Manchas escrita por Juliiet


Capítulo 16
Capítulo 15


Notas iniciais do capítulo

Gente, vocês são demais, sério. Amei todos os reviews que eu recebi, mesmo tendo passado mil séculos pra postar. Vocês não sabem como me fizeram feliz. Aqui está outro capítulo e espero oque vocês gostem :)



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   Paulo Chermont estava zangado.

   Aliás, acho que a palavra certa seria furioso.

   Bom, nem sei se posso dizer que fiquei surpresa, afinal o garoto sempre parecia perder as estribeiras quando eu estava por perto. Só me perguntei o que diabos havia feito dessa vez para deixá-lo com aquele brilho quase assassino nos olhos.

   — Vai fugir da detenção, Julieta? — perguntou naquela voz enganosamente calma que eu passara quase um mês sem ouvir.

   Sem aviso e contra a minha vontade, meu coração deu um salto no peito e disparou. Minha respiração ficou curta e ofegante em um segundo. Tudo isso só por ouvir o timbre da voz dele.

   O. Que. Diabos. Estava. Acontecendo. Comigo?

   — Não, eu...— comecei, mas não sabia o que dizer. Para ser sincera, eu parecia ter perdido completamente a capacidade de articular palavras.

   Certo, sei como isso estava soando. Como se eu tivesse enlouquecido total e completamente por um garoto bonito e blablabla. Julieta é uma adolescente como qualquer outra. Mas não era só isso ou eu estaria perdendo o juízo desde o momento em que me enfiei naquela sala com Pietro, que era tão bonito quanto Paulo e talvez um pouco mais charmoso, com aqueles cabelos compridos, o sorriso fácil e a habilidade natural para provocar. Não, rostos bonitos não eram o suficiente para me fazer estancar daquele jeito, parecendo uma idiota que esqueceu a função dos pulmões. Eu estava daquele jeito porque me sentia como se estivesse sendo testada, tentada. Fiz de tudo para não pensar naquele monitor nas últimas semanas e quase me convenci de que conseguira. Menti para mim mesma ao fingir que não pensava nele toda vez que passava pela piscina, ao fingir que não me importava que não pudesse nem ficar perto nem vê-lo nas aulas de equitação que ele coordenava, já que, como novata, ele deve ter assumido que eu era leiga e mandou que eu ficasse nos estábulos, escovando os cavalos que a turma não estava usando. E nem ao menos se deu ao trabalho de me dizer isso pessoalmente, simplesmente mandou Luma em seu lugar. A expressão de escárnio e satisfação no rosto dela quando me informou das ordens dele me fez querer arrancar alguns dentes importantes de sua boca. Mas eu fingi. Fingi para mim mesma que não o procurava inconscientemente com os olhos pelos corredores ao mesmo tempo que me escondia da sua presença, que não tinha vontade de perguntar sobre ele a cada minuto da hora diária que eu passava com Pietro, fingi que não me importava, fingi que era indiferente, fingi que não lembrava do seu beijo, da maciez dos seus lábios sobre os meus, da impetuosidade da sua língua ao explorar a minha boca. Fingi que não ficava pensando no verde profundo dos seus olhos durante cada minuto do maldito dia.

   E então, eu o tinha na minha frente naquele exato momento. E fitava a sua boca contraída, sua mandíbula apertada, a veia pulsando levemente em seu pescoço e seus olhos verdes nublados de raiva. E assim, na frente dele, eu não podia fingir. Nem para mim mesma. Não podia fingir que não pensava nele, que não esperava uma palavra, um olhar, um toque dele, que não ansiava por isso.

   Não podia mais fingir que eu não o queria.

   Deus, no que eu estou pensando?

   — Ela chegou mais cedo, por isso estou liberando-a mais cedo, cara — a voz descontraída de Pietro tirou-me do meu torpor e eu percebi que estivera encarando Paulo de maneira vergonhosa. — Sem motivo para estresse, Paulo. A garota já está de saída, se você quiser falar comigo — e virando-se para mim deu uma piscadela e completou. — Nos vemos amanhã, Julie.

