Manchas escrita por Juliiet


Capítulo 1
Prólogo


Notas iniciais do capítulo

Minha tentativa de fazer alguma coisa que não seja comédia. Espero que gostem :)



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   O tempo estava frio. Caía uma chuva fina enquanto o trem finalmente chegava ao seu destino. A pequena e pacata St. Werburgh.

   Em um banco do último vagão, havia uma menina com os olhos voltados para a janela. O lugar estava vazio, exceto por ela, para quem o tempo parecia ter parado.

   A menina brincava distraidamente com o pingente do seu colar prateado. Qualquer um que o visse, saberia logo que era especial. Um pingente oval de prata, que dentro guardava uma lembrança.

   “A cidade errada para a garota errada” pensou ela. Não importava onde estivesse, o quão longe fosse de sua antiga vida, ela continuava a mesma. Seu passado não poderia ser apagado, mesmo que ela o desejasse mais do que já desejara qualquer coisa.

   Existem feridas que nem o tempo cicatriza.

   Reuniu coragem e levantou-se do desconfortável banco, jogou a pesada mochila sobre os ombros e desceu na pequena estação. Para onde quer que olhasse, podia ver sorrisos e lágrimas de alegria. Pais, irmãos, amigos que se reencontravam. Pessoas que provavelmente contaram os dias e as horas para verem de novo aqueles que guardavam no coração. Famílias inteiras se abraçavam, comemorando o fato de estarem todos reunidos de novo e a menina assistia a tudo como uma intrusa.

   Era exatamente como ela se sentia. Uma intrusa. Não tinha o direito de estar ali, observando a felicidade daquelas famílias, maculando aquele momento tão bonito.

   Família.

   Ela mal lembrava o que era ter uma.

   Ou talvez lembrasse, o que era pior. Sufocava as lembranças porque elas eram dolorosas demais. Mas, às vezes, como naquele momento, era impossível impedi-las de invadirem sua mente, rompendo aquela fina barreira que a menina criara.

   É, o passado não pode mesmo ser apagado. Nem esquecido.

   Não, não havia ninguém ali para esperar por ela com um abraço caloroso ou um sorriso de boas-vindas. Estava num lugar estranho, cercada de pessoas estranhas. Há muito tempo não havia abraços ou sorrisos calorosos aonde quer que fosse. Assim era a sua vida e assim iria vivê-la.

   Distraidamente, procurou passar por entre as pessoas para sair da estação. Sabia que St. Werburgh era uma cidade muito pequena mas, como nunca estivera lá, precisaria de alguma orientação para chegar ao seu novo colégio. Com o mesmo nome da cidade, o Instituto St. Werburgh era um internato católico.

   A maioria das garotas na idade dela odiaria a ideia de ir para um internato, sem sombra de dúvida, ainda mais se fosse um internato rígido e religioso. Mas não aquela garota. Há muito tempo que ela não compartilhava dos sentimentos das garotas normais de sua idade. Não se importava absolutamente com o fato de ter sido mandada para um internato. Que diferença faria? Nenhuma. Não tinha um lar em sua própria casa e não o teria ali. As coisas continuariam as mesmas, apenas o cenário seria outro.

   E o cenário não muda a história.

   - Com licença – alguém disse às costas da garota, fazendo-a virar-se para ver quem estava falando com ela. – A senhorita por acaso é Julieta Vaughan?

   - Sim, sou – respondeu a menina em sua voz austera e indiferente, sem demonstrar a sua surpresa por aquela velha senhora saber seu nome.

   - Que bom que a encontramos – continuou a senhora, abrindo um sorriso. – Eu sou a irmã Carmem e esta é a irmã Manuela. Viemos buscá-la e levá-la para o colégio.

   As duas estavam vestidas com hábitos acinzentados e brancos. Eram ambas baixinhas, mas irmã Carmem era idosa e tinha cabelos ralos e brancos enquanto que Manuela era jovem e tinha feições bonitas.

   Julieta apenas assentiu e não disse nada enquanto seguia as freiras até um carro preto estacionado ali.

    “Estranho” pensou ela, enquanto entrava no carro “elas me chamaram pelo sobrenome da mamãe”. Há dois anos Julieta parara de assinar o sobrenome do pai, mas as freiras não tinham como saber, a não ser que alguém as tivesse avisado. E seu pai não faria isso.

   Mudou rapidamente o rumo de seus pensamentos ao passar, pela primeira vez, os olhos sobre aquela cidadezinha. As ruas de paralelepípedo eram estreitas e não havia sinais de trânsito. Quase não havia carros, o que não surpreendeu Julieta. O lugar era tão pequeno que o melhor a fazer era simplesmente caminhar de um lugar para outro.

   - Bem vinda, senhorita Vaughan – irmã Manuela disse, numa voz simpática. – Nosso colégio fica na parte mais alta da cidade, por isso viemos buscá-la de carro. Já veio aqui alguma vez?

   - Não.

   - Espero que goste de St. Werburgh – disse irmã Carmem, que estava dirigindo incrivelmente bem para uma velhinha. – É uma cidade muito tranquila e os jovens de cidades grandes como você, podem demorar a se adaptar.

   Julieta não respondeu ao comentário, apenas continuou observando a paisagem pela janela.

   O resto do percurso foi feito em silencio. E logo chegaram aos enormes e intimidantes portões de ferro do instituto.

   - Chegamos – exclamou irmã Carmem -, este é seu novo lar.

   Julieta desceu do carro com sua mochila e olhou para o colégio.

   Aquele podia ser o lugar onde viveria pelos próximos dois anos. Mas nunca seria seu lar.


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Notas finais do capítulo

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