Esperanto:solfege escrita por Petit Ange


Capítulo 10
Tom XVII: Infâmia (...) / Tom XVIII: Depois (...)




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Voe, voe, passarinho...

Em meio ao caos de uma Tokyo devastada...

Com meu próprio sangue escorrendo de mim...

Sentindo os braços dele me envolvendo tão carinhosamente...

...Você sabe que não pode fugir.

Mais ou menos na tarde do dia 24 de abril...

...Eu morri.

 

Esperanto:Solfege
Petit Ange

 

Tom XVII: Infâmia dos Anjos.

 

Graças aos céus estava sentada.

Porque, provavelmente, se não tivesse o feito antes, ela teria desabado vergonhosamente ante o peso esmigalhador daquelas palavras.

Mashiro suspirou, prevendo aquela reação:

“Eu disse que você estava melhor na ignorância, moça... Mas vamos com calma, estamos colocando a carroça na frente dos bois.”

Ele bebeu mais um pouco, e pigarreou.

“Você sabe que existem, na cultura popular, muitas personificações da Morte, não? E se você lembrar, existem Anjos nela. Para falar a verdade... Não, creio que para este tipo de assunto, vale um próprio Anjo falar.”

Aquilo era a deixa que Himitsu ou Shiho esperavam.

“Maiko-san, você por acaso lembra como o Himitsu ‘nasceu’?”

...Sim, ela lembrava com carinho disso.

Foi aquele o dia em que ela começou a viver de novo, depois de uma temporada dolorosa no Tártaro. Sacudiu a cabeça, numa muda afirmativa, incapaz de dizer qualquer coisa ainda.

“E você poderia muito bem concluir que ele não é humano por ter nascido exatamente do jeito que você ‘desejou’, não é?” – deu um sorrisinho. – “E você estaria certa, pensando assim. Não somos humanos. Somos seres inorgânicos, imortais... Somos Anjos que trazem a morte aos humanos.”

“...Mas nós não podemos descer à Terra com nossa aparência real. Os humanos não suportariam olhá-la. É parecido com o mito grego de Sêmele e Zeus [1].” – quem disse isso foi Himitsu, sério, muito mais sério que o normal. – “E por isso, nós nos tornamos isso que você vê. Entramos nos desejos das pessoas e tomamos a forma que ela deseja para nós. Também adquirimos nomes humanos. O nome verdadeiro de um Anjo é impronunciável em qualquer língua humana. O que os homens fizeram foi adaptá-los. Aqui, vocês nos conheceriam como Sehriel, no meu caso. Suriel, no caso de Shiho-san. E, por fim, Iriel para Irieko.”

“É claro que não fazemos isso só por capricho... Não é qualquer humano que nós vamos atender. Somos ‘Shinigami’, Maiko-san, e como tal, só atendemos aqueles que estão sendo seguidos.”

Por fim, aquelas reticências na palavra chamaram a atenção da japonesa. E um frio terrível desceu por sua espinha.

“...Seguidos?” – ela perguntou, a voz hesitante.

“Como vocês dizem...? Nós atendemos a última vontade de alguém ‘com o pé na cova’. Como Anjos, nós podemos ver a ‘sombra’ da Morte. Ela, obviamente, tem muita influência sobre os seres orgânicos. E como entidades acima de seu nível, somos sensitivos a quem está há poucos dias ou semanas de encontrar-se com ela.”

“Mas devo acrescentar que, como pode lembrar, no caso de Iriel, ele decidiu ficar com aquele caçador de youkais desde muito tempo atrás. Talvez porque o mesmo já tinha a sombra da Morte nas costas desde criança...” – Mashiro completou, voltando a beber o suco logo em seguida e deixando os dois de pé continuarem.

‘Pé na cova’? Eles lutavam contra a própria Morte?!

“Não me digam que... O verdadeiro inimigo de vocês... Aquele que vocês viviam mencionando...” – Maiko não ousava finalizar aquela frase.

“É ela mesma. A Morte, a Inevitável.” – Himitsu sorriu tristemente. – “Vocês dão muitos nomes pra Ela, é estranho...”

A Morte...

Ela sempre esteve presente em contos, em fábulas e livros. Maiko a conhecia. Qualquer ser humano, aliás, já ouvira ao menos falar dela. Mas era algo isolado. Não parecia próxima dela, por mais que os pais tivessem ido embora.

E, quando a Própria se aproxima, deixa tudo frio. O medo da Morte é algo tão palpável nos humanos quanto as asas divinas de um Anjo. Por isso, era estranho e assustador vê-los falando que lutavam nada mais nada menos que contra Ela.

Maiko, então, percebeu: ela estava morta.

Como Mashiro disse, ela assinou seu atestado ao encontrá-lo. Já estava morta desde o dia em que sonhou com suas penas rosas.

“...Por que, se vocês estão fadados a nos levar...” – iniciou, descrente que estivesse ouvindo aquilo. – “...Por que estão nos fazendo felizes? Por que simplesmente não nos levam?”

A resposta foi quase imediata.

