Memória escrita por Guardian
Notas iniciais do capítulo
Último capítulo... Fico um pouco triste por acabar...
Leiam as monstruosas notas finais, por favor (:
~*~
Mana, como eu tinha dito, desta vez não veio nenhuma grande inspiração, nem o tempo, para escrever uma fic de presente. Mas seu aniversário passou e eu não posso deixar em branco assim, então eu queria ao menos dedicar este capítulo à você. Você, que acompanha essa fic desde que ela estava dando os primeiros passos ainda; você, que me ajudou com algumas ideias; você, que mesmo depois de dois anos me aturando ainda continua aqui comigo.
Dedico este último capítulo à você, porque é o mínimo que posso fazer pela amizade que você me dá ♥
Boa leitura a todos ~
Mello saiu andando apressado pelos corredores do orfanato - tentando muito se controlar para não começar a realmente correr - e olhando rapidamente o interior de cada sala pela qual passava; sequer sentia mais a pequena cartela de comprimidos firmemente seguros em sua mão. Sequer tinha certeza se ainda estava segurando os benditos comprimidos.
Não tinha razão para se preocupar, não daquele jeito quase irracional, sabia disso, mas era mais do que ele era capaz de controlar. Não conseguia conter a nauseante sensação de que... Ele, Mello, fosse a causa de Matt subitamente sumir de onde deveria estar. E se fosse... Quer dizer, Ryuzaki tinha dito que o ruivo deveria ter se encontrado com ele naquela sala, não tinha? E que como ele não tinha aparecido, devia ter adormecido no quarto, não era? Então...
Seria possível que ele tivesse ouvido quando... Não, não queria nem pensar na possibilidade. Afinal, se fosse mesmo isso, o que ele faria? O que ele poderia fazer? Não havia o que fazer, simplesmente não tinha, e esta era a maior e pior certeza dele. Afinal, mesmo que quando estavam na casa abandonada tivesse cogitado a ideia de expor aquilo, e, verdade, tivesse chegado bem próximo de o fazer, agora que a possibilidade estava flutuando na sua frente, o único ímpeto que o consumia era desejar que Matt continuasse sem saber de nada. Desejar, porque tinha medo. Medo do tipo de olhar que receberia. Medo das possíveis palavras que teria que ouvir. Medo de perder.
Já tinha passado por todos os andares do casarão, restava agora apenas o lado de fora. E com o enorme peso de nome “receio” martelando em seu peito, Mello abriu a porta principal e saiu.
Para qualquer pessoa que viva na Inglaterra, o comumente conhecido “país da chuva”, o clima úmido e praticamente constante presença de nuvens carregadas, é algo a se estar mais do que acostumado. Por isso os últimos dias, onde o céu manteve-se limpo e claro, com o sol exibindo-se no alto com todo seu esplendor e sem nenhum obstáculo, foram inéditos naquela época do ano. E Mello já estava esperando encontrar a mistura de cores que ultimamente indicava o entardecer, quando tudo com o que se deparou foi a brisa fria e úmida e o sombreado acinzentado desdobrando-se do céu, em um prenúncio de chuva. Parecia que ao menos alguma coisa por ali estava enfim voltando ao normal.
– Matt!
Contornando a casa, ele não demorou nem dois minutos para encontrar um ponto vermelho no meio de todo o verde e marrom. O ruivo estava sentado abraçando os joelhos, com as costas a meio caminho de se apoiarem no tronco de uma das maiores e mais antigas árvores do lugar, de um tempo anterior ao do próprio orfanato.
–... Matt?
Mello aproximou-se devagar, sem saber o que dizer. Ou melhor, sabia o que tinha que dizer, apenas não fazia ideia de como começar. Seria mais fácil se pudesse ao menos ver o rosto do ruivo, ver que expressão ele tinha. Ele estaria nervoso? Decepcionado? Tinha receio de descobrir, um tipo de receio que poucas vezes sentira com real intensidade, então perguntou, talvez apenas para testar se o outro o estava escutando:
– Por que está aqui fora?
A voz saiu abafada e nenhum movimento foi feito – Minha cabeça estava doendo.
O loiro apertou mais os comprimidos na mão, mas por algum motivo nem lhe ocorreu oferece-los para o ruivo.
– Está frio aqui.
– Não me incomodo.
