Esperanto:solfege escrita por Petit Ange


Capítulo 7
Tom XI: O Minueto (...) / Tom XII: O Garoto (...)




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Voe, voe, passarinho...

Em meio ao caos de uma Tokyo devastada...

Com meu próprio sangue escorrendo de mim...

Sentindo os braços dele me envolvendo tão carinhosamente...

...Você sabe que não pode fugir.

Mais ou menos na tarde do dia 24 de abril...

...Eu morri.

 

Esperanto:Solfege
Petit Ange

 

Tom XI: O Minueto de uma Donzela.

 

“Hajaya-san!...”

Najato apenas caiu. O som do baque de seu corpo no chão foi como um saco de batatas displicentemente jogado num caminhão de entregas. Ele não mais se mexeu.

“Najato!...”

Ele não mais tossiu sangue, porque, afinal, nem conseguia se mexer. Os olhos escuros se fecharam, enfraquecidos, e deixaram de seguir os apelos das duas vozes assustadas.

O aperto em seu arco diminuiu, até desaparecer totalmente e deixá-lo cair logo ao seu lado, o som no gramado um pouco úmido não podendo sequer ser comparado ao do corpo, quando teve sua vez de queda.

“Ora, ora... Vai sobrar apenas você agora, Sehriel?”

O gêmeo estendeu sua mão, e as amarras lodosas que prendiam tão firmemente a diminuta japonesa pareceram abraçá-la ainda mais, privando-a do tão precioso dom de respirar que ela já não lembrava direito como se devia usar, dada a pressão do aperto, e aquele ferimento tão horrível no braço do loiro, que fazia-a virar os olhos para não vê-lo e se desesperar.

“Shiho-kun, a moça está sufocando muito devagar.” – o outro gêmeo, a cópia exata do irmão, mas sem aquele sorriso de escárnio que o outro mostrava, olhou-a de relance, de braços cruzados, antes de dizer aquilo. – “Dê um jeito para que ela não sofra muito. Sehriel está suficientemente tenso.”

“Hum? Você acha, Mashiro-kun?” – o gêmeo pareceu ponderar, o rosto livre de qualquer traço sádico, agora parecendo até mais expressivo que o outro. – “Tudo bem, então, me desculpe por isso.”

Com um estalo de seus dedos, as amarras pareceram prender-se ainda mais ao redor de seu pescoço, arrancando dela um gemido involuntário de dor. Como o gêmeo pediu, agora o trabalho em sufocá-la seria diminuído pela metade do tempo.

“Ma... Maiko-chan...!” – Himitsu, ao ouvi-la em seu gemido dilacerante, deixou até o pequeno de asas negras de lado e tentou voar para resgatá-la daquelas coisas, mas antes disso, uma pena negra tão afiada quanto uma adaga atravessou o ar ao seu lado, arrancando-lhe um ou dois fios de cabelo dourado, que ele viu caírem delicadamente no chão, numa trajetória angustiante.

“Sehriel, sua batalha é comigo.” – Shiho avisou, aquele sorriso novamente preenchendo o rosto que, normalmente, não tinha uma emoção visível. – “Quem está lutando com aquela menina é outra coisa, e não cabe a nós interferir.”

Maiko pôde ver Himitsu cerrar os dentes, impotente diante daqueles dois obstáculos, e por um momento, ela desejou ardentemente que pudesse, nem que fosse só por um momento, ter algum poder. Ser capaz de tirar aquele sentimento do rosto dele.

Mas ela sequer conseguia ver direito. O que antes era um processo lento, agora lhe tirava o oxigênio que ainda restava nos pulmões com uma velocidade alarmante, maior que a de seus pensamentos frenéticos.

...Ela iria morrer ali, afinal.

Boa noite, apesar de não ser uma muito legal pra mim, como podem ver. Eu me chamo Maiko Isono, vou fazer 16 anos em breve e sou uma simples colegial.

Ou, bem, quase simples... Algumas coisas estranhas acontecem comigo...

Como, por exemplo: estou indubitavelmente apaixonada por um anjo. Exato, um anjo. Ele se chama Himitsu Isono, e diz ser meu primo (e as outras pessoas acreditam, por alguma razão). Sim, é aquele mesmo loiro que está tentando me salvar.

Não, minha estranheza não pára aí. Eu sou amiga de outro anjo, Irieko, que por sua vez, é servente, como Himitsu é meu, do caçador de youkais Najato Hajaya, aquele mesmo que caiu ensangüentado na primeira cena. E aqueles gêmeos são, aparentemente, nossos inimigos mortais (e bem chatos), os gêmeos Himeno, Shiho e Mashiro. Aliás, Shiho também é um anjo, o que me força a conviver com essas criaturas 24h por dia.

É... Caçador de youkais, anjos maus e bons... Enfim, como vêem, eu não sou normal mesmo, apesar de querer ser.

Mas esta situação me força a ser breve. Provavelmente, alguém pode estar se perguntando: como eu fui parar ali, presa e à beira da morte? Mais uma vez, acredito que, pra responder isso, tenha de forçar uma volta no tempo.

Tudo começou, especificamente, naquela mesma manhã...

Ela já havia lido muito em alguns livros que, nessas horas, a pele ‘queima’. Nunca entendeu por que diziam isso, porque sempre lhe pareceu uma sensação profundamente falsa, algo que virou tradição romantizar.

Mas não. Eles tinham razão.

A pele queimava quando ele tocava-a.

Deus, podia haver algo mais angustiante do que sentir cada poro do corpo gritar a necessidade de tê-lo mais perto de si, quando ele se afastava nem que fosse para respirar ou coisa do tipo? Era a mais doce tortura a que alguém era submetido.

