Trabalho Escolar: Diário de Lidia Brazzi escrita por Juliiet


Capítulo 8
Dia 4, sexta-feira, 5 de agosto. (parte 1)


Notas iniciais do capítulo

Sei que disse que só ia postar amanhã, mas saí mais cedo da aula e como o capítulo já tá pronto, resolvi postar :)



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   Sexta-feira.

   O dia mais lindo da semana.

   O dia com mais clima de liberdade, quando os estudantes estão mais empolgados com os planos do fim de semana e até os professores relaxam.

   Sexta-feira era o dia que eu esperava com todas as fibras do meu corpo, mal contendo minha empolgação.

   Isto é, até hoje.

   Nesta sexta-feira em particular, eu sentia toda a minha empolgação cair por terra. Estava exausta. Tanto pela semana de merda que eu tive (Sr. Albert, minha semana REALMENTE foi uma merda, não tem como não usar esta palavra, o senhor, mais do que ninguém, sabe disso) como pela perspectiva do dia que ainda estava por vir.

   Duas palavras:

   Sair. Felipe Madson.

   É.

   E, o.k., são três palavras, mas você entendeu meu ponto.

   Hoje era o dia em que eu tinha dito que iria sair com Felipe Madson.

   É, eu sei, eu não estou na terceira série, já saí com garotos antes. Mas nunca com um que eu odiasse, é verdade.

   O negócio é que, na hora, sei lá, até me pareceu uma boa idéia.

   Oh meu Deus. Que diabo está acontecendo comigo?

   Era exatamente nisso que eu estava pensando quando desci para tomar café. Completamente vestida e pronta e, adivinha só, dentro do horário. Apesar de eu ter acordado morrendo de dor de cabeça e ter tomado uns dez comprimidos para dor.

   Deu pra sacar que o dia seria diferente.

   Mas as surpresas não acabam aí, nããão!

   O.k. Lidia, isto não é um daqueles programas ridículos de TV.

   Enfim, o que eu quero dizer é que minha mãe estava em casa.

   É, Sr. Albert, eu tenho uma.

   Mas sabe, parecia que eu não a via há dias. E lá estava ela, com aquele roupão de algodão com estampa de gatinhos que Fred e eu tínhamos lhe dado num natal, anos atrás. Estava terminando de arrumar a mesa do café da manhã. Passei os olhos sobre tudo e até considerei a hipótese de estar tendo algum tipo de alucinação causada por estresse.

   Ei, essas coisas acontecem.

   A mesa da cozinha estava cheia. Pães quentinhos, bolo caseiro, gelatina de morango, torradas, geléia de framboesa, suco de fruta, croissants, pães de queijo, iogurte...

   Tipo, Sr. Albert, não quero que o senhor pense que eu passo fome ou coisa do tipo (é, o.k., eu não comi nenhum dia antes de ir para a escola essa semana, mas não foi por falta de comida), mas é que mamãe nunca faz o café da manhã. Não assim pelo menos. Pela manhã eu normalmente como vento cereal com leite.

   Para uma pessoa que só almoça sanduíches isso é uma evolução.

   E eu fiquei lá, parada na porta da cozinha, com cara de bagre. Mamãe percebeu minha presença e virou-se para mim.

   - Oh Lidia, já está acordada? – ela perguntou. Não sei que mania estúpida é essa que as pessoas têm de fazer perguntas idiotas. Não, mãe, eu estou dormindo e essa é minha gêmea do mal. – Já ia lhe chamar.

   - Mãe – comecei, cautelosa. – Você está bem?

   - Ora, claro, meu bem, estou ótima. Agora sente para tomar seu café enquanto eu vou acordar o seu irmão – disse antes de sair.

   Congelei.

   Não sei o que me assustou mais. O meu bem ou o vou acordar o seu irmão.

