Esperanto:solfege escrita por Petit Ange


Capítulo 21
Tom XXXV: Do Outro Lado


Notas iniciais do capítulo

[11.25] Feliz aniversário, "Esperanto:Solfege"!

Sim, porque hoje essa fic está fazendo um ano. E esta autora tentou prometer (e infelizmente não pôde cumprir com a devida eficiência) postar toda a estória neste dia.
Porém, na falta do capítulo final e do epílogo, espero que os leitores matem a saudades com estes pedaços. ^__^

Muitíssimo obrigada, de verdade, por tudo que fizeram pela estória e pela própria autora neste 1 ano de vida de E:S. Os personagens e a Petit aqui estamos todos muitíssimo agradecidos~

Beijão a todos. ^__^b



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Agora você compreende...

Era tão inacreditável que sequer conseguia verter lágrimas. Simplesmente inacreditável. Ela era sempre tão ativa; tão viva...

Inacreditável pensar que não veria mais nenhuma manhã. Que não poderia mais reclamar dos chutes que lhe aplicava enquanto dormia.

Que simplesmente acabara ali mesmo.

Nunca achou que o som do sangue fosse tão irritante. Antigamente, adorava-o. Mas agora, o sangue dela... Era uma afronta.

Era inacreditável.

“...A minha dor?”

Sehriel encarou-a no fundo dos olhos. Aqueles orbes que derramavam a vingança assassina. Não via mais nada ali dentro.

Só um vórtice escuro e faminto. Só o seu pecado.

É, ele compreendia. Tão inacreditavelmente que quis gritar.

Repentinamente, então, ele perdeu toda e qualquer vontade de avançar sobre aquele corpo odioso. Apenas encarou-a. Apenas...

 

Esperanto:Solfege
Petit Ange

 

Tom XXXV: Do Outro Lado.

Desde o começo, ele fora uma boa pessoa. A situação na qual se conheceram foi tensa e nem um pouco agradável, é verdade. No começo, ela o achava um tolo. Um idiota deslocado daquele mundo, um estranho, um lunático bizarro. E aos poucos ele mostrou-se um bom amigo; bom até demais.

Ninguém agüentaria as oscilações de humor de uma pessoa com a qual não tem nenhuma obrigação, nenhum laço. Mas ele sempre esteve lá. De alguma forma, consolando-a, ajudando ou mesmo a fazendo perceber seus erros, com palavras cruéis, porém necessárias. Estava sempre ajudando a todos.

Esse era seu problema.

E Maiko entendeu verdadeiramente Shiho Himeno naquele instante.

O anjo vivia dizendo à seu ‘Deus’ que o mesmo era irritantemente bonzinho. Gentil demais. E seu tom deixava claro que aquilo não era um elogio. Agora, ela entendeu o que ele quis dizer com isso.

A bondade nunca é recompensada com a felicidade.

Era pura invenção. Convenção fanática. Licença poética.

Para aqueles que são gentis até com quem não deviam ser, com um coração maior do que o mundo, como o dele... Era isso que ganhavam. A morte. A dor. A solidão. Mas nada de bom. Nada que poderiam usufruir. O heroísmo nunca é recompensado.

Ficaria apenas a dor de ter perdido, talvez, o único amigo que teve. E a confusão angustiada de não saber que fim levou seu corpo ou o paradeiro daquela que sempre andava com ele, tão ou mais gentil que o próprio.

“Ainda não consigo acreditar que o Najato...”

Mais inacreditável que aquilo, era o fato de não estar chorando. A dor era insuportável. Era como se alguém estivesse espancando seu coração.

Mas as lágrimas, que achou tanto que ia derramar, simplesmente não vieram.

Talvez, seu choque foi maior.

Pensando melhor, Maiko ponderou e percebeu que aquilo também acontecera quando seus pais morreram.

Tanto que foi um motivo a mais para falarem dela no velório.

“Até o fim, ele foi uma grande pessoa.” – Himitsu disse-lhe, num tom tão baixo e calmo que era como se ele estivesse tomando cuidado para que ela não se quebrasse com até mesmo o som de sua voz.

Ela abraçou-o mais, escondendo o rosto na curva de seu pescoço. Não sabia há quanto tempo sobrevoavam a paisagem, mas já começava a divisar, apesar do sol que ainda mal estava nascendo, árvores rosadas de sakuras [1].

Muito perto do destino final.

E isso não parecia deixá-la mais feliz, apesar de sentir que deveria.

“...Não sei se vou conseguir aceitar esse fato.” – confessou, de repente.

“Vamos ter tempo para isso, Maiko-chan. Eu sei que você vai.” – ele sorriu, passando a mão pelos cabelos dela. – “Ficaria surpresa com o que os humanos são capazes de agüentar.”

Maiko o encarou. Mesmo tendo o corpo de Himitsu, os cabelos loiros, os olhos azuis, a mesma pele, o mesmo cheiro, o mesmo calor...

Aquele não era seu primo.

Era uma criatura que existia desde o princípio de tudo. Tão madura e cheia de experiência que ela não imaginava como devia ter sido aquilo. Algo totalmente fora de sua realidade como um ser efêmero.

Ouvira falar tantas vezes do que era. ‘Erasi Primordial’. Protetor dos humanos. Uma espécie de lenda entre os seus.

E não imaginava nada disso...

Este era o perigo: aquele cheiro era de Himitsu. Aqueles cabelos. Aquela pele. Até mesmo os olhos. Mas o ar... Este era imutável.

Não era o ar de um garoto que apenas ama uma garota.

Era o ar de um ser que ricocheteava o próprio ego em prol de um bem maior, preso por amarras morais tão densas que ela sequer podia sentir.

“...Himitsu sempre me pergunta o que eu quero. Está sempre me agradando.”

“É porque eu a amo.” – e ele sorriu ainda mais.

“Mas eu nunca fiz o mesmo.” – completou a japonesa.

O loiro ergueu a sobrancelha, pego de surpresa por aquele assunto. E, por mais que tenha se esforçado, não a entendeu, de fato.

“Maiko-chan...?”

“Diga-me... Qual o seu desejo? O que você quer?”

Ainda mais surpreso do que antes, Himitsu ajeitou-a melhor em seu colo, pressionando o rosto contra seus cabelos escuros.

“Meu desejo é ver a Maiko-chan sempre feliz. Quero fazê-la feliz para sempre.”
Ela sorriu, aquecida por aquela verdade.

“...Eu sei.”

“Que bom!”

“...Mas não estou perguntando isso. O que eu quero saber é de você, Sehriel.” – e encarou-o outra vez; como se estivesse vendo um estranho, não o amante. -

“Seu desejo é o que eu quero ouvir.”

Sehriel nunca pensara naquilo. Porque, afinal, jamais precisou falar sobre si próprio. Era sobre seu personagem que seus ‘Deuses’ queriam saber.

E, mesmo quando os humanos descobriam que existia, em verdade, duas personalidades em um mesmo corpo, eles continuavam ignorando a existência de um anjo inorgânico. O anjo das asas róseas nunca precisou falar de si mesmo.

Porque não tinha vontade e porque não havia necessidade.

Mas agora, aquela pequena humana estava... Falando diretamente com ele, se esquecendo até mesmo da persona de Himitsu Isono.

“Meu... Desejo...?”

“Mesmo um anjo milenar deve ter algo que queira realizar.”

“...E qual é o desejo da Maiko-chan?” – ele forçou um sorriso.

“Não me enrole, Sehriel. Estamos falando de você.”

Mais uma vez, viu-se chocado. Aquela humana realmente estava querendo falar com ele, apenas com ele.

“Bem... Não sei como falar de mim...”

“Pode tentar?” – instigou-o, altamente interessada.

Depois de alguns segundos pensativos, ele expirou. – “Bem... Como converter em palavras? Eu desejo exatamente a única coisa que está fora do alcance de Deus.”

Gota. – “Desculpa... Pode me dar uma dica...?”

“Remliel também está atrás da mesma coisa.”

A voz de Irieko soou automática em sua mente. Lembrava-se de ter conversado com ela sobre muitas coisas. Muitos assuntos bíblicos. Muito do mundo dos próprios anjos.

Inclusive, de fato, lembrava-se dela falando...

“...Você quer trazer alguém de volta da terra dos mortos, Sehriel?”

E o coração de Maiko palpitou ainda mais dolorosamente ao ver Himitsu assentindo com o sorriso mais triste que já vira em seu rosto.

“Quem é essa pessoa...?”

“Uma mocinha.”

“Uma de suas... ‘Deusas’...?”

“Não. Ela não tinha nada a ver comigo.”

Sem conseguir conter suas próprias reações, no fundo, Maiko sentiu inveja daquela menina, seja ela quem fosse. Sehriel queria trazê-la de volta; isso, sem dúvidas, significa alguma coisa para quem sabe que tal desejo é impossível.

O coração de Himitsu era dela. Sim, disso ela sabia muito bem. Assim como o coração de cada personagem criado foi de seu respectivo ‘Deus’.

Mas o coração imortal... Aquele lacrado e que não tinha nada a ver, aquele que sequer envolvia-se realmente com os humanos para o qual estava trabalhando...

Aquele coração não era dela. E nunca seria.

Era daquela mocinha que ele queria reaver do tal Elyssion.

“Só uma conhecida...?” – e aquilo parecia profundamente assustador. Uma pessoa sem relação nenhuma ser assim tão importante... Seria ela uma santa?

Sehriel assentiu diante da pergunta.

“E... Como ela era...? Pode me contar?”

O sorriso dele tornou-se um pouco mais nostálgico.

Desta vez, porém, ele adicionou àquilo um leve roçar na bochecha esquerda de Maiko, que estremeceu diante do toque. A mão dele era quente. Um contraste tentador com aquela brisa fria lambendo seu rosto durante o vôo.

“Muito parecida com você, se me permite...” – respondeu.

Surpresa, percebeu que foi como se, num imenso e gentil lapso de gentileza, ela tivesse entendido as entrelinhas da frase. – “Era japonesa...?”

Desta vez, Sehriel hesitou em sua resposta.

“Sim...” – mas, por fim, assentiu.

O ciúme que seu ego revelou foi substituído com uma velocidade impressionante por nada mais nada menos que incredulidade.

“...Sehriel, me permite perguntar quando foi isso?”

“Foi no início do período Heian. [2]”

“Pe... Período Heian?!” – aquele que começou em 790 (se suas noções de História não a estivessem tapeando)?! Tipo... Há mais de 1200 anos, precisamente?!

O loiro encarou-a, ignorando a surpresa dela.

“Já que estamos falando da minha pessoa, Maiko-chan, posso fazer uma confissão?”

Ela assentiu na mesma hora. – “Vá em frente...”

E os lábios de Himitsu colaram-se na orelha dela, arrepiando-a.

“...Você é a primeira humana deste continente que eu atendo desde aquele dia, quando eu perdi essa mocinha do Japão.”

Devia ser algo que a deixaria feliz...

Sim, devia...

Porém, Maiko Isono sentiu-se estranhamente afetada. Não que não fora uma espécie de bom elogio. Sim, de certa forma, foi.

Mas... 1200 anos tentando superar um único trauma.

Era tempo demais... Não conseguia conceber. Seriam milhares e milhares de 16 anos seus. Como se colocassem-na para viver milhões de vezes os mesmos dolorosos dezesseis anos. Não tinha nenhuma noção do que era aquilo...

Apenas uma certeza que arranhava a garganta: era desumano. Mais do que isso, totalmente desnecessário. Era uma crueldade travessa do Universo.

...Um único trauma. Só um.

Uma única mácula num quadro que acaba arruinando toda a pintura.