Os livros tinham razão. As pessoas tinham razão, afinal...

Aquilo não era só um delírio coletivo romantizado. Aquilo existia.

Maiko fechou os olhos, deliciada com aquela descoberta. E, ao fechá-los, deixou a réstia de hesitação que ainda podia haver dentro dela sumir.

Os lábios deixaram escapar um suspiro involuntário, e aquele gesto não passou despercebido ao que estava explorando o colo imaculadamente branco.

“...Algum problema, Maiko-chan?”

E, ao fazer essa pergunta, ela percebeu seus olhos: eles arregalaram e voltaram ao normal, em questão de segundos. Mas o próprio rapaz não o fez.

“E-está chorando, Maiko-chan?” – perguntou, afastando-se dela apenas para segurar gentilmente a mão dela, como um bebê. – “Dói algum lugar? E-eu fiz você chorar...?”

“Não.” – ela se apressou em responder. – “Eu... Estou feliz. Só isso.”

“Ma-mas...”

Ao senti-lo se afastar, foi como se alguém a houvesse ligado na ‘tomada’, ou em qualquer lugar que lhe produzisse aquela sensação elétrica de perda que ela tanto detestava, desde o dia nublado em que saiu órfã de um cemitério.

“Himitsu.”

“Pois não...?”

Encarar aqueles olhos sob os seus foi como perceber o céu de mais límpido e tranqüilo azul. Foi como estar presa numa rede feita de precioso ciano, entremeada dos fios mais dourados e reluzentes que conhecia. Olhar, mesmo que embaçada pelas lágrimas que teimavam em cair, para o próprio rosto preocupado e tão gentil foi como experimentar a vida e a morte simultaneamente no peito.

A mão pálida e pequenina tateou incertamente pelos lençóis amaciados, até encontrar a dele, e neste instante, ela enlaçou-as, os dedos tocando-se com extrema delicadeza, como se fossem feitos para encaixarem-se bem assim. Por mais que a distância entre eles fosse tão grande, ainda sim... Ele estava ali naquele momento. Bem ali.

“Eu posso senti-lo... Em mim.”

O loiro sorriu. E Maiko sentiu os cabelos sedosos acarinharem seu rosto, e os lábios macios fazerem o mesmo com os seus.

“...Eu também a sinto.” – foi o que ele disse, sussurrando-lhe contra a boca.

 

E, em seguida, uma voz estridente e irritante tirou-a do harmonioso delírio.

“ISONO-SAN, ACORDE!”

Maiko ergueu-se, prontamente, como se tivesse acordado com o fogo do Inferno lambendo as faces. Tudo isso só para ver qualquer uma de suas colegas de classe, com cara de metida, fuzilando-a com o olhar, enquanto outros dignavam-se a olhá-la de cima a baixo e perscrutarem o uniforme amassado.

Ao ver-se tão hostilmente encarada, a morena só pôde fazer o que sempre funcionava nessas horas: encarar a agressora com os mesmos olhos flamejantes.

“Qualé, menina? Perdeu a noção do perigo?!”

Mesmo que sua maior vontade fosse a de pular-lhe sobre o rosto (assim como devia ser com todas as meninas da sala), a colega em questão apenas engoliu em seco, empinando o nariz ao ver-se protegida pela integridade escolar do momento.

“...Estão chamando você pra experimentar a roupa.”

Na verdade, desde aquele princípio de manhã, as coisas estavam altamente tediosas: acordar cedo num Domingo para adiantar o trabalho era, se não uma tortura, um porre.

Ainda dopada de sono pela ronda de ontem à noite (apesar de tudo, nem Najato nem Himitsu pararam um só dia de trabalharem e caçarem youkais. E como a menina disse que iria segui-los, seu serviço era ser protegida ou arquear a sobrancelha ao vê-los a trabalho, tão diferentes e mais sérios que o habitual), aquela mesa pareceu-lhe tão tentadora e irresistível que, quando percebeu, já estava no mundo dos sonhos.

Mas, sinceramente, só depois que aquela garota foi embora e Maiko pôde ficar sozinha com os pensamentos é que a imagem mental a assaltou tão rápido que corar foi inevitável.

Que diabos de sonho foi aquele?!

Ela... Bom, já ouvira falar da adolescência, de como os hormônios explodem nessa época da vida... Mas nunca em sua vida eles foram tão ousados!

Mesmo que poucas vezes se lembrasse disso, ela e Himitsu eram primos para as pessoas em geral, e essa visão devia ser respeitada pelo seu sub-inconsciente.

Eles estavam... Não! Nem conseguia completar aquela frase, tamanha era a vergonha!

...Se bem que eles até já haviam se beijado (mais por iniciativa dela, mas foi um evento totalmente isolado!). Mas não importava. Nada foi comparável àquilo!

Esfregando os olhos com força, Maiko forçou-se a parar de pensar naquilo antes que tivesse um derrame por excesso de sangue nas bochechas, e caminhou até a parte isolada por camadas de tecido que, carinhosamente, as meninas chamavam de ‘vestuário’.

Kami-sama, eu estou enlouquecendo!...

É tudo culpa do Himitsu!

E, longe disso, ela nem o perdoara ainda por ele ter mudado bem debaixo de seu nariz! Mas, a cada dia que se passava, o rapaz parecia mais e mais maduro, a ponto dos outros ao seu redor também perceberem isso, mesmo que elogiando sua postura.

Olha aí! Nem mais pensava com clareza.

Estava misturando pensamentos antigos, que ela até julgavam esquecidos (ledo engano. Maldita era sua cabeça!), com os mais atuais... Logo, iria mesmo precisar de um psiquiatra e algumas tarjas pretas.