Era impressão sua ou seus dedos estava ficando cada vez mais gelados? E por que o ar estava parecendo mais pesado para entrar e sair? Matt parecia distante dele, muito mais do que quando o encontrou no hospital, e era como se... Era como se esse distanciamento, esse imenso vazio que parecia ter sido posto em meio aos dois, fosse um deja-vu; o deja-vu que mais o machucava e o que ele mais queria poder enterrar.
Sua garganta parecia que tinha secado, mas ele não podia deixar assim. Parte dele, uma grande parte dele, não queria ouvir o que o ruivo pudesse lhe dizer, mas aquele silêncio era tão cheio de densa ansiedade, que sua outra parte praticamente lhe ordenava para ir logo com aquilo e aceitar de uma vez as consequências da sua estupidez.
Por isso, a despeito de tudo que sentia, começou a falar com a voz sem falhar, mesmo sem saber que palavras usar.
– Escuta, Matt, eu... Bom, eu estava falando com o Ryuzaki mais cedo e... Sabe, foi estranho, ele...
– Mello – Matt o interrompeu – Não... Você pode me deixar quieto um pouco? Está realmente doendo.
E puxou as pernas para mais junto do corpo, afundando a cabeça entre os joelhos. O loiro ficou mudo. Encarando a cortina de cabelos vermelhos ali, imóvel, não pôde deixar de se perguntar se esse “está realmente doendo” era referente à cabeça ou a alguma outra coisa totalmente diferente. Tinha sido assim tão idiota?
E agora? Se Matt queria ficar sozinho, o certo a fazer seria aceitar isso e refazer seus passos para o interior do orfanato. Mas ele não queria ir. Aquela sensação de que o ruivo poderia sumir a qualquer momento continuava, e ele não queria ficar longe dele... Como poderia?
Vários minutos se passaram sem que nenhum dos dois voltasse a se mover ou a pronunciar nada. Mello tinha vaga consciência da dormência dos braços, com a brisa agora se transformando em um vento frio, atravessando o tecido fino da única blusa que usava, e dos músculos das pernas reclamando pelo tempo em pé sempre na mesma posição. Matt mantinha o rosto escondido e tremia quase imperceptivelmente.
Finalmente, não aguentando mais ficar daquele jeito, Mello deu um passo incerto na direção da árvore, fazendo as folhas secas no chão estalarem sob seu peso, e agachou de frente ao ruivo.
– Matt, olha pra mim – pediu. Sua mão estava a meio caminho de se apoiar no joelho do outro, mas desistiu no meio do caminho, fechando-a em punho sobre si mesmo. Como o ruivo não parecia querer ouvi-lo, deu uma última tentativa – Mail.
Funcionou.
Matt ergueu o rosto, mas não encarou Mello. O loiro reparou que a pele dele parecia mais pálida do que o normal.
– Eu conversei com Ryuzaki hoje – começou, aproveitando antes que o ruivo resolvesse esconder o rosto novamente. Ele parecia realmente cansado – Você... Você nos ouviu, não foi?
O “Eu não tive a intenção” baixo de Matt provocou uma onda de nervosismo em Mello. Ele tinha mesmo ouvido...
– Aquilo... Matt, eu... Olha, eu não queria... Nunca pensei que...
– Mello, quer calar a boca? – o ruivo pediu, e como se não tivesse outra escolha a não ser acatar, tal como um feitiço, Mello ficou ali com a boca a meio caminho de dizer algo, mas sem voz alguma mais. Matt soltou um suspiro e encostou totalmente as costas no tronco atrás de si, fechando os olhos e os reabrindo em seguida – Isso não parece em nada com você. Não precisa ficar tão preocupado por causa daquilo.
Não?
– Mas...
– Eu nunca disse nada – continuou Matt, e sua expressão era estranha, uma mistura que Mello não sabia identificar nem um componente sequer – e acho que devo ter sido muito burro por causa disso. Quero dizer, eu poderia ter perdido e nunca mais recuperado. Eu sempre achei que não havia qualquer possibilidade, mas... Foi realmente uma surpresa. E a sensação é tão boa... Deve ser por isso que Ryuzaki pediu pra eu ir... Acho que se não fosse por isso, teria demorado bem mais para...
Mas completamente confuso, Mello o interrompeu.
– Matt, do que é que você está falando?!
O ruivo enfim olhou diretamente para ele, e havia algo diferente ali, embora Mello não soubesse dizer o que era. Ficou tão intrigado com aquele brilho estranhamente familiar que revolvia nos orbes verdes, que sequer reparou que esses mesmos orbes estavam ficando cada vez mais próximos.