“Isso é o que um Erasi faz. Ele ‘segue a harmonia das coisas’. Eu só estou com Mashiro-kun por uma questão de favores.” – Shiho disse, plácido, os cantos da boca ainda sujos de algodão-doce. – “Os Construxi, como você deve lembrar, ‘perturbam a harmonia natural’. Eles adiam a Morte, mas não conseguem pará-la, afinal, você é um ser orgânico, Maiko-san.”

...Himitsu era um tal de Construxi. Isso ela bem lembrava, na situação da balada, naquele dia chuvoso e tão distante.

“Diferente dos Erasi, Maiko-chan...” – o loiro sussurrou. – “Nós, os Construxi, ouvimos as preces dos seres humanos e descemos para atendê-las. Nossa ambição é simples e até ridícula: nós simplesmente desejamos que os humanos morram sem arrependimentos. Desejamos que morram... Felizes. Ao menos, assim, eles não se tornam almas atormentadas, cujos gritos ecoam até no Éden.”

Eu vim para fazê-la feliz, Maiko-chan.

...Engraçado. Ela lembrou-se, repentinamente, do loiro falando aquilo. De como ela ficava abalada e acreditava piamente em cada sílaba, mesmo não parecendo.

“Antes de nascer como ‘Himitsu’, eu tive vários nomes, Maiko-chan. Já fui muitas outras ‘pessoas’ antes dessa.” – ele explicou, pondo a mão em seu próprio peito. – “Acredite, desde tempos imemoriais eu e todos os outros Anjos fazemos isso... É a nossa missão.”

É só para isso que eu existo.

Como foi imbecil. É claro que ele existia só para fazê-la feliz. Iria enchê-la de alegrias e, depois, matá-la.

Não, matá-la ele nunca faria, porque era um Anjo da Morte e não a própria Morte. Ele iria é jogá-la sem perdão na jaula do leão, iria dá-la de presente para o lobo. Desde o início, ela foi enganada.

...Maiko Isono, ela própria, iria morrer em pouco tempo.

E Himitsu estava ali para atender seus últimos desejos, tornar seus últimos dias na Terra ao menos agradáveis. Uma espécie de esmola...

“Não...” – gemeu, transtornada.

“Agora ele se chama ‘Himitsu’, Maiko-san. Ele é ‘Himitsu’, não ‘Sehriel’. Não o culpe por isso, ele só está aqui porque você o desejou.”

Como acreditar naquele maldito gêmeo de asas negras?!

“...Eu não ligo de morrer pelas mãos de Suriel porque sei que meu verdadeiro irmão Shiho Himeno já está morto há muitos anos. Tenho uma cicatriz para provar isso. Mas a senhorita... Você deveria ter permanecido na ignorância, Maiko-san. Eu realmente sinto muito...” – Mashiro fechou os olhos, assentindo de leve com a cabeça, num gesto de puro pesar.

...De fato, ela deveria.

Como eu fui burra, meu Deus. Como eu fui... Idiota!

Eu pedi por isso! Eu mereci!

Mas eu... Eu...

“Maiko-chan, por favor...” – Himitsu aproximou-se dela, lentamente, não suportando mais vê-la naquele silêncio mórbido e com aqueles olhos assustados.

Ao perceber que ele iria tocá-la, Maiko ergueu-se do banco.

E Himitsu viu em seus olhos o mais genuíno e puro pânico. O nojo. Tudo que ele jamais viu nos olhos escuros da japonesa, estava vendo agora.

“NÃO ME TOQUE!” – ela gritou.

“...Maiko-chan...”

“NUNCA MAIS CHEGUE PERTO DE MIM!”

A japonesa parecia absorta em suas próprias lágrimas de ódio, não se importando nem um pouco quando ouviu um grito que não foi o dela.

“...Parece que há um youkai por aqui.” – comentou Mashiro, repentinamente alheio àquela novela.

“Maiko-chan, por favor...”

“VOCÊ ENTENDEU?!” – completou, dando mais um passo assustado para trás, como se fosse um animal ferido. – “NUNCA MAIS, HIMITSU... SEHRIEL, SEI LÁ! NUNCA MAIS!”

O loiro só pôde vê-la sair correndo logo depois de bradar aquilo.

E soube, em toda a sua dor, que ela já não desejava mais a presença dele. Agora, acabou; ela o odiava com todas as forças.

Ele era o vilão...

“Corra atrás daquela menina, Himitsu.” – Mashiro frisou o nome dele, certo de que, naquele momento, o Anjo já não desejava mais ser chamado pelo seu nome real.

“Não posso. Maiko-chan não deseja que eu faça isso.” – ele sacudiu a cabeça, os ombros caídos, impotente. – “Não posso mais tocá-la. Nunca mais.”

“Mashiro-kun tem razão, Sehriel: aquela menina precisa de você.” – Shiho completou, ainda olhando-a sumir por entre as pessoas que, depois de ouvirem aquele grito, começaram a fugir ao invés de seguir a outra onda de curiosos.

“...É perigoso para ela ficar andando por aí tão transtornada. Pode acontecer algum acidente. E aí, seu nascimento seria em vão, não acha?” – o outro gêmeo dos cabelos e olhos negros apelou para aquela saída indiscutível.

Ao ouvir aquilo, Himitsu pareceu acordar para a verdade.

“...Obrigado, Himeno-san.”