A morena se retesou, respirando fundo, tentando afastar as imagens que teimavam em dançar em sua cabeça.

“...Aqui é a Isono. Me mandaram vir pra trocar de roupa.” – disse, do outro lado do ‘vestuário’ improvisado.

Houve um imenso silêncio, seguido de uma inexplicável lacuna de ações.

Ao seu redor, os estudantes continuavam arrumando a sala de aula, continuavam com os preparativos para a Feira Cultural... E, mesmo assim, Maiko só ouvia seu próprio coração palpitando, esperando freneticamente a distração que aquele ‘vestuário’ seria capaz de proporcionar, mesmo que a contragosto.

Engolindo um suspiro de enfado e impotência, a garota entrou, não esperando sequer a resposta das pessoas ali atrás.

Mas logo, desejou fugir dali ou voltar a dormir.

Nas mãos experientes das duas colegas de classe, um vestido curto, de aparência meio puída e num branco envelhecido cheio de rendas e um avental era-lhe apresentado. Aparentemente, servia como uma luva. E, repentinamente, Maiko lembrou-se que aquele era um Festival Cultural e que ela também ia participar.

Péssima hora. PÉSSIMA HORA!

“...Q-que diabos é isso?” – perguntou, as pernas querendo traí-la.

“Não te falaram, Isono-san? Você será uma maid [1]. Precisamente, a Banshee. [2]”

Pensando bem... É, acho que chegaram sim a falar sobre isso. É... Em alguma aula, sem dúvidas, falaram do sorteio...

Mas, provavelmente, eu nem escutei porque tudo isso é uma tremenda baboseira.

...Erro fatal. Agora ali estava sua maior tortura.

Não. Cedo demais.

Maiko achou que só aquele projeto de vestido fosse ser o suficiente, mas repentinamente, uma aluna apareceu com uma espécie de tiara de pano igualmente num tom branco envelhecido, cheia de rendas, e uma fita de cabelo, mais feminina impossível, pondo-as logo ao lado do sapato cheio de cordões delicados e com uma tremenda plataforma. Tudo aquilo, pelo seu sorriso, ‘os acessórios da Banshee’.

Maldito folclore irlandês! Mil vezes ainda mais maldito quando misturado com a maldita idéia de um cafe! [3]

“Err... E-eu não acho que eu seja adequada pro papel, sabe...”

E, por mais que a japonesa visse o evidente medo e até a repulsa em fazerem aquilo (bem, não lhes tirava a razão; ela nunca foi um exemplo de menina mesmo), o profissionalismo pareceu-lhes falar mais alto.

“Sinto muito, Isono-san. Sorteio é sorteio. Por favor, experimente a roupa para vermos se precisa de alguma costura adicional.”

Acho que eu devo fechar o punho e a cara. Talvez resolva.

“Mas eu...”

“Vamos, não seja tímida!”

Sentindo-se a mais benevolente das mártires, Maiko apenas deu o primeiro passo quando percebeu que aquela hesitação toda, temporariamente, fez com que ela esquecesse um pouco todos aqueles pensamentos que rodavam sua cabeça até fazê-la apertar as têmporas, dolorosamente.

Foi uma coisa totalmente nova e, portanto, assustadora. Aquelas meninas puseram lhe o vestido e viram o mesmo cair perfeitamente nela, revelando grande parte das pernas. Puseram os acessórios, o avental cheio de babados, o salto plataforma e até mesmo as meias, a tiara de pano típica de maids e ficaram encarando-a, avaliando. Por esse detalhe, a japonesa corou ao imaginar-se vestindo aquela coisa no meio de tantos estudantes que a olhariam mais ou menos da mesma forma.

Foi em total silêncio que ela ouviu a conversa das duas meninas entre si, concordando que deviam arrumar meias um pouco mais longas e arrumarem o punho da roupa, que parecia curto demais (coisa que ela adorou... Agora, só faltava criarem um vestido até os tornozelos...).

E, quando viu que ia novamente mergulhar em suas próprias conjecturas, já nem ouvindo mais a conversa daquelas duas pseudo-costureiras, como se fosse algo feito para salvá-la, ela ouviu as vozes.

“Aaaahh~! Himitsu-kun! É você mesmo?!”

A garota se sentiu, só para dizer o mínimo, como aquelas adolescentes de filmes clichê americanos, em que elas narram as ‘borboletas no estômago’, aquele nervosismo misturado de enjôo... E enfim, não valia ficar lembrando-se daqueles diálogos toscos, mas quando ela soube que Himitsu estava ali, com ela vestida daquele jeito a menos de 1m de distância, o nervosismo foi totalmente justificável.

Até mesmo as garotas que estavam vestindo-a, que antes conversavam sobre a possibilidade de prenderem as madeixas negras da japonesa num coque para ter um maior sex-appeal (antes de maids fetichistas em estilo folclórico irlandês, elas eram estudantes, droga!), pararam tudo só para irem babar em cima do garoto (malditas tietes! Um dia, ainda ia matar alguma).

“Err... É meio estranho usar isso...” – ouviu-o comentar, parecendo bastante envergonhado, também.

“Imagina! Você está perfeito no papel, Himitsu-chan!”

Maiko havia dito um milhão de vezes para que ele não conversasse com nenhuma daquelas minas lesadas! Iria puxá-lo pelos cabelos até ele se inclinar e ficar numa altura relativamente boa em relação a ela (maldita diferença gritante de alturas!) e berrar em seus ouvidos, quem sabe isso ajudaria a fazê-lo entender de uma vez por todas que...