   Em primeiro lugar, mamãe nunca me chama de meu bem ou qualquer outro nome que não seja o meu. Nunca. Nem mesmo quando eu caía e ralava o joelho quando era criança. Nem no meu aniversário ou no natal. Nunca.

   Veja bem, Sr. Albert, não quero lhe passar uma idéia negativa de mamãe. Não acho que ela seja uma mãe ruim, não mesmo. Ela vive por mim e por Fred. Se mata de trabalhar para nos dar o mínimo de conforto e eu seria uma filha ingrata se não reconhecesse seu esforço. Ela só não é a mãe mais carinhosa e amorosa do mundo, se é que me entende.

   Só que a verdade, Sr. Albert, é que eu não posso culpá-la. Ninguém pode dar o que nunca teve. Mamãe perdeu os pais ainda criança e teve de ir morar com uma tia do mal. Não posso culpá-la por ser do jeito que é.

   Então, o senhor entende minha surpresa quando ela me chamou de meu bem. Pensei realmente que havia algo de errado com ela. E desde quando mamãe se arrisca a acordar Fred? Ela não tinha medo do perigo? O que estava acontecendo ali?

   Resolvi que não ficaria para ver. O que quer que fosse, era bizarro demais e eu não aguentaria, não com o dia que tinha pela frente. Especialmente se mamãe tivesse intenção verdadeira de acordar o Fred.

   Assim, peguei uns pãezinhos e um pouco de geléia e enfiei na minha mochila (Sr. Albert, o senhor não acha que eu ia perder essa chance, não é?), peguei o resto das minhas coisas e saí de casa. Sabia que o ônibus ainda demoraria algum tempo para chegar, mas eu preferia congelar lá fora a presenciar meu irmão sendo acordado de manhã.

   Ei, eu nunca disse que eu era racional.

   Sentei na beira da calçada, tomando cuidado para não deixar a minha saia um-pouco-curta-demais do uniforme relevar nada. Abri minha mochila e tirei meus pãezinhos, devorando-os vorazmente. Paraíso.

   Ainda não havia acabado de comer o último quando ouvi um carro buzinar bem perto de mim, e quando levantei o rosto deparei-me com o carro de Felipe. Seus amigos estavam todos lá e Felipe seguia quase parando. Meu irmão também estava com eles.

   Talvez fosse bom perguntar para ele se mamãe ainda estava viva.

   - Você tem noção do quanto parece uma mendiga? – Felipe perguntou debochando, rindo com seus amigos. – Aí, sentada na calçada, comendo um pedaço de pão como se fosse a primeira coisa que come em dias?

   O quê? Aquele garoto estava realmente fazendo isso?

   - Vá se catar! – gritei.

   Senti meus olhos se encherem de água, para meu espanto. Tive medo que eles vissem e por isso pus o que restava do pão em minha boca, o que só o fez os garotos rirem mais, até meu próprio irmão. Mas pelo menos controlou minhas lágrimas, não acho que conseguiria chorar e engolir ao mesmo tempo.

   Felipe acelerou e eles foram embora. Levantei da calçada e fui andando sem perceber para onde ia. Quer saber de uma coisa? Dane-se o ônibus. Dane-se a escola. Dane-se Felipe e seus amigos estúpidos.

   É isso mesmo, Sr. Albert, estou desertando.

   Não pense que eu fiquei tão abalada só por que fui comparada a uma mendiga. O problema não é esse. É só que...

   Eu realmente achava que, depois de ontem, Felipe seria mais legal comigo. Sei lá, ele me segurou tão suavemente no carro, me olhou com tanta intensidade e ainda me chamou para sair com ele. E eu achei que...

   É, eu sei, pode falar, eu sou tão idiota.

   E o pior disso tudo é que ele me machucou, mesmo. O que só me faz mais estúpida.

   Não que eu estivesse esperando alguma coisa dele, não estava. Bom, talvez estivesse. E ficar rindo de mim assim...eu não estava esperando por isso.

   É, Sr. Albert, o senhor tem uma aluna com sérios problemas mentais.

   Não fui à escola.

   Não sei o que me levou a tomar essa decisão. Se foi a possibilidade de encontrar Felipe ou um de seus amigos, a certeza de que não iria me segurar e daria um soco em Fred na primeira oportunidade, saber que Renata iria se preocupar comigo ou ainda saber que não conseguiria aguentar um dia inteiro de aulas sem cair no choro.

   Não me entenda mal, Sr. Albert, eu não sou do tipo que chora por tudo, não mesmo. Para falar a verdade, eu nunca choro.

   E tudo bem, houve momentos em minha vida em que chorar talvez fosse uma boa idéia. Mas eu já estava tão acostumada a ser forte, que acabava não chorando. Nem lembrava se eu ainda era capaz disso.

   O que, ficou claro, eu descobri que era. Capaz de chorar, quero dizer.

   Não, eu não caí no berreiro feito uma histérica no meio da rua. Por favor, eu ainda não havia chegado ao fundo do poço. Apenas perto.

   Eu fui andando por uma rua que levou à outra e à outra, e assim até eu nem reconhecer mais o lugar. No fim da última ruela em que entrei – a mais úmida, escura, vazia e deprimente – havia um muro alto.

   Sem saída.

   Parecia muito com minha vida nos últimos dias.

   O.k., estou sendo dramática.

   E eu não sei se é por que, como eu já falei, tinha lágrimas guardadas por muito tempo, ou se por que meu irmão tinha claramente me traído, ou se por que eu estava realmente (confesso) tendo alguma esperança em relação a Felipe, ou simplesmente por eu estar na TPM, mas eu fiz uma coisa que nunca faria em meu estado normal.

   Eu sentei no fim do beco deserto – bem ao lado de uma lata de lixo precária e fedida – sem me importar em sujar meu uniforme ou em deixar que aquele cheiro horrível de lixo impregnasse em meu cabelo, e chorei.

   Chorei em silêncio, só deixando que um número inesperadamente grande de lágrimas fluísse de meus olhos, como a nascente de um rio.

   Era a primeira vez que eu chorava desde que era criança.

   E enquanto eu sentia o gosto das minhas lágrimas salgadas, percebi como senti falta disso.

   De me sentir pequena, frágil, impotente, de me sentir eu mesma e não a garota independente que eu me acostumei a ser na frente de todos. Ainda que o meu eu de verdade fosse um ser confuso e fraco.

   E, tudo bem, talvez sentar num beco escuro e sujo, desconhecido e completamente vazio – quando eu deveria estar na escola – pode não ter sido a idéia mais brilhante que eu já tive.

   Mas pelo menos me fez ver que eu era uma farsa. Que toda essa minha fachada de garota confiante não era mais do que isso, uma fachada.

   E, acredite quando eu digo Sr. Albert, que isso é um choque e tanto.

   E sim, pode ser também só a TPM me afetando mais do que o normal, mas eu realmente me sentia diferente. Como se tivesse percebido algo bem errado em minha vida.

   Mas decidi me preocupar com isso depois e apenas me ocupar com aquela choradeira. Eu vou provavelmente chorar mais vezes, nunca pensei que pudesse ser tão bom.

   Tá, talvez não fosse muito bom para a minha cara, que ia ficar um horror, mas eu cuidaria disso depois.

   Mas, Sr. Albert, preciso só lhe lembrar uma coisa. É de mim, Lidia Brazzi, que estamos falando. E Lidia Brazzi sempre faz alguma coisa estúpida. E eu sei que apenas estar naquele beco já era estúpido, mas eu precisava fazer uma coisa ainda mais estúpida.

   Que foi cair no sono. Lá mesmo.

   Acho que chorar cansa.


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Notas finais do capítulo

A parte 2 desse capítulo é pequena, posto daqui a pouco. Beijoos.