Trabalho Escolar: Diário de Lidia Brazzi escrita por Juliiet


Capítulo 3
Dia 1, terça-feira, 2 de agosto. (parte 2)




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   Depois que eu já estava vestida com o uniforme limpo que a enfermeira me deu, Renata disse:

   - A primeira aula já começou, portanto a enfermeira disse que vamos ficar aqui até o segundo horário.

   - Por mim, tudo bem.

   Renata me segurou pelos ombros, encostou a testa na minha e, olhando nos meus olhos, disse:

   - Lidia, você está louca? Você não sabe que aqueles garotos podem acabar com a sua vida, se quiserem? Você não devia ter falado nada para eles, devia ter ficado calada e os ignorado! Agora, imagina o que eles podem fazer com você!

   Soltei-me dela.

   - Eles não vão fazer nada comigo, Renata – disse, indignada. – Amanhã eles já nem se lembrarão de mim. Mas afinal de contas, quem eles pensam que são? As pessoas deviam enfrentá-los e não tratá-los como você os trata, como se fossem especiais!

   - Mas Lidia, eles são! Você mesma os viu. Além disso, os pais deles são, tipo, zilionários, e eles podem fazer o que quiser.

   - Mas isso é errado! – insisti.

   - Eu sei, mas é assim que as coisas são.

   Ficamos em um silêncio incômodo, até que eu disse:

   - Que coisa mais pessimista – e nós duas caímos na risada.

   Esperamos o sinal tocar, Renata ainda um pouco temerosa de que os quatro filhinhos do papai tivessem ficado ofendidos e quisessem se vingar de mim, mas eu a tranquilizei, dizendo que sou tão comum que era capaz até de eles esquecerem minha cara. Quando o sinal tocou, ela estava mais calma e nós nos apressamos para a aula de matemática da professora Fraiha, ou como eu costumo chamar, o cão que guarda as portas do inferno.

   Sr. Albert, eu realmente gostaria de escrever aqui todo o conteúdo da aula (mentira), se eu realmente entendesse alguma coisa. Mas como eu não entendo, vou só escrever duas observações que eu achei mais importantes:

   1 - O aluno novo da minha sala (não sei o nome dele) tem o péssimo hábito de arrancar fios de seu cabelo enorme e passá-los entre os dentes, como se fosse fio-dental (eu sei, é a coisa mais nojenta que eu já vi).

   2 - A Sra. Fraiha me colocou de detenção por um motivo totalmente injusto. Eu estava no meu direito de fazer caretas com a Renata por causa do garoto que usa o cabelo para limpar os dentes. Ela devia ter colocado o garoto em detenção, não eu. Expulsa logo a criatura por atentado à higiene! Pois é, mas ela tem uma marcação comigo desde a oitava série. Ela nem pôs a Renata de detenção também!

   - Isso é a maior injustiça! – reclamei para a Renata quando a aula de matemática acabou. – Eu odeio essa professora idiota.

   - Você não é a única, Lidy – Renata disse. – Mas nem esquente sua cabeça, sua mãe não sabe que horas a aula acaba hoje, então ela não precisará saber que você já ficou retida no segundo dia de aula.

   - É, ainda bem. Mas você viu aquele garoto? Que nojo!

   - Eca!

   Luana Dias, uma colega de classe, chegou perto de nós.

   - Vocês estão falando do aluno novo? – Ela perguntou, colocando uma pequena mecha do seu cabelo preto atrás da orelha. – Ele é muito nojento!

   - É, - assenti – você viu o que ele faz com o cabelo?

   - Sim! – ela respondeu com uma careta, mas logo mudou de assunto. – A propósito, soube do que aconteceu com você hoje de manhã, Lidia, sinto muito – tava na cara que era sobre isso que ela queria falar desde o começo.

   - Ah tudo bem, é melhor esquecermos isso – falei, não querendo dar muita importância para uma coisa tão ridícula.

   - Você não pode estar falando sério! Felipe Madson nunca esquece alguém que o ofende. Toda a escola já está sabendo que ele vai se vingar de você.

   - Eu?! Eu o ofendi? Eu não fiz nada! Eu só caí e quando eles riram de mim, eu os mandei pro inferno...

   - E fez um gesto bem feio com a mão, pelo que ouvi dizer.

   - Mas só por isso Felipe Madson vai querer fazer mal à Lidia? – perguntou Renata horrorizada. Seus piores temores estavam se tornando realidade, tava na cara.

   - É o que estão dizendo por aí, Renata. – Luana respondeu. – E Lidia, se eu fosse você, tomava mais cuidado – até parece que essa daí se preocupada comigo, só queria esfregar na minha cara que eu estava ferrada.

   Eu estava ferrada.

   O professor de geografia entrou e Luana foi para sua mesa.

   Falo a verdade quando digo que nem o nome do professor eu gravei. Fiquei o resto da aula toda pensando sobre Felipe Madson e o que, diabos, ele poderia fazer comigo.

   Só podia ser palhaçada, não é? A Luana estava querendo me assustar e a Renata era paranóica e doida. Mas sei lá, vai que esse Felipe me encontra sozinha, numa rua vazia e escura...Ok, chega, eu já estou exagerando. Não tem nada que esse otário possa fazer para me atingir, isso se ele realmente estiver querendo fazer isso. Aposto que é só boato, a escola estava meio sem graça e o pessoal quis avacalhar.

   Mas mesmo assim, na hora do intervalo, eu fiquei na sala. Melhor esperar a poeira baixar antes de aparecer nas vistas daquele babaca de novo. E eu ainda estava com raiva, se fosse provocada, era capaz de quebrar tudo e piorar ainda mais a minha situação.

   Renata ficou comigo, mas como eu estava perdida em pensamentos, ela abriu o livro de matemática e começou a fazer a lição.

   Eu também não prestei atenção ao resto das aulas (nem à sua, Sr. Albert, me desculpe) e logo o sinal tocou, anunciando o fim do nosso tormento escolar.

   Estava morrendo de fome e louca para ir para casa quando Renata cutucou.

   - Ei, você tem que ir para a detenção, lembra? – ela disse.

   - Ah não! – resmunguei. – Eu tinha esquecido. Maldita Fraiha!

   - Você ficou toda desligada desde aquela conversa com a Luana. Por acaso você está com medo do Felipe?

   - É claro que não, Renata! – menti. - Que idéia...

   Renata riu.

   - Bom, você devia. Confesso que eu mesma tenho um pouco de medo dele - ela disse. – Eu já vou indo. Me ligue quando chegar em casa. Se cuida, ok?

   - Tá bom – disse e fui para a detenção.

   Sr. Albert, o senhor, como um bom professor, deveria falar com a diretoria a respeito das detenções. Ficar cinquenta minutos numa sala, sem poder conversar com os outros detentos, sem poder fazer absolutamente nada, não é nem um pouco construtivo e só instiga os alunos a se revoltarem contra o maldito sistema disciplinar da nossa escola.

   Bom, depois dos cinquenta minutos de tortur...digo, detenção, que eu passei pensando num modo de passar despercebida por Felipe Madson pelo resto do ano, finalmente eu poderia ir para casa e comer alguma coisa.

   O único problema era: como eu iria para casa?

   O ônibus já tinha ido há muito tempo e se eu ligasse para mamãe ir me buscar, ela saberia que eu havia ficado de detenção e me colocaria de castigo. Ou seja, a única opção que me sobrava era ir a pé.

   32 QUARTEIRÕES A PÉ.

   O que eu disse no início do dia mesmo? Ah, como a vida é dura. Pois é.

   Bom, como as coisas nunca ficam só por isso quando estamos falando de mim, não bastava que eu tivesse caído numa poça d’água no meu segundo dia de aula na frente de um monte de garotos metidos, não bastava que eu tivesse ficado de detenção, não bastava que estivesse rolando o boato de que Felipe Madson queria acabar com a minha vida e não bastava que eu tivesse de andar 32 quarteirões a pé para poder voltar para casa, nããão.

   Tinha que começar a chover.

   32 quarteirões a pé na chuva, ok, vamos lá.

   E eu ainda estava sem guarda-chuva.

   Como eu não tinha escolha mesmo, eu comecei a andar para casa. Ainda não tinha andado um quarteirão e já estava encharcada e morrendo de frio. Parei no sinal para atravessar a rua e um carro esporte preto – daqueles que você sabe que não vai ter nem em miniatura – encostou perto de mim. A janela dianteira se abriu automaticamente e eu percebi que o motorista era ninguém menos que aquele urubu que todo mundo estava dizendo que queria meu couro.

   Sr. Albert, uma dose de paciência e duas de coragem, por favor.

   - Entra – ele disse, com um sorriso torto no rosto.

   Eu o ignorei. Aham, eu vou realmente entrar num carro com aquele doido, até parece. Maldito sinal que não abria e me obrigava a ficar ali parada na chuva, bem na frente dele.

   - Ei garota, eu falei com você – ele disse, autoritário. – Mandei entrar.

   - Eu ouvi – disse, virando-me para ele. A dose de paciência já acabou.

   - Então entra de uma vez, eu estou começando a me molhar.

   - Pois você pode ficar esperando e se molhando a tarde inteira se pensa que eu vou entrar num carro com você. – Bom, se eu já havia cavado a minha cova mais cedo, era melhor deitar nela de uma vez. Quero mais é que se f...

   - Como é? – ele estava incrédulo.

   - Você ouviu – ah, meu filho, além de babaca, é surdo? Sério mesmo?

   - Você não tem idéia de com quem está falando, não é? Ninguém diz não para mim.

   - Bom, eu acho que acabei de dizer. – Nesse exato momento o sinal abriu. Graças a Deus. – Tchau.

   Atravessei a rua com a maior dignidade possível, o que não era muito visto que eu estava ensopada.

   De qualquer jeito, acho que Felipe não está realmente acostumado a ouvir “não”, pois ele arrancou com o carro e passou certinho por uma poça de lama, me deixando, além de mais ensopada, imunda.

   Respirei fundo e prossegui. Tive que me conter para não perseguir o carro e fazer Felipe lamber aquela poça de lama. O que teria sido ridículo e inútil.

   Cheguei em casa depois das duas horas da tarde, mas, por um milagre, mamãe ainda não havia voltado do trabalho, o que deu tempo para que eu colocasse os dois uniformes para lavar (o que eu estava vestindo de manhã e o que a enfermeira da escola me emprestou), tomar banho, trocar de roupa e comer um sanduíche.

   Depois disso, fiz a lição de matemática e assisti TV até mamãe chegar. Como sempre, perguntando pelo Fred.

   - Lidia, você viu seu irmão? – perguntou ao entrar.

   - Olá para você também, mamãe. – disse ironicamente. Fala sério, como se um cumprimento fosse matar. E nem o Fred deve saber onde ele está, com certeza.

   - Lidia...- ela disse com Aquela Voz. Sabe, a voz que toda a mãe faz quando quer dizer para o filho que ele está pisando em terreno perigoso.

   - Desculpe, mamãe. Eu não vi o Fred hoje. – disse, não querendo me indispor com a mamãe depois do dia de cão que eu tive na escola.

   - O que eu vou fazer com seu irmão? – perguntou, mais para ela mesma do que para mim.

   Como mamãe parecia estar muito estressada, resolvi ir para o meu quarto antes que ela brigasse comigo por alguma coisa. E espero, assim que terminar de escrever neste diário, ir para a cama.

   Tomara que amanhã eu tenha um dia melhor. Comparado com o de hoje, eu não acharia difícil, mas algo me diz que estou enganada.


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Notas finais do capítulo

:)