Sangue Puro escrita por Shanda Cavich
A vida acadêmica de Narcisa Black Malfoy já havia acabado há quase dois meses, quando finalmente terminou o sétimo ano na escola. A garota decidiu passar um tempo ao lado do pai, que ficara sozinho no grande casarão desde a partida da terceira filha. Lúcio estava de viajem a pedido do notório Lorde, motivo pelo qual Narcisa estava tão preocupada. Assim que soube que o marido retornara da Irlanda nos dias anteriores, despediu-se de Cygnus e preparou as malas, a fim de voltar para Wiltshire.
A Mansão Malfoy estava como antes. Sombria, onerosa e impecável. Assim que adentrou o hall, Narcisa foi recebida pelo elfo doméstico, que rapidamente fez flutuar os quatro grandes malotes, de modo que pudesse levá-los aos aposentos.
– Como foram as férias, Sra. Malfoy?
– Melhores que as suas, certamente. – respondeu a bruxa, em tom arrogante.
– Mas Dobby nunca teve férias, senhora. – a voz do elfo soou ainda mais triste do que o comum.
– Bem, não importa. – Narcisa vestia um lindo vestido verde claro. Usava um penteado clássico, deixando alguns cachos escorrerem sobre a nuca e as laterais. – Onde está meu marido?
– Foi até a cidade, comprar os remédios do barão.
Narcisa arregalou os olhos extremamente azuis.
– Meu sogro está doente?
O elfo fez que sim com a cabeça, lamentando amargamente.
– Merlin! O que ele tem?
– Varíola de dragão, senhora. – Dobby suspirou. – O barão está tão mal, que Dobby pensa que ele pode morrer logo.
– Ora, não diga uma coisa dessas, elfo imundo! Quem você pensa que é para dizer o que pensa nesta casa? – Narcisa empurrou a criatura para o lado e correu em direção as escadas.
A mansão era enorme. Demorou um certo tempo até que a jovem chegasse à suíte principal, onde Abraxas Malfoy se alojava. Deu três batidas na grande porta branca, anunciando sua chegada. Ouviu por detrás dela a voz rouca e envelhecida do sogro, pedindo para que ela entrasse.
– Fico muito feliz que já esteja de volta, Narcisa. – Abraxas sorriu sinceramente, em seguida tossiu inúmeras vezes quando a nora adentrou o imenso quarto. – Sente-se.
A jovem bruxa sentou-se na cadeira ao lado da cama, reparando como os olhos cinza do sogro estavam profundos e sem vida. Sua pele exageradamente pálida estava seca, dotada de algumas feridas em tons arroxeados. Nunca vira o parente tão abatido. Seus longos cabelos louro-grisalhos estavam esparramados em torno dos travesseiros, e seu rosto, apesar de enrugado, ainda transmitia uma espantosa e macabra beleza.
– Por que Lúcio não me contou sobre o senhor? – Narcisa segurou na mão do idoso.
– Não permiti que meu filho a incomodasse por minha causa. Sei que tem seus próprios problemas. – Abraxas respirou fundo, com dificuldade. – Estou velho, menina. Já vivi minha vida.
– Não diga isso, senhor. Já vi casos de pessoas com a mesma doença que a sua que... conseguiram... – os olhos de Narcisa começaram a lacrimejar. – O senhor vai se salvar!
– Não falemos sobre mim. – o velho bruxo tossiu novamente. – Narcisa... Você sabe que a considero como filha...
– E o senhor tem sido tão bom comigo, que posso dizer que é meu segundo pai. – Narcisa soluçou, deixando que uma lágrima escorresse.
– Me dói vê-la chorar por mim. – Abraxas enxugou o rosto da nora. – Ouvi dizer que os Black não choram.
Narcisa deu uma curta e triste risada, mas logo voltou a soluçar, como se a tradição de sua família pouco importasse naquele momento de angústia.
– O senhor não pode morrer. O senhor não pode nos deixar, Sr. Malfoy.
– Não tenho muito tempo. – o sogro respirava asperamente, como se doesse. – Antes que eu vá, quero que saiba de uma coisa. Lembra-se do que lhe dei como presente de casamento?
– O senhor me deu um maravilhoso espelho de diamantes. – Narcisa sorriu, enxugando mais uma de suas lágrimas.
Abraxas Malfoy confirmou com a cabeça, e encarou a jovem nos olhos.
– Aquele espelho pertenceu a minha falecida esposa, Lucíola.
– Deve ter um valor além do material para o senhor.
– Lucíola era exatamente como você. – continuou Abraxas, desta vez olhando para o infinito. – Poderiam pensar que era sua mãe, de tão parecida. Quando ela se foi há nove anos, Lúcio ficou arrasado. Meu filho a amava mais do que hoje ama a mim. Sabe qual foi a primeira coisa que ele me disse sobre você?
– Não. – a garota olhou para sua aliança.