   Chermont pareceu impossivelmente mais furioso e não se moveu da porta para que eu pudesse passar. Eu havia recuperado parte do juízo e do controle das minhas funções motoras e queria sair dali sem dizer outra palavra à ele, mas também não queria tocá-lo, nem para fazê-lo sair do caminho.

   — Não é com você que preciso conversar, Pietro — retorquiu Paulo com a voz fria, fitando o amigo com os olhos entrecerrados. — Por que você não vai fazer companhia para Luma e Rob na sala de jogos? Os dois estão precisando aturar a melação da Maya e do Yuri sozinhos.

   Dei uma olhada para Pietro e o vi fazer uma careta. Aparentemente, a ideia de precisar aguentar a melação da menina que pulava mais que bolinha de ping pong com o namorado não era o que ele tinha planejado para a noite.

   — Nem pensar — o loiro respondeu, passando por nós e apertando meu ombro rapidamente com a mão. — Eu prefiro sugar o Mar Morto com um canudinho a precisar ouvir Maya e Yuri chamando um ao outro de "benzinho". Aqueles olhares de adoração, então? Você podia achar que depois de dois anos, a coisa iria esfriar, no entanto, os dois não se desgrudam...mas não se preocupe, eu vou arrumar o que fazer — ele completou com um sorriso sacana ao perceber que Paulo apertara os punhos. — Você vai ficar livre pra bater um papinho com a Julie a sós, amigo.

   Rindo, Pietro passou por Paulo e deixou a sala, eu ainda podia ouvir um fiapo de sua risada diminuindo gradativamente enquanto ele se afastava. Mantive meus olhos baixos o tempo todo, recusando-me a encarar os olhos verdes do monitor que mexia com meus nervos. Ele não disse nada e nós ficamos ali parados por quase um minuto inteiro. Cansada daquele joguinho, eu dei dois passos para frente e tentei passar por ele, que me impediu segurando meu braço acima do cotovelo.

   Lancei na direção dele o que esperava que fosse um olhar fulminante, mas o garoto não me soltou e seus olhos continuavam furiosos, dava para ver que ele estava fazendo um esforço hercúleo para se controlar. O motivo daquilo tudo eu não sabia, ultimamente tinha andado mais na linha do que qualquer terapeuta meu teria achado possível, já que todos pareciam concordar que eu era a filha do diabo e o melhor para mim era um reformatório.

   Veja bem, depois que você queima um professor da escola com a ponta acesa de um cigarro...vamos só dizer que as pessoas começam a achar que você tem sérios problemas comportamentais.

   Mas eu não tinha nem chegado perto de fazer algo assim no último mês, não tinha desobedecido a nenhuma regra da escola...bom, quase. Mas Chermont não tinha como saber da pequena cabana para onde eu estava fugindo, certo? Quer dizer, quem se embrenharia naquele matagal? Além de mim, é claro. Mas eu procurava solidão e preciso dizer que a última coisa que um garoto popular como Paulo Chermont deveria querer era isso. E, além de tudo, eu não tinha certeza de o que o que eu estava fazendo era permitido ou não. Tirando a vez em que eu roubei uns travesseiros e cobertas e fui para lá a noite, depois do toque de recolher, eu não achava que estava fazendo nada de mais. O que eu fazia no meu tempo livre era problema meu, certo?

   Porém o brilho de raiva nos olhos de Chermont me diziam que eu estava muito, muito, encrencada.

   E eu nem sabia o porquê.

   — Não vai me largar? — perguntei, forçando o tom indiferente à minha voz com perfeição.

   — Precisamos conversar — ele respondeu apenas, as palavras baixas por entre seus dentes trincados.

   — Certo, pode falar — quanto antes aquilo acabasse, melhor.

   — Não aqui.

   — Então onde?

   — Vem — e dizendo isso, foi me puxando pelo corredor. Tudo bem que seu aperto tinha diminuído, mas ele não largou meu braço, como se tivesse medo que eu fosse sair correndo.

