Esperanto:solfege escrita por Petit Ange


Capítulo 20
Tom XXXIV: A Divina Tragédia V




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Agora você compreende...

Era tão inacreditável que sequer conseguia verter lágrimas. Simplesmente inacreditável. Ela era sempre tão ativa; tão viva...

Inacreditável pensar que não veria mais nenhuma manhã. Que não poderia mais reclamar dos chutes que lhe aplicava enquanto dormia.

Que simplesmente acabara ali mesmo.

Nunca achou que o som do sangue fosse tão irritante. Antigamente, adorava-o. Mas agora, o sangue dela... Era uma afronta.

Era inacreditável.

...A minha dor?

Sehriel encarou-a no fundo dos olhos. Aqueles orbes que derramavam a vingança assassina. Não via mais nada ali dentro.

Só um vórtice escuro e faminto. Só o seu pecado.

É, ele compreendia. Tão inacreditavelmente que quis gritar.

Repentinamente, então, ele perdeu toda e qualquer vontade de avançar sobre aquele corpo odioso. Apenas encarou-a. Apenas...

 

Esperanto:Solfege
Petit Ange

 

Tom XXXIV: A Divina Tragédia V.

 

“Quando eu conseguir me soltar, humano... Eu vou te matar.”

A voz de Remliel era entediada e muito calma. Como se ela tivesse a certeza de que a luta já estava ganha, mesmo estando em absurda desvantagem.

Ela tinha, afinal, toda a eternidade para esperar bem ali até que pudesse livrar-se.

Diante de si, tinha um anjo exausto e um humano ainda mais cansado. Ferido, encurralado e à beira da morte; era absolutamente ideal. Uma presa que já não tinha condições nenhuma de escapar de um inimigo de nível superior.

Forçou os pulsos mais uma vez daquelas adagas verdes. Ouviu o som de sua pele imortal rasgar dolorosamente, arrancando-lhe um suspiro de dor.

As ondas subiram por seu corpo, arrepiando-a. Aquela era a dor...

Tencionando desestabilizar mentalmente o caçador, Remliel deixou que de suas asas saíssem cerca de sete penas vermelhas que, como mísseis teleguiados, jogaram-se na direção de Najato.

“Na-chan!” – Irieko percebeu que teria tempo. Podia parar a trajetória daquelas...

“Deixa, Iri-chan!” – mas ele impediu-a.

Em vez disso, as penas chocaram-se numa superfície metálica, cessando o poder de ataque e caindo inutilmente no chão, como flocos de neve escarlate.

O círculo perfeito que descrevera desapareceu, como uma flor efêmera de ferro.

“De Masaru Hajaya, aprendi a usar o arco-e-flecha. E de Sachie Hajaya, a espada. É sempre muito útil ter pais graduados em estilos diferentes.” – o moreno explicou, com um sorriso no rosto. – “Se bem que eu prefiro o arco-e-flecha, é claro... Mais prático.”

“Você é um ratinho cheio de truques.” – a loira refletiu.

“Isso é um elogio, né?...” – deu de ombros. – “Bem, obrigado.”

Irieko suspirou, puxando-o com uma delicadeza calculada pelo ombro. De fato, Najato havia quebrado uma ou duas costelas. Estava enfraquecido demais.

Ter conseguido rebater todas aquelas penas foi um milagre possível graças ao treinamento excepcional que recebeu desde pequeno como um Guardião de Apoio. Usando humanos normais, os mesmos mal se agüentariam em pé.

Não. O próprio Najato estava se esforçando além da conta...

“Na-chan...” – ela sussurrou.

“Eu tô bem, Iri-chan.” – ele disse, soltando-se da mão dela. – “Vamos agilizar isso aqui. Precisamos limpar a área. Peça para as pessoas irem embora.”

“Mas, Najato... Você está...”

Mais uma vez, ele apenas meneou a cabeça, tocando-a no rosto.

Ainda tinha o tapa-olho dela no mesmo.

“...Por favor.”

“Está bem!” – Irieko desistiu. – “Mas, depois, vê se devolve meu tapa-olho. Ele não combina com você!”

O caçador riu. – “Tá bom, prometo que não estrago.”

Que irritante era estar sob o julgo de um mero humano e de um anjo tolo que se rendeu ao amor que sentia por um.

Remliel não podia estar mais humilhada. Bufou, totalmente desgostosa com sua situação, e esperou que ele morresse. Desejou ardentemente que todos aqueles humanos explodissem numa bola de fogo, como cinzas ascendendo aos céus. Poderia explodir alguma coisa, estourar um cano... Qualquer coisa.