“Não me agradeça. Ainda somos seus nêmesis.” – deu um pequeno sorriso. – “É melhor se apressar. Ela está aqui.”

O loiro já estava correndo antes do último ponto final, e o gêmeo certamente percebeu que ele também já havia notado aquela presença.

Ao ver-se sozinho com Shiho, respirou fundo, erguendo-se do banco.

“...Foi um espetáculo memorável. Não achei que ela iria reagir assim.” – Mashiro comentou, mais interessado em terminar seu suco de caixinha.

“De fato. Esses humanos me divertem, às vezes...” – Shiho sorriu.

Houve um breve silêncio, então.

Os dois, neste meio tempo, observavam o corre-corre das pessoas, de um lado para o outro, desesperadas como bois num matadouro.

“...Você percebeu, Shiho-kun?”

“Sim, Mashiro-kun.” – assentiu. – “Aparentemente... A Morte levou uma pessoa há poucos minutos.”

“Ela sempre está nos seguindo, aquela caprichosa...” – sorriu de leve.

“Vai ver é porque ela nos odeia. Afinal, nós ficamos adiando o serviço dela.” – Shiho deu de ombros. – “Nossa... Eu falei como se eu fosse um Construxi...”

“Força do hábito. Todos os anjos já foram Construxi um dia, não?” – então, o gêmeo foi andando calmamente até o centro daquela agitação toda.

“...É. Mas alguns, como eu, cansaram de ser bonzinhos e viraram Erasi.”

“Que história comovente...” – ironizou.

 

Ela havia acreditado nele. Havia dado toda sua fé a ele.

E-eu posso mesmo?! Posso chamá-la mesmo de Maiko-chan?!

Como ele ousava traí-la daquele jeito? Simplesmente pisou em toda e qualquer esperança dela. Naquele momento, ela admitiu, já não havia mais perspectiva alguma. Até mesmo conseguir dinheiro em seis dias tornou-se uma excentricidade.

Maiko-chan... Não se preocupe. Eu vou fazê-la feliz. É só pra isso que eu existo, afinal!

Em algum lugar da mente, ela soube que estava cometendo uma loucura ao fugir da Feira Cultural com aquelas roupas e estar correndo pelas ruas de Tokyo.

Mas era inevitável...

Ela precisava fugir... Não sabia pra onde, mas precisava fugir...

Confie em mim, Maiko-chan. Apenas relaxe e se segure firme, tá?

...Tudo fazia sentido, afinal. Ela que foi besta de nunca ter notado antes.

Todas as pessoas que eles conviviam, todas as coisas que traziam... A vida dela teve muito poucos acidentes, mas desde que Himitsu apareceu na sua vida, eles aumentaram exponencialmente.

Além disso, pessoas como Mashiro Himeno ou Najato Hajaya já conviviam com os perigos de uma vida secreta há muito mais tempo.

Provavelmente, eles já deviam ter tido muito mais contato com a Morte. Talvez, até compreendessem e aceitassem a verdade...

Maiko-chan é minha ‘deusa’. Ela fez o ‘humano’ que existe em mim. Eu nunca vou olhar pra ninguém que não seja a Maiko-chan!

NÃO!

Ela jamais iria aceitar aquilo!

Jamais iria aceitar que estava para morrer! Nunca iria acreditar que aquele rapaz que ela tanto amou... Seria seu ceifador.

Era demais pra ela. Não podia aceitar aquilo, pelo bem de sua sanidade.

Havia sido cegada pela fé. [2] Agora, pagava o preço por sua imbecilidade: a verdade nua e crua, a iminência da própria Morte...

Eu farei de tudo por você, Maiko-chan.

...Mas não havia como escapar.

Era a Morte, afinal. O próprio Himitsu revelou que nenhum de seus outros humanos escaparam desse destino.

Por isso ela era chamada de A Inevitável. Merecia o maldito título.

Ela também iria levá-la, cedo ou tarde.

Porque Himitsu estava com ela... Porque ele era um Anjo que lutava contra a morte iminente de seu ‘deus’, até que o mesmo ficasse feliz, sem arrependimentos.

Então, iria morrer... Iria ser traído.

Sem dó seria pisoteado por aquele mesmo sorriso do anjo, por aquelas mesmas asas rosas e pálidas.

Eu te amo, Maiko-chan.

NÃO! Chega disso!

Ele não iria mais levar seu coração. Nunca mais iria enganá-la.

Nunca mais mostraria a ela sonhos e depois os arrancaria sem dó.

Sei que não posso mais dizer à Maiko-chan que a amo... Mas eu... Posso me preocupar com você?...

Ela não queria morrer...

Se Himitsu significava a Morte, ela não o queria mais...

Vamos, Maiko-chan?

...Irônico que aquelas mesmas mãos que iriam levá-la para o Inferno eram as mesmas que tocaram em seu rosto, que deslizaram por suas costas, hesitantes, que pegavam na mão dela o tempo todo.

Irônico que aqueles lábios que pronunciariam sua sentença final eram os mesmos que diziam amá-la, os mesmos que beijavam os seus tão gentilmente, os mesmos que se abriam em sorrisos sinceros o tempo todo.

“MAIKO-CHAN!...”

Antes que ela pudesse sequer sentir o susto, um par de braços fortes reteve sua corrida. Ela viu-se presa naquele abraço.