Mas, ei! Ela estava ainda vestida de maid! E, aliás, todo mundo estava trabalhando, mas vestido com o uniforme escolar! Era só experimentar e ir embora...

Ela havia saído da área segura e se posto na altura das vistas de todos... Sim...

Maldição! De imediato, invadida por essa percepção, ela sentiu o ar faltar, e quis desesperadamente voltar, mas foi impedida por suas pernas, totalmente nervosas, paradas como duas árvores, firmemente fincadas no solo. O rosto, se fosse possível, corou violentamente, e provavelmente pelo fato de seu vestido maid ser anormalmente branco como as vestes de uma banshee, aquilo deve ter feito o fato ficar ainda mais visível.

“Maiko-chan, é você?” – e então, em meio ao seu nervosismo, ela o ouviu. Achava que as meninas deviam estar morrendo de raiva dela naquele momento, mas a vergonha a impediu de assimilar o fato.

Antes que ela falasse qualquer coisa, Himitsu estava indo até ela.

E como estava bonito, maldição!

Aqueles uniformes típicos para funcionários masculinos de maid cafe tinha sido modificado, de forma que parecesse ao mesmo tempo aquilo e também uma roupa parecida com aquelas usadas por elfos de “Senhor dos Anéis” ou outra obra do tipo.

Muito parecido com Maiko, o uniforme dele também era num tom envelhecido de branco, com detalhes bem menos berrantes, mas meio dourados. Havia o máximo de cuidado em simular os desenhos traçados e complexos das roupas das criaturas da cultura irlandesa, o que fazia o uniforme de garçom dele ser, de longe, o mais bonito (a japonesa apostava que as malditas tietes haviam feito aquele pra ele sob medida! Só podia ser isso!).

Esquecendo-se temporariamente de como se respirava, ela sentiu até mesmo sua raiva se aplacar ao ver aquele deus grego de cabelos loiros esvoaçantes aproximar-se.

“Como está bonita, Maiko-chan!” – ele sorriu, fazendo-a corar ainda mais. – “Essa roupa ficou muito bem em você. A deixa muito meiga. O que você é?”

Engolindo em seco, ela forçou-se a responder, antes que alguém começasse a distorcer a cena (que, de fato, estava distorcida o suficiente). – “E-errr... Hã... Eu sou uma... Uma banshee... É, uma banshee.” – isso ia ser mais difícil do que pensava. – “Ah, é... E você, Himitsu?... O que é isso?”

“Elas disseram que se inspiraram num esshee [4]. Acha que ficou bom?” – e mostrou, com um sorrisinho amarelo, até mesmo a caderneta e a caneta que haviam dado para o conjunto já ficar completo.

BOM?! Uma humana tinha de ser é muito burra para dizer só isso!

Estava simplesmente inumano, como se ele fosse, de fato, naquele instante, o anjo que ela sabia que era (minha nossa, imaginá-lo com aquelas asas coloridas de rosa pálido e vestido nessa roupa... Não, não, antes que tivesse uma hemorragia nasal, não...).

“Com você nesse cafe, é impossível não termos lucro, Himitsu.” – Maiko falou, ainda boquiaberta (agora sim ela dava razão às tietes).

(Era engraçado, mas de tão surpresa que ficou sequer lembrava-se de seu sonho na frente dele, diferente do que imaginou).

“Muito obrigado, Maiko-chan.” – e, quando ele sorriu, ela percebeu: aquele sorriso era diferente daqueles que ele dava antes.

Por algum motivo, este estava salpicado de uma amarga tristeza.

Era um sorriso essencialmente forçado.

 

 

Esperanto:Solfege
Petit Ange

 

Tom XII: O Garoto que Brincou com Seus Pensamentos.

 

“Mas e então? Anda se cuidando como manda o protocolo?”

“Do jeito que o Na-chan me cerca de cuidados, nem se quisesse eu não estaria me cuidando.” – ela resmungou, olhando torto para o já mencionado.

“Do que cê tá reclamando, Iri-chan?” – ele perguntou, erguendo a sobrancelha, sarcástico. – “Muita moça estaria matando pra ter um namorado tão perfeito e cuidadoso quanto eu.” – e, para completar, a pose superior.

Maiko absteve-se de quaisquer comentários, revirando os olhos, enquanto Himitsu não pôde conter uma risada ao ver a cara das duas meninas.

“Eu já poderia estar de pé há muito tempo, se ele não insistisse que eu ainda devo descansar. Ele se corta e no outro dia já está saltitante e eu não!” – Irieko cruzou os braços, fazendo um beicinho. – “Isso é injusto.”

Najato, que estava sentado na beira da cama onde ela descansava, também riu.

“Ah, nada a ver! Meu caso é diferente do seu.”

Maiko olhou para Himitsu, como quem dizia ‘vai entender esses loucos’. O loiro, por sua vez, parecia divertir-se muito com aquela discussão que classificava como ‘coisa de casal’. Por algum motivo, aquele sorriso trazia à morena uma sensação engraçada, que impedia-a de pensar muito bem.

Estava aí algo que ela não imaginava que ele fosse capaz de fazê-la sentir, apesar de que, em se tratando de Himitsu Isono, tudo podia ser possível.

Ela virou o rosto, desviando igualmente a atenção da briguinha de mentira deles para a janela do quarto, que mostrava os raios de sol já querendo desaparecer no horizonte de Tokyo. Depois de uma temporada extenuante de trabalho, Najato, que também trabalhava com a outra turma (bem como qualquer estudante que se preze), nos preparativos para a sua apresentação da Feira Cultural.