– Disso – foi tudo o que Matt falou antes de apoiar a mão no ombro do loiro e iniciar algo que nem ele nem Mello imaginaram que algum dia seria possível. Mello, a princípio chocado demais para se mover, precisou de apenas alguns poucos segundos para se deixar ser tragado pela sensação indescritível de ter Matt assim próximo a si, de conseguir sentir seu cheiro, seu gosto, sua língua vasculhando o interior da sua boca daquela maneira. Logo Mello o puxava para ainda mais perto em uma reação quase automática, necessária, as mãos vagando pelas mechas ruivas ao mesmo tempo em que sentia a de Matt deslizar de seu ombro para sua nuca, causando-lhe estranhos e agradáveis arrepios. O ruivo estava totalmente no controle ali, mas por algum motivo Mello não se importava. Gostava. Era diferente, aquele não parecia o Matt confuso e fragilizado das últimas semanas, era como se...
...
Era como se ele tivesse voltado. Finalmente... Voltado.
Ambos começavam a sentir o efeito da privação de oxigênio, mas nenhum deles queria ser aquele a por fim ao momento. Matt deixou um suspiro baixo entrecortar seus lábios quando sentiu Mello tentar passagem para a sua boca e inverter os papéis, e teriam continuado se o som de folhas sendo pisadas e os risos infantis não os tivessem despertado.
Afastaram-se relutantes, cada um olhando para um lado diferente, tentando tornarem suas respirações de volta ao ritmo normal, por um momento desacreditando que aquilo havia de fato acontecido. Quando qualquer um deles pensaria que isso seria possível? Assim dessa forma? Sem nenhum tempero de hesitação para a aceitação, como se fosse a coisa mais certa do mundo? Sentindo o calor compartilhado, as respostas inconscientes frente aos impulsos que finalmente ganhavam permissão, de ambos os lados, para se mostrarem, qualquer pergunta era irrelevante e toda resposta era conhecida.
Só arriscaram voltar o olhar um para o outro quando mais nenhum outro som além de seu coração descompassado e do vento assoviando entre as folhagens, podia ser ouvido. Não sentiam mais qualquer frio.
“Diga a verdade, Mello” foi o que Ryuzaki disse, olhando para o pupilo quase sem piscar. “Ou não confia mais em mim?” perguntou inocentemente.
“Claro que confio! Mas é que...” o loiro falou sem-graça, fazendo questão de olhar para qualquer lugar que não para ele “Eu não quero que ele me odeie”.
“E por que ele o odiaria?”
“Porque aconteceu tudo aquilo com ele e... Eu não poderia simplesmente dizer que...”.
“Que você gosta dele? Mais do que como um amigo gosta de outro?”
“Acho que Matt nunca foi um simples amigo. Não pra mim.” Suspirou, encarando seu ídolo e tutor com o olhar mais calmo e resignado que o mais velho já o vira dar “Eu só queria ter percebido antes”.
Os lábios de Mello estavam avermelhados, quase tanto quanto seu rosto, o ruivo constatou com interna satisfação. Mas ao olhar para ele, Mello apenas reparou vagamente na pele corada e no cabelo bagunçado, não lhes dando muita atenção. Não, toda sua atenção estava voltada para os olhos dele. O verde estava decididamente com um brilho diferente, ele podia ver isso. E só uma conclusão formava-se em sua mente.
– Matt? Você...
Não conseguiu terminar a pergunta, sua garganta fechou como se ao verbalizar aquela hipótese ela deixasse de ser real, mas Matt sorriu. E de certa forma, esse sorriso era tudo do que Mello precisava para saber que estava certo. E ele nunca sentiu tanto alívio e alegria por estar certo.
– Quem diria – o ruivo disse, colocando sua mão em cima da do loiro – Eu guardo o que eu sinto durante tanto tempo, esqueço de tudo, e volto a sentir tudo do mesmo jeito. Parece que nem uma pancada na cabeça para deixar de gostar de você, Mihael.
–... – Mello tentou encontrar algo para dizer, mas o que poderia dizer? Existiria alguma palavra forte o suficiente para refletir tudo o que ele sentia neste exato momento? Duvidava.
Arrastando-se novamente para mais perto do outro, Matt o abraçou. Sua cabeça continuava latejando e a ferida em seu braço roçava incomodamente no tecido da blusa, mas nada disso importava. Abraçou o loiro como sempre quis abraçar, abraçou-o e foi abraçado de volta como nunca pensou que seria.
