Memória escrita por Guardian


Capítulo 13
Será que dá pra calarem a boca?!




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 Alguns dias se passaram.

 E nesse tempo que se passou, Matt não teve mais nenhum sonho como o daquele dia. Ou assim eu imagino, porque ele não mais acordou gritando nem chorando depois daquilo, pelo menos. E eu acabei aprendendo, depois de algumas ocorrências, que aquela dor de cabeça forte que ele sentia e não conseguia disfarçar, estava relacionada com alguma lembrança que ele conseguia de alguma forma, recuperar.

 Mas como ele tinha a irritante mania de tentar aguentar tudo em silêncio e não me dizer nada, eu era obrigado a prestar atenção nele de tempos em tempos, pra ter a certeza de que realmente não havia nada de errado.

 E a parte que mais me surpreendeu, para não dizer, assustou, foi que: eu gostava de fazer isso. Melhor dizendo, eu não ligava de ter que fazer isso.

 Isso era uma droga...

 - Mello, não estamos atrasados? – ele perguntou ao olhar para o relógio, enquanto vestia sua camiseta. Pra variar, era listrada.

 ...

 Agora que eu reparava, ele passou a usar somente camisas de manga comprida desde que saiu do hospital. Talvez não quisesse olhar para o machucado no braço?

 - Ah, não tem problema. O professor de Literatura sempre se atrasa mesmo – respondi já abrindo a porta do quarto, ao mesmo tempo que dava de ombros, como se não desse a mínima se estávamos no horário ou não, independente do professor. E não dava mesmo.

 Ah sim, Matt voltou a ir às aulas também. Disse algo sobre não aguentar mais ficar só no quarto, independente do tanto de jogos que tinha ali para lhe distrair, e que queria ver logo como eram os outros do orfanato. Foi o que ele disse, mas depois daquele dia, eu chegava a pensar que o que ele não queria mesmo, era ficar sozinho aqui. Eu poderia faltar por uns dias, mas... Talvez assim fosse melhor.

 As salas de aula ficavam do lado Leste do orfanato, e não tínhamos que andar muito para chegar lá, mas mesmo o percurso sendo curto e estando atrasados, ainda assim acabamos encontrando um número indesejado de pessoas no caminho.

 Por que indesejáveis? Simples. Porque eles não calavam a boca!

 No começo, eu até tentei ficar quieto quando eles vinham falar com Matt, mas teve uma hora que eu finalmente não aguentei mais e afugentei uma garota que não parava de lhe fazer perguntas “Como você está?”, “Está doendo?”, “Você não se lembra de nada mesmo?”, “Quem sabe se falarmos sobre bastante coisas, você acabe se lembrando de alguma, né?”, “Já lembrou de mim?”, “Ah, você tem que lembrar do dia que...”.

 Alguém pode me culpar? Pode??

 E Matt suspirou de alívio quando ela se foi! Quer prova mais concreta de que eu fiz o certo?

 Eu perguntei pra ele por que ele não mandava todos aqueles curiosos que o tratavam como um bichinho novo, que o viam com curiosidade por ser uma espécie de novidade, para aquele lugar. Não com essas exatas palavras, mas enfim. E ele respondeu que achava que não deveria ser tão grosso com pessoas que o conheciam mas que ele sequer lembrava, e que estavam preocupadas com ele. Parece que ao mesmo tempo que a memória dele se foi, a ingenuidade voltou.

 Mas como eu me lembro dessas ditas pessoas, então eu tinha todo o direito de ser grosso com elas. Correto?

 Chegamos na sala de aula, e como esperado, independente do horário avançado, o professor ainda não estava lá. Não restava muito a fazer a não ser esperar e encarar aqueles chatos que pareciam nunca aprender quando ficar na deles.

 E esse era o maior exemplo da existência de pessoas inconvenientes...

~x~

 - Matt? Vem cá um pouco.

 - Hum?

 Eu tinha sido chamado pelo professor ao final da aula, fui de muita má vontade, e quando voltei para a sala pronto para aguentar mais uma aula maçante – que digam o que quiserem, mas ninguém pode me obrigar a gostar de sociologia -, parei na porta ao avistar um dos garotos, acho que o nome era Erik, chamando Matt.

 Se alguém pensou que eu entrei nessa hora e fiz alguma coisa, se enganou. Não, não desta vez. Porque eu conhecia esse garoto, e pelo tanto que eu o conhecia, tinha certeza de que seria mais engraçado e eficaz se eu esperasse um pouquinho antes de fazer algo...

 Por sorte pararem bem perto de onde eu estava, e melhor ainda, não me perceberam.

 - O que foi, err... – Matt perguntou, e podia ser só impressão minha, mas parecia que ele tinha segurado um suspiro que substituiria pefeitamente com todas as letras “O que foi dessa vez, porcaria?”. Ou qualquer outra coisa nesse sentido.

 - Erik – abaixou um pouco o tom depois disso – Eh... Eu sei que essa não é a melhor hora para isso, mas... É que tem um jogo meu que eu te emprestei e... Bom, eu queria...

 Ahhh, ele não está fazendo isso...

 - Qual jogo?

 - God of War 3 – um sorriso ameaçou se formou na cara-de-pau dele.

 Hora de presenteá-lo com minha presença. E meu punho.

 - Ah, Erik! Sobre o que vocês estão conversando? – acho que eu estava sorrindo. Acho – Posso saber?

 - M-Mello? – eu tinha razão. Esperar realmente tornou isso engraçado... A cara que ele fez não tem preço. Ahhh, não tem – N-Nada não. Estava apenas...

 - Cobrando por um jogo emprestado? – o cortei – Mas sabe o que é engraçado? God of War 3 foi o que eu comprei pro Matt no último Natal – e nesse ponto o sorriso sumiu de vez, dando lugar à uma expressão que deixava bem claro que ele tinha acabado de fazer merda. Uma bem grande – Então por que você não volta logo pra sala? Podemos conversar melhor mais tarde...

 Não só podemos como vamos, e que ele não duvide disso.

 E sem falar mais nada, ele se apressou para sentar no seu lugar e pareceu se encolher ali, como se desejasse sumir e desaparecer da vista de todos por muitos dias.

 Continuei lançando um olhar irritado para ele até que ouvi uma risada baixa do meu lado.

 - O quê? Eu te ajudo e você ri? – perguntei um pouco mais rude do que pretendia.

 - Não é isso, é só que... Eu sabia que ele estava mentindo – Matt sorriu.

 ...

 Por que será que eu tinha a impressão de que fazia um tempo enorme que não via esse sorriso?

 - Eu estava pensando em um bom jeito de fazê-lo ficar com cara de tacho, mas você aparecendo acabou ficando bem melhor – e riu mais uma vez, talvez lembrando da cara do idiota naquela hora.

 - Sabia... Como?

 - Sei lá. Só sabia. Que tinha sido um presente seu.


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Notas finais do capítulo

Confesso que acabei gostando bastante desse final Kkkk