Someone To Call Mine II escrita por Gabi G


Capítulo 8
Capítulo VIII


Notas iniciais do capítulo

Mais rapidinho dessa vez ♥
Espero que curtam mais um capítulo desses casais que aquecem meu coração.
Grande beijo!



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Na maioria dos casos, Adam absolutamente abominava ser acordado por qualquer motivo e isso explicava a relação de amor e ódio que tinha com seu despertador. Mas naquele sábado, nasceu uma exceção.

Mesmo já desperto, resolveu se manter quieto e deixar que Tess continuasse sua tarefa. A morena tinha tido a indecência de começar a se aproveitar dele enquanto ainda estava adormecido, não que ele estivesse reclamando.

Tess levantou a cabeça do ombro de Adam e o encarou desconfiadamente. Sorriu então, maliciosamente, enquanto continuava a distribuir beijos pelo pescoço dele e a descer a mão de seu peito para baixo até que...

Wooow. - Ele abriu os olhos depressa.

Ela gargalhou. - Eu sabia que já estava acordado.

Com movimentos lentos e precisos, ela se ergueu e passou uma perna por seu corpo, ficando sobre ele.

Depois de completamente tirar vantagem de Adam, Tess suspirou e se deixou cair sobre ele. - Bom dia.

Ele passou uma mão pelas costas dela. - Ótimo.

Ela riu e escorregou para o lado, cobrindo-se outra vez e se enrolando nele. Com uma preguiça que era apenas característica de sua irmã, fechou os olhos e agradeceu por ter trocado sua folga naquele final de semana.

— Vamos passar o resto da manhã na cama.

Adam apoiou o cotovelo na cama e a encarou. - É assim? Come e dorme?

— É assim.

— Estou me sentindo usado. - Ele se inclinou para beijar seu pescoço.

Os lábios dela se curvaram. - Reclamando?

— Nope. - Ele deitou a cabeça no travesseiro ao seu lado. - Vamos almoçar na minha casa hoje?

A expressão de Tess perdeu seu humor. - Por quê?

— Precisa de um motivo?

Tess se sentou na cama. – Agora precisa.

— Tess, deixa de besteira.

— Não é besteira! - Ela cruzou os braços contra o peito e então sua voz mudou. - Bella não gosta mais de mim.

Adam conteve a risada. Sentou-se também e deu um beijo no ombro dela. - Sereia, você sabe que isso não é verdade.

— Aah, não? Então por que ela ficou reclamando com você por ter dormido aqui? Por que ela não me liga mais?

— Ela está com ciúmes.

— Não! O que ela está - Ela negou teimosamente. - é com o ‘Complexo das Sogras’. Eu disse que isso ia acontecer.

Adam arqueou a sobrancelha. - Você nunca mais vai lá em casa então?

Tess encolheu os ombros e suspirou. - Tudo bem, mas liga e pergunta se está tudo certo. E se ela sequer hesitar, você desiste da ideia e ficamos por aqui mesmo. Feito?

— Está bem.

Adam esticou o braço para pegar o celular na mesinha de cabeceira. Enquanto ele discava, Tess o encarava ansiosamente.

Oi, filho. Já está vindo para casa?

— Bom dia, mamãe. - Ele respondeu e Tess se remexeu em tensão. – Mais tarde. Na verdade estamos pensando em ir almoçar aí. Tem problema?

Hum. Claro que não. - Bella disse e Adam achou melhor não mencionar a Tess que a voz de sua mãe tinha mudado. – Me avise quando estiverem chegando.

— Ok. Até.

— Viu? Eu disse que não era nada demais.

Ela balançou a cabeça. - Ainda não sei.

— Nada disso. Trato é trato. - Adam deitou outra vez e a puxou até que estivesse com a cabeça em seu ombro. - E agora talvez nós possamos apagar mais uns minutinhos. Anda, Sereia. Pare de pensar e relaxe.

Tess relaxou contra ele, mas não parou de pensar.

***

Algumas horas depois, há uma distância dali, Melanie estava colocando a mesa para o almoço. Seu pai entrou no cômodo segurando alguns copos e piscou para a filha.

— Horas? - Ela questionou.

— Quase uma. Eles devem estar chegando.

— Mamãe?

Edward sorriu quando da cozinha eles ouviram um barulho e logo a voz Isabella pronunciando um palavrão. Ambos sabiam que se a médica estava xingando, era alerta vermelho para qualquer um.

— Surtando. - Ele disse e riu junto à filha.

Era a primeira vez que fazia aquilo em alguns dias, desde que descobrira a recente façanha de Melanie.

O barulho de chaves na porta interrompeu sua frase e logo Isabella xingou outra vez, seus passos apressados soando logo em seguida.

— Edward, olhe a lasanha! Eu vou tomar banho! - Ela berrou e correu pelo corredor. 

Balançando a cabeça, ele se assegurou de que sua risada não era alta enquanto voltava para a cozinha.

Ele passou por Adam e Tess. - Olá.

— Oi, Edward. - A bióloga se assegurou de que voz estava estável e foi abraçá-lo. - Como está?

— Muito bem. - Ele respondeu e deu um beijo em sua bochecha; para ele, o nervosismo dela estava claro como água.

— É de lasanha o cheiro que estou sentindo? - Adam comentou sem esconder sua fome.

— Uhum. Sua mãe fez questão de preparar ela mesma. - Ele trocou um sorriso com o filho. - Ela foi tomar banho.

Todos estavam cientes que o prato predileto de Tess era lasanha. A morena não comentou a respeito daquilo, apenas continuou bem quietinha em seu lugar.

— Tess, não aja como uma estranha. Largue a bolsa aí em qualquer lugar. Adam, mas que deselegância, pegue o casaco dela. Foi isso que te ensinei? - Divertindo-se bastante, Edward abriu o caminho para a cozinha. - O que você quer? Suco, vinho?

— Nada, obrigada. - Quando ela entrou atrás dele, já estava sem o seu casaco. Edward arqueou uma sobrancelha, fazendo-a suspirar. - Desculpa, eu estou um pouco nervosa.

Adam rolou os olhos. - Sem a menor necessidade, eu já disse. - Ele abriu a geladeira e retirou de lá três garrafas de cerveja. Estendeu uma ao seu pai e a outra a Tess. - Qual o propósito, afinal? Nada mudou.

— Sou obrigada a discordar. - Melanie apareceu, deu um beijo em Tess. - Bastante coisa mudou sim, mas continuamos sendo uma família, ora essas. E agora vamos sair da cozinha e deixar o papai terminar o almoço. Tess, tira essa cara de medo do rosto, ninguém aqui vai te devorar. Adam, pega uma Coca para mim, por favor.

Ignorando a frase de Mel, Tess se levantou. - Edward, eu posso ajudar a...

— Nada disso. Vá com eles que em um instante me junto a vocês.

***

Adam podia sentir perfeitamente Tess ficando rígida ao seu lado quando sua mãe apareceu. Ela estava sorrindo e aparentemente relaxada, mas seus olhos a traíam. Sim, Dona Isabella continuava fingindo tão mal como sempre.

— Olá, Tess.

Houve um longo momento quando os olhos delas se encontraram, mas logo Tess se aproximou e a beijou no rosto. A bióloga não tinha deixado de reparar que ela não tinha a chamado de ‘meu amor’, ‘querida’, ou nada do tipo. E ela sempre o fazia.

— Podemos comer agora? - Mel sugeriu gentilmente.

Isabella e Edward trouxeram a lasanha da cozinha e enquanto todos se sentavam, Isabella se lembrou da salada. Enquanto ela ia até a cozinha busca-la, Tess cutucou Adam com o cotovelo e o encarou em desespero.

Sussurrou rapidamente. - Você viu como ela olhou para mim? Viu como ela disse meu nome? Eu avisei a você! Ela não me queria aqui. Eu não devia ter...

— Ei! Tess, isso já está virando uma bola de neve. Você esqueceu que estamos falando da minha mãe? Você está entrando em pânico por algo sem o menor sentido.

Tess cruzou os braços e respirou fundo. - Adam, essas mudanças são difíceis para ela. Você está passando todo o seu tempo livre comigo. Como espera que ela não me culpe por isso – e logicamente comece a desgostar da minha pessoa?

Ele balançou a cabeça. - Você é como uma filha para ela.

— Então tecnicamente estaríamos praticando incesto, o que a escandalizaria.

— Não. - Adam interrompeu e passou um braço pelos ombros dela. - Eu disse que você é como uma filha para ela e não que você é como uma irmã para mim. Há um universo de diferença entre os dois. - E para confirmar, ele lhe lançou um sorriso cafajeste.

O almoço se transcorreu sem maiores problemas, mas Tess e Bella não dirigiram a palavra uma a outra. Isabella se comportando de um modo que pensou ser neutro e Tess tensa demais para tentar iniciar qualquer diálogo.

A bióloga e Melanie se ofereceram para lavar a louça depois e assim que a tarefa terminou, Tess anunciou que ia embora. Adam arqueou a sobrancelha infinitamente para aquilo e Bella, como Tess temia, não se manifestou.

Ela sempre, sempre insistia para que Tess ficasse mais tempo.

Ela deu uma desculpa qualquer sobre ter algo para fazer e se despediu, mas Adam a alcançou assim que ela abria a porta.

— O que aconteceu? Eu pensei que íamos... Por que você está chorando? - Subitamente alarmado, ele a segurou pelos ombros. - Tess?

— Não é nada. Só fique em casa pelo resto do dia. A gente se vê à noite.

— Não me venha com isso de ‘estou muito bem, você está imaginando coisas’. Eu quero saber o que...

— Depois, Adam. Ok? - Ela lhe deu um beijo rápido e então saiu.

Ele queria ir atrás dela, mas se refreou. Percebeu de repente que era a primeira que via a Tess chorando. E apesar de ter perguntado, ele tinha uma boa ideia do motivo de tudo aquilo.

Adam fechou e trancou a porta, retornou para a sala. Seu pai e sua irmã estavam sentados lado a lado conversando, eles pausaram e o encararam, mas Adam passou pelos dois. Seguiu o barulho que ouvia vindo da área e foi até lá. Isabella estava colocando roupas na máquina.

— Mãe, eu quero falar com você.

Ela concordou com a cabeça, mas não se virou. – Sim?

Adam respirou fundo, tentando controlar sua impaciência. - Escuta, se você ia dar o tratamento de gelo em Tess, por que simplesmente não disse que não era para trazê-la? Eu liguei e perguntei e você fingiu que estava tudo bem!

Bella baixou a tampa da máquina, ligou-a e finalmente virou de frente. - Eu não dei tratamento de gelo em ninguém. Eu nem abri a boca.

— É exatamente esse o ponto!

— Adam, eu acho melhor você abaixar o tom de voz. Ou talvez esteja querendo se juntar a sua irmã no castigo?

Ele conteve a vontade de rir em deboche. - Você não vai me colocar de castigo.

Ela cruzou os braços. - Não?

Ele podia ver que ela ficaria muito contente em fazer exatamente aquilo e assim cortar seus encontros com Tess. Ao mesmo tempo em que pensava no fato, questionava-se o que tinha dado em sua mãe.

— Mãe.

— Adam.

Quando percebeu que ela não diria nada, ele perguntou. - Eu acho que o mínimo que pode fazer é me explicar o propósito de tudo isso. Eu não vou mais fingir que não está acontecendo nada. Você a magoou, sabia.

Isabella pareceu estar com o pensamento longe por um instante e então disse. - Não era o que eu queria.

Ele esperou e novamente ela ficou calada. - É isso? É só isso que vai dizer? Eu não estou reconhecendo você.

Isabella levantou os olhos. - Eu amo a Tess como se fosse minha filha, todos sabem disso. E eu a conheço muito bem. Ela não é para você, Adam.

Adam achou que ele tinha ficado temporariamente demente. - Isso é uma piada?

Ela suspirou. - Eu sei o que eu estou dizendo. Ela é uma ótima pessoa, do jeito dela, da maneira dela. Mas...

— Esquece, mãe. Eu desisto até de ouvir. É uma coisa estúpida o que você está fazendo por causa de ciúme.

— Adam, não é ciúme... - Ela parou de falar quando ele deu as costas e foi embora.

***

Quando Adam chegou ao apartamento de Tess, a única coisa que tinha lhe restado da briga com sua mãe era o vazio no estômago. Foi Millie quem abriu a porta e percebendo a expressão dele, tratou logo de chamar a irmã no quarto; logo depois, resolveu dar uma volta e saiu para dar privacidade a eles.

A bióloga começou a reclamar com ele quando o viu, mas se interrompeu ao perceber a expressão no rosto dele.

— Você brigou com a Bella, não foi.

Ele deu de ombros, largou sua mochila no chão e se sentou no sofá. Ele ergueu os olhos dois segundos depois e Tess sentiu seu coração literalmente se contrair. Ele a colocou sentada em seu colo e os braços em volta de sua cintura. Ela não sabia nada sobre confortar ninguém, mas de algum modo com ele não era difícil.

Ele não começou a chorar histericamente nem nada do tipo, mas a firmeza com a qual ele estava agarrado nela dizia por si só como ele estava chateado. Ele estava com a cabeça contra o seu peito e sem dizer nada, ela começou a acariciar seu cabelo.

Adam realmente parecia um menino naquele instante, e embora a situação causasse em Tess um desejo de protegê-lo, ela não se sentiu desconfortável por isso. Em algum momento ela começou a murmurar coisas reconfortantes, mesmo que nem ela mesma soubesse o que era. Eram mais sussurros, mas ele pareceu relaxar com aquilo. 

Após um tempo, o corpo de Tess começou a reclamar pela posição constante, mas ela não se moveu. Continuou a murmurar, a acariciar o cabelo dele. 

— Foi por minha causa, não foi.

Adam deu um longo suspiro e ela finalmente se afastou um pouco para encará-lo. - Tess, eu não podia fingir que simplesmente não tinha acontecido. Eu não sei o que está acontecendo com ela. Minha mãe não é assim.

— Eu sei. Eu sei... - Ela balançou a cabeça quando percebeu que ele estava se desculpando. - Adam, olha... Eu sei que eu não lidei bem com a situação, mas é porque a Bella não é só sua mãe para mim. Provavelmente isso vai passar.

Adam se perguntou se ela continuaria acreditando naquilo se soubesse o que sua mãe tinha dito dela. Não que ele fosse se candidatar a contar. Ele cria que algumas verdades eram melhores não ditas.

— Talvez...

Tess encostou os lábios nos dele. - Ah, larga de ser pessimista.

Ele fez um bico em sua direção. - Ainda não estou convencido.

A bióloga riu. - Tratante. - Mas lhe deu outro beijo mesmo assim, que o fez girá-la contra o sofá, ficando sobre ela. - Adam!

— Hum? - Ele sussurrou enquanto mordiscava seu pescoço.

Foi-se um tempo até que ela conseguisse parar de rir, e ainda assim, foi quando ouviu o barulho de chave na porta.

Ela começou a empurrá-lo de cima dela. - Levanta, anda. É a Millie voltando.

— Ótimo. - Ele foi subindo sua blusa. - Vamos fazer um show para ela.

— Não! Aaaaah. - Ela gargalhou, mas a risada a fez engasgar quando não foi Millie quem apareceu. - Vovó!

Adam se levantou imediatamente e encarou Violet, que tinha um sorriso no rosto.

— Interrompo?

— Não! - Tess pigarreou três vezes e checou se sua blusa estava no lugar antes de se levantar. - Por que a senhora não disse que queria subir? Eu teria ido ir buscá-la. Está tudo bem?

— Ora, menina, eu ainda consigo andar. - Violet bufou. - E além do mais, eu não queria atrapalhar caso estivesse ocupada.

Vendo que Tess quase morria de constrangimento, Adam foi beijar Violet. - Como vai a minha bela dama hoje?

— Bem, muito bem. Mas por que não passou lá quando subiu? Detestaria pensar que está me trocando por minha neta.

— Ham... Adam estava com um pouco de pressa. - Tess lançou um olhar à sua avó que dizia que não era para insistir. - Venha se sentar, vovó.

A senhora rolou os olhos, apenas para que Adam visse, enquanto ia se sentar. - Não venho aqui para ficar sendo tratada como uma inválida. Faça algo para agradar sua avó e me traga uma taça de vinho, menina. Depressa. - Ela balançou uma mão e então se voltou a Adam. - Elas não me deixam ter nenhuma garrafa de vinho em casa. Você já viu netas tratando a avó desta forma? Que absurdo.

Ignorando-a, Tess foi até a cozinha e voltou com uma taça de vinho. - Já tomou seus remédios hoje?

Violet grunhiu como resposta e bebericou de seu vinho, em seguida segurou a mão de Adam que tinha ido sentar ao seu lado. - Um bom vinho e um atraente jovem, estou no paraíso.

Tess balançou a cabeça para sua avó enquanto Adam ria.

Millie apareceu naquele momento e primeiro colocou a cabeça para dentro vendo se era seguro. - Todos vestidos?

— Não por minha opção. - Violet deu uma piscadela para Adam.

— Vovó, comporte-se. - Tess ralhou.

Ouvindo a voz de sua avó, Millie entrou com uma sacola nas mãos. - Vovó se comportando? Há-há, essa é boa. - A modelo deu um beijo na bochecha dela. - Tomou seus remédios?

— Pela misericórdia de Maria. - Violet reclamou e disse um palavrão. - Está vendo, Adam, pelo que tenho que passar?

Tess colocou uma mão na testa. - Millie, o que você trouxe aí que está cheirando tanto?

A loira sorriu. - Bolo quentinho da padaria da esquina. Eu sei, eu sei, o que vocês fariam sem mim. - Ela deu de ombros como se aquilo não pudesse ser evitado. - Podem apostar, é a cura para tudo.

Mesmo que a modelo não tivesse virado em sua direção, Adam sabia que a frase tinha sido para ele. Sorrindo, ele observou Violet sem cerimônia esticar a mão para pegar um e as duas netas dizendo ao mesmo tempo que era para ela maneirar. Violet disse outro palavrão e mastigou o biscoito lentamente em provocação.

Adam riu, pensando que as três eram uma figura. Vendo que ele estava observando, Tess sorriu e de uma forma que ela achou que fosse sutil mediu o humor dele. Satisfeita ao notar que ele parecia melhor, ela esticou a mão e entrelaçou seus dedos, convidando-o a se juntar a elas.

— Anda, se não a Millie acaba com tudo. Não podemos confiar com doce perto dela.

Dito e feito, a modelo foi quem comeu mais e deu a desculpa de que era justo já que ela tinha ido comprar. Todos ali sabiam que mesmo se ela não tivesse ido comprar teria comido mais do mesmo modo.

Violet se reclinou no sofá em satisfação e com algumas frases melosas, conseguiu driblar as netas e beber mais uma taça de vinho. Millie foi para o quarto com o telefone e pelo fato de que não voltara, era óbvio que estava falando com Ethan.

Quando Adam se ofereceu para levar as canecas e taças que tinham usado para a cozinha, Violet aproveitou a oportunidade e cutucou Tess. - Parece que as coisas mudaram desde a nossa última conversa, hein.

A bióloga fez shh para sua avó temendo que Adam ouvisse. Ela não ia mesmo contar que as coisas tinham mudado naquele mesmo dia em que elas conversaram sobre exatamente aquilo.    

— Ora, o quê. Ele estava em cima de você quando eu cheguei e esperava que eu não falasse nada.

Tess escondeu o rosto com as mãos e o celular de Adam tocou em sua mochila. Ele veio atender, mas quando olhou o visor, hesitou. Tess sabia que deveria ser a Bella.

Por fim, ele encerrou a ligação e largou o celular em cima da mesa. Um minuto depois o celular acendeu de novo, mas ele havia colocado no silencioso.

— Não faça isso, Adam. - Tess disse suavemente.

Ele balançou a cabeça, mas não fez nenhuma menção de atender. Violet estava tamborilando os dedos contra o braço do sofá em um aparente gesto distraído.

Sua curiosidade a venceu. - Se está com problemas em casa, é melhor enfrentar logo, rapaz. Não dá para fugir deles para sempre.

— Vovó, não se meta.

— Ela pode se meter o quanto quiser, também é da família. - Adam se sentou ao seu lado e abraçou como se para confirmar que não estava incomodado por ela ter comentado. - Mas sinto dizer, bela dama, que desta vez não posso seguir seu conselho. Minha mãe exagerou.

Violet o encarou e deu uma palmadinha contra a mão dele. - Se uma mãe exagera, sempre há um motivo. Pode ser o motivo errado, mas sempre há um. Você perguntou qual era o dela?

Adam suspirou. Violet tomou aquilo como um não. Ela observou sua Tess encarando o rapaz com uma expressão que compartilhava sua infelicidade e ao mesmo tempo temia a impotência de não poder ajudar.

A senhora sorriu, lembrando-se com uma pontada de tristeza e outra maior de saudade de seu falecido marido. Mesmo com as netas e a família, Violet tinha que admitir que se sentisse sozinha. Era um vazio que ninguém além de seu Larry poderia preencher. E por conhecer aquele tipo de solidão, temia que Tess sofresse o mesmo.

A ausência dos pais delas havia afetado suas netas de formas diferentes. Millie se deixava precisar das pessoas demais e Tess tentava precisar de menos. Mas do mesmo modo, as duas tentavam suprir a ferida que nunca superaram.

— Pense bem nisso, querido. - Violet beijou o topo da cabeça dele. - Agora, eu tenho que ir. Vou encontrar com Marta e fingir que ainda tenho quinze anos pelo resto do dia. Vamos ao shopping olhar os rapazes bonitos.

Tess teve que rir. - Quem vai levá-las?

— Ora, ninguém. Não somos velhas decrépitas. - Violet sorriu facilmente e se levantou, com mais dificuldade do que gostaria de admitir, já havia passado dos oitenta, afinal de contas. - Não se preocupe, eu ligo para você quando chegar.

Tess lhe deu um beijo e um abraço, pensando que o dia que não se preocuparia com Violet nunca chegaria. - Eu te amo, vovó. Tenha cuidado e não exagere, por favor. Lembre-se que está tomando remédios controlados.

— Como não vou lembrar se você repete o tempo inteiro? - Ela deu de ombros e aceitou o braço que Adam oferecia ao dizer que a acompanharia até o apartamento. - Eu também te amo, mesmo você me dando nos nervos. - Ela sorriu e lhe deu outro abraço por que era bem verdade. - Deixe um beijo em sua irmã por mim e diga que eu venho tomar café com ela amanhã.

***

Adam, Tess e Millie passaram o comecinho da noite rindo de qualquer coisa que estivesse passando na televisão até que fosse hora de eles se arrumarem para sair. Millie foi a primeira por que iria encontrar com Ethan em sua casa e eles iam direto de lá.

Eles tomaram banho juntos para adiantar por sugestão de Adam, e acabaram demorando mais por causa disso. Ainda assim Tess havia reclamado quando eles finalmente deixaram o chuveiro.

Ela havia tentado convencer Adam a retornar a ligação de sua mãe, mas não houvera jeito. Ele era teimoso para mula. Mas ela também era. Discretamente enquanto ambos se arrumavam, Tess o observava, percebendo que ele parecia um tanto distraído ainda.

Adam estava notando o que ela estava fazendo e o fato de que ela estava preocupada com ele lhe agradava. Ele já havia visto como ela era carinhosa com sua avó e também com Millie só pela forma como falava dela, mas em relação a eles Tess ainda era restrita. Aquilo tornava mais especiais os momentos em que ela o fazia.

E foi naquilo que ele pensou quando Tess inesperadamente o abraçou pela cintura enquanto ele estava de costas para ela. - Você ainda está triste?

Ele virou o rosto para encará-la. Tess estava com o queixo apoiado em seu ombro e prendeu os olhos nos dele como se para ter certeza de que ele não ia mentir.

Adorando-a, ele deu um sorriso e lhe beijou no nariz. - Um pouco. Mas a dança que você fez para mim no chuveiro me animou bastante.

Ela deu uma risada e o surpreendendo outra vez, ficou vermelha. - Achei que você ia gostar. - Então ela ficou séria de novo. - Mas eu não gosto de ver você triste. Eu sei que isso é óbvio quando se gosta de alguém, mas com você é diferente por que estou acostumada a ver você sorrindo o tempo inteiro. Eu prefiro você feliz.

Era realmente algo natural, mas ouvi-la dizer aquilo com tanta sinceridade era diferente. E era diferente por ser Tess. Era diferente por que era sobre eles.

— Você gosta de mim, então? - Ele se virou e a abraçou pela cintura, mas não desviou o olhar do dela.

Tess hesitou minimamente por que era característica dela e tirou uma mecha de cabelo que caía sobre os olhos dele, mas manteve a mão em sua bochecha. - Sim. E eu acho que... Eu gosto muito de você, Adam.

Apenas então ele voltou a sorrir. - Isso é bom. Detestaria saber que estou nessa sozinho.

Ela sorriu também, aparentemente aliviada por ele ter dito de volta. - Bem, você tem alguma companhia.

### - X— ###

Ainda um tanto descontente consigo mesmo, Thomas tomou seu tempo para ir até o colégio de Melanie naquela segunda-feira. Respeitou todos os sinais vermelhos pela primeira vez na vida e todos os limites de velocidade – seu pai teria ficado orgulhoso.

Ela estava de braços cruzados em frente ao portão quando ele chegou e pela forma como batia um pé contra o chão, estava bastante impaciente. Ele deu uma olhada para o outro lado da rua, mas não viu o tal Steve.

Mel deu a volta no carro assim que ele parou e entrou. - Olá, Tom.

— Oi. - Ele respondeu simplesmente.

Ela jogou a mochila para o chão do carro e reclinou a cabeça contra o banco. - Eu falei com ele mais cedo para me esperar na praça há duas quadras daqui. É lá onde ficamos conversando.

Thomas não demonstrou nenhuma reação, apenas reiniciou o carro. Melanie trocou de estação no rádio, algo que sempre fazia, mesmo que a viagem fosse ser curta. Quando ele não fez nenhum comentário ácido sobre aquilo, ela teve certeza de que ele estava propositalmente mudo.

— Tom.

— Hum?

— Eu sei que você não queria estar fazendo isso. - Ela começou e então procurou algo para dizer. - Eu já agradeci, mas estou agradecendo de novo. Eu não vou demorar, eu já expliquei para ele a situação. Não quero que a mamãe e o papai desconfiem.

— Eu espero que você saiba o que está fazendo, Melanie. Mas eu aviso uma coisa: no primeiro olhar errado que ele lançar a você, eu estou fora do carro. Essa é a minha condição.

— Eu concordo com ela, afinal isto não vai acontecer. - Ela murmurou muito certa.

Steve estava sentado na mesa onde sempre ficavam. Thomas estacionou o carro há uma distância mínima dali, checando o cara de cima abaixo buscando algo que pudesse usar para convencê-la da loucura daquilo.

Melanie colocou uma mão sobre a sua. - Você não me deu um beijo.

Tom suspirou, desejando por um momento que ele pudesse ficar irritado com ela por mais de meia hora. Afinal, ela estava o obrigando àquilo. Ele segurou seu queixo e se inclinou para tocar a boca na dela.

Ela aprofundou o beijo, colocando as duas mãos em seu rosto e então se afastou. - Eu volto logo.

***

— Oi. - Melanie sorriu para Steve, mas não tentou abraçá-lo ou apertar sua mão. Da última que tentara o fazer, ele quase caiu do banco pela rapidez em que se afastou.

— Oi. - Ele cruzou as mãos sobre o colo, querendo esconder dos olhos dela o estado das mesmas, e a observou. - Eu te causei muito problema?

Ela fez um gesto de ‘pouco’ com os dedos, mas sorriu para que ele não se sentisse culpado. Mesmo com o castigo, ela teria feito de novo – ela estava ali, afinal. E ela sentia que Steve valia à pena.

— Você não devia estar fazendo nada disso. Está apenas sendo punida e não recebe nenhum retorno pelo esforço.

— Eu receberei se você me deixar te ajudar. Você está fazendo um esforço?

Ele sabia que ela perguntava se ele continuava usando algo e Steve baixou os olhos em resposta, constatando que era a primeira vez em muito tempo que ele se importava com o que alguém achava daquilo.

— Bem. Então eu não estou tendo nenhum retorno mesmo.

Subitamente desesperado com a possibilidade de ela decidir ir embora, ele começou a falar. - Você não entende. Não é só questão de querer, Melanie...

— Ah, não? Alguém está te obrigando, então?

— Eu estou nessa há tanto tempo... - Ele pausou e então desviou o olhar. - As pessoas pensam que entendem o vício, mas a maioria delas não faz a menor ideia. Chega a um ponto que você já foi tão fundo que não é mais o que você faz, é quem você é. - Steve voltou a olhar para ela. - Desde que eu conheci você, eu tenho evitado... Eu juro que sim, mas às vezes não tem como... Os efeitos da abstinência são quase insuportáveis. Dor de cabeça, mudança de humor, alucinações... Eu não consigo distinguir a realidade da ilusão, é uma coisa... É horrível... Você pode não acreditar, mas eu sou muito mais... controlado se tiver usado alguma coisa.

— Eu não posso entender perfeitamente como é já que nunca passei por isso, mas eu discordo. - Ela olhou fundo nos olhos dele. - A droga não é você, ela te controla, o que é diferente. Para mim, um usuário toma a atitude de deixar de ser um quando decide que quer ter o controle de si mesmo de novo. Eu não estaria vindo aqui se não acreditasse que pode dar esse passo. Mas o que você quer, Steve?

Houve uma eternidade em que ele se sentiu preso sob o olhar dela e então ele murmurou quase para si mesmo. - Eu quero voltar para casa...

Ela deu um sorriso. - Eu acho que essa é uma boa resposta. - Então se levantou. - Agora, eu vou buscar o nosso lanche.

Eles comeram em silêncio por um tempo até que Melanie jogou uma bomba que o fez engasgar. - Vamos até sua casa amanhã.

Ele tossiu, tossiu, tossiu enquanto Mel o encarava em preocupação. - Como?

— Ora, por que esperar? Eu não suponho que queira ficar na rua por mais tempo se não é necessário.

Ele arregalou os olhos. - Mas... Como você sabe se ela vai me aceitar de volta... Como...

— Eu não sei, por isso vamos tentar. - Mel sorriu e então completou. - Mas precisamos arrumar você. Se aparecer desta forma, já vai perder pontos com ela.

Ele balançou a cabeça, questionando-se por que de repente sentia falta de ar. - Como você supõe que se faça isso? Não é como se pudesse me levar para sua casa... Olha, eu acho melhor...

— Steve, relaxa. - Mel interrompeu. - Eu já tenho uma ideia. Apenas apareça amanhã lá no colégio no mesmo horário de sempre, ok?

***

Thomas nunca, nunca mais cederia um favor à Melanie.

Ele sempre ficava impotente diante a um pedido dela e por saber daquilo, ela abusava. Pelo amor de Deus, ele devia ter perdido totalmente a cabeça.

Enquanto parava em frente ao colégio, ele desceu o vidro do banco do carona e viu que Steve já estava lá. Esperou até que o cara parasse de olhar para a entrada do colégio e finalmente o percebesse ali, então fez sinal para que ele entrasse no carro.

Steve franziu o cenho, olhando de novo para o portão do colégio, sem entender onde estava Melanie. Thomas buzinou em impaciência, atraindo de novo a atenção de Steve. Ele finalmente caminhou até o carro.

— O que isso?

— Entra no carro. - Thomas destravou a porta, mas o rapaz continuou plantado no mesmo lugar. - Mas que merda, você não entende inglês?

— Onde está a Melanie? - Steve questionou em desconfiança.

— Ah, mas que inferno... - Tom encostou a cabeça no volante por um momento, pedindo por paciência. - Escuta, eu não gosto de você – acho que isto está claro. Mas eu não vou te levar para um matadouro, embora a ideia me agrade, porque Melanie iria me fazer te trazer de volta dos mortos. Agora entra logo que já chamamos atenção!

Steve ponderou por outro minuto então finalmente entrou, fechando a porta depressa quando Thomas propositalmente acelerou com o carro quase o fazendo cair para o lado de fora. Ele quis xingá-lo, mas se controlou. Não era como se ele não tivesse motivos para aquilo.

— Agora escuta. Eu vou levar você para a minha casa para que tome banho. Melanie comprou roupas para você. - Thomas torceu o nariz, deixando evidente que ele não concordava com aquilo nenhum pouco. - Ela vai nos encontrar mais tarde e então vamos deixar você na sua casa, ou aonde seja.

Steve balançou a cabeça, mas não disse nada. Tom continuou. - Você vai estar na minha casa, então é bom que não tente nenhuma gracinha. Eu não sou nem de perto bonzinho como a Melanie e sou cínico demais para acreditar na integridade das pessoas ou qualquer merda dessas que ela defende. Eu vou estar de olho em você.

— Eu não farei nada.

— É melhor. - Thomas mais grunhiu do que falou.

***

Melanie entrou pelo banco carona. - Oi, deu tudo certo?

— Veja por você mesma. - Thomas indicou o banco detrás com a cabeça.

Mel se virou e mal conteve seu queixo de ir ao chão. Havia um rapaz muito parecido com Steve sentado ali, mas ela sabia que se provavelmente tivesse passado por ele na rua não teria o reconhecido.

Mesmo que tenha escolhido o tamanho pela intuição, os jeans e a camisa que comprara couberam perfeitamente nele. O número do calçado ela não quisera arriscar, então percebeu que ele ainda usava os próprios tênis. Mas não era aquilo que fazia a diferença.

Obviamente uma ducha e uma boa navalha mudavam as coisas; ele realmente parecia mais saudável e... Humano. E caramba, Mel tinha que admitir que ele desse um belo pedaço de bom caminho.

— Uau. - Ela elogiou com um sorriso. - Onde você estava escondendo tudo isso?

Para a diversão de Melanie, Steve realmente corou.

***

No caminho, Mel passou para o banco de trás junto a Steve e questionou. - O que você fez para ela expulsar você de casa, Steve?

Seu corpo ficou rígido, mas ela não pressionou. Quando viu seu olhar se mover ligeiramente para Thomas no volante, completou. - Tudo o que disser aqui vai permanecer aqui. Mas está tudo bem se não quiser falar.

— O mínimo que eu posso fazer para te agradecer é contar a verdade. – Ele fez uma pausa. - Minha mãe é a pessoa mais forte que eu conheço. Ela nunca desabou. Não quando meu pai morreu, não quando quase perdemos a casa, não quando eu comecei a roubar coisas de dentro de casa... Mas ela desabou quando eu estava saindo. Não quando ela me disse para ir, mas quando eu saí, a última imagem que tive dela foi dela com os braços em volta de si mesma e de meu irmão na frente dela como se para protegê-la de mim. - Ele baixou cabeça e Melanie segurou a mão dele.

— As lágrimas só escorriam do rosto dela, involuntariamente, você sabe... Quando uma pessoa não fez nem força para chorar... Apenas acontece naturalmente... E eu não liguei por que eu estava com raiva, por que eu achava que ela não tinha o direito de fazer aquilo. Eu era o filho dela, afinal. Se eu precisava de uma grana uma vez para poder relaxar, ela tinha que me ajudar... Claro que eu não estava contando as vezes que eu roubei, nem quando eu gritei com ela, nem quando eu soquei meu irmão por que ele não queria me emprestar o dinheiro... Nem o fato de que estava tirando o pouco dinheiro que ela ganhava trabalhando como garçonete. Eu sabia que estávamos perdendo a porra da casa, mas era só para relaxar, eu pensava, só mais uma vez para eu relaxar, por que eles não entendiam? - Um sorriso triste se formou nos lábios dele.