E só então percebeu, em meio ao desespero, o cenário à sua volta: estavam numa calçada de Tokyo, com algumas pessoas olhando-os desaprovadoras por aquela cena em plena luz do dia (ou seria tarde, já?). [3] Tinha o rosto úmido de lágrimas, o peito arfante, as pernas e o corpo trêmulos...

E Himitsu estava atrás dela, impedindo-a de fugir. Ela não viu seu rosto, evitando ao máximo essa tentação, mas sentia o cheiro de seus cabelos loiros balançando ao vento, sentia o calor de seu corpo e até mesmo ouvia o som de sua respiração acelerada pela corrida.

“Já chega, Maiko-chan. Vamos voltar... Você pode se machucar se continuar correndo distraída desse jeito...” – ele sussurrou contra os cabelos dela.

A japonesa olhou para o semáforo na sua frente, e percebeu que o sinal estava fechado para pedestres. Se ela não tivesse sido impedida, teria corrido sua afora e, quem sabe, acontecido o pior.

...A Morte. Ela estava em todos os lugares.

Em cada fresta, em cada olhar...

A Morte queria pegá-la...

“Me solta, Himitsu! Me solta, por favor!” – e, num impulso inconsciente, ela começou a se debater. Lutou bravamente por sua vida.

“Não vou soltá-la enquanto não se acalmar, Maiko-chan. Você quase foi atropelada... É um perigo até para você própria.” – ele continuou segurando-a, intensificando mais aquele abraço.

“Eu vou gritar... Se não me soltar agora, eu juro que vou gritar!...” – cerrou os dentes, pronta para cumprir aquela ameaça.

Ela ouviu Himitsu suspirar.

E, por algum motivo, aquilo a assustou mais: afinal, ela o viu como um humano. Não mais como um assassino, uma ameaça...

Apenas, bizarramente, como um humano... Nem anjo nem demônio...

“Eu nunca vou deixar que Ela leve você, Maiko-chan.” – ele sussurrou, e aquele tom de voz demonstrava o quanto estava sofrendo por aquilo. – “Prometo. Não vou deixá-la desprotegida. Eu a amo, Maiko-chan. Jamais deixaria a morte tirá-la de mim. Não se lembra?”

E então, virou-a para ele, apenas para que ela o visse sorrir.

...Aquele mesmo sorriso gentil, mas com uma pontinha de dor.

“Eu prometi que iria fazê-la muito feliz. E, pra isso, eu preciso que você esteja viva, né? Por isso, eu não deixarei você morrer.”

...Estou com medo.

“Himitsu...” – sussurrou.

...Eu não quero acreditar nisso.

“Você...” – e, mais do que assustada, estava incrédula.

Maiko não se importou com o choque dos pedestres que assistiam a cena, considerando a atitude do casal obscena, horrível. Na verdade, para ela, era como se o mundo nem mais existisse.

Ela apenas o contemplou por um longo tempo.

E parecia que, mais do que nunca, agora ele estava coberto de uma aura fantástica, quase como se fosse uma espécie de messias.

“Eu não quero morrer, Himitsu...” – gemeu, não tendo mais controle sobre o próprio canal lacrimal.

...Eu não quero morrer...

“Você não vai, Maiko-chan. Não vou deixar. Eu estou aqui com você.”

Ela não moveu um músculo sequer para corresponder. Mas ficou feliz, no fundo, mesmo que estivesse morrendo de medo, quando foi abraçada por ele.

Daquele dia em diante, ela tinha certeza disso: as coisas não seriam mais as mesmas. Nunca mais.

 

 

Esperanto:Solfege
Petit Ange

 

Tom XVIII: Depois da Chuva.

 

A luz do computador tingia o ambiente de um ciano muito pálido.

“...Azriel?”

“Ele é bem famoso. O Erasi mais famoso deste mundo.” – de fato, a ponto de pegar o título de Anjo da Morte, descrito até mesmo na Bíblia. – “Ele não é lá muito amigável... Acho até que é meio excêntrico...”

“...E Malik?”

“Não, ele não é um anjo da Morte... Ele está sempre no Inferno, na verdade... Seu trabalho é apenas cuidar de almas, não separá-las dos corpos.”

Mais um clique. A garota parecia ler as informações, absorta, enquanto o loiro sentado na cama apenas esperava, de cabeça baixa.

“...Gabriel é um anjo da Morte?” – ela perguntou, com um pingo de surpresa em sua voz, mesmo que não demonstrasse isso no rosto.

“Ele é um Arcanjo... Não tem nada a ver com o mundo dos homens.” – sussurrou. – “Gabriel vive no Primum Mobile [4] e tem seis pares de asas... As lendas islâmicas diziam que ele era o anjo da Morte dos reis... As lendas apontam também outros cinco anjos [5]... Mas não é verdade.”

“Ah... Imaginei.” – e então, ela fechou a página, desligando o computador logo em seguida. – “Mas eu cansei de te fazer perguntas agora, Sehriel.”

“...É Himitsu.” – sussurrou ainda mais baixo, quase como se tivesse vergonha de estar dizendo aquilo.

“Não, é Sehriel. Se por acaso alguém começasse a me chamar sem motivo algum de... Sei lá, Reiko... Eu não ia gostar.” – explicou, brincando distraidamente com os cabelos enquanto o fazia. – “Por isso, vou te chamar de Sehriel. Já ignorei por tempo demais o seu verdadeiro nome.”

“Mas eu gosto quando você... Me chama de ‘Himitsu’... Foi a Maiko-chan quem me deu esse nome... Que me deu esse corpo... Essa vida... Eu gosto disso tudo...” – confessou, ainda naquele tom baixo.

A japonesa ficou calada, respirando profundamente.

“...Eu sei que amanhã não temos aula, mas eu poderia dormir, Sehriel?”

O rapaz entendeu na mesma hora, saindo de cima da cama, arrumando o local onde havia sentado e amassado um pouco. Logo em seguida, prostrou-se ao lado e esperou-a se deitar, e assim que ela o fez, soltou um longo suspiro.

As coisas estavam assim desde aquele dia da Feira Cultural, há dois dias.

Desde então, Maiko chorava como uma criança às vezes, mas na maioria do tempo, era bastante contida e começou a tratá-lo de uma forma insuportavelmente polida, como se ele fosse um total estranho dividindo o teto. Nem mais no trabalho ela demonstrava a animação de sempre, coisa que chamou a atenção das outras faxineiras que dividiam o serviço com ela.

A morena havia adquirido, também, uma horrível obsessão em arrumar tudo: agora mesmo, antes de ligar o computador de repente e mandá-lo sentar para algumas perguntas, ela estava arrumando o armário pela quarta ou quinta vez naquele dia.

Desde o dia da Feira Cultural, onde mais tarde Najato disse que havia tido um ataque youkai e uma estudante morreu, as aulas foram canceladas por alguns dias por conta daquele incidente. Um luto geral, basicamente. E isso a fazia ter mais tempo livre, coisa que ela estava detestando, ultimamente.

Então, Maiko saía o tempo todo, comprava qualquer coisa, arrumava várias vezes a casa e até mesmo enchia a geladeira de cervejas para o tio. Haviam dois dias que ela já não desejava mais sair para as rondas youkais com Najato e Irieko, mas ela também proibia Himitsu de sair de perto dela.

O loiro pediu desculpas para o ‘mestre’ e pediu um tempo para cuidar dela, explicando (uma vez que o arqueiro já sabia de tudo) que a verdade foi chocante demais para ela, coisa que Hajaya entendeu.

Agora, as noites de Himitsu tornaram-se não um descanso merecido em sua cama, no outro quarto, mas sentar-se na cadeira ao lado de Maiko e segurar a mão dela firmemente, e ficar ali a noite toda. Ela exigia acordar com ele ao seu lado, a menos de 30cm de distância.

“Sua cama está pronta, Maiko-chan. Pode vir deitar-se.” – ele sorriu, puxando os cobertores para ela ir aconchegar-se.

“Obrigada, Sehriel.” – ela lhe dignou um sorriso polido, porém agradecido, como se ele fosse... Uma nova funcionária trabalhando ali. – “Puxe sua cadeira, sim? Ah, pode desligar a luz e abrir um pouco a porta, por favor?”

“Claro, Maiko-chan.”

Servilmente, ele fez tudo que a garota pediu. Entreabriu a porta, deixando a luz do corredor iluminar um pouco o quarto (desde aquele dia, ela também adquiriu esse hábito de ter medo da escuridão, como se a Morte fosse aparecer a qualquer momento das sombras), e depois desligou a luz.

Em seguida, puxou a cadeira da escrivaninha dela e sentou-se ao seu lado, como sempre. Takuchi Isono havia saído mais uma vez, então não haveria maiores problemas para os dois... E, mesmo assim, eles estavam saturados deles.

Dos problemas.

Segurando aquela mão tão frágil, Himitsu percebeu o quanto era idiota: sua missão falhara totalmente. Toda a pouca alegria que ele havia dado para Maiko, a confiança hesitante que ela pôs nele... Tudo isso perdeu-se de um dia para o outro. Era como ter tido todo o ouro do mundo nas mãos e todos os sonhos por quinze minutos... E então, tudo foi-lhe tirado abruptamente.

E a culpa não era de ninguém senão dele. Nunca deveria ter cedido aos incessantes pedidos dela. Devia ter continuado como um ‘Segredo’, como seu próprio nome dizia, sem que ela soubesse e sofresse por isso.

Mas agora era passado. Era tarde demais.

O celular vibrou, chamando-lhe a atenção. Toda noite, antes de Maiko ir dormir, ele deixava-o no modo silencioso, e caso recebesse alguma chamada ou mensagem, iria lê-la, mas sem que a menina soubesse disso.

Desta vez, era uma ligação. Ver o número na tela o fez sorrir de leve.

“Boa noite, Hajaya-san.” – falou baixinho, temendo incomodar ainda mais o sono já suficientemente perturbado da ‘deusa’.

“Fala, Himitsu!” – a voz no outro lado da linha era gentil e tentava passar-lhe alguma alegria. Sim, Najato esteve ao lado dele este tempo todo, tentando demover Maiko daquela teimosia sem sentido. – “Ainda acordado se nem tem ronda hoje?”