– Obrigado – falou baixo, próximo ao ouvido dele – Se você não estivesse aqui, talvez eu jamais me lembrasse de tudo. Obrigado... – “E se você não estivesse aqui, talvez não houvesse motivo para me lembrar” pensou com um sorriso escondido nos cabelos loiros.
E de longe, como um fantasma em todo seu contraste, Ryuzaki observava o desenrolar da cena pela janela embaçada e deixou um sorriso satisfeito se formar em seu rosto. No final das contas, fez bem em se meter.
~*~
Lembranças não são eternas. Não importa o quanto pareçam ser nos momentos de dor, felicidade, tristeza ou saudade, elas não irão permanecer ali por todo o tempo como se pensa ou espera.
Porque nada nessa vida dura para sempre.
No final das contas, não passa de mais um aspecto entre tantos outros que engana, faz acreditar que estará sempre naquele mesmo lugar não importando o que aconteça, mas que aos poucos vai escapando pelas frestas do tempo até que nada reste além da incômoda sensação de que já houve algo preenchendo aquele vazio, e do estranho desejo de resgatar algo esquecido, mesmo sem a certeza do que seja. E todos inevitavelmente algum dia experimentarão a horrível sensação de que um importante pedaço de si mesmo foi esquecido.
E o tempo continua passando, e chega o momento onde até mesmo essa sensação é esquecida, porque afinal, a que ela poderia estar ligada? Qualquer resquício do que um dia já foi importante, desaparece para nunca mais.
E se formos considerar que não é apenas a inevitável passagem do tempo que rouba a memória de alguém? Situações inesperadas, acontecimentos improváveis, inúmeras variáveis que podem desempenhar esse papel das mais diferentes formas. Isso não é mais uma prova de que diferente do que praticamente todos pensam, lembranças são tão efêmeras quanto qualquer outro componente do corpo? Pode não ser feito de material orgânico, mas é tão passível de degradação quanto se fosse.
Mas...
Se “para sempre” é algo que assumimos que não existe, está certo afirmar que seu oposto, “nunca mais”, é real? Ambos não passam a mesma significação de eternidade? Então, talvez do mesmo modo que nada pode durar para sempre, também nada fica esquecido para nunca mais voltar.
Memórias podem ser perdidas, memórias podem ser roubadas. Mas existem pessoas que podem resgata-las, e que sempre estarão lá para fazê-lo quantas vezes forem necessárias. E esse “sempre” talvez seja um pelo qual valha a pena se deixar iludir.
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Eu queria deixar um contraste entre o "Matt sem memória" e o "Matt normal", então me digam: ele surpreendeu pelo menos um pouquinho vocês ou só o Mello mesmo? ;D
E não dá! O L sempre tem que fazer uma aparição nas minhas longfics, e antes que eu perceba ele sempre acaba fazendo algo de relevante. Quem sabe quanto tempo mais demoraria pro Mello e o Matt se entenderem se não fosse por ele ùu
Agora...
Sério, eu quero deixar um "Muito Obrigada" enorme para aqueles que chegaram até aqui. Por acompanharem a história; por comentarem, favoritarem, recomendarem, ou simplesmente, lerem; por aturarem meus atrasos, por reviews que por algum motivo ainda estejam sem resposta, mas nunca esquecidos; por ficarem com raiva desta autora por judiar tanto desses pobres personagens, e por incentiva-la a continuar fazendo isso até eles acabarem bem. Obrigada.
Essa fic começou como uma simples ideia que surgiu de uma outra (Blades and Stars), e que a princípio era pra ser simples e com no máximo dez capítulos. E quando eu percebi, foram aparecendo cada vez mais situações e chances de explorar melhor tudo. Muitos dos aspectos que eu mais amo ler e escrever acabaram ganhando oportunidade, e a cada capítulo eu ficava mais e mais orgulhosa por não ter desistido da ideia, e mais feliz por vocês estarem lendo e gostando.
Sentimentos escondidos, flashbacks, drama, perspectiva psicológica, Matt e Mello.
Amei imaginar. Amei escrever. Amei ter a companhia de vocês durante o trajeto. Amei ganhar elogios, críticas e sugestões. E agora, por mais triste que me deixe, amei conseguir terminar.
Mais uma vez, muito obrigada a todos ♥
Um abraço ENORME, um bombom suíço para cada um, e espero, até uma próxima!