   Rolei os olhos. 

   — Eu posso andar sozinha, sabe? — disse numa voz bem debochada. — E para onde eu iria fugir? Você saberia onde me encontrar mesmo.

   Chermont bufou, mas me soltou, eu fui seguindo ao lado dele enquanto caminhávamos a passos rápidos até a saída do prédio.

   Alguns passos depois, percebi que nós dirigíamos ao dormitório masculino, que aquela hora estava vazio como um cemitério, os alunos ainda em suas atividades vespertinas.

   — O que viemos fazer aqui? — perguntei, receosa, quando chegamos à entrada.

   Eu parei no vestíbulo e não entrei.

   — Entre de uma vez, Julie — ordenou ele naquela voz falsamente calma que eu reconhecia tão bem. 

   — Não vou entrar aí sozinha com você. E as meninas não podem entrar no dormitório masculino, de qualquer jeito. É contra as regras!

   — E você vem me falar de regras! — Paulo finalmente estourou, os olhos entrecerrados de fúria, os punhos apertados ao lado do corpo. — Eu sou monitor e presidente do comitê disciplinar! Eu faço as regras! Eu sou as regras!

   E aproveitando do meu estado de choque diante de sua reação, prendeu meu braço firmemente entre seus dedos de ferro e me puxou para dentro, pelo corredor e três lances de escadas. Confesso que só pensei em resistir quando chegamos ao segundo lance, e já era tarde demais. Eu não era nem nunca fui do tipo frágil e pequena, mas perto do Chermont eu me sentia — e era, vamos encarar — totalmente impotente.

   Apesar dos meus protestos, ele conseguiu me puxar até um quarto no terceiro andar, trancando a porta atrás de nós. Apesar do medo insensato que começava a tomar conta de mim, eu observei o lugar em que me encontrava. Era um quarto — bem menor do que aquele que eu ocupava com Willa e Luma — com uma pequena cama de solteiro encostada na parede, uma cômoda de madeira na parede oposta, um pequeno armário branco ao lado da porta e uma escrivaninha cheia de papéis, livros e apostilas abaixo da janela, coberta por persianas azuis. O quarto inteiro era pintado de branco e azul. Havia uma camisa masculina jogada em cima da cadeira em frente à escrivaninha. Reconheci como sendo do uniforme da Werburhg. E uma porta aberta na parede perpendicular ao armário revelava um pequeno banheiro.

   O quarto de Paulo Chermont.

   Certo, eu não devia pirar por causa disso. Logo eu? Não era exatamente uma novidade. E eu não devia estar tão nervosa por estar no quarto de um garoto. Ainda que esse garoto tivesse os olhos verdes mais perturbadores e profundos que eu já vira.

   – Certo, diz de uma vez – falei, apoiando as mãos na cintura e fitando-o com frieza. – O que você quer?

   Paulo passou os dedos furiosamente pelos cabelos castanhos, enquanto andava em círculos pelo pequeno aposento, como um animal selvagem engaiolado.

   – Você realmente não tem a menor noção, não é? – disse de repente, parando a pouco mais de um metro de mim. – Chega de fora se achando tão esperta, tão especial...mas você não sabe de nada. Você deveria me escutar – terminou quase sussurrando, como se falasse mais para si mesmo do que para mim.

   Mas eu ouvi.

   – Te obedecer, você quer dizer, não é? – debochei, sentindo a raiva começar a tomar conta das minhas palavras. Com que facilidade aquele garoto me levava à borda da fúria, quando por anos eu pensei que nunca mais pudesse ter uma reação tão apaixonada! – Quer saber? Eu sou esperta sim. Esperta o bastante para não precisar ficar aqui ouvindo esses seus absurdos. Com licença – tentei passar dignamente por ele, mas o monitor abusado segurou-me pelos ombros e me empurrou para longe da porta.

   – Você enlouqueceu?!

