Céus de Agosto escrita por Blue Dammerung


Capítulo 3
Capítulo 3: Feche os Olhos.


Notas iniciais do capítulo

"Meu coração vai batendo devagar como uma borboleta suja sobre este jardim de trapos esgarçados em cujas malhas se prendem e se perdem os restos coloridos da vida que leva. Vida? Buenas, seja lá o que for isto que temos.



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O guarda abriu a porta do pequeno apartamento, deixando o canadense entrar para então voltar a fechá-la, tirando os sapatos e o restante dos adereços, ficando apenas de camisa e calça em casa enquanto seu convidado, ainda com uma feição frágil, olhava em volta.

Sem fotos de amigos nem família e tudo perfeitamente arrumado. Deveria morar sozinho. Uma sala com uma TV e sofá além de uma mesa de centro e, no mesmo cômodo, separadas apenas por um balcão de granito, a cozinha com uma mesa de plástico para comer, fogão, geladeira e o comum, tudo perfeitamente arrumado também. Um corredor com entrada na sala levava até duas portas, quem sabe um quarto e um banheiro, uma vez que a ideia de dois quartos parecia absurda para um apartamento tão pequeno.

Matthew sentou-se no sofá, ainda apertando o casaco do outro contra si.

-Está com fome?-Perguntou o guarda, indo até a geladeira e tirando uma lata de cerveja para si, fitando então o outro no outro lado do cômodo.

Matthew assentiu de leve, sem estar necessariamente com fome, apenas queria algo que lhe limpasse a garganta. O guarda então apareceu com um copo de leite para o rapaz, que pigarreou enquanto o maior se sentava ao seu lado no sofá.

-O que foi? Não gosta de leite?

-Não sou criança... Só crianças bebem leite.

-Você ainda está crescendo. Deve tomar leite, cálcio, ossos, você sabe.

-Mas... Eu já tenho 16 anos.

-E daí?

-Que não sou criança.

O guarda suspirou, passando a mão no rosto. Matthew engoliu em seco, temendo tê-lo irritado, mas ficou mais aliviado quando o outro sorriu de leve, tomando outro gole da cerveja enquanto ligava a TV e colocava no canal de esportes.

-Faça como quiser então. Tem cerveja na geladeira, sinta-se a vontade.

-Você me deixaria beber?

-Faça como quiser.-Deu de ombros, dando mais um gole na cerveja, mudando então de canal.

-Pode me dar um gole da sua para eu provar?-Perguntou, apontando para a latinha nas mãos do outro, que fitou o canadense por alguns instantes até lhe ceder a bebida.

Matthew tomou uns goles e quando devolveu a lata ao outro, fez uma careta. O gosto não era nem um pouco agradável.

-Viu? É ruim, não tome.-Disse o guarda, bebendo na mesma lata enquanto Matthew o acompanhava com o olhar, piscando e desviando o olhar.-O que foi?

-Você bebendo na mesma lata que eu é como um beijo indireto.-Respondeu, a voz baixa.

O guarda engasgou, parando para fitar o outro nos olhos, tentando entender o que se passava ali. Suspirou então, voltando a olhar para a TV.

-Como é seu nome?-Matthew perguntou de repente, querendo quebrar o clima que tinha se formado ali.

-Ludwig Weillschmidt.

-Ludwig...? Então você é mesmo alemão?

-Sou.-Tomou outro gole, acabando a lata.-Por quê?

-Por nada, só imaginei.-Sorriu Matthew enquanto Ludwig se colocava de pé para ir até a geladeira pegar outra lata de cerveja, voltando a se sentar no sofá então, futebol passando na TV.-E quantos anos você tem?

-27 anos, farei 27 em outubro.-Respondeu, olhando o outro sorrir pelo canto do olho, mudando então de uma expressão sorridente para outra mais estranha, o canadense desviando o olhar.-O que foi?

-Nada.-Respondeu, abraçando as pernas.

-Mandei investigarem o homem que tocou em você, seu professor, não é? Não vai ser muito difícil descobrir. Não se preocupe.

-Não é com isso... Não só com isso, quer dizer.

-E o que é?

-Nada... É embaraçoso.

-Se não quiser contar, tudo bem.

-É que...-Escondeu o rosto no casaco do uniforme do guarda, começando a corar, o calor daqueles dias de agosto lhe tomando novamente.-É que... Você disse que tem 27 anos e... Com certeza não é mais virgem e... Eu já tenho 16 e... Ainda sou e... Você... Você transaria comigo?

-Hã?

-Você sabe... Transar comigo, por favor? É que... Hoje minha primeira vez quase foi com aquele homem e eu estou me sentindo sujo e... Mesmo que ele nem tenha ido até o fim, eu me sinto violado e... Me desculpe, isso nem é da sua conta... Esqueça o que eu disse, eu...