— É bem patético quando eu penso agora, mas na época parecia fazer todo o sentido. Mas você, Melanie... - Ele a encarou pela primeira vez. - Ela não tem o menor motivo para me aceitar de volta. No pior momento das nossas vidas, ao invés de ajudá-la, eu causei mais problemas. Que benefício eu ia trazer agora?

Melanie suspirou e percebeu que Thomas estava fazendo um bom trabalho de fingir que estava indiferente à conversa. Seria perfeito se suas mãos não estivessem quase arrancando o volante pela força com que o segurava.

— Steve... - Ela segurou a mão dele entre as suas. - Se Susanna é metade do que você disse, ela vai estar menos preocupada com o que você fez e mais preocupada com o que você fará.

Com uma parada brusca do carro, Thomas anunciou com a voz controlada. - N° 265.

O rapaz encarou em pânico a casa pela janela e Melanie apertou sua mão sutilmente. - Então. Vamos descobrir?

Ele balançou a cabeça que não. Ela apenas sorriu e abriu a porta.

Mel sabia que era errado achar graça em um momento daqueles, mas a expressão dele estava cômica. - Vamos sim. Eu aqui quem estou correndo o risco de ser esganada por meus pais... Se eu morrer, ao menos tem que ter valido à pena. Você não vai me decepcionar, não é?

Era como se ela sempre soubesse que botão acionar. - Não, eu não vou.

Desta vez, a luz da casa estava acesa. Melanie começou a gostar de Susanna imediatamente pelo seu bom gosto. A casa não era grande, mas bonita de um modo fofo. Era de um azul-bebê que gritava “tinta fresca” e o jardim da frente era bem cuidado. Mel apreciou as flores e imaginou como seria mais lindo pela manhã.

Ela não deu chances para que Steve hesitasse mais uma vez, do contrário... Tocou a campainha assim que pisaram no tapete da entrada. Podia-se ouvir o barulho da TV ligada na sala e logo passos.

Melanie enlaçou um braço no de Steve, mas tinha que admitir que tivesse feito aquilo tanto por ele quanto por ela. Ela rezava que Susanna realmente não o rejeitasse. Por Deus, se aquilo acontecesse, ela não saberia o que fazer com ele. Ou como evitar que ele jogasse a força de vontade para o alto e se acomodasse definitivamente no vício.

Steve puxou o ar pela boca quando o barulho de chave soou na fechadura; os minutos que levaram para a porta ser destrancada fizeram com que o suor frio se acumulasse na sua nuca. Ele esqueceu por um momento que era impuro demais, e esmagou a mão de Melanie contra a sua.

A mulher que abriu a porta era da mesma altura dela, Mel notou, e ela tinha um sorriso amigável no rosto. Até que ela enxergou quem era. Melanie não poderia imaginar como ser mãe era difícil, mas podia ter uma ideia ao ver a quantidade de emoções que brigaram por um espaço na expressão de Susanna.

— Steve.

Ele não ouviu seu nome tanto quanto leu os lábios de sua mãe. Sua audição e fala estavam temporariamente afetadas. - Eu... Sim. - Por um momento ele apenas conseguiu encarar; sua mãe estava a mesma e completamente diferente. - Oi, mãe.

— O que você faz aqui? - A voz de Susanna estava calma e controlada.

— Ah-... Eu... - Steve encarou Melanie e então sua mãe. Exato, o que diabos ele estava fazendo ali?— Eu só...

— Boa noite, Susanna. Eu sou Melanie. - Sem se importar por ter sido ignorada, ela desenlaçou seu braço de Steve e ofereceu sua mão. - Sou amiga de Steve. Como vai?

Ela encarou a menina em surpresa, como se não a tivesse enxergado no geral. Aceitou o aperto de mão. - Bem...

Melanie sorriu. - Que ótimo. Eu estava pensando se podíamos entrar para conversar um minuto. Pelo cheiro, deve estar preparando o jantar, desculpe a interrupção.

Mãe e filho a encararam em silêncio. Como ela poderia tratar a situação como uma visita casual entre conhecidos? Pois era exatamente o ponto. De modo geral as pessoas não sabiam dizer não à gentileza e era aquilo que eles estavam buscando: um sim.

— Então, podemos?

— Eu... - Susanna franziu o cenho e pigarreou. - Está bem.

— Obrigada. - Ela tocou levemente o braço de Steve ao notar que ele tinha congelado no lugar.

Ela os guiou até a sala e ofereceu que se sentassem, mas os dois recusaram. Susanna então desligou a televisão como se ela fosse totalmente imprópria para a situação. Bem, a situação toda era imprópria.

— Olha, Melanie... Não é? - Ela murmurou e a menina assentiu. - Certo. Então, Melanie... Eu não sei o quanto da história você conhece, mas Steve e eu... Nós não exatamente...

Para poupá-la do tormento de esclarecer, Mel interferiu. - Eu estou ciente de tudo. Estamos aqui por isso.

Steve encontrou o olhar dela e forçou a língua a funcionar. - Eu... Eu quero voltar para casa, mãe.

Susanna ficou quieta por um longo tempo e quando a única reação que teve foi cruzar os braços, Melanie incredulamente se questionou como ela podia não sentir nada.

— Você quer.

Mel mordeu a língua para não dizer algo bem grosseiro. Ela apenas iria dizer aquilo? Está certo que ela tinha passado por maus bocados por causa dele, mas Steve era filho dela. Era possível que ela não sentia absolutamente nada em relação àquilo?

— Sim...

— Não deu certo da primeira vez, não foi.

Steve abriu a boca, fechou, baixou os olhos para o chão. - Eu sinto muito. Eu... Eu preciso de ajuda, mamãe.

Susanna pressionou os lábios. - Dizem que o primeiro passo é admitir.

Melanie absolutamente não podia acreditar. Ela tinha cometido um erro gigantesco quanto tudo aquilo. Ela não queria saber. Levaria Steve para a sede da ONG, para a cada dos seus avós, para a sua casa se preciso... Ela não ia deixá-lo ali com aquela mulher horrível e sem sentimentos.

— É só isso que você é capaz de dizer para o seu filho? - Ela acusou antes de conseguir conter as palavras.

Isabella nunca, nunca agiria daquela forma. Nem que ela tivesse assaltado um banco e feito reféns. Sua mãe nunca teria feito aquilo. Não haveria nada que justificasse aquela frieza, aquela imparcialidade.

Steve ergueu os olhos. - Melanie.

— Steve, vamos embora.

Ele balançou a cabeça. - Mas o que você está fazendo?

— Salvando você, aparentemente. Era para isso que queria voltar?

— Melanie!

— Escuta aqui. Eu não sei que tipo de verdade você pensa que domina, mas na minha casa eu faço as minhas regras. E eu não admito que ninguém me questione. - Susanne disse enfática. - E você... Eu preciso falar com seu irmão. A casa também é dele e nós tomamos decisões juntos.

Melanie fez um som bem desrespeitoso com a boca e revirou os olhos. Enquanto Steve a lançava um olhar de ‘qual-é-o-seu-problema?’ com medo de que sua mãe mudasse de ideia, Susanna a ignorou.

— Você vai ficar lá em cima até Simon chegar e então eu falarei com ele. - Susanna continuou. - E vai tirar estes tênis que estão sujando o meu tapete. Você sabe que eu abomino tênis sujos.

— Sim, senhora.

Steve assentiu e lançando um último olhar à Melanie, subiu pelas escadas.

Susanna murmurou friamente antes de seguir para a cozinha. - Você pode sair por onde entrou, mocinha.

Melanie respirou fundo três vezes, tentando se convencer de que não era da conta dela, que ela tinha feito sua parte, que ficar ali era a vontade de Steve. Ela iria sair pela porta e... O cacete que ela iria sair pela porta daquele jeito!  Antes Susanna ia ouvir algumas coisinhas sobre como tratar seus filhos.

Ora essas, nem um abraço ela tinha dado nele. Um abraço. E ainda mais Steve, que apenas queria se remediar e fazer as coisas de modo certo desta vez. Que apenas queria o perdão dela. Que apenas queria ser amado por ela de novo.

Ora pois, nem um abraço. Para Melanie, cometer um assassinato era menos pior do que deixar de abraçar um filho. Ora, seus pais nunca fariam uma coisa daquelas.

Ela fez o caminho que a mulher tinha feito e já estava abrindo a boca para gritar uma meia dúzia de verdades quando ela ouviu os soluços. Mel não conseguiu enxergá-la primeiramente, mas reconheceu os fios castanhos de cabelo. Susanna estava encostada na geladeira, os dois braços pressionando o estômago – como se com medo que com a força do choro, seus órgãos internos lhe escapassem pela boca.

Melanie instantaneamente derreteu e sua expressão se suavizou. Se ela tinha pensamentos assassinos em relação à mulher há segundos atrás, não podia se recordar. Ela tinha desabado quando ele foi embora, ela se lembrou de Steve dizendo, e agora desabava por que ele tinha voltado.

Sim, aquela era exatamente a reação seus pais teriam.

Sem se importar se estava sendo enxerida, ela deu passos em direção à ela e Susanna ergueu os olhos.

Um som estrangulado ficou preso em sua garganta quando ela percebeu que tinha plateia. - Mas o que você ainda está fazendo aqui? Deixe-me sozinha!

Sim, Melanie podia ver aquilo acontecendo. Por mais que Susanna a estivesse encarando com fúria nos olhos, não conseguia conter as lágrimas.

A menina sorriu em compaixão. - Está tudo bem.

Susanna tentou ficar ereta e se afastar, mas seu corpo tinha outros planos. Por Deus, ela não conseguia se erguer... Ela não conseguia entender o que a garota estava fazendo e quando percebeu os braços de Melanie estavam ao redor dela.

— Mas o que...

— Está tudo bem agora. - Melanie garantiu, com a voz branda.

Susanna tentou se desvencilhar, sentindo as lágrimas queimando seus olhos e um buraco se abrindo no estômago. A sensação piorava quanto mais Melanie tentava abraçá-la. Era uma batalha perdida. Melanie era, mesmo que temporariamente, mais forte do que ela. A imagem de Steve lhe invadia a mente e era como se sugasse toda a sua força.

Mel sentiu no instante em que ela cedeu. Ela ouviu os soluços se intensificarem e o corpo de Susanna tremer e a segurou mais forte.

O coração de Melanie se apertava por ela, lembrando-se de como ela tinha se esforçado para se manter estável diante deles. Olhando para ela naquele momento, lágrimas também escaparam de seus olhos. O amor de uma mãe devia ser mesmo algo extremamente grandioso; era a única razão que explicava como sem um filho, ela se transformava de um adulto capaz em uma criança desamparada.

Um tempo depois Steve reapareceu na cozinha, e quando viu a cena, ficou estático no mesmo lugar. Melanie sorriu para ele e estendeu uma mão, ele então ocupou o lugar dela e abraçou a mãe. Sentindo que sua missão estava cumprida, a menina deu as costas e deixou que o momento se desenrolasse.

***

Depois de convencer os pais a deixa-la a ir no encontro com o pessoal apesar de seu castigo, Melanie escapuliu de casa antes que pudessem mudar de ideia. Por sorte, Thomas estava estacionando o carro naquele momento.

Assim que entrou, seus dedos já voaram para mudar a estação de rádio.

— Jesus, ela se preocupa com a música antes de me dar um beijo... - Thomas reclamou.

Ela riu e lhe deu um beijinho rápido. - Boa noite, Thomas.

Eles seguiram para o bar e foram os primeiros a chegar. Por já terem ido lá algumas vezes, os funcionários do bar instantaneamente o reconheceram. Sempre conhecida por sua simpatia, Mel foi abraçada, beijada e apertada.