Enquanto se dirigiam para o apartamento que ele dividia com a anjo Irieko, Najato não perdeu a oportunidade de rir de Maiko por ela ter de se vestir de maid. E até mesmo prometeu ir visitar o outro colégio do complexo Kusari apenas para vê-la e comer alguma coisa (para zoá-la ainda mais, claro). E até mesmo prometeu falar pra um monte de meninas que um rapaz lindo (sem duplo-sentido, frisou) estaria de garçom também.

A japonesa chegou a resmungar algo que nem a própria ouviu, mas sem dúvidas tinha a ver com mais fêmeas atrás de Himitsu.

“...Ah é, é?! E então, você? Andou tomando seus remédios, Najato?”

Geralmente, quanto Irieko falava o nome dele sem nenhum sufixo, era porque o assunto deixou de ser brincadeira e passou a ser sério, valendo a vida dele ou qualquer espécie de coisa não-risível do tipo.

“Ai, ai...” – ele passou a mão pelos cabelos revoltos e escuros, contendo um suspiro pesadíssimo. – “Himitsu, me acompanhe! Eu acho que ouvi a chaleira lá na cozinha chamando nossa atenção!”

“Hum...” – o loiro pareceu ponderar, mas diferente do que ele faria antigamente, ergueu-se de pronto assim que se decidiu, acompanhando-o. – “É claro. Com licença, Maiko-chan, Irieko.” – sorrindo, foi seguindo o outro e deixou-as sozinhas.

A jovem Isono ponderou, pensando se a partir de agora não era mais seguro livrar o loiro das influências malignas do caçador de youkais.

Ele já estava até mesmo abandonando o barco no meio das discussões, coisa tipicamente masculina (mais precisamente, coisa que Najato Hajaya sempre fazia quando a coisa ia para o seu lado, mais para preservar a harmonia do lugar do que para outra coisa, mas totalmente imperdoável). Definitivamente, essas rondas todas de noite só com aqueles dois (tudo bem que ela os acompanhava, mas ficava muito quieta, apenas olhando torto para eles) estavam começando a corrompê-lo.

“...Aqueles dois.” – resmungou Irieko, fazendo-a voltar do mundo da Lua.

E, de repente, como se o timbre de sua voz fosse um lembrete para algo que desejava perguntar exatamente assim, a sós, a japonesa arrumou-se na cadeira que tinha ali perto da cama, e pigarreou.

“Hã... Irieko...?” – começou, procurando alguma forma de explicar e perguntar.

“Pois não?” – respondeu a anjo de asas e cabelos verdes, nem desconfiando.

Repentinamente, a consciência de que aqueles dois voltariam logo com o chá ou com alguma desculpa esfarrapada de “alarme falso” a fez apressar o processo, pulando o constrangimento que sentia.

“Poderia me dizer o que significa ‘Construxi’ e ‘Erasi’...?”

Ao ser confrontada com aquelas duas palavras, a moça arregalou ligeiramente os olhos acastanhados, surpresa, e ficou nesta posição alguns segundos.

“...Quem foi que te disse isso?” – por fim, ousou perguntar.

“Os tais gêmeos que atacaram você.” – ela respondeu. – “Digo... Ele disse que um Erasi nunca podia deixar um Construxi se intrometer no seu trabalho. E sempre quando nos encontra, chama o Himitsu de Sehriel e você de Iriel. E mesmo eu ouvindo que ele se chama Shiho, tanto o próprio quanto o seu irmão às vezes o chamam de Suriel. Me parecem nomes bíblicos, nomes apropriados para anjos... Mas então, o que significa ser um anjo Erasi e ser um anjo Construxi? Por que então deixar que chamemos vocês de outros nomes que não sejam os seus próprios? E por que vocês sabem de tudo isso quanto mais abrem as asas? Quanto tempo leva até que se saiba toda a verdade?”

A anjo ficou quieta por muito tempo, olhando para seu próprio braço repleto de ataduras brancas. Houve um grande silêncio, separando-as em abismos distintos, e ela pareceu ponderar cada palavra que usaria para responder tudo aquilo.

“...Nós não somos youkais, Ma-chan. Não somos sequer seres que devam pertencer à esse mundo.” – disse, contendo um suspiro. – “O fato de estarmos envolvidos até o pescoço com youkais e coisas estranhas não passa do mundo de nosso ‘Deus’, que invariavelmente será transferido para nós por sermos ‘humanos’ criados a partir dele. Eu só conheço youkais porque Na-chan os conhece antes. Se ele fosse um rapaz normal, eu também seria apenas um anjo normal.”

Fazia sentido. Aliás, muito sentido.

“Nossos inimigos primordiais não são os youkais. É outra coisa. E, por causa disso, é que se criaram essas divisões: os Construxi e os Erasi. Este tal de Shiho disse o que era?”

“Não, ele só comentou esses termos, mas o Himitsu fez uma cara de quem não gostou nada disso, de que conhecia o significado. Acontece que eu não falei com ele sobre isso. Eu não faço idéia do que signifiquem...”

“Sem problemas. Eu vou explicar meio por cima: os Erasi vêem a este mundo simplesmente para ‘apagar’, e os Construxi vêem para ‘tirar a harmonia natural das coisas’. Não é algo ruim, nenhum dos dois está sendo mau, mas é assim que funciona.”

Se Maiko estivesse presente na pseudo-batalha entre Mashiro e Najato, naquele dia chuvoso da boate, saberia que foi exatamente isso que o anjo de asas negras havia dito quando explicou os termos, também.

“Agora, essa classificação só existe para nós, Anjos com um par de asas, que somos os mais próximos dos humanos...” – emendou.

“Hein? Existem mais tipos de anjos?” – Maiko parecia até assustada ao saber disso.