“Maiko-chan estava me interrogando...” – sorriu amarelo. – “Agora ela está dormindo, graças a Deus. Foi um dia longo...”

“Cuidamos de um youkai agora a pouco. Ah, adivinha?! Hoje a Irieko conseguiu a façanha de vinte e quatro penas!” – ele disse, animado.

“É mesmo? Dê os meus parabéns pra ela.”

Era engraçado falar com Najato. Provavelmente, quando voltassem a ter aulas normais, a japonesa iria sumir daquele círculo de amizades, mesmo mantendo uma distância segura para ela e seu medo infundado da Morte. E aí, Himitsu ficaria a sós com Irieko e Najato.

Seria engraçado ver isso, no mínimo. Será que Maiko iria ficar com ciúmes deles também? Ela era sempre tão ciumenta...

“Himitsu?” – e então, a voz dele ficou séria depois do breve silêncio.

“Pois não?” – um arrepio involuntário assaltou sua espinha.

“Amanhã... Eu posso falar com a Ma-chan? A sós. Só eu e ela.” – ele explicou, com aquela sua voz de malicioso. O loiro soube que, do outro lado da linha, provavelmente ele e a anjo de cabelos verdes estivessem rindo. – “Prometo que serei bem gentil com a menininha...”

“Ah... B-bem, claro, acho que pode...” – ele deu um risinho, mais preocupado perguntando-se o que ela acharia daquilo. – “Mas eu não acho que ela vai querer sair de perto de mim...”

“Deixa de ser convencido!” – o caçador riu.

“...Não, eu falava literalmente mesmo. Maiko-chan está muito assustada.” – falou mais baixo ao vê-la se remexer na cama.

A voz de Najato do outro lado também pareceu tão séria quanto.

“Eu sei disso. E por isso mesmo vou sair com ela. Cansei desse papel de vítima que ela tá fazendo pra cima de você e dela mesma, vou dar um jeito nisso.”

“Humm... Eu não acho que seja uma boa idéia...”

“Que bom que nos entendemos, Himitsu! Amanhã eu busco ela aí no apartamento de vocês, falou?” – disse ele, tranqüilo, parecendo nem ter ouvido a última frase do loiro. – “Boa noite. Vê se dorme direito, tá?”

“Err... Hajaya-san, espere!...”

Antes que ele falasse mais alguma coisa, a ligação terminou.

...Problemas. Era tudo no que conseguia pensar.

 

Mais um dia sem aula. Mais um dia para a desgraça pessoal de Maiko.

“Não vai tomar o café-da-manhã, Maiko-chan?” – Himitsu perguntou, pondo mais uma tigela de arroz na mesa. – “Você não anda se alimentando direito desde o dia da Feira! Estou preocupado com sua saúde!...”

...Nem precisava, é claro, citar os motivos.

A japonesa não se dignou a responder àquele comentário. Ela estava mais interessada em imaginar quando iria morrer. De que jeito iria morrer. Seria rápido? Iria doer bastante? Haveria sangue?

Ficar pensando que a sua própria morte estava absurdamente próxima, de que talvez ela não sobrevivesse até o próximo mês... Tudo isso a privava de sentir fome, sede ou até mesmo vontade de continuar debatendo-se pela vida. E, mesmo assim, ela estava ali, lutando com a idéia de morrer.

Lutava contra o símbolo daquela ameaça iminente: o maldito anjo de asas pálidas e rosas que andava sempre com ela.

“É estranho pensar que, um dia, eu já te amei, Sehriel.” – ela comentou, amarga. – “Me alcance a tigela de arroz do titio. Vou lavar a louça.”

“D-deixa que eu faço isso, Maiko-chan...” – ele se precipitou.

“Por favor, me alcance a tigela de arroz. Por favor?” – insistiu, não olhando para seu rosto em momento algum.

Himitsu o fez no mesmo instante. Silenciosamente. Tristemente.

“Ei, cabeça de vento! Acorda pra vida!”

E então, a surpresa: até parecia que ela estava mesmo em casa, evitando e procurando ao máximo aquele anjo que lhe traria a morte. Mas não... Seu maior susto é ver que aquilo não passou de uma distração bem real.

Ela estava em frente ao balcão de um McDonnald’s, a atendente e o seu acompanhante esperando a decisão dela. Entreabriu a boca, surpresa, querendo dizer algo, qualquer coisa, mas a voz simplesmente não saiu.

Najato suspirou:

“Ah... Pode me dar dois desse, moça? Nós comeremos a mesma coisa.” – e sorriu logo em seguida, enquanto ela fechava a conta.

Assim que ele pagou, entraram na fila de espera, e quando o menu chegou eles escolheram uma mesa perto da janela que, por sorte, estava vazia.

O caçador de youkais parecia satisfeito, apesar da falha absurda e de ter deixado que os Guardiões se envolvessem perigosamente naquela situação da Feira Cultural. Ele ficou sabendo por algumas fontes depois que a Guardiã de Aquário havia despertado sua energia, por um breve momento.

Explicava o porquê dele ter sentido a energia de Aquário, coisa que nunca havia acontecido antes.