Mas ela sabia que nada daquilo ia acontecer. E irritou-se por estar tão fragilizada diante do inimigo, sem sequer poder se mover do chão.

Os pulsos rasgaram um pouco mais, quando tentou puxá-los para se livrar das penas verdes que a prendiam. Respirou profundamente; mais um pouco e iria decepar (de novo) toda sua mão. E o pior: seriam as duas.

Foi quando ouviu o mesmo som que identificou como o baque de um corpo caindo e de alguma coisa metálica seguindo o mesmo destino.

Erguendo o rosto o máximo que conseguiu, dada sua posição desfavorável, ela viu Najato Hajaya de joelhos, curvado sobre si próprio, enquanto uma turba de curiosos se afastava de perto dele. A espada estava logo em sua mão que pendia perto do solo, fracamente segurada pelos dedos trêmulos.

O chão estava coberto de sangue. O garoto estava fragilizado por dentro, afinal.

“Najato!...” – e Iriel, como imaginou, correu em seu auxílio. Um anjo tolo com uma missão tola.

Tossindo, Hajaya limpou o resquício vermelho que ficou nos cantos da boca.

“E-eu estou bem... Estou bem...” – gemeu.

Humanos...

Sempre tão frágeis. Sem eles, os anjos, eram completos inúteis. Não sabiam viver sozinhos ou andarem sozinhos ou pensar sozinhos...

Como se fossem donzelas de contos-de-fada, sempre esperavam um príncipe.

Como rosas delicadas, precisavam ser cuidados e acariciados.

Houve um dia em que Remliel também já fora assim. Um dia em que não se importava de cuidar do coração dos humanos. Aliás, lembrava-se, como se nem se reconhecesse, que até gostava de cuidar deles.

Quando foi que aquela Remliel afundou-se para sempre nas trevas...?

Quando ela decaiu do céu até as profundezas do inferno...?

Anee oheiv otakh. Morphya. [1]

Que olhos tão gentis a fizeram perder totalmente o rumo, até se tornar apenas um boneco movido pelas cordas da vingança?

Mi amas vin... Arda... [2]

...O que ela estava fazendo ali, como uma tola, enquanto a criatura que ousou macular para sempre a alma de seu amado estava fugindo impune, sem sequer sofrer a pior das dores, assim como ela?

O que ainda estava fazendo ali...?

Remliel sentiu os olhos encherem-se de lágrimas. O rosto de Arda ainda era tão vívido em sua memória, mesmo depois de milênios, que era quase como se ele estivesse ali ao lado dela.

Como se a incitasse a se levantar...

A jamais deixar impune...

Isso mesmo. Como Morphya e como Remliel, naquele dia a anjo das asas rubras prometera dedicar sua existência a vingá-lo.

Jamais deixaria a morte de Arda ser assim, só um acontecimento do mundo.

Se ninguém desse valor àquele acontecimento, então ela daria.

Ela o faria ter um sentido.

Senão... Como poderia suportar tamanha perda? Se ela não fosse tão grande quanto o Universo, como ela iria agüentar?

Não podia sofrer sozinha. Nunca.

Sehriel devia sofrer com ela. Na mesma moeda.

Por culpa dele, Arda simplesmente desaparecera. Para sempre. E Remliel nunca mais conseguiu vê-lo; porque nunca conseguiria atravessar a fronteira que separa os mortais dos imortais.

Arda tornou-se uma lembrança. Sehriel, uma meta.

Uma lembrança para sempre...

Ani lo mevin otach... [3] Por que você continua sorrindo, mesmo em minhas memórias, Arda...?” – gemeu. – “Isso não é certo. Você devia odiá-lo...

Porque, enquanto ele estava morto, Sehriel continuava perambulando por este mundo. Continuava sorrindo; continuava agindo como se nada tivesse acontecido...

Um hipócrita que se tornou um ‘Construxi’, enterrando para sempre todas as pessoas que ele matou antes disso, toda a dor que trouxe consigo.

Um maldito demônio...

Ouviu o som de seus pulsos rasgando, o sangue quente jorrando. A dor fazia-a arquear o corpo. Mas não desistiu.

A visão de Sehriel, o odioso Sehriel, vivendo em paz com a humanazinha...

Enquanto Remliel foi deixada pranteando sobre o cadáver de Arda...