“Existem. Nunca ouviu falar que existem anjos com quatro, seis pares de asas? Isso existe, sim. Os de seis pares são os Arcanjos [5], os anjos supremos apenas abaixo de Deus. É o nível máximo existente numa hierarquia angélica.” – Irieko explicou, meneando a cabeça, em tom professoral. – “E a cada par de asas, é um nível acima do Céu. Os anjos de um par apenas, como nós, estamos o mais próximo possível dos humanos. Nós recebemos seus prantos e suas preces mais facilmente. Por isso, apenas nós nos mobilizamos para vivermos junto aos humanos. Anjos de dois pares de asas são raríssimos... De três, então, poderia contar nos dedos de uma mão.”

A japonesa de cabelos negros apenas fez que ‘sim’, totalmente concentrada naquela lição. Nem em seus sonhos mais loucos ela imaginou que existisse isso. E isso quer dizer que Himitsu, Irieko e até aquele tal de Shiho, Suriel, sei lá, eram anjos inferiores. Era meio chato pensar neles como sendo fraquíssimos, mesmo aparentando, aos olhos dela, serem tão preciosos e fortes.

“Sabe, Maiko...” – ela ouviu a anjo falar-lhe, de novo, desta vez seu nome inteiro. A coisa era séria.

“Pois não?” – retesou-se.

“...Muito provavelmente o Himitsu já sabe de tudo. Não se precisa de muita experiência para lembrar dessas coisas. Apenas duas ou três vezes e já é o suficiente.” – disse. – “É por isso que, antigamente, na época de guerras e expansões, os anjos que sabiam de suas existências reais eram quase todos. Em tempos de paz, o número era reduzido em mais que metade, porque não havia necessidade de mostrarem as asas.”

Himitsu já sabia, provavelmente.

Quando ela ouviu aquilo, Maiko repentinamente sentiu tudo em sua anatomia parar. Chegou, sim, a ouvir o que Irieko dizia, mas não prestou muita atenção. Foi simplesmente impactante. Ela pegou-se pensando, dolorosamente pensando no que não devia.

Por que ele escondia dela, então?

Para protegê-la de algo?

Era por isso que, desde aquele dia da boate, ela sempre via desculpas e escusas nos olhos dele, como se ele soubesse de algo extremamente ruim e estivesse pedindo seu perdão por antecipação?

Aquele olhar a machucava mais do que qualquer coisa. E, quando ela o abraçou, naquela mesma manhã depois disso, ele deu-lhe o abraço mais triste que ela recebeu.

Não era o Himitsu que ela conhecia. E, ao mesmo tempo, era ele sim.

Sacudiu a cabeça, evitando pensar mais antes que sentisse os olhos molhados pelas lágrimas. E de repente, achou que foi a idéia mais tola essa de pedir ajuda para Irieko. Haviam verdades que ela não queria ter ouvido ali no meio. Principalmente, aquela. E ela lutou bravamente para não ir lá agora mesmo e estapear aquele rosto perfeito até que a voz dele saísse e respondesse com suas próprias palavras tudo aquilo.

Não. Ela permaneceu firme e forte ali, lutando contra as lágrimas.

Do que ele estaria protegendo-a? Por que nunca contou nada daquilo para ela, se sabia? O que diabos era aquele inimigo primordial, aquela outra coisa que eles tanto falavam e seus olhos sempre escureciam de tristeza ao pronunciar?

“Trouxemos o chá, garotas. Desculpem a demora.” – uma voz anunciou.

Maiko prendeu-se ainda mais firme na cadeira, as mãos apertando os próprios joelhos, olhando para baixo. Irieko percebeu isso e suspirou.

“Ué... Maiko-chan? Alguma coisa errada?” – era a voz de Himitsu. Ele se aproximava, maldição. – “Tá doendo algum lugar?”

“Ô Irieko, o que aconteceu?” – Najato também pareceu perceber.

“Deixem a menina em paz!” – a anjo respondeu, emburrada. – “Ela só está um pouco indisposta, deve ser TPM. Que coisa, os homens só sabem fazer idiotices nas horas mais impróprias!”

“...Eu, hein. Mulheres são estranhas.” – o arqueiro deu de ombros. – “Ó Himitsu, quer um pouco de chá?”

“Sim, por favor.” – ele sorriu.

Mas, ainda sim, continuava olhando para a garota, de relance, preocupadíssimo.

Maiko agradeceu muitas e muitas vezes Irieko por aquela desculpa envolvendo assuntos que os homens jamais teriam como rebater. A última coisa que queria era olhar para aqueles olhos azuis e trair a si mesma.

 

Depois de um extenuante Domingo arrumando coisas para a Feira Cultural e de um chá na casa de Najato, visitar a ferida Irieko e tudo o mais, tudo que a japonesa queria era ir para casa, tomar um banho e talvez, morrer. Mas não... Ainda tinha a infame ronda da noite. Por isso, eles apenas foram para casa trocar de roupa.

Ao chegarem, deram de cara com o tio, um tanto comportado, bebericando cerveja sentado em sua poltrona. Eles avisaram que tinham uma reunião de clube de escola inadiável para aquele exato momento, por isso, o banho foi extremamente rápido, feito especialmente para fugirem logo dali. Maiko sentiu-se, diferente de antes, segura naquela casa de novo; Takuchi Isono nunca poderia machucá-la se Himitsu estivesse ali.

O loiro, aliás, tentou extrair qualquer confissão dela do porquê de estar assim, tão distante, e ela chegou a ter vontade de rebater dizendo “já que você não me conta tudo, por que eu devia fazer o mesmo?!”. Mas achou muito injusto ser má assim com ele...

Himitsu devia ter seus motivos. Não os entendia, mas devia tê-los...