Irieko e ele pareciam até mais empenhados em destruir o maior número de monstros possível, já que a fenda da barreira parecia mais e mais frágil a cada momento. Mas isso, claro, eram coisas que já não pareciam mais interessá-la tanto como antes. Aliás, coisas assim passaram a dar-lhe medo.

“Não vai comer, Ma-chan?” – o garoto perguntou, dando uma grande dentada no seu hambúrguer. – “Tá estupidamente calórico!”

Maiko não pôde evitar uma risadinha. – “E isso é uma gíria para ‘tá muito gostoso, vai sem medo’?”

“Algo assim... Come logo, sua idiota! Quem pagou fui eu!” – ele resmungou, também rindo, claro.

Comer não era algo que ela estava querendo.

Por mais que se sentisse agradecida com a súbita chegada do caçador na sua casa naquela manhã, por mais que ele houvesse garantido que não precisaria de Himitsu, que ele mesmo cuidaria de tudo, e por mais que ele estivesse insuportavelmente bonzinho, mais parecendo um “namorado” prestativo... Não dava.

Era demais para ela. Simplesmente não conseguia encontrar um motivo para agir com ânimo. Podia soar egoísta, mas ela realmente se esforçou para achar.

“Fico imaginando...” – ela comentou. Às vezes, conversar com Najato era fácil demais. – “Será que eu vou morrer engasgada com um mísero pedaço de bife? Será que esse suco de laranja vai me fazer mal e eu vou morrer de intoxicação alimentar? Fico pensando, temendo toda as horas do dia... Será que será um aneurisma? Eu morrerei assim, do nada...?”

Ela o ouviu suspirar, contrariado. Um suspiro cansado e incrédulo.

“Não creio que você, a Maiko Isono, a lenda que eu admirava desde os tempos de ginásio, está se deixando abater por isso.”

“Só por isso?! É da minha vida que estamos falando!”

“Antes de você, muitas outras pessoas passaram pela mesma situação. E depois de você, muitas outras irão passar também. E daí?”

“Foi pra isso que me trouxe pra cá, Najato? Pra me chamar de idiota?”

Maiko quis se erguer. Mas, antes disso acontecer, ela o ouviu falar, com o rosto sério, os lábios curvados num sorriso amargo. – “Eu vou morrer também, Ma-chan. E isso o meu médico deixou bem claro desde que eu tinha uns 11 ou 12 anos.”

Ela parou, bem como tudo em sua anatomia: seu sangue, sua respiração, o fluxo de seus pensamentos.

“Ele me deu remédios e disse pra eu tomá-los sempre. E o que eles fariam? Nada. Só diminuiriam a dor de um câncer maligno e inoperável crescendo nos meus pulmões. Ele me disse que eu podia morrer a qualquer momento. A Irieko disse a mesma coisa, sempre. E aí? Eu ia passar anos da minha vida me lamentando, me escondendo de tudo e todos, como se a Morte não pudesse me alcançar? Ia virar... Um covarde, exatamente isso que você virou?!”

A japonesa iria replicar, iria dizer umas poucas e boas para aquele cretino, mas o mesmo foi mais rápido. – “Essa sua cena toda não vai fazer a Morte ter pena de você. Ela vai te levar, cedo ou tarde, grave bem isso. E Himitsu está justamente te dando uma chance de viver: ele está te protegendo da morte! Se não fosse ele, provavelmente você já não estivesse viva há tempos, desde aquele primeiro youkai que você viu! Há gente que enfrentaria esse problema de cabeça erguida, que nem iria se importar porque faz parte de viver... Mas você... Você, fazendo todo esse escândalo tolo por ter um medo irracional de morrer... Você está pisoteando não só os esforços dele, mas todo o sentimento que ele pôs neles. Não é a Morte a vilã: é você!”

“Foi o Himitsu... Não, foi o Sehriel que mandou você vir aqui me dar lição de moral, Najato?” – ela perguntou, incrédula, voltando até mesmo a se sentar.

A voz dele ainda retumbava em sua consciência.

Ele tem razão’, admitia. Mas não ousaria jamais dizer isso para ninguém. Ele estava coberto de razão, neste ponto...

Ficou remexendo com o canudinho o suco, ouvindo o barulho dos gelos na superfície de plástico, não ousando encarar a face provavelmente furiosa e até cansada do arqueiro de cabelos escuros.

“...Claro que não foi ele. Eu quem quis fazer isso.” – rosnou.

“Por quê? O que você ganharia em troca?” – olhou-o desconfiada.

“Ma-chan... Quantos anos você acha que Sehriel viveu, antes de nascer como ‘Himitsu’? Quantos nomes você acha que ele já teve antes desse? Quantas vidas? Quantos ‘deuses’ mortos?... Você pode ter alguma noção?”

Não. Ela realmente não tinha nenhuma noção, porque nunca pensou pelo lado dele. Desde aquele dia, ela quase o considerava uma entidade maligna.

“E dentre esses ‘deuses’... Quantos você acha que sabiam da verdade?” – e aquela pergunta a atingiu com a força de um aríete. – “Quantos você acha que compreenderam? Quantos fugiram dele? Quantas missões fracassadas ele amargou... Deixando que seus ‘deuses’ morressem tristes e confusos...? Tem alguma idéia de que, diferente de você, que irá morrer pacificamente e acabou... Ele irá continuar nesse ciclo interminável, amargando, talvez, mais uma derrota: deixar que você tenha morrido triste e confusa? Já percebeu que você será mais um número falho na vida dele? Que Himitsu não passará de mais um personagem mal-sucedido?”

Maiko foi esmagada com aquela verdade.

Ela nunca havia pensado por esse lado, de fato. E tudo que Najato falava fazia um cruel sentido; a ponto dela sentir-se uma vilã.

Ele tinha razão... Quem estava sendo má era ela, não a Morte...

“Agora vamos pôr essas suas sobras (cê nem tocou na comida) numa sacola de papel pra levar e vamos continuar nosso passeio inocente por Akihabara.” – e então, ela o viu sorrir, voltando a parecer só mais um adolescente qualquer.

“...Não vamos ver DVDs hentai de novo, vamos?” – perguntou, não sentindo-se julgada, ao menos, naquele tipo de assunto.

“Chega disso. Vou procurar o Box de Code Geass. Já viu que vai sair a revista com as ilustrações oficiais? [6]” – comentou, sorridente. – “Deve estar uma fortuna!”

“Seu otaku...” – gota enorme na cabeça.

 

Em outro lugar, tão ensolarado quanto, uma criança estava sentada nos galhos de uma velha árvore, atraindo a atenção de uma ou duas pessoas que por ali passavam.

“...Deixamos a minha mãe sozinha de novo, Shiho-kun.”

“Não por muito tempo, Mashiro-kun, não se preocupe. Não foi você mesmo que queria ver esse espetáculo de perto?”

Os dois vestiam, basicamente, a mesma roupa, com exceção dos acessórios: Shiho Himeno, o anjo Suriel das asas negras, tinha uma corrente com uma cruz de prata, enquanto Mashiro Himeno, o hanyou vingativo, tinha uma cruz de ouro.

“Sim, de fato... Mas agora me passou essa idéia pela cabeça... Mamãe deve estar se sentindo assustada.” – comentou, mas não pareceu demonstrar maiores emoções quando disse isso, como sempre.

“Será rápido.” – o outro acalmou-o, sorrindo. – “Não percebeu que a barreira está abrindo mais e mais a cada momento? É a primeira vez que vejo algo desse jeito.”

“...Quase me esqueço que você viveu muito mais do que eu.” – ele suspirou.

Mashiro mantinha, por precaução, uma distância muito segura da barreira que dividia o mundo youkai do humano. Mas, ao longe, ele podia ver claramente o que aqueles humanos sem treinamento e dom não podiam: a fenda. A fenda estava dilatando de novo, como o útero de uma mulher.

Uma forte onda de energia era emanada cada vez que isso acontecia, mas não afetava ninguém. Apenas era confundida com uma leve brisa casual. Os gêmeos suspiraram, impotentes.

“Falta pouco, viu, Mashiro-kun?” – Shiho comemorou. – “Logo, a barreira irá abrir-se totalmente, e então, os youkais dominarão o mundo humano.”

“Não... Os Guardiões não irão deixar isso acontecer.” – sorriu, cruzando os braços, ajeitando melhor as costas em contato com o tronco duro da árvore.

“E é isso que você quer, não?” – sorriu ainda mais o anjo.

“Isso mesmo. Eu quero que os Guardiões se debatam e lutem como idiotas. Quero até mesmo que Hikari nee-sama, que recebeu o título de Guardiã de Áries, volte para o seu lar, para o infame Mundo Youkai. E então... Aquele rei será obrigado a ir atacar pessoalmente. Eu tenho certeza disso. Conheço meu pai.”

Shiho balançava as pernas, divertido. – “E nesse momento...”

“...Nesse momento, eu irei assistir de camarote a morte do rei Kuro. Desde maldito que causou a morte de meu irmão e a infelicidade eterna de minha mãe.”

 

[1] O mito de Zeus e Sêmele é aquele onde a jovem Sêmele, uma amante de Zeus, é persuadida pela serva de Hera, a esposa do rei dos deuses, a pedir para Zeus jurar às margens do lago sagrado que irá cumprir qualquer desejo seu. Ela faz exatamente o que a serva diz, e seu pedido foi ver a verdadeira forma de Zeus. Sem escolhas, ele o fez, mas acabou matando-a com um de seus raios divinos.

[2] Alguém aí percebeu as claras referências à música “Angels”, de Within Temptation, que por sinal é a música-tema e inspiradora de Esperanto:Solfege? XD

[3] No Japão, o máximo que você verá algum casal fazendo é dando as mãos. Muito mais do que isso já é quase que considerado atentado ao pudor. As leis desse tipo são bem rígidas por lá, bem como os costumes. Tudo bem que a maioria sabia disso, mas é sempre bom frisar. XD

[4] É a morada (oficial) de Metatron, mas foi mencionada, no caso, como a morada de todos os Arcanjos.

[5] Além de Gabriel, os outros anjos são: Kapziel (que levava as almas dos jovens), Mashbir (que levava a dos animais), Masshit (levava a alma das crianças), Af (levava a dos homens) e Hemah (levava a das bestas e monstros).

[6] O livro existe mesmo! “Code Geass: MUTUALITY”. Tá até no site do Tsubasa Project, para os mais curiosos. ^^


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