Foram sentar em uma das grandes mesas. Mel escolheu uma cadeira no meio e Tom sentou ao seu lado, passando um braço em volta dela.

— Eu quero uma taça de vinho, Laura. - Mel pediu a garçonete.

Sua identidade falsa estava bem guardada e a garçonete já conhecida deu um sorrisinho a ela porque sabia que era menor de idade, e balançou a cabeça.

— Claro. Cerveja, Tom?

— Você sabe do que eu gosto. - Ele piscou para a mulher, que riu e se afastou. Mel estava balançando a cabeça. - Ciúmes, coração? Não esquenta, flertar faz bem para o espírito.

A menina apoiou o cotovelo na mesa e o queixo na mão. - Deve te irritar muito o fato de que eu não sinto ciúmes, não é? Por acaso é algum trama, Tom? Dorme com muitas mulheres controladoras?

Ele sorriu. - Eu não fico irritado. - Ele correu um dedo pelo seu pescoço. - Por que você não tem?

Interessado ele estava, Mel pensou. - Por que eu sou inteligente.

Quando ela começou a tamborilar os dedos sobre a mesa, ele insistiu. - E?

E... - Ela enfatizou e não conteve a risada. - Eu sei que você não é meu, se é correto falar assim. Vou me estressar sentindo ciúme de você, para quê? Eu te conheço bem demais, Tom. Está lembrado? Ah, obrigada Laura. - Ela aceitou o vinho e bebericou.

Thomas não tocou na garrafa quando a cerveja foi posta diante dele. - Mas eu estou com você agora.

— Uhum... - Ela assentiu e tirou seu celular da bolsa quando ele começou a tocar. - Alô... Oi, Ethan.

Tom levou a garrafa aos lábios para conter o palavrão. Justamente quando eles estavam tendo uma conversa séria ali, alguém atrapalhava. Ele não sabia exatamente por que a conversa parecia importante ou por que subitamente estava incomodado.

Encarou Melanie, ouvindo-a explicar como exatamente se chegava ao bar. Ela não parecia chateada de nenhuma forma. Nem quando ela disse a fatídica frase ‘eu sei que você não é meu’. Aquilo queria dizer que se ele desse em cima de outra na frente dela, não a afetaria em nada?

Bem, era bom que ela não tentasse fazer aquilo por que para ele importaria e muito. E caramba ele não queria mais ninguém, ele estava com ela. Está certo que ele não prometia fidelidade a nenhuma mulher com que saísse... E está certo que ele nunca saía com ninguém além de alguns dias... Mas Mel era diferente. Será que ela não sabia daquilo? 

Eles estavam juntos há algumas semanas. Eles não haviam dormido juntos... Pela primeira vez, a estranheza da situação atingiu Thomas. Quando fora a última vez em que ele saíra com uma pessoa durante semanas e não transara com ela? Nunca. Quando fora a última vez que ele saíra com alguém durante semanas no geral? Nunca.

Aquilo devia ter lhe ocorrido antes, mas não tinha. E por mais que ele desejasse a Mel, e por Deus como aquilo era verdade, ele não tinha ficado incomodado de permanecer no estágio ‘beijos’. Ele se divertia com ela e eles conversavam. Mas obviamente que aquilo iria acontecer, era Mel e ela era importante para ele.

Tudo era diferente por que ela era importante para ele, mas alguma coisa não tinha que ser igual? Ele não devia estar impaciente por não ter dormido com ela ainda? Aquelas semanas poderiam ser consideradas como o período de ‘cortejo’, afinal Mel não sairia dormindo com qualquer por aí.

Ele sabia disso. Mas ele não devia estar contando os segundos até que ela cedesse? Não era aquilo que ele fazia? Ele queria a Mel, sim, mas Tom sabia que ficava muito satisfeito apenas de estar com ela, de tocá-la, de fazê-la rir, de ouvi-la. Ele gostava de passar tempo com ela, aquilo não tinha mudado por que eles começaram a sair. Thomas hesitou com a garrafa perto dos lábios quando um pensamento lhe ocorreu.

Quando eles dormissem juntos, estaria tudo acabado.

Ele poderia estender por um dia ou dois, mas depois era aquilo. Ele cairia fora por que, obviamente, continuar seria compromisso demais. Mas ele não queria que aquilo acontecesse... Ele não queria que as coisas voltassem ao que eram antes... Com ele a observando, sem poder tocá-la, sem poder senti-la. Thomas sabia de algum modo que ele não deixaria de querê-la depois que a tivesse.

Mel encerrou a ligação e deixou o celular em cima da mesa. Arqueou uma sobrancelha quando percebeu que Tom estava estático com o olhar perdido.

— Que foi, Tom? O gato comeu a sua língua?

Ele ergueu os olhos quando a ouviu, percebendo que tinha esquecido onde estava por um minuto. Ela estava sorrindo não só com os lábios e com os olhos, mas com todo o rosto. Era isso que ela fazia. Melanie sorria e o mundo de repente era um lugar melhor.

— Não foi nada.

Sua expressão mudou quando ele continuou a encarando em transe. - Sério, Tom. Você está bem? - Ela colocou uma mão sobre seu joelho em preocupação. - Está esquisito.

Ele tinha uma solução para aquilo. Ele podia ficar com ela. Enquanto eles não dormissem juntos, ele tinha um motivo para usar. Assim sua mente não alertaria em vermelho que ele estava a um passo de estragar tudo com ela. Por que iniciar um compromisso com Mel seria exatamente aquilo. E o que ele não suportaria fazer era magoá-la, de nenhuma maneira.

— Você é linda. Não digo isso tanto quanto deveria. - Ele acariciou a sua bochecha. - Você é tão linda.

Ele não ia dormir com ela. Já tinha resistido por anos, poderia continuar resistindo. Iria ser difícil. Iria ser... Quase impensável, mas ele faria. E assim ele poderia ficar com Melanie. Quanto mais ele resistisse, mais tempo teria com ela. Era a solução perfeita.

Mel riu. - E precisa fazer essa cara para me dizer isso? - Ela encostou a boca na dele uma, duas, três vezes. - Você diz isso com alguma frequência, sim. Mas eu não me importo se disser mais.

— Eu amo você. - Tom segurou seu queixo antes que ela pudesse se afastar. - Eu nunca quero fazer nada para te machucar.

Mas você vai, Melanie pensou. Oh Deus, você vai.

Mas foi com outro sorriso que ela lhe respondeu. - Eu também amo você.

Ele estava se questionando sobre eles, ela sabia. Havia muita apreensão nos olhos dele para que tivesse simplesmente pensando que ele não a elogiava o suficiente. E havia bastante desespero em suas palavras para que ela sangrasse um pouco. Mel o conhecia bem demais para saber que Thomas escolheria sofrer por um século a machucá-la. E saber tornava tudo pior.

— Mas para todo lugar que eu olho tem gente se declarando...

O momento foi quebrado e os dois ergueram os olhos. Dan ofereceu um sorriso sarcástico e deu a volta na mesa para cumprimentá-los.

— Eu estou ficando com medo que isso seja contagioso.

— Tenha cuidado, então. - Thomas levantou e abraçou o amigo.

Logo em seguida, Dan segurou Melanie pela cintura e lhe tascou um beijo nos lábios. - Doce Mel. Eu ainda te convenço a largar o Tom e fugir comigo.

— Imagino o que papai diria de primos fugindo juntos.

— Mas está todo mundo se agarrando em família mesmo. - Ele disse simplesmente e, como sempre fazia questão, foi se sentar na ponta da mesa. - Não teria nada de diferente.

— Olá! - Angelinne apareceu.

Coincidência interessante, por uns minutos a menos eles poderiam ter chegado juntos. 

— Angel! - Melanie exclamou e lhe deu um beijo.

Thomas a cumprimentou, passando os braços em sua cintura e a levantando do chão. Dan permaneceu bem quieto onde estava, apenas observando. Parece que a situação já o contagiou, Mel pensou, mas apenas sorriu como se escondesse um segredo. 

Sorrindo e sem fôlego por causa do abraço de Tom, Angel acenou. - Oi, Dan.

— Oi, Angel.

Thomas trocou um olhar com a Mel. Melanie mandou que ele disfarçasse, mas sorriu com ele. Até onde todos sabiam, Angel não chamava seu primo pelo apelido.

Ela se sentou no meio de frente aos dois e Dan cravou os pés no chão para impedir que fizesse algo estúpido. Como ir se sentar mais perto dela. Não que ele achasse que houvesse tanta necessidade assim, era só por que ele estava longe de todos. Obviamente.

Como se ouvindo seus pensamentos, Tom deixou as mulheres conversando e sentou ao lado dele. - E aí.

— E aí.

Laura apareceu outra vez e perguntou se eles queriam alguma coisa. Dan pediu uma cerveja e Angel disse que não queria nada.

— Como estão as coisas? Muito tempo que você não aparece. Eu estou tendo que sair com os manés que se acham meus amigos... - Daniel comentou.

— Eu tenho estado ocupado.

— Com a Melanie, suponho. - Ele insinuou.

— Sim, com a Mel. E daí.

— Nada, relaxa. Só quero me atualizar nas coisas. - Ele deu de ombros inocentemente e sorriu para a Laura quando sua cerveja chegou. - Mas como é... Vocês estão namorando ou quê?

— Não é da sua conta. - Thomas virou a cerveja na boca.

Não era como se ele fosse admitir que ele também não soubesse. Namorar. Era sério demais. Ficar. Sério de menos. Para que tinha que se classificar, afinal? Mel e ele não se importavam com aquilo.

— Ora, ora. Eu não posso mais perguntar? Ela é minha prima e você é meu irmão. - Dan sorriu.

Thomas começara a ficar irritado, mas a forma casual como ele o chamava de irmão tornou continuar assim impossível. - Olha... Nós não definimos nada, só isso.

— Hum. Bem, parece que é sério... Você entra logo na defensiva quando o nome dela é mencionado. E já tem algumas semanas.

— Mel é diferente. - Thomas afirmou.

— Ela não se incomoda de você transar com outras pessoas?

— Não estou saindo com outras pessoas. - Ele respondeu como se aquilo fosse óbvio.

— Você está transando com ela? - Dan abriu a boca em choque.

— Fala baixo. - Tom disse entre dentes e passou uma mão pela nuca. - Nós não... Não estamos...

— O quê? - Dan deu outro gole na cerveja, aparentemente inconsciente de que seu amigo estava tendo problemas com a fala.

Ele suspirou. - Eu não dormi com a Mel.

Daniel literalmente engasgou. Ele começou a tossir descontroladamente e Thomas quis se enfiar embaixo da mesa quando Mel e Angel olharam na direção deles. Para que ele foi abrir a boca.

— Estou bem, está tudo bem... - Dan balançou uma mão para elas não se preocuparem. Sorriu até que elas voltassem a conversar e então encarou Tom. - Você o quê? Como assim ‘não dormiu com ela’? Ah, eu já sei... Você está, sabe... Com algum problema com o equipamento, e tal? Você sabe que eu não vou debochar se estiver, amigo... Pode desabafar.

— Eu não estou com nenhum problema. Está parecendo a minha mãe! Eu apenas não dormi com a Melanie. Não é nada de tão grandioso assim.

Daniel franziu o cenho. - Thomas, você não está bem, cara. É toda a pressão da faculdade, não é? Eu te avisei que estudar sempre estressa...

— Santo Deus. - Tom balançou a cabeça. Ele era igual a Daniel? Era possível que eles realmente não enxergassem nada além de sexo? - Dan, escuta: eu não estou estressado, eu apenas não transei com ela. Será que dá para você compreender?

— Não, não dá. - Daniel balançou a cabeça em confusão. - A não ser que... Meu Deus. - Ele arregalou os olhos em horror. - Você está apaixonado por ela.

Thomas pigarreou. - Não é nada disso...

— Tom, por favor, não me envergonhe assim. - Daniel baixou a cabeça em desolação. - Você está, você está, meu amigo... Todo mundo diz: se um cara realmente se abstém do sexo por uma mulher é por que a palavra com ‘A’ entrou em jogo. - Ele balançou a cabeça. - Agora já era, meu amigo. Eu vou aproveitar as gatas por você.

— Larga de ser ridículo. - Tom comentou e puxou a gola da camisa em desconforto. Por acaso tinha começado a ficar muito calor. - Estou dando tempo a ela, apenas isso.

— Tempo? - Daniel cuspiu a palavra como se nunca houvesse ouvido algo tão anormal. - Thomas, é a palavra com ‘A’ com certeza. Quanto mais cedo aceitar, melhor. É game over para você, amigo. Nada mais de paz na sua vida. Tudo agora será ela, vai por mim.

— Claro, por que você é muito experiente no assunto.

Daniel cerrou os olhos. - Vá rogar praga para outro. - Ele murmurou e praguejou quando seus olhos involuntariamente se dirigiram para Angelinne. Ele forçou os abusados de volta para o lugar. - O fato é esse e é melhor você aceitar logo. - O som da risada dela o fez encará-la de novo. - Ao menos ela gosta de você de volta...

Por que ele tinha sacado a olhadinha, Thomas arqueou a sobrancelha. - O que foi isso?

— O quê?

— Esse seu tom auto piedoso. - Ele acusou sem dó. - Pimenta nos olhos dos outros é refresco, não é? Eu vi sua olhadela para a Angel.

Daniel sorriu sarcasticamente. - Você não costumava ficar tonto com tão pouco álcool, Tom. Está perdendo o jeito?

— Aparentemente nós dois estamos.

O sorriso de Dan lentamente morreu por que sabia que ele não estava falando sobre a cerveja.

— Ali a Millie. - Dan mudou de assunto sem nenhuma sutilidade e apontou.

Thomas observou enquanto ele levantava para ir falar com os recém-chegados. Era toda a confirmação de que precisava, até por que Daniel nunca iria falar com o irmão com aquela ansiedade. Há dezenove anos eles eram amigos e Dan fugia de tudo com o quê ele não queria lidar. Ele suspirou para a situação, sentindo que o universo castigava a eles dois.

Lembrou-se de Dan mencionando que ele nunca mais teria paz em sua vida. Teve um pressentimento de que ele estava certo.

### - X— ###

 Ethan estava se sentindo um tanto deslocado em meio ao fluxo de conversa incessante entre as pessoas. Era um fato que ele era naturalmente tímido e sempre tivera mais facilidade em ter apenas a si mesmo como companhia.

Era a primeira vez que ele participava de uma daquelas reuniões e ele se via nervoso a cada vez que alguém dirigia uma pergunta diretamente a ele e todos paravam para prestar atenção. Podia ser bobo para muitos, mas o fato de ser retraído complicava muito suas interações com outras pessoas.

Mas ele tinha sorte. Cada vez que aquilo acontecia, Millie segurava a sua mão casualmente e sorria, incentivando-o silenciosamente. Ela o conhecia bem. E isso por que era perceptiva e não por que ele tinha costume de falar sobre si.

Ele não tinha, no geral.

Depois da conversa que tiveram no dia anterior, ele estava um tanto receoso quanto à dúvida se as coisas mudariam entre eles. Não aconteceu. Enquanto ele tinha permanecido quieto por um tempo depois da discussão, Millie agiu da mesma forma, garantindo que o clima chato não se estabelecesse por muito tempo.

Ela era fantástica.

Ele virou o rosto quando ouviu seu nome e forçou sua concentração no que Melanie dizia. Ela era a que mais puxava assunto com ele, buscando incluí-lo em todas as conversas. Era da natureza boa dela fazer as pessoas se sentirem melhor, mas ainda assim ele estava agradecido.

Três pizzas grandes de sabores diferentes foram postas sobre a mesa. Se Ethan pensou que na hora de comer o silêncio ia se instalar, estava redondamente enganado. Todos falavam na pausa entre um pedaço de pizza e outro. As risadas continuaram quando saches de ketchup e mostarda começaram a voar de um lado para o outro.

Para sua surpresa, fora Millie quem começara com o jogo. Ele permaneceu sem ação por um momento sem saber se continuava a comer ou assistia.

— Jogue também, E! - Ela gritou, embora estivesse ao seu lado.

— Hum... Acho melhor não.

Mal ele acabava de falar, um sache de mostarda lhe atingiu o rosto e foi parar no seu colo.

Ao notar a expressão de choque no rosto dele, Millie gargalhou. - Não foi um convite, foi um aviso de amigo.

Embora às vezes eles fizessem brincadeiras que o deixassem vermelho, Ethan decidiu que estava gostando de passar tempo ali. Eles eram divertidos e, com exceção do seu irmão, não o tratavam como um estranho mesmo que ele nunca tenha aceitado sair com eles antes.

****

Após alguns minutos de absurdo constrangimento em que Millie havia o arrastado para o karaoke, Ethan retornou ao sossego da mesa e fez o possível para se fingir de invisível.

— Ethan! – Angelinne então se sentou ao lado dele enquanto Millie iniciava uma conversa com Thomas. - Como está levando aí?

Ethan sorriu por que Angel era uma pessoa com a qual ele sempre esteve confortável. Provavelmente por que, mesmo que de modo mais modesto, ela dividia o fardo do apelido Nerd com ele.

— Estava ótimo até Millie me arrastar para cantar.

Ela riu e socou seu braço gentilmente. - Ora, mas você foi tão bem.

— Então não era eu.

Aquilo resultou em mais risadas dos dois.

— Vamos fazer assim. Eu ajudo você a treinar sua voz para quando você e Millie saírem aí cantando pela noite.

— Não fale isso muito alto. Se ela escutar, estou ferrado.

Ele balançou a cabeça quando ela riu outra vez à custa dele e quando virou o rosto, encontrou o olhar de seu irmão. Daniel recostou na cadeira, deu um gole na cerveja, mas não tirou os olhos dele. Ethan não sabia dizer exatamente o porquê, mas Dan parecia que estava o encarando com mais desgosto do que o normal.

Daniel percebeu que sua cerveja tinha acabado e se levantou, quebrando o contato. Não era nenhuma surpresa que ele fosse o único ali a detestar sua presença, mas seu gêmeo estivera estranhamente calado e suspeitamente atento. Ethan não podia afirmar que ele tinha sido mais insuportável do que era sempre, mas havia algo ali.

**

Às duas da manhã eles foram expulsos do bar.

Surpreendentemente ele se encontrou se juntando aos outros no coro de ‘Aaah’ quando a garçonete veio alertá-los. Ele realmente não queria ir embora.

Eles dividiram conta do que consumiram – mas ele e Millie ficaram de fora da parte da bebida por que não haviam ingerido álcool. Ele nunca havia achado muita graça em pessoas embriagadas antes, mas tinha que admitir que ver Thomas procurando a carteira que estava em sua própria mão fora bem divertido.

— Está certo. Quem aqui não está tonto? - Adam gargalhou sem motivo algum com um braço ao redor de Tess. - Vem cá me dar um beijinho, Sereia.

Eles começaram a se agarrar ali mesmo e embora Ethan tenha virado o rosto em respeito, todos começaram a rir e aplaudir.

— Eu acho melhor Millie voltar com eles. - Mel sugeriu enquanto tentava ao mesmo segurar Tom que se apoiava nela. - Não sei se os dois vão saber nem como pegar um táxi... Ethan, você vem com a gente?

— Hum, acho que sim.

— Ah, mas que maravilha. - Daniel murmurou com uma risada seca.

Melanie lançou um olhar pouco simpático a ele. - Felizmente não é você quem decide isso, Dan. O carro é do Tom – na verdade meu, no momento, já que eu quem vai dirigir.

— Ora... Eu estou bem para dirigir. - Thomas retrucou tropeçando nas palavras. - Só vou tirar uma sonequinha primeiro e aí... - Ele bocejou longamente, apoiando a cabeça na de Mel. - E aí a gente vai...

— Thomas Masen, não ouse dormir em cima de mim!

Millie riu grandiosamente, revezando olhares entre o casal que se agarrava e Tom quase caindo em cima de Melanie. - Eles são um barato.

Ethan a encarou e ofereceu um sorriso contido. - Eles são sempre assim?

Ela sorriu. - Não, geralmente na metade da noite Adam já está bêbado. Ele é fraco para álcool, mas ele nunca admitirá. Vê a Mel? Ela bebe e fica de boa. A menina tem um metabolismo de ferro e o futuro médico ali tem problemas para aceitar que a irmã aguenta mais do que ele.

— E você?

— Eu o quê?

Ele passou um braço pela cintura dela. - Não se faça de desentendida. Como você fica exatamente depois de uma noite assim?

— Bom... Eu sou ainda pior do que Adam em relação ao álcool, por isso evito ao máximo.

— Mas onde está Angel? - Mel exclamou de repente.

Dan apontou em uma direção, com a cara de poucos amigos que sustentou durante toda a noite. - Ali.

Todos olharam e viram Angelinne desmaiada sobre o capô do carro de Thomas. Vendo aquilo, Adam explodiu em uma sonora gargalhada e então voltou a se agarrar com Tess.

Mel baixou a cabeça em desolação. - Ah meu Deus. Como vou me explicar para os pais dela?

— Eu te ajudo, Melzinha... - Thomas abriu os olhos o bastante para dizer, então sorriu safadamente enquanto sua mão deslizava para o bumbum dela. - Eu sempre sou bom para você, não é.

Adam escolheu exatamente àquela hora para se separar da bióloga e experimentar um momento de sobriedade. - Ei! Mas que isso de ficar passando a mão na minha irmã? Melanie, estamos no meio da rua... Você não tem vergonha? Ah, quando o papai souber disso...

Millie riu tanto que seu estômago começou a doer enquanto Adam ia tirar satisfações com Thomas. Os dois, mais tontos do que a própria tonteira, ficaram frente a frente batendo peito contra peito e fazendo sons másculos tipo ‘Rãã’, ‘Run’, e cambaleando em desequilíbrio. Logo Mel interviu para dispersar a bobeira e assim todos seguiriam o caminho de casa.

— Bom, vou indo então. Te vejo amanhã?

Ethan assentiu e Millie encostou os lábios nos dele. Ele colocou as mãos no quadril dela e a puxou para si, enquanto gentilmente aprofundava o beijo.

Eles não perceberam Daniel os observando – Dan que, dentre todos ali, era o único que não estava conversando ou próximo a ninguém.

Não, eles não tinham percebido nada disso, mas eles iriam.

Quando Mel clareou a garganta, Ethan se afastou com o rosto queimando em vermelhidão. Obviamente que ele estava desconcertado por que havia esquecido por alguns instantes que eles não estavam sozinhos. Mel sorriu e perguntou se eles podiam ir, ‘Thomas está pesado’, ela comentou.

Mas antes que a noite fosse dada por encerrada, antes que eles seguissem seus caminhos considerando a noite um verdadeiro sucesso, algo tinha que dar errado. Ou melhor, alguém.

— Então, maninho... Um momento bonito desses e você está se despedindo de sua namorada? - Dan começou com um sorriso que poderia ser considerado como estou-prestes-a-fazer-uma-merda-e-pouco-me-lixo-para-isso. – Que isso, a noite é uma criança. Ah, mas eu acho que você também é né.

O alarme de Ethan não soou, como ele se repreenderia mais tarde por não ter acontecido, e como estava acostumado, simplesmente ignorou seu irmão e foi ajudar Mel. Ele colocou um braço do futuro engenheiro por cima de seus ombros, dividindo o peso com ela. 

— Afinal, vinte anos, mas até então só desperdiçou tempo, não é mesmo? Como é que funciona exatamente isso? Até com uma namorada você continua a preferir o solitário cinco a um.

Ethan congelou por um momento e encarou seu irmão. Ele não seria capaz.

Millie o encarou. - Dan, você está bêbado e todos nós estamos cansados. Vamos embora, ok?

Ela não sabia exatamente do que é que ele estava falando ou onde ele queria chegar, mas sabia pela expressão em seu rosto que não era nada bom.

— Que isso, estamos entre amigos, não? Só estou aqui curioso para saber que tipo de relacionamento é esse. Afinal, Millie é uma mulher e logo tem certas necessidades. E como exatamente um virgem vai dar conta de alguém como ela está além de mim. Ah, – ele adicionou uma risadinha à frase. – mas no caso, você não está dando conta, não é maninho. Ou será que os livros sabem fazer o trabalho por você?

Houve uma pausa por exatos cinco segundos.

Então Dan gargalhou de novo como se a vida fosse uma piada. - Sabe se lá se você aprendeu onde é que se encaixa o que...

Ninguém nunca conseguiria explicar como, em termos de física e gravidade, Ethan se moveu tão rápido, mas em um momento ele estava paralisado ao lado de Millie e no outro ele estava em cima do irmão. Millie gritou ‘Não!’ assim que o punho dele se encontrou pela primeira vez com o rosto de Dan. Ela realmente pôde ouvir o barulho do osso sendo deslocado.

Por um momento ninguém realmente acreditou Ethan tinha atacado Daniel, mas um instante depois Melanie começou a sacudir Thomas para ver se ele ficava sóbrio o suficiente para fazer alguma coisa. Por um momento, ele só piscou em susto e então seus olhos finalmente registraram o que estava acontecendo em sua frente.

— Adam! - Ele berrou, sem saber ao certo qual dos dois irmãos ele deveria segurar.

Adam foi um tanto mais lento para compreender a situação e devido a isso, Tom teve tempo de ganhar um empurrão que o jogou no chão.

— Detesto separar brigas. - Ele comentou de mau-humor, irritado por que o ‘juiz’ sempre apanhava, enquanto os irmãos foram ao chão a sua frente trocando socos.

Melanie estava segurando Millie, que parecia chocada demais para palavras, enquanto assistia seu irmão e Tom tentando separar os dois. Tess tinha sentado na calçada para assistir e não parecia de fato assimilar que aquilo era algo ruim; tinha o rosto apoiado nas mãos em expectativa como se assistia a uma luta na TV. Angelinne havia despertado do seu transe e assistia a cena também em espanto.

Eles tinham chamado atenção de alguns funcionários que ainda estavam no bar que ao perceber o que acontecia, ameaçaram chamar a polícia. Felizmente antes que pudessem fazê-lo, os irmãos foram separados.

— Qual é a porra do problema com vocês dois? - Adam berrou, enquanto segurava os braços de Daniel contra as costas. - Eu também levei um soco e não estou contente com isso.

Droga, o soco havia trago de volta sua sobriedade. Quando ele começou a sentir a cabeça latejar, ficou ainda mais furioso por não estar mais bêbado.

— Ele quem começou a me bater! - Daniel respondeu em agitação. - A culpa não é minha se o virgem não sabe se controlar...

A adrenalina quando corre no organismo é algo poderoso e surreal. Só aquilo explicaria o fato de que Ethan conseguiu se soltar do aperto de Tom e socar Daniel no rosto outra vez.

— Mas que inferno! - Thomas exclamou enquanto tentava conter Ethan outra vez. - Pelo amor de Deus, sosseguem!

— Ele quem...

— Daniel, se você não calar a boca nesse instante o próximo a te socar serei eu. - Adam avisou.

Os quatro ficaram em silêncio, tentando recuperar a respiração. Daniel estava com o nariz torto e ensanguentado, assim como seu supercílio. Ethan tinha um corte no canto da boca e cuspia sangue no chão ao seu lado.

— Pode me soltar. - Ele disse.

Thomas hesitou. - Está certo.

Ele soltou Ethan lentamente e estava pronto para segurá-lo de novo quando ele rapidamente se moveu, mas o rapaz apenas andou para o lado contrário sem dizer nada. Millie esperou que ele falasse com ela, mas ele nem ao menos a encarou.

Separando-se de Mel, ela começou a andar atrás dele. - Ethan! - Ele não parou e ele não se virou. Buscando se equilibrar nos seus saltos, acelerou o passo quando ele também o fez. - Ethan, espera! - Ela tropeçou, equilibrou as duas mãos no chão para não cair de cara e então se ergueu. - Mas que merda, Ethan! Espera!

Ele finalmente parou e ela caminhou rapidamente até ele, pondo-se na sua frente quando ele não virou para encará-la. Percebendo o ferimento em sua boca, ela levantou a mão para tocar nele e Ethan afastou o rosto imediatamente.

Ela lentamente abaixou a mão. - Para onde você vai?

— Pra casa.

Ele não estava olhando para ela. Parecia haver algum ponto muito interessante acima do ombro dela por que ele fixava o seu olhar lá.

— Então me deixa ir com você. Já está tarde para você ir sozinho.

Ela percebeu imediatamente que não devia ter dito aquilo.

— Eu acho que posso me virar, obrigado. Ao contrário do que possa parecer, eu não sou uma criança.

Ela suspirou. - Ethan, nós temos que conversar sobre...

— Não precisa, está bem? Não sei o que estava pensando quando comecei com isso. - Ele balançou a cabeça como se não entendesse seu próprio comportamento.

Millie hesitou. – O que quer dizer?

Ele olhou para ela. - Você sabe o que. Desta coisa estúpida que nós... - Ele se forçou a continuar falando mesmo quando viu a expressão em seu rosto. - Millie, olha... Eu não estou te culpando, está bem? Eu sei como as coisas são, independente da minha... inexperiência. Eu sei que você é uma pessoa especial e eu agradeço por você ter tentado fazer isso dar certo... Mas eu não sou para você. E claramente você não é para mim. Chegou a hora de aceitarmos isso.

Quando ela continuou o encarando sem dizer nada, foi ele quem suspirou. – Eu... Gosto muito de você e eu entendo como você pensa. Ainda mais... Por Deus, você é uma modelo. Eu não consigo nem imaginar os caras que conheceu... E eu comparado a eles... Olha, isso não importa. O ponto é que eu gosto muito de você mesmo e eu quero que saiba que quero que continuemos sendo amigos. Talvez eu fique chateado por uma semana ou duas. - Ele voltou a olhar para o ponto acima do ombro dela. - Ou três. Mas em algum momento isso vai passar e vamos poder esquecer isso.

Ela cruzou os braços e baixou a cabeça. - É a segunda vez que fala por mim, Ethan. Eu devo achar que você lê meus pensamentos?

Ele respirou fundo. - Isso não tem a ver com você...

— Exatamente, não tem. - Ela cravou os olhos nos dele. - Tem a ver com você e com o que você pensa de si mesmo.

Ela passou por ele para voltar para onde os outros estavam e Ethan forçou seus pés contra o chão por que eles queriam segui-la.

Ela pausou no caminho, mas não se virou. Eles ficaram de costas um para outro. Ela tentando conter as lágrimas e ele tentando ouvi-la e senti-la o máximo que podia até que ela se esvaísse de vez.

— Sabe de uma coisa? Eu realmente acho que devia se resolver com seu irmão; pode negar o quanto quiser, mas ele exerce uma grande influência em você. - As primeiras lágrimas escorreram e o vento contra seu rosto as secou na mesma hora. - Dan é impulsivo e fala as coisas sem pensar, embora não seja má pessoa. Não é tão surpreendente o que ele fez. Eu só não esperava que você fosse ignorar o que a gente tinha por causa disso. Mas talvez para você fosse só mesmo uma coisa estúpida. - Ela hesitou longamente. - Não, eu não esperava isso de você.

Por mais que ele tenha firmado os pés no chão, ele se virou ainda assim. Virou-se para vê-la se afastar. Ele disse a si mesmo que era melhor assim. Ela ia ficar magoada por um tempo, mas depois ia perceber. Ele não podia dar o que ela precisava e com o tempo, os dois teriam acabado frustrados com isso.

Era melhor assim, para os dois. Ele continuou a repetir isso em sua mente mesmo quando as lágrimas lhe queimaram os olhos. Mesmo quando sem perceber seus lábios involuntariamente murmuram o nome dela. ‘Millie, Millie, Millie’. Ele queria lhe dizer tanto, mas não disse. Ela não se virou, ela não olhou para trás.

O sussurro do nome dela também foi embora com o vento, deixando-o sozinho.

***

O café-da-manhã com Violet no dia seguinte se transformou em uma sessão de conforto à Millie. Tess havia saído cedo para o trabalho, com uma dor de cabeça daquelas, mas não havia deixado de demonstrar sua opinião sobre o comportamento de Ethan: ele era um idiota que merecia um chute no meio das pernas e não merecia as lágrimas dela.

Não que aquilo tivesse mudado alguma coisa. Adam, quando levantou mais tarde, encontrou a modelo embrenhada no sofá encarando a televisão desligada. Abstendo de seu café religioso toda a manhã, primeiramente ele se sentara ao lado dela e a abraçara. Sem dizer nada. Millie aceitara o conforto e o abraçara-o de volta.

Depois que ele tomou seu café, Adam a levou até o apartamento de Violet. A senhora imediatamente começara a comentar que tinha achado que ela não ia mais, mas interrompera seu diálogo ao encarar a neta. 

Adam se despediu das duas, prometeu à Millie que teria uma conversa bem séria com Ethan e que adicionaria mais uma marca no rosto do rapaz por ela. Ele recebera um meio sorriso pela frase, mas fora bastante rápido.

Violet então levara sua neta até seu quarto e lá as duas sentaram uma ao lado da outra na cama. A senhora segurou sua mão, mas não pressionou. Apenas esperou pacientemente até que ela falasse.

— Ele me magoou, vovó.

— Eu sei, meu amor. - Violet assentiu. - Você quer me contar?

Millie balançou a cabeça. - Ainda não.

A modelo deitou a cabeça no colo da avó e só então se permitiu chorar.

Violet afagou seu cabelo. Millie era possivelmente a pessoa mais chorona que conhecia. Nem sempre era uma coisa ruim. Ela chorava de felicidade, de tristeza, de raiva, de angústia, de frustração. Algumas pessoas poderiam julgar irritante, mas Violet sabia que Millie era absurdamente sensível.

Ela confiava demais e se protegia de menos. Esperava demais das pessoas e constantemente sofria as consequências disso. Ela chorava, chorava e então se acalmava. Sua neta sempre fora daquele jeito. Ela não era tão frágil quanto parecia, mas chorar para Millie era como falar, andar. Era necessário.

Millie raramente gritava, raramente xingava ou ficava triste por muito tempo. Ela extravasava tudo o que tinha que colocar para fora com o choro, e aí pronto. A tempestade havia passado.

Muitas pessoas ficavam assustadas e incomodadas com aquilo, mas Violet aprendera a conviver. Ela amava sua neta exatamente como era – extremamente disposta e uma eterna sonhadora. Millie era ingênua muitas vezes, mas Violet não podia desejar que fosse diferente. Tinha orgulho da sua neta por ser como era, Millie não havia perdido o encantamento da infância.

Às vezes ela acordaria cedinho apenas para olhar pela janela e ver o céu clarear. Então ela murmuraria ‘Como as pessoas podem não notar uma manhã tão linda?’ Ou ela passaria por alguém na rua e sorriria, perguntaria para um completo estranho se ele era feliz. Independente da resposta, ela diria ‘Você deveria. Viver é um luxo que muitos desfrutam, mas quase ninguém sabe verdadeiramente apreciá-lo’.

Que poucos a entendessem, que muitos a julgassem. Sua doce Millie, romântica incurável, incansável otimista. Ah, ela queria viver muitos anos ainda... Muitos anos para que pudesse acolhê-la em seus braços e consolá-la enquanto ela chorava. Sim, de tristeza. Violet sabia bem a recompensa que tinha: a expressão de sua neta quando estava feliz fazia um céu nublado se tornar azul.