Mas antes que pudesse terminar, foi puxado com força, chocando-se contra o peito do outro, uma mão grande e quente sobre sua cabeça.

-Está tudo bem.-Disse Ludwig.-Você vai ficar bem, isso foi só uma passagem. Isso que você está sentindo é só medo, nada mais e nada menos.

-Mas...

-Está ficando tarde. Preciso te deixar em casa.

-Não...!-Começou Matthew, apoiando-se na perna do alemão para olhar em seus olhos refletindo as imagens da TV.-Não quero ir, por favor! Eu prometo não falar nada, você nem vai perceber que estou aqui! Não vou contar para ninguém, amanhã vou para a escola e de lá vou para casa, mas não hoje, por favor! Prometo não dar trabalho!

O alemão desviou o olhar, pensando por alguns instantes consigo. Nem deveria estar fazendo aquele tipo de coisa, para começar. Ia completamente ao contrário do que um guarda deveria fazer, mas ele não poderia resistir, simplesmente não poderia.

-Pode ficar...-Suspirou, passando a mão no rosto enquanto o canadense sorria alegremente então, voltando a se sentar propriamente no sofá, fitando as mãos enquanto o alemão se colocava de pé e ia até a dispensa para voltar com o que parecia ser um saco de salgadinhos.-Não suje nada.

-Ah, sim.-O canadense assentiu, abrindo o pacote e começando a comer, ambos em silêncio então, até que Matthew voltou a falar, erguendo a voz mais do que era acostumado.-Você não é casado?

-Não.

-Não tem filhos? Nem família?

-Pais, na Alemanha, apenas.

-Ah... E amigos?

Deu de ombros, dando mais um gole na lata de cerveja.

-Alguns, bons amigos.-Respondeu, voltando a dar de ombros, mudando de canal.-Você?

-Não tenho amigos e minha família é... Um tanto estranha. Meu pai está do outro lado do mundo e minha mãe está aqui. Estou morando com ela e com meu meio irmão.

-Aquele rapaz que anda com você?

-É, ele é muito abusivo...-Comento, fitando então o chão, o copo com leite ainda em mãos, intocado.-Queria voltar para a casa do meu pai.

O alemão assentiu, deixando claro que ouvia bem, mas sem fazer qualquer comentário. Minutos depois se pôs de pé novamente, jogando a lata de cerveja no lixo e então parando em frente ao canadense.

-Vou dormir. Na dispensa há cobertores, então fique a vontade. Se importa em dormir no sofá?-Matthew balançou a cabeça negativamente, os olhos azuis frios sobre si.-Então, tenha uma boa noite.-E saiu, deixando o rapaz para trás e sumindo no corredor.

Matthew fitou então a televisão, sem saber o que fazer. Não estava com sono, na verdade, estava apavorado demais para isso ainda, o medo de fechar os olhos e sentir aquelas mãos nojentas lhe tocando a pele...

Teve um arrepio, indo logo pegar cobertores para si e então se deitando no sofá, tirando os sapatos. Só então notou que ainda estava com o casaco do guarda. Apertou contra si, um cheiro forte adentrando as narinas, não sabia se era de suor ou de homem mesmo, de pele pura e sem perfume.

Tentou adormecer nas horas que vieram vendo televisão, mas seus olhos simplesmente não pregavam, mesmo que começasse a ter sono, e das poucas vezes que tirou um leve cochilo, imagens de si sendo molestado pelo professor inundavam sua mente como um tsunami ou algo horrível assim, devastador.

Acabou dando pouco mais das 2 da manhã e Matthew ainda ali, os olhos azuis abertos, as olheiras sob os mesmos e a TV quase no mudo para não incomodar exibindo um filme qualquer. Não conseguiria dormir, ele sabia, e ir à escola no dia seguinte tendo passado a noite em claro não lhe agradava nem um pouco.

Revirou-se no sofá, sem saber o que fazer exatamente, com medo e evitando olhar para os cantos da sala agora com a luz apagada, temendo ver o vulto de alguém aproximando-se de si. Um calafrio descendo-lhe pela espinha. Suspiros. Mais um calafrio.

Não queria incomodar, era a última coisa que queria fazer, mas ele estava meio que desesperado já. Se levantou do sofá, desligou a televisão e arrastando uma coberta consigo, foi até onde acreditava ser o quarto do guarda que conhecera naquela tarde de final de agosto, empurrando então a porta de leve e colocando a cabeça para dentro do cômodo totalmente escuro.

Nem seus olhos, que já estavam acostumados ao escuro, conseguiam decifrar aquele breu. Abriu mais a porta, que velha ou sem nenhum lubrificante, rangeu, e o canadense não demorou nada a ver um vulto se erguer sobre o que parecia ser uma cama de casal no centro do quarto.