E, além disso, parecia que, cada vez que o via, toda a raiva desaparecia. Ela tinha vontade de jogá-lo no chão de novo, de beijá-lo ou até coisa pior... Era estranho, mas não fazia mais nada disso desde aquele dia, e ele também não aproximava-se dela com segundas intenções, então pareciam eternamente presos naquele chove-não-molha.

Quantas meninas queriam estar no seu lugar, e fariam um trabalho bem melhor!

Em menos de uma hora, eles já estavam prontos para saírem, e fizeram isso correndo, alegando que já haviam jantado, nem dando tempo para o homem dizer alguma coisa. Assim, às pressas, encontraram Najato, já em seus trajes típicos de caça youkai, com o arco e as flechas nas costas, esperando-os no local combinado, na praça.

Enquanto andavam, finalmente prontos para a ronda daquela noite, o moreno contava as últimas novidades do meio.

“Vocês sabiam que eu senti, não faz muito tempo não, as energias de Touro e Gêmeos em Shinjuuku [6]?”

“Mas hein? Os Guardiões?!” – Himitsu parecia surpreso.

Maiko apenas acompanhou-os falarem. Claro que ela sabia quem eram os tais Guardiões, mas achou que aquele assunto só dizia respeito aos dois caçadores.

“É, eles mesmos! Por isso, devemos intensificar as rondas. A barreira tá ficando fraquíssima! Youkais de muito baixo nível tão passando por ela e até mesmos os Guardiões estão começando a agir com força total. Não podemos ficar pra trás.” – disse o moreno.

Himitsu assentiu, também parecendo curiosamente temeroso com aquelas palavras.

“É verdade... Não podemos permitir uma invasão em massa.” – declarou.

...Invasão em massa. Eles pareciam até mesmo aqueles soldados sérios de filmes americanos de ação, tramando planos nas mesas da Casa Branca ou do Pentágono.

Mas então, repentinamente, o caçador parou e os estudantes também o fizeram.

Quando perceberam, no meio da noite, estavam em frente um lago de aparência lodosa e grandiosa. A luz da lua era difusa e bastante confusa refletida no pouco que encontrava de água ‘limpa’. A grama ao redor era escura e cheirava ainda a orvalho.

“...Que diabo de lugar é esse?” – ela arqueou a sobrancelha.

“Nosso youkai esconde-se aqui, ó.” – apontou o fundo do lago.

Tanto Maiko quanto Himitsu aproximaram-se mais um pouco, ambos muito desconfiados, olhando a água suja do lago.

“Hum... E como vamos tirá-lo da água?” – perguntou ela.

“Nadando, ué.” – disse Najato, calmamente. – “Mas tem que tomar cuidado e ser muito rápido, porque muitas pessoas normais ficaram presas e se afogaram, e acabaram até morrendo antes de conseguirem ajuda.”

Maiko encarou-o, fuzilando. – “Como assim nadar?! Não foi você mesmo que disse que ele era perigoso?!”

“Por que se preocupa se temos um anjo forte logo ao nosso lado?”

E então, os dois olharam para Himitsu que, até então, estava quieto, absorto, pensando em algum meio de tirar o youkai da água.

“Co-como? Querem que eu nade e mate o monstro?” – apontou para si próprio, surpreso, para dizer o mínimo.

“Você tem asas e penas assassinas, meu caro!” – Najato disse, ainda sorrindo.

E, de repente, Maiko viu-se tentada a mergulhar no mundo dos pensamentos de novo. Ela sabia, claro, que pensar não adiantaria de nada, só traria mais dores de cabeça, mas era inevitável. Ele escondia tudo dela... Alguma coisa muito séria... E o que podia fazer, além de tentar imaginar o que seria?

Distraída, ela não ouviu o aviso. Não chegou sequer a sentir a mão de Himitsu ao seu lado. Tudo o que sentiu foi um enorme baque, e então, um abraço grotesco e gosmento. E, quando olhou para seus próprios braços, uma espécie de planta úmida e verde prendia-a tão firme que tirava-lhe o ar.

“MAIKO-CHAN!” – ouviu-o dizer, mas de repente, pareceu que todas as vozes estavam muito distantes do campo de audição de seus ouvidos.

“...Engraçado. Por que todos os youkais que eu escolho visitar vocês também escolhem?” – um rosto conhecido e seu sorriso irônico apareceram.

Mashiro Himeno, e logo atrás, seu gêmeo angélico, Shiho.

“Vocês...!” – mais uma vez, Hajaya viu-se apontando sua flecha diretamente na têmpora do que emanava youki, o sem asas, na mais nostálgica lembrança de que ele estava fazendo exatamente isso da última vez em que se encontraram.

“Boa noite, Sehriel e Hajaya-san.” – cumprimentou, e o outro gêmeo também fez uma breve reverência. – “Acreditam que hoje estamos com sorte? Estávamos justamente pensando em fazer-lhes uma visita. Nem pude acreditar que encontramos vocês justamente aqui, onde estávamos fazendo uma parada.”

Ao lado do anjo, o caçador olhou-o e foi devolvido com o mesmo olhar apreensivo.

“Himitsu... Abra suas asas. E solte o máximo de penas que conseguir.”

As asas rosadas e pálidas do anjo loiro abriram-se, majestosas, e aquela chuva de penas tão característica caiu aos seus pés. Mas, antes que ele pudesse fazer alguma coisa, uma chuva grotesca de penas negras também caiu. E então, eles viram Shiho de asas negras abertas, e uma pena zunindo no ar, como uma adaga.