   – Sim! – respondeu ele, furioso. – Eu sou louco e você, estúpida! Será que eu não fui claro o bastante? Não mandei você ficar longe do Kimak? Você é surda? Ou idiota?

   Aquele garoto era definitivamente caso de internação! Qual o maldito problema dele com o Gabe? Praticamente desde o segundo em que eu pisei nesse inferno, ele tem esgotado minha paciência com isso e eu estava cansada das suas tentativas malucas de me controlar!

   – Essa história de novo? – rolei os olhos. – O que você esperava de mim? Oh, claro que vou obedecê-lo, Grande e Sábio Paulo Chermont! Quer que eu faça mais alguma coisa, Vossa Majestade? Quem sabe me ajoelhar ou me jogar aos seus pés?!

   Paulo pareceu crescer de fúria com a minha ironia. A mandíbula cerrada, as mãos em punhos, olhos que faiscavam. Ele parecia tão fora de si que, por um momento eu não pude decidir se era lindo ou amedrontador. Pela sua expressão, parecia que queria quebrar algo bem pesado na minha cabeça. Acho até que ele realmente teria feito isso, se tivesse algo às mãos, como um vaso ou uma garrafa. Mas não tinha, fato pelo qual agradeci precipitadamente.

   Ele extinguiu a distância entre nós e, com uma mão em minha nuca e outra em minha cintura, baixou a boca para a minha.

   Como eu disse, definitivamente caso de internação. Se esse garoto não for bipolar, eu não me chamo Julieta!

   Eu sei que o que qualquer pessoa normal estaria pensando nesse momento. E sim, é claro que eu poderia perfeitamente enfiar meu joelho no meio das pernas daquele ditadorzinho de araque, afinal, como já devo ter dito, eu não sou nenhuma princesinha frágil e aprendi a me defender a muito tempo. Bom, comparada a Paulo, eu até que podia ser considerada pequena sim, mas isso nunca me impediria de esmagar as partes sensíveis dele, se eu quisesse.

   Sempre dei joelhadas certeiras.

   A questão era que eu não queria que ele parasse de me beijar. E eu meio que sabia disso muito antes de ele colar os lábios nos meus. Eu sabia que beijá-lo seria o paraíso e eu quis fazer isso no momento em que o vi na porta da sala da minha detenção. E sim, eu sei que sou muito boa mentindo para mim mesma, fingindo que sou muitas coisas e que não sou outras tantas. Mas algo em Paulo – e não estou me referindo apenas àqueles lábios quentes e mágicos se movendo contra os meus – me impedia de continuar me enganando.

   E o fato era que, pela primeira vez em dois anos de culpa e dor, eu me senti livre. Ainda que fosse por apenas um momento, eu me senti apenas uma garota comum de 16 anos beijando um garoto bonito. Talvez não fosse o melhor beijo da minha vida no quesito técnica, mas eu nunca havia me sentido assim com nenhum dos outros garotos que já havia beijado. E isso o fazia superior a todos. Melhor. Transcendente.

   Senti a mão que estava em minha nuca se mover para a minha cintura, apertando minha pele com os dedos, quase com ingenuidade, como se tivesse medo que eu fosse escapar de suas mãos como areia. Subi as minhas mãos para a nuca dele, passando a brincar com o seu cabelo macio. Paulo avançava e eu dava hesitantes passos para trás, beijando-o de olhos fechados. Senti a beira da cama atrás dos meus joelhos e Paulo me empurrou gentilmente até que eu estivesse deitada com ele sobre mim, apoiado nos joelhos e cotovelos. Havíamos parado de nos beijar.

   Os olhos verdes dele estavam anormalmente escuros, cor de musgo. Os lábios estavam vermelhos e ligeiramente afastados, eu podia sentir sua respiração quente e irregular na pele da minha bochecha.

   No segundo seguinte, seus lábios estavam de volta nos meus, sua língua abrindo caminho facilmente por meus lábios partidos. Minhas mãos impacientes se infiltraram por baixo da camisa dele, sentindo os músculos do seu abdômen. Paulo passou a distribuir beijos em minha mandíbula e pescoço, enquanto uma de suas mãos subia pela minha coxa por baixo da saia.