– Ele disse... "Ciça é perfeita igual mamãe era... Você precisa conhecê-la logo, pai."
Narcisa segurava as lágrimas com sofreguidão. Seu sogro parecia realmente mal, como se a qualquer momento fosse partir.
– Sr. Malfoy, isso me deixa muita emocionada, como pode ver. – Narcisa passou o dedo fino no canto dos olhos. – Eu amo seu filho. Amo muito.
– Fico imensamente feliz ao saber disso, menina. – Abraxas pareceu procurar alguma coisa entre as vestes, em volta do pescoço. – Guarde aquele espelho para sempre. Não se trata de um simples utensílio de beleza.
– Sei que tem muito significado, senhor. Afinal, pertenceu a minha sogra.
– Não tem só significado, como também poder.
Os olhos de Narcisa se ascenderam imediatamente, passando de azuis e delicados para olhos de víbora.
– Poder?
– Sim. Além de ser uma relíquia, pode preservar sua juventude por muito mais tempo do que a natureza permite. – Abraxas tossiu algumas vezes, enfim conseguiu achar o que procurava: um medalhão de ouro, cravado pela letra M e duas serpentes. – Lucíola faleceu da mesma doença que hoje sofro. Tinha setenta e três anos quando se foi, embora todos duvidassem.
O homem abriu o medalhão dourado, de modo que se pudesse ver uma foto dentro dele.
– Esta foto foi tirada uma semana antes de ela adoecer.
– Merlin, como era linda! – Narcisa encarou a imagem no medalhão. – Se o senhor não me dissesse com que idade ela morreu, eu poderia pensar que ela tinha no máximo quarenta anos.
– Agora que sabe porque o Espelho Prestímano é tão valioso, deve guardá-lo muito bem. – Abraxas foi tomado por uma expressão maligna e ao mesmo tempo apaixonada. – Parte de minha esposa está neste objeto para sempre. Lucíola era praticante de alta Magia Negra, assim como todos na família... Embora, com este espelho, eu pudesse tê-la de volta, não seria a mesma coisa...
– Como assim, tê-la de volta? – Narcisa pareceu confusa. – Ela está morta, senhor.
Os olhos profundamente sombrios do barão se estreitaram.
– Eu... Eu apenas me expressei mal. Eu a terei de volta quando morrer. Foi isso que eu quis dizer.
Narcisa tornou a segurar a mão do sogro. No mesmo momento, Lúcio adentrou o grande quarto. Escancarou a porta e correu para abraçar a esposa. Em seguida, sentou em cima da cama, retirando vários frascos do bolso. Suas mãos estavam tão trêmulas, que o conteúdo deles chegava a respingar nos lençóis.
– Aqui estão, pai, os remédios do senhor. – disse Lúcio, nervosamente, segurando um choro com brutal resistência.
– Filho, quero que seja muito feliz. Não deixe que ninguém pise nesta família, honre nosso nome... – Abraxas sorriu. Suspirou de modo tão áspero, que foi possível ouvir seus pulmões falharem. – Estes remédios não me salvarão. Já posso sentir a morte se aproximando.
– Não! – Lúcio ergueu a nuca do pai, tentando fazer com que ele engolisse parte de um dos remédios. – O senhor tem que viver! Ciça e eu não podemos ficar sozinhos agora!
– Chore, Lúcio. – disse a voz rouca do pai. – Chore pelo menos uma vez na vida.
Narcisa nunca vira o marido chorar. Quando ficava triste, o rapaz ficava apenas quieto, ou então demonstrava raiva, de modo que pudesse descontá-la em alguém despreparado. Mas naquele início de noite, Lúcio Malfoy chorou tanto, mas tanto, que até mesmo o elfo doméstico, que há anos era maltratado por ele, sentiu pena.
– Eu te amo, pai. – disse Lúcio, aos soluços.
– Você é um Malfoy, filho. – Abraxas respirou pela última vez. – Honre o sangue puro.
Após a última frase do barão, um mórbido silêncio foi formado naquele luxuoso quarto antigo. Lúcio, ainda chorando, abraçou o cadáver do pai como raramente tinha feito enquanto ele esteve vivo. Narcisa voltou a chorar ao se dar conta de que jamais voltaria a ouvir a voz do importante e nobre senhor que foi o seu sogro. Lúcio era jovem. Jovem demais. Ao final de seus dezoito anos se tornou herdeiro de toda a fortuna dos Malfoy, construída em mais de dez gerações. A lustrosa Mansão em Wiltshire tornou-se ainda mais sombria depois da morte do barão. As treze imagens em quadro de Abraxas Malfoy espalhadas pelas treze propriedades da família finalmente tiveram seus olhos fechados.
– Meus pêsames, Sr. Malfoy. – disse a voz sibilante e mortífera de Lord Voldemort, no dia do velório. – Eu sei bem o que é perder um pai.
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Semana que vem sai o próximo cap! (: