram ficar nas próprias bocas.

   É, eu definitivamente não queria contar isso ao Gabe.

   – Ei, onde você esteve a manhã toda? – ele perguntou e eu comecei a pensar que meus pensamentos deviam estar escritos na minha testa. Ele era só a terceira pessoa do dia que parecia saber o que eu estava pensando.

   – Ahn...meu pai esteve aqui – eu resolvi dizer.

   – Sério? – ele perguntou, genuinamente surpreso, já que eu havia dito muitas vezes que não esperava que ele viesse.

   Assenti e ia falar que foi um pesadelo quando ouvi uma voz aguda gritar o nome de Gabe em algum lugar não muito longe dali.

   – Merda! – ele exclamou, olhando para os lados, preocupado. – Depois eu falo com você, Julieta, agora tenho que ir até ela antes que ela faça um escândalo! – e começou a arrastar os pés em direção à grande área na frente do prédio principal, onde o evento estava acontecendo.

   Para ser sincera, eu não passei muito tempo lá para saber o que estava acontecendo. Depois que saímos do estábulo, Paulo e eu fomos encontrar nossas respectivas famílias. Ele para, provavelmente, aproveitar a companhia deles e eu para tentar expulsar meus parentes daqui. Felizmente minha irmã estava pronta para ir e meu pai também não relutou muito.

   Era quase hora do almoço agora, mas eu não sentia fome. Abracei meu corpo e continuei olhando minha escola, só um pouco consciente do pequeno sorriso nos meus lábios. Sei lá, era bom perceber que eu, finalmente, sentia como se pertencesse a algum lugar. Não me importava realmente que a grande maioria dos alunos me tratasse como a cria do Satã e minhas colegas de quarto fossem a piranha cor de rosa e a menina que fazia cosplay de parede. Eu tinha até me acostumado a elas.

   E, claro, tinha o meu amigo Gabe. Bonito e meio esquisito. Meio como eu, mas muito mais doce.

   E também o Paulo. Tudo bem, eu não queria admitir, mas, sem que eu quisesse e sem que ele soubesse, ele coloriu minha vida um pouco. De um jeito totalmente estranho, porque o garoto tinha um gênio terrível, mas foi meio inevitável me apaixonar por ele.

   E por isso mesmo eu tinha que deixá-lo ir. Bianca estava certa. Eu estragaria a vida dele. Pra valer.

   Eu gostava dele demais para isso.

   Mas continuei sorrindo. Depois das lágrimas mais cedo, era um avanço. Eu estava começando a pensar que o simples fato de gostar de alguém já era uma prova de que eu não podia ser tão ruim. Certo, eu não podia ficar com ele, mas...eu podia gostar de gostar dele, não podia? Isso não fazia muito sentido, mas e daí? A garota errada não precisa fazer sentido o tempo todo.

   O dia estava claro, mas uma brisa gelada começava a brincar com meu cabelo e me fez esfregar meus braços para afastar o frio. Não muito longe de onde eu estava, podia ouvir risadas e trechos de conversas. Pais passando tempo com seus filhos, brincando com eles, felizes por estarem juntos. Achei que isso fosse me incomodar mais do que incomodou. Mas eu não queria meu pai ali. Muito menos minha irmã. Ainda tinha muito ressentimento entre nós, muitas coisas mal resolvidas e eu realmente duvidava que seria capaz de perdoá-los um dia. Os dois, de formas diferentes, haviam mostrado que nossa família não era prioridade. E ser colocada em segundo lugar sempre machuca.

   Se as coisas fossem diferentes, seria legal ficar com minha mãe, mas só com ela. Seria meio triste, mas fazia muito tempo que eu não a via e eu sentia a falta do seu carinho, de quando ela acariciava meus cabelos, de quando dizia que eu era bonita. Eu sentia falta dela. Não era como se essas coisas fossem acontecer se eu a visse, mas seria bom se eu só pudesse vê-la. Mesmo que ela gritasse comigo, mesmo que continuasse me odiando. Eu a entendia. E nunca deixaria de amá-la.

   Não, eu não estava triste. Nem por ouvir todos os outros alunos se divertindo com suas famílias nem por lembrar que minha mãe não era mais a mesma. Eu estava aceitando essas coisas. Eu nunca ia ser como as outras garotas nem ter as mesmas preocupações, mas talvez estivesse na hora de parar de querer odiar tudo e todos e ser a garota rebelde que não liga pra nada, e começar a aprender a viver com tudo o que me aconteceu. De maneira saudável. 

   Meu terapeuta teria gostado de ouvir isso. Ele provavelmente diria que eu estava crescendo e indo na direção certa.

   Suspirei e voltei a esfregar meus braços. Estava começando a ventar mais forte e eu não tinha mais nada para fazer ali, então comecei a caminhar lentamente para o meu quarto.


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Notas finais do capítulo

Um agradecimento especial à Ágatha Rivera, que fica a madrugada toda esperando eu escrever o capítulo e me incentivando *.*
Bom, como o outro capítulo já tá pronto, mandem muitos reviews que eu posto no sábado SEM FALTA.
E não se preocupem que eu ainda vou responder aos reviews do cap passado :)
Beijoos