   Era uma verdadeira pena que eu estivesse de meia calça.

   Abri os olhos e fitei o teto branco enquanto suspirava pelos beijos quentes do Paulo na pele sensível perto da minha orelha. Era muito bom.

   E muito, muito errado.

   Bom, eu não era exatamente uma garota certa, era?

   Minhas mãos voltaram aos cabelos dele, perdendo-se entre os fios ondulados e fartos. Escutei-o sussurrar alguma coisa no meu ouvido, mas estava tão envolvida com as reações que seu corpo arrancava do meu que, a princípio, as palavras não fizeram o menor sentido.

   Mas ele fez o grande favor de repeti-las:

   – É assim que o Kimak faz com você?

   E dessa vez eu entendi perfeitamente.

   Mas o estranho é que eu era acostumada com a dor, convivia com ela diariamente e, no entanto, fui pega de surpresa pela dor que as palavras dele me causaram.

   Empurrei-o e me levantei da cama antes que Paulo sequer entendesse o que estava acontecendo.

   – A chave, Chermont – exigi ao girar a maçaneta da porta inutilmente. – Agora!

   Paulo levantou da cama e se recompôs, com um olhar confuso e mais do que um pouco irritado. Ele passou uma das mãos nos mesmos cabelos em que meus dedos haviam se aventurado segundos atrás, e sorriu com deboche.

   – Qual é o problema? – perguntou ácido. – Você acha mesmo que eu não sabia que você está transando com ele? Por que acha que estou furioso com você?!

   Fiquei tão atônita que, por um momento, não pude dizer nada. Do que aquele desgraçado estava falando? O que passava naquela cabeça de ogro dele? Eu comecei a me sentir meio tonta, minha cabeça parecia uma estação de trem, com pensamentos entrando e saindo sem permissão, e tudo o que eu queria era fechar os olhos e não pensar em mais nada.

   – Você fez curso pra ser babaca? – perguntei, respirando fundo, controlando-me para não começar a gritar e bater nele.

   – Não, mas você deve ter curso de vadia, pra transar com aquele –

   Minha mão atingiu o rosto dele com força antes mesmo que terminasse a frase.

   – Cala essa boca – mandei, a fúria fluindo como água em minhas palavras. – A chave, Chermont.

   Mas antes fosse só fúria. Não, minha raiva não era solitária, ela vinha acompanhada de dor e tristeza. O que, de verdade, ainda não fazia sentido para mim.

   Paulo fechou os olhos por um segundo e suspirou, passando a mão na pele do rosto atingida, onde a marca vermelha dos meus dedos começava a aparecer.

   – Eu disse a mim mesmo que não iria mais interferir se você quisesse desfilar com aquele marginal pela escola – ele começou, fuzilando-me com os olhos. – Disse a mim mesmo que aqui não haveria perigo, no fim das contas. Pensei de verdade que você ficaria bem. Mas nunca, nunca imaginei que você sairia daqui com aquele...aquele...

   Aparentemente Gabe era tão horrível e desprezível que Paulo não conseguia achar um xingamento adequado para se referir a ele.

   Eu já estava no modo automático, tinha tido o bastante daquilo. Minha cabeça doía como se eu tivesse dado marteladas nela e eu sentia que corria seriamente o risco de chorar.

   – Julieta – ele continuou, a voz cansada, como se ele também já estivesse em seu limite. – Você não conhece o verdadeiro Gabriel Kimak. Você não sabe o que ele fez, não sabe como ele é, ele...

   – Ele é muito melhor do que você – consegui dizer, interrompendo-o e estendendo a mão direita, aberta, para ele. – A chave, Chermont. Eu não estou brincando.

   Paulo abriu a boca como se fosse dizer alguma coisa, mas mudou de ideia e tirou a chave do bolso, entregando-a a mim.

   – Essa vai ser minha última tentativa amigável de tentar colocar um pouco de juízo na sua cabeça – ele avisou, fazendo-me rir com sua escolha de palavras.

   – Amigável?! – ecoei, virando-me para destrancar a porta. – Desde quando isso é sinônimo para psicopata-aspirante-à-nazista?

   Ele ignorou o que eu disse e continuou:

   – Até posso entender que você se sinta atraída por tipinhos como ele, com esse jeito meio bad boy, mas ele é muito mais do que apenas isso. Ele é o pior tipo de homem. Vai machucar você como se não fosse nada. E para ele, não é nada.

   Gabe? Bad boy? Chermont e eu estávamos falando da mesma pessoa? Tudo bem que Gabe podia ser um pouco misterioso, mas quem sou eu para reclamar do mistério dos outros? A garota cuja vida é um livro aberto?

   Err...não.

   Abri a porta, mas ao invés de sair por ela, voltei-me para encarar o maldito monitorzinho.

   – E como isso vem a ser da sua conta, Chermont? – perguntei.

   – Eu tenho meus motivos para não querer vê-la machucada, Julieta.

   Eu não entendia Paulo Chermont e isso era um fato. Em um momento ele estava gritando comigo, no outro estava me beijando como se não existisse amanhã e depois me fitava com aqueles olhos verdes como o mar, dizendo que não queria me ver machucada.

   Mas eu não podia me comover com isso. Esse era o mesmo garoto que odiava Gabe Kimak, meu único amigo. Era o mesmo garoto que me beijara acreditando que eu estava transando com outro. O garoto que tinha acabado de me chamar de vadia.

   Mas eu estava. Comovida, eu digo. Pelo menos um pouco. Sim, as palavras dele mexeram comigo. Sou Julieta Vaughan e esta é minha vida. Mas é claro que eu não deixei transparecer. Não podia. Então só disse:

   – Que lindo esse seu sentimentalismo barato. Já posso vomitar?

   Ele rolou os olhos e se preparou para dizer mais alguma coisa, mas eu não permiti.

   – Eu sou dona da minha vida, Paulo Chermont – comecei, usando minha voz mais fria e firme. – E não é um garoto como você que vai me dizer o que fazer. Fui clara? Fique longe de mim. E de Gabe Kimak.

   Ele não disse nada e eu saí, batendo a porta com força, andando pelo corredor a passos largos. Havia alcançado o topo da escada quando ouvi o barulho de uma porta sendo aberta. Mas o que me fez mesmo parar foi a voz grave de Paulo, que disse:

   – Gabriel Kimak é um assassino, Julieta.

   Fiquei estática por um segundo, absorvendo aquela informação escandalosa. Não sabia o que dizer, o que pensar, e pior, no que acreditar.

   Tinha que sair dali. Imediatamente. Precisava ficar sozinha e o mais longe possível de Paulo Chermont.

   Porém minhas pernas não me obedeceram. Em vez de descer os degraus da escadaria, me peguei virando para olhar Paulo, que estava parado no meio do corredor, a uns três metros de mim. Seu uniforme estava amassado, seus cabelos, bagunçados, e sua expressão era preocupada.

   Não me aproximei, aliás, não me movi nem um passo. Mas minha boca se abriu e eu senti, mais do que ouvi, as palavras saindo dela. Mas era como se outra pessoa as estivesse dizendo. Revelando aquela horrível verdade sobre mim ao mesmo tempo que respondia à afirmação de Paulo sobre Gabe:

   – Eu também sou, Chermont.


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Notas finais do capítulo

Assim, eu vou responder todos os reviews do cap passado amanhã, vocês merecem mesmo. E também, desculpa por demorar a postar, mas essa história é meio complicada e eu realmente não posso prometer capítulos mais frequentes. Talvez melhore com as férias, eu vou pra BH, mas como já conheço essa cidade inteirinha (muitas férias passadas lá), vou acabar ficando em casa o dia todo e talvez dê pra escrever. Bom, é isso. Beijos e muito obrigada :)