IMPERDOÁVEL.

Irieko ouviu o som de algo rasgar. Como se fosse tecido. Ossos quebrando. O som de metal sendo arrastado do chão.

E um grito lacerado, vindo do fundo de uma alma.

Um movimento. Um pouco mais do que um arfar.

Nem Najato, nem Irieko sequer souberam quando Remliel soltou-se de fato.

O caçador, ainda tossindo sangue, ergueu-se cambaleante, brandindo a espada, mas só viu o ar riscar-se de vermelho, como se um rastro de néon passasse por ali, e sentiu o frio. Não. Não foi o frio que sentiu. Foi o contrário.

 

Himitsu havia se sentado num dos bancos da estação há algum tempo. Desta vez, Maiko contentou-se em ficar ao lado dele, segurando-lhe a mão enquanto esperavam o tempo passar para o primeiro dos trens. Shiho só conseguira passagem para um que cruzaria Kyoto antes. Demoraria três horas a mais que o normal por causa daquilo.

Três horas que ele não tinha para perder. Precisava esconder Isono o quanto antes. Najato e Irieko não conseguiriam lidar com toda aquela fúria animalesca por muito tempo. Himitsu sabia pois, como Sehriel, tinha muitas lembranças dos fatos.

A vingança da loira não conhecia limites ou distrações. Era focada e instintiva.

Por enquanto, os gêmeos não os abandonaram. Preferiram esperar até a partida deles. Ficariam até o último momento.

Ela, na verdade, estava mais uma vez entregando-se ao sono interrompido de antes.

O silêncio era demais. Quase não acreditava que estavam fugindo.

Isso até Maiko Isono perceber sua mão sendo, subitamente, apertada. Encarou Himitsu como se o visse pela primeira vez; ele estava tão nervoso que deixou cair os bilhetes, quando se levantou.

“Sentiram...?” – perguntou, incrédulo.

Mashiro Himeno também estava... Aturdido?

“Não creio.” – disse, simplesmente. – “Não pode estar...”

“Sehriel, está esperando o quê? Ela vai matar todos aqui dentro também.” – Shiho alertou-o.

(Maiko não entendeu nada no início, mas fez um esforço).

Ela’... Remliel...?

Eles sentiram Remliel se aproximar?

“O... O que aconteceu?” – perguntou, assustada com aquela seriedade toda que a tirou abruptamente da calmaria anterior.

Himitsu trocou um olhar preocupado com Mashiro.

Eles estavam escondendo alguma conclusão que estava fora do alcance dela.

“Não vamos poder esperar o trem.” – sussurrou.

Voe, passarinho...

Ao ouvir o hanyou falando-lhe aquilo, foi como se algo tivesse despertado dentro do loiro. A decisão dele foi firme e muito rápida.

Himitsu Isono puxou Maiko pelo pulso e colocou-a em seus braços.

“Importa-se se formos até Nara voando, Maiko-chan?”

“Ma-mas...” – e ela tinha alguma escolha?

Rápido, Sehriel.”

“Mas e vocês dois?” – dirigiu-se ela aos gêmeos. – “Vocês vão ficar aqui, não é? Não vamos mais...”

O moreno meneou a cabeça, segurando mais uma vez a mão dela.

“De alguma forma, estaremos juntos.”

Shiho riu. – “Você tá se tornando tão meloso ultimamente, Mashiro-kun!”

“Cale-se, Shiho-kun.” – sorriu calmamente. – “Agora vá, Sehriel. Não perca mais um segundo. Aquele menino deu tudo de si para...”

Aquele menino?...

Najato?!

“E-espere um momento!” – foi como se tivesse entendido. Mas ela desejou nunca ter compreendido aqueles olhares. – “Onde está o Najato?!”

“Vá logo, Sehriel.”

“Obrigado, senhor Himeno.” – ele assentiu.

“...Não me agradeça.”

E o rapaz voltou-se para Maiko no segundo seguinte. – “Maiko-chan, segure-se! Vamos voar a toda a velocidade, certo?”

Mesmo os protestos dela não foram capazes de impedir que, cada vez mais, Shiho e Mashiro Himeno se tornassem apenas um borrão indistinto no meio da estação. A própria parecia apenas uma casinha de boneca depois de alguns segundos.

Tudo que via diante de si era a aurora florescendo como uma rosa silvestre.

E um medo que fez seu estômago transformar-se em um traçado de gelo assaltou-a ao pensar no porquê de Himitsu ter simplesmente, sem maiores explicações, fugido dali.

...Quando nem mesmo Mashiro estava calmo, como devia estar.

 

Um calor absurdo começou a brotar de seu estômago, como se tudo dentro dele estivesse escapando por alguma brecha inexistente. O calor jorrava.

Ele ouviu a voz de Irieko. Ouviu os gritos alheios.

E compreendeu.

Aquele era seu sangue. Era sua dor que fazia cada célula do corpo berrar como se lhe tocassem com um ferro em brasa. Era a foice de Remliel quem venceu.

“Maldita bênção!” – a anjo inorgânica bufou. – “Se não fosse ela, você teria sido fatiado ao meio agora!”

Mas foi o mesmo...

Najato ainda sentia o sangue... Ele ia abandonando-o de qualquer forma...

Sentiu que ia cair ao chão. Mas Irieko foi mais rápida e amparou-o.

Incrédulo, o caçador encarou sua companheira de toda uma vida. E percebeu, com um espanto que não pôde camuflar, a falta do outro braço dela.

“Iri-chan...!” – tossiu, nervosamente.

Ela tremia. Najato sentia como se as mãos dela lhe contassem uma história que aquela dor era terrível; que o que ela mais queria era gritar e libertá-la.

“Eu estou bem...” – ela também gemeu.

“Najato Hajaya iria ser cortado igual. Não devia ter se colocado na frente, Iriel.” – a loira revirou os olhos.

“...Cale a boca.” – Irieko rosnou.

O moreno apenas sacudiu a cabeça, como se pedisse para que ela deixasse a outra para lá. E tocou em seu próprio rosto, lentamente tirando o tapa-olho.

“É horrível enxergar só com um olho.” – sorriu.

“Isso não é pra qualquer um...” – Irieko também sorriu.

Ela achou que estava indo bem. Sorrir. Apenas sorrir. Um humano sempre precisa de um sorriso caloroso antes de ir embora... Mas...

Surpreendeu-se ao sentir Najato limpando-lhe o que pareceram ser lágrimas.

“Não chore, Iri-chan.” – sussurrou.

“Então, não morra.” – devolveu-lhe, séria.

“Estou com tanto frio...” – Hajaya confessou. – “Acho que não posso prometer que não vou morrer.”

A dor de ter perdido um braço já não era mais nada para a anjo das asas verdes.

Ela lhe abraçou o máximo que pôde com apenas aquele membro que lhe restava, enterrando a cabeça na curva do pescoço dele. O cheiro dele impregnava suas narinas; e mais lágrimas assaltaram-na ao perceber que seria a última vez que o sentiria.

A mão dele acariciou seus cabelos, como se consolasse uma criança que chorava seu brinquedo quebrado.

“...Não consigo achar uma palavra que resuma tudo o que eu queria dizer.”

Irieko queria dizer para que ele não falasse mais.

Mas, se ele não falasse, nunca mais teria tal oportunidade.

“Penso no meu pai, na minha mãe... No meu irmão, que agora terá que me substituir... Penso nos outros Guardiões... Na Ma-chan, no Hi-chan... Até mesmo naqueles gêmeos cretinos... E, mesmo assim, só sinto vontade de chorar quando penso em você, Iri-chan... É estranho pensar assim?”

Irieko sacudiu a cabeça, veementemente.

Não vá...

“...Eu o amo.”

Não vá...

“Eu também a amo...”

Ele calou-se por um breve instante, como se absorto em pensamentos. Cada vez mais o brilho nos olhos negros ia apagando-se.

Não vá...

“Ah! Acho que encontrei...”

Por favor...

“Iri-chan, eu fiz a minha parte.”

Não vá...

Iriel conhecia aquilo. Como se fosse hoje. A dor estaria sempre presente.

A mão do caçador afrouxou-se. Os olhos não se fecharam totalmente. Um olhar perdido no vazio da morte.

Não vá.

Remliel engoliu em seco quando ouviu o grito de Irieko.

Assistir aquela cena era como ver Arda morrendo mais uma vez em seus braços. Seus olhos também se encheram de lágrimas involuntárias.

Mesmo quando um humano já está para morrer, ele continua agarrando-se à vida.

Nunca os compreenderia de fato.

Sacudiu a cabeça, numa dor muda que lhe cortava o coração (ela ainda tinha um?) ao ouvir o pranto do anjo das asas verdes.

Os humanos ao redor deles, os corajosos que permaneceram ali até o fim, estavam divididos entre a incredulidade e o pânico. Ignorou-os totalmente. Em vez disso, encarou sua foice suja do sangue de Najato Hajaya.

“Olhe para mim, Iriel.”

A jovem dos cabelos verdes que tiveram algumas madeixas cortadas quando ela perdeu um dos braços encarou-a, estática demais na dor até para odiá-la.

“Remliel... O que você quer agora...?” – e surpreendeu-se consigo mesma por não ter avançado sobre aquela assassina.

Tudo que conseguia assimilar era o cheiro de morte.

O cheiro de Najato estava sendo substituído aos poucos. Desaparecendo totalmente, assim como ele próprio.

Ajoelhando-se, ela tocou na poça que o ferimento aberto dele produziu.

“Juro por esse sangue que a morte dessa criança não será em vão.”

“...Ela já foi em vão.” – gemeu, transtornada. Mais uma vez, sentindo-se uma tola por isso, Irieko estava chorando.

“Não, não foi. Eu vou acabar com Sehriel.” – a loira declarou. – “E vou honrá-lo neste momento. Prometo-lhe.”

E quando se ergueu outra vez, tocou nos cabelos da outra.

“Iriel... Se quiser me odiar, assim como eu vivo odiando Sehriel... Vou estar te esperando. Vou compreender se quiser me exterminar.”

Irieko fechou os olhos.

“...Eu só quero silêncio, agora. Não quero odiar ninguém.”

Remliel assentiu. – “...Paz, meu irmão.”

“Vá embora, por favor...”

Em seguida, abriu suas asas rubras, deixando o vermelho dali confundir-se com todo o sangue que maculava o cenário. Uma pena rubra caiu bem em cima de uma das poças, parecendo até mesmo uma lágrima dos céus.

Sehriel. Em sua mente, só havia Sehriel.

Foi com tal ódio inspirador que voou, como se fosse um foguete. E desapareceu em questão de segundos.

...Você sabe que não pode escapar.

Aquela foi, talvez, a última vez que vira Iriel.

 

Nagoya – Japão.

Anos atrás...

“Não está com medo?”

Najato ergueu a sobrancelha.

“...Medo?”

Revirando os olhos, Irieko forçou-se a explicar:

“Você está deixando Nagoya, enfim. Vamos para Tokyo.” – cruzou os braços. – “E, lá, você vai pagar suas próprias contas, viver sua própria vida, cuidar de você mesmo e ainda supervisionar a barreira. Não sente medo de tanta responsabilidade?”

O caçador apenas sorriu.

A jovem dos cabelos esverdeados não gostou daquele risinho desleixado, de quem não se preocupa consigo próprio.

Mas, antes que pudesse reclamar, ele pegou sua mão.

“...Na-chan, estamos no meio do avião.” – avisou.

“Tudo bem, eu só peguei na sua mão.” – e, apenas para provocá-la, trouxe a mão dela até seu rosto e encostou-a ali, com as costas da mesma tocando em sua bochecha.

“Se olharem torto pra gente, você que se vê com eles.”

“Prometo que não passo disso.” – sorriu de novo. – “Mas, sobre a pergunta de antes... Não, eu não sinto medo nenhum. Afinal, eu desejo isso há muitos anos. Ser livre, sem precisar me sentir sufocado pela pressão daquela casa.”

Irieko baixou os olhos. Sim, de fato, sabia da rivalidade e do ódio velados entre o primogênito e o pai distante.

“Além disso...”

“...Não vai me dizer que trouxe seu cofrinho de porquinho?” – gota.

“Não! Nem sei que fim levou o meu!” – ele riu.

A anjo inorgânica também sorriu diante daquilo. – “Tudo bem, continue. ‘Além disso’, você dizia...”

“Além disso, eu tenho você, né Irieko...”

E ele beijou delicadamente sua mão.

“...Graças a esse fato, não tenho medo de nada que possa me acontecer.”

Ignorando até mesmo seu próprio pudor, a garota acariciou o rosto dele, com um olhar de alguém que se perde em amor.

...Se não estivessem num avião, ela teria feito pior.

“Eu também o amo, tolinho.”

Najato voltou a sorrir, tão ternamente quanto ela.

“Eu sei, Iri-chan. Eu sei disso. Mas não mais do que eu.”

 

[1] “Eu amo você”, em hebreu.

[2] Mesma frase, mas em esperanto.

[3] “Eu não o entendo”, também em hebreu.


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