-M-Me desculpe, eu não quis... Acordar você.-Murmurou, corando inevitavelmente, gaguejando. Agora Ludwig ficaria furioso com ele e não duvidava nada que fosse naquele momento mesmo lhe deixar em casa. Deveria pelo menos inventar uma desculpa qualquer como a de que estava indo no banheiro e se enganou e então recuar dois, três passos e fingir que aquilo não passou de um mal-entendido, mas ele não conseguiria.

Um abaju sobre um criado-mudo foi aceso, dando melhores definições ao quarto amplo, pouco mas bem mobiliado apenas com o essencial: uma cama, um guarda-roupa na lateral e uma escrivaninha do outro lado, além de uma pequena cômoda ao lado da cama e alguns acessórios. Tudo perfeitamente arrumado.

-O que foi?-Perguntou o guarda sem nenhum sinal de irritação ou de qualquer sentimento hostil na voz, apenas um tom arrastado pelo sono.

-É que... E-Eu n-não consigo d-dormir... Posso dormir aí com você? Por favor?-Matthew perguntou, apertando com força o cobertor em suas mãos, expectativa crescente em seu peito.

-Venha.-Ludwig respondeu apenas, voltando a se deitar na cama e deixando bastante espaço para o canadense, que sorriu como uma criança e se deitou, logo vendo tudo ficar escuro novamente pelo abaju apagado, o estranho calor de agosto percorrendo todo seu corpo novamente. Respirou fundo, se virando para o alemão, que mesmo no escuro breu dava para se notar que estava de costas, a pele sem ser coberta por nada bastante clara quase se contrastando com o escuro. Será que ele estava nu de cintura para baixo também? Não conseguia saber, cobertores o cobriam.

Matthew estendeu uma mão, tocando as costas do outro e se aproximando mais, sem enxergar nada. Precisava de algum toque que não fosse movido pela luxúria. O alemão se virou então na cama, e antes que Matthew pensasse em outras desculpas para pedir desculpas, sentiu-se abraçado e instantaneamente sonolento, protegido, os braços quentes lhe envolvendo com cuidado.

Se Matthew pudesse enxergar no escuro e se ao menos estivesse com os olhos abertos minutos depois, poderia ver o olhar azul agora não tão frio do guarda sobre si, num sentimento não definido, beirando do mais inocente ao mais pecaminoso.

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No dia seguinte, Ludwig se levantou mais cedo e foi preparar o café, deixando o quarto vestindo apenas uma calça de cor cinza, logo depois vendo Matthew surgir coçando os olhos, ainda vestindo seu casaco, agora amarrotado.

O canadense cumprimentou o outro e se sentou a mesa, os cabelos desarrumados e as roupas amassadas, engraçado. Comeram com alguns poucos comentários, nenhum dos dois muito falante. Tomaram banhos rápidos e saíram cedo, chegando então ao ponto aonde haviam se conhecido, do outro lado da rua naquela tarde de agosto.

Ludwig, o uniforme impecável e a postura ereta, o olhar frio e azul, e Matthew, as roupas um tanto amassadas e a camisa que vestia um tanto grande demais para si (uma vez que o alemão acabara lhe emprestando uma), mas com o casaco do outro dentro da bolsa, dobrado com carinho.

-Deve ir para a aula.-Disse o guarda, a voz imponente e autoritária, gentil.

-Eu sei... É que... Eu queria... Queria te dar uma coisa.-Disse Matthew, girando os pés na calçada, constrangido e olhando em volta com frequência, mas ainda estava bastante cedo e pouquíssimas pessoas andavam por ali.

-O que é?

-Feche os olhos.

O alemão obedeceu, sentindo duas mãos lhe puxarem um pouco para baixo enquanto o canadense se colocava nas pontas dos pés e, com certo esforço por causa da diferença de altura, lhe dava um beijo na bochecha, ou pelo menos metade foi a na bochecha e a outra metade nos lábios, uma vez que Matthew se desequilibrara na metade do caminho.

Afastou-se de repente e correu, acenando, feliz, desaparecendo enquanto virava a esquina, deixando então um guarda confuso para trás. Se Matthew tivesse parado e voltado por alguns instantes, teria visto um Ludwig sorrindo enquanto passava os dedos enluvados sobre os lábios, pensando de repente que, quem sabe, poderiam repetir aquela açã, desta vez apenas nos lábios. 

    Fim.


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Notas finais do capítulo

Enfiem, eis o fim, pessoal. Cês gostaram? Não custa nada dizer, é só mandar uma review dizendo o que acharam, ok?

REVIEWS?!