Sem saída, ele voou, sendo seguido pelo anjo negro, e então, aquelas ‘adagas’ coloridas voavam sem direção pelo céu, tencionando um alvo onde cravarem-se. Eram trinta e oito penas negras contra quinze cor-de-rosa (uma espantosa evolução para alguém que só soltava seis até alguns dias atrás).

Enquanto acontecia uma luta lá no céu, Najato avaliou aquela planta que tinha Maiko cativa. E então, percebeu que uma estranha luz emanava dela.

“Esse youkai...” – assustou-se. – “Ele está sugando a energia dela!...”

Isso tornava o tempo dele ainda mais precioso. Precisava soltá-la. Precisava libertá-la antes que ela morresse.

Era só uma humana normal, não iria agüentar muito.

Ele tocou naquela planta, ignorando o frio asqueroso que apoderou-se de sua mão. Tendo um treinamento de Sozu-ya-Zoku, não precisava se preocupar com a perda de energia. Ela seria diminuída graças às suas técnicas avançadas.

Enquanto Himitsu distraía os gêmeos com aquela batalha repentina, ele precisava salvar a menina e, depois, cravar uma flecha na maldita testa daquele hanyou.

Mas, então, a dor. Uma dor excruciante em seu peito.

E assim, ele tossiu. Uma, duas, várias vezes.

O sangue começou a manchar a grama de escarlate profundo. E ele continuou tossindo. Tentou, mesmo assim, subir. Mas não conseguiu.

E lembrou-se de Irieko ralhando com ele para tomar os remédios. ‘Eu devia tê-la ouvido...’, pensou, achando-se o maior tolo dos tolos.

Não houve sequer tempo para expirar. Najato simplesmente caiu inerte.

“Hajaya-san!...” – Himitsu gritou ao vê-lo caído, mas logo foi confrontado com mais penas de Shiho, obrigando-se a salvar-se antes que também fosse cair.

“Ora, ora! Aquela humana também irá morrer logo, logo. Será que irá sobrar apenas você, Sehriel? Isso não seria uma extrema falta de sorte?” – perguntou, irônico, o anjo negro, ainda atacando-o com aquela fúria divertida e destrutiva, tudo junto.

Maiko, que até então acreditava estar vivendo um pesadelo deveras ruim, viu diante de si a queda de Najato, e tentou falar, mas a voz não saía. Logo após, ela viu os olhos negros e distantes de Mashiro cravados nos dela.

Ele estava ali, sentado ao seu lado num daqueles ‘vinhedos’ gosmentos do youkai, encarando-a distraidamente.

“Hum...” – ele murmurou, estudando-a. – “Shiho-kun, a moça está sufocando muito devagar. Poderia dar um jeito para que ela não sofresse muito?” – disse, por fim, desviando os olhos dela para encarar o gêmeo. – “Acho que Sehriel está suficientemente tenso.”

“Você acha, Mashiro-kun?” – o outro parou até mesmo de preocupar-se com o anjo de asas rosas, olhando também para o seu irmão.

Ao perceber que ele falava sério, ele assentiu, e então estendeu sua mão.

Houve uma rápida transferência de forças. Aquela luz de uma cor indistinta que emanava do youkai tocou na luz negra do braço de Suriel (ou Shiho?), e logo, parecendo adquirir ainda mais vida, prendeu a garganta e o corpo de Maiko ainda mais.

Ela achou-se uma inútil naquela hora.

Desejou muito não ser o que era. Quis mesmo ser apenas uma ‘menina normal’ com um ‘anjo normal’, como disse Irieko. Quis fazer qualquer coisa para ajudar Himitsu, que ouviu gritar seu nome, ao longe.

Estava fraca. E, mais do que fraca, surpresa.

Nem sabia dizer exatamente quando aquilo começou. Foi muito rápido e muito infame. A morte viria buscá-la daquele jeito, sem ela se despedir direito de nada. E, naquele instante, ela sentiu pena daqueles que morrem desse mesmo jeito, sem nem saberem direito o que está acontecendo.

Iria morrer assim, com quinze anos e numa vida altamente infeliz.

Iria morrer sem nem saber o que Himitsu era, o que escondeu dela...

Expirou, já sentindo as lágrimas envolver-lhe os olhos, sufocando rapidamente enquanto olhava, odiosamente, a face daquele gêmeo de pele pálida.

Mas, então, uma estranha ‘adaga’ clara passou raspando, e de repente, ela pôde respirar aliviada, sem nenhuma pressão.

Maiko achou que fosse cair, surpresa, nem fazendo nada para aliviar a queda, mas algo a segurou antes que tocasse o chão.

Ela sentiu o cheiro de grama e de florais.

E viu asas e cabelos verdes balançarem em meio à luz da lua. Olhos castanhos encaravam Shiho e Mashiro, mas um deles estava coberto por um tapa-olho negro.

“...Mas nem mesmo contra esses youkais de nível simples vocês podem sem a minha ajuda?”

“Irieko...?!”

 

[1] O termo original indica uma funcionária feminina de serviços domésticos. Com o tempo, a figura de uma maid foi usada para fins sexuais e fetichistas, sendo usado este termo, hoje em dia, principalmente para indicar esse tipo de figura.

[2] Banshee é uma criatura do folclore irlandês na forma de uma donzela, que é símbolo de infortúnios e anuncia a morte.

[3] Restaurante informal (sem acento mesmo) com a intenção de servir como centro para conversas e encontros e como uma espécie de ‘bar’.

[4] Esshee são criaturas sobrenaturais do folclore irlandês que são comparáveis aos elfos da mitologia clássica.

[5] Significa, literalmente, “Anjo Principal”, e são os anjos que comandam as classes angélicas, como Tronos, Querubins, Serafins e etc.

[6] Bairro famoso de Tokyo.


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