E aquele sorriso dele, que dizia que provavelmente ela seria a primeira e última japonesa que ele atendia...

Aquele sorriso lhe gritava que Sehriel jamais se recuperaria daquilo.

E gritava que ele também se ressentia.

“Me desculpe...” – sussurrou a japonesa, com os olhos ardendo de lágrimas que ela não conseguia derramar desde a morte de Najato.

“A culpa não é sua, Maiko-chan.” – ele devolveu, beijando-lhe o topo da cabeça.

“Mesmo assim, de alguma forma, me sinto responsável...” – suspirou. – “É um reflexo humano, acho.”

“...De fato.” – dignou-a um pequeno sorriso.

Ela o abraçou ainda mais. Não se importava com aquilo, de qualquer forma. Como prometeu a si própria, iria parar de se lamentar.

O que tinha de pensar era que Himitsu ainda a amava e seria assim até o fim.
E aquilo era o suficiente...

“...Maiko-chan?” – ele interrompeu-a.

“Sim?” – encarou-o.

O loiro colocou-se um pouco à frente do rosto dela, como que a protegendo de alguma espécie de visão grotesca.

“Você poderia me fazer um favor?”

“É claro. Qualquer coisa...” – assentiu ligeiramente.

“Obrigado.” – beijou-a mais uma vez nos cabelos. – “Quero, por favor, que você se segure bem forte em mim. E feche seus olhos. Só os abra quando eu mandar... Você pode fazer isso por mim?”

Se a intenção dele era assustá-la... Bem, Himitsu conseguiu.

Mas, mais uma vez, Maiko pensou que ele estava, de alguma forma bizarra e que não envolvia nenhum papel significativo da parte dela, ajudá-la.

E assentiu diante daquele pedido, agarrando-se à camisa do uniforme do rapaz.

“Pode deixar, Himitsu...” – sussurrou em retorno.

Ele estreitou-a fortemente contra os braços, e deixou o rosto dela recostar-se em seu peito, privando-a da visão de qualquer maneira.

A japonesa não entendia. O que ele queria...?

...Não. Ela entendia. Só havia esquecido.

Quando eles ainda lutavam contra Shiho Himeno, aquilo também aconteceu.

...Remliel?

Um solavanco a fez prender um grito de espanto. Na verdade, foi tão rápido que ela sequer teve tempo de gritar.

Himitsu estremeceu contra seu corpo. Um estremecimento tão intenso e doloroso que fez igualmente tremer.

E ela sentiu alguma coisa líquida e estranhamente quente respingar no rosto.

Sabia que havia prometido que não abriria os olhos, mas... Mas não conseguia...

Arrependeu-se no instante seguinte. Aquilo era sangue. Sem dúvida nenhuma, uma cortina de sangue elevava-se das costas dele.

Pareciam asas rubras e perfeitas...

Maiko percebeu que eles foram perdendo altitude. Himitsu continuava segurando-a firmemente, mas já não batia mais as asas.

Só o sangue... Era tudo que indicava que ele ainda estava ‘vivo’.

(Em algum lugar da mente, quis lembrar-se de que ela e o loiro estavam caindo de uma altura incalculável e que ela devia estar se preocupando com sua sobrevivência. Mas não passou de uma breve constatação).

E, de cima, do lugar onde eles estavam voando antes, percebeu o vulto que temeu. O vulto negro, de asas escarlates reais e palpáveis.

Com uma foice totalmente manchada de vermelho.

“Finalmente te alcancei, Sehriel.” – ela rosnou.


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Notas finais do capítulo

[1] Em Abril, primavera no Japão, Kyoto e Nara estão sempre cheias de flores de cerejeiras florescendo. São famosas por causa disso também.

[2] Período histórico que começou em 794 e terminou em 1185, com o xogunato Kamakura (que deu nome ao período seguinte). Foi onde as artes poéticas e a filosofia de Confúcio mais estiveram presentes no Japão.



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