— Chore, minha menina. Se ele vale suas lágrimas, ele perceberá o que fez e irá se redimir. Se ele não vale, faça da sua dor o seu remédio e se cure.

Millie segurou uma mão dela entre as suas e a levou aos lábios.

Violet sorriu.

Sim, sua menina ficaria bem, independente de qualquer coisa.

***

Ethan sentiu na pele pela primeira vez o que era ser castigado.

Não fazia muita diferença diante das circunstâncias, mas na hora sua mãe não sabia disso. Ele devia ir para o trabalho e voltar para casa imediatamente – o que significava que ele não poderia ir à academia. Não havia propósito naquilo sem Millie, embora ele realmente tivesse começado a gostar.

Não havia propósito em esconder, no entanto, então ele contou a sua mãe a verdade. Se ele tivesse dito que tinha começado a levar a vida como garoto de programa, talvez ela tivesse ficado chocada da mesma forma.

Um mês de castigo. Para ambos.

Dan tinha começado a xingar e a reclamar. Ethan meramente piscou e pediu licença para ir para o quarto. Era seu primeiro castigo e ele nem ao menos se sentira surpreso. Não fazia a menor diferença, ele não tinha mesmo nenhum lugar que quisesse ir.

Seu pai o encarara o tempo inteiro em silêncio, pela primeira vez desde sempre sem saber o que dizer a ele. Ethan sabia que seus pais estavam confusos com o seu comportamento, mas ele não explicou. O que explicaria?

Pensou que Daniel devia ter contado o motivo da briga quando ele foi até a cozinha buscar água e seus pais o encararam de modo diferente. Desculpa por não ter acreditado em você, sua mãe dissera. Ethan sabia que ela se referindo ao dia em que pegara ele e Millie dormindo juntos. Não importa, ele dissera e voltara para o seu quarto.

Sem a água. Havia perdido a sede.

Seu pai perguntara se ele estava bem, Ethan não respondera. Mais tarde naquele domingo Jasper fora até o seu quarto e tentara, sem sucesso, iniciar uma conversa sobre Millie. Ethan não respondera. Jasper entendera que ele queria ficar sozinho e assim ele o fez. Eu estou aqui se quiser conversar, ele dissera.

Ambos sabiam que ele não iria procurar o pai para conversar. O cheiro de Millie não estava mais no travesseiro dele – e ele havia passado horas tentando senti-lo, como se certo de que seu olfato estava o traindo. Não estava. Millie não estava mais na sua vida. Ele tinha que se conformar. Ele tinha a afastado, mais ninguém. Apenas ele.

Só havia uma coisa de que Ethan se arrependia. Ele se arrependia de não ter socado mais seu irmão. Ele havia quebrado o nariz de Dan e cortado seu supercílio. Enquanto observava o curativo perfeito que a emergência do hospital tinha feito naquela madrugada, questionara-se por que não o entortara ainda mais.

Em outro momento, ele poderia ter se assustado com a súbita brutalidade dos seus pensamentos. Não mais. Ele não culpava seu irmão totalmente pelo que aconteceu – era culpa dele, culpa da sua gigante falta de tato com palavras importantes e incrível senso de inferioridade.

Ele havia magoado a Millie, apenas ele. Ethan era inteligente demais para culpar Daniel por aquilo. Ele queria, mas não podia. Ele não se considerava bom o bastante para ela – e ele não era corajoso o suficiente para tentar arriscar e comprovar se aquilo era verdade. E aquilo era mais uma prova de que ela merecia alguém melhor.

— Ethan? - Sua mãe apareceu na porta.

Deitado, Ethan fechou os olhos. Vá embora, pensou. Ele estava ocupado procurando o cheiro dela – uma hora ele ia encontrar, nem que fosse em uma ilusão. Ele não havia trocado a fronha do travesseiro que ela tinha usado, uma hora o cheiro ia voltar.

Sim, ele estava parecendo um depressivo. De certa forma ele era. Durante toda a sua vida, a única coisa que Ethan almejara era Yale. Sua carreira, seus estudos, seu futuro brilhante. Millie era o único desejo não-acadêmico que tivera. Ele era o desejo que o tornara humano – o desejo que o ligara com um mundo de novo.

Agora ele apenas tinha os seus livros. Agora ele apenas tinha o desejo acadêmico de novo. Por causa de Millie, ele havia pensado pela primeira vez no ‘depois’: o que aconteceria depois que ele entrasse em Yale? Ele terminaria a faculdade, com honras é claro, ele estudaria para isso. E depois? Ele arranjaria um emprego maravilhoso e mudaria muita coisa. Talvez não tudo, mas ‘muito’ já era suficiente. E depois? Não havia mais resposta.

Ethan sempre quis estudar e mudar vidas. Ele sonhara e fantasiara sobre aquilo tantas vezes, imaginara os sorrisos das pessoas e as lágrimas em agradecimento quando ele aprovasse e sugerisse projetos que alteraria a existência delas. Mas havia algo que ele nunca tinha pensado: e a vida dele?

Será mesmo que ver a felicidade de todo muito à sua volta era o bastante para que ele fosse feliz? Ele nunca havia se perguntado, mas então surgiu Millie. E a forma como ela olhava para ele fazia algo estranho remexer seu coração. E o sorriso dela... De nada tinha a ver com ninguém. Era o sorriso para ele, apenas para ele. Ethan então descobrira que ser um pouco egoísta não era tão desagradável assim.  Por que mesmo que ela estivesse sorrindo para ele, algumas vezes ela estaria sorrindo por causa dele. E logo era uma situação de mútuo benefício.

Era. Não iria ser mais. E agora novamente só restavam seus livros. Seus livros, por mais que ele verdadeiramente fosse louco por eles, não sorriam. E mesmo que eles sorrissem, eles nunca sorririam como ela.

— Ethan, querido? Você está dormindo?

Seria impossível com você me chamando. - Não.

Alice hesitou, então entrou e fechou a porta. Ela se sentou na ponta da cama ao lado dele, mas seu filho continuou olhando para o teto. A ferida no canto de sua boca estava ainda mais visível, assim como o olho roxo que havia surgido na madrugada.

— Ethan... Seu irmão nos contou o que aconteceu, ele disse que provocou você. Ele contou o que ele disse... - Alice pausou, mas ele não reagiu. - Eu não vou te liberar do castigo por que você continua estando errado, mas eu entendo. Eu não vou tentar te impedir de ir se quiser procurar a Millie.

— Com todo respeito, mãe, se eu decidisse ir procurar a Millie, você não ia me impedir.

Está certo, não era aquilo que ela esperava que ele dissesse. Alice pigarreou. - Parece que eu perdi minha autoridade com você também.

— Não é questão de autoridade. - Ele virou o rosto para encará-la. - Mas eu não poderia obedecer você nisso. Simplesmente não é possível.

Alice o encarou por um momento, com apenas um pensamento em sua mente: eu perdi você, não foi. Ela quis gritar com alguém que era injusto aquilo acontecer sem que a preparassem primeiro. Ela não deveria assimilar a ideia enquanto os filhos iam trocando de namoradas? Por que ela tinha que perdê-lo para a primeira? Ela não estava pronta.

Uma mãe nunca estaria pronta.

— Está bem. - Alice balançou a cabeça e se levantou.

— Mãe? - Ele chamou antes que ela se virasse. - Não se preocupe, eu vou estar melhor amanhã.

Ela sorriu um sorriso que não convenceu nem a ela mesma.

— Eu amo você. - Ele murmurou.

Ela parecia estar precisando ouvir e ele simplesmente não aguentava ver aquela expressão no rosto dela. Ethan sabia que era culpa dele e surpreendendo a si mesmo por conseguir sentir outra coisa no geral, não conseguiu simplesmente ignorar aquilo.

— Eu também amo você, filho. Alice se inclinou e lhe deu um beijo na testa. - Não vá dormir sem comer.

Quando ela deixou o quarto, seu coração estava mais pesado do que estava quando entrara.

***

Millie estava seriamente preocupada com sua glicemia. Ela disse a si mesma que tinha que se controlar, mas quando estava chegando a casa passou na padaria e comprou rosquinhas. Sem aguentar, ela abriu a caixa com antecedência e começou a comê-las enquanto andava para seu apartamento.

Ela estava aliviada pelo dia ter acabado. Não tinha conseguido dormir direito e para completar, tivera que sair antes do dia amanhecer para a agência. Ela estava um caco e tudo o que queria era uma boa noite de sono.

A modelo passou no apartamento de sua avó antes de subir, como sempre fazia, para ver se ela estava bem e se precisava de alguma coisa. Violet negara, mas se oferecera para subir com ela e conversar. Millie sabia por que a avó estava fazendo aquilo e não tentou convencê-la com a rotina ‘eu-estou-bem-melhor-agora’. Ela não estava e, portanto disse a verdade, que estava cansada.

Millie subiu pelas escadas para o seu andar e os seus planos de chegar-tomar-banho-e-deitar foram por água abaixo quando viu a pessoa encostada na soleira da sua porta. Ela respirou fundo, fechando sua caixa quase vazia de rosquinhas.

Ele se desencostou da soleira quando a viu. - Oi, Millie.

— Dan. - Ela o avaliou bem. - Ethan fez um estrago no seu rosto.

Como se ele não tivesse se olhado no espelho, Daniel grunhiu. - Estou consciente disso.

Ele pensou em começar com o corriqueiro como-você-está, mas achou ridículo quando ele podia ver sua resposta.

Ela retirou as chaves da bolsa e começou a destrancar a porta. - Eu pensei que essa hora você estaria ensaiando com a Angel.

— Ela tinha um compromisso. - Ele respondeu. - Ao menos foi isso o que ela falou.

Ele estava muito certo que ela não queria encontrar com ele depois do episódio no sábado. Dan se conteve para não xingar pela décima vez pelo pensamento.

— Entra. - Ela abriu a porta e entrou primeiro. - Eu não tenho nada para te oferecer, eu tinha que ter ido fazer compras ontem, mas...

Ela não completou a frase e ele também não perguntou.

Daniel tinha uma boa ideia do que viria depois do ‘mas’. - Não esquenta.

Millie caminhou até a cozinha e lá depositou a caixa com rosquinhas. Quando ela apareceu de novo na sala, estava tirando o casaco.

— Você quer falar comigo.

Dan enfiou as mãos nos bolsos. - Você parece estar cansada, eu não vou tomar muito o seu tempo. - Quando ela não disse nada, ele pigarreou. - Eu queria pedir desculpa pelo que eu disse no sábado. Eu sei que causei um... problema entre você e o meu irmão.

— Foi um pouco mais do que um problema. Ele terminou comigo.

Obviamente ela não ia tornar aquilo nenhum pouco fácil. Ele suspirou longamente, questionando-se por que as mulheres sempre complicavam tudo.

— Eu sei. Eu sinto muito.

Ela o encarou por um longo tempo e então assentiu. - Está bem, Dan. Não foi a primeira e não será a última vez que você disse alguma besteira. E Ethan fez o que achou que devia, a responsabilidade é dele.

Daniel observou ela se sentar no sofá e cruzar as pernas sobre ele.

— Millie, eu queria te pedir um favor.

— Eu acho que você está abusando da sua sorte.

— Não é para mim. - Ele explicou. - Eu tenho certeza que Ethan vai tentar conversar com você, então... Tenta ser compreensiva? Nós podemos não nos suportar, mas eu o conheço bem. Eu sabia o que dizer para... Irritá-lo, vamos colocar assim. Obviamente eu não esperava que ele fosse quebrar o meu nariz...

— Você mereceu. - Ela declarou sem nenhuma piedade.

— ... Entretanto... - Ele a lançou um olhar. - Levando em conta as circunstâncias, acho que ficamos quites.

Millie brincou com os dedos e então levantou os olhos para encará-lo. - Não vou atrás dele, Dan. Foi você quem começou o assunto, mas foi ele quem me magoou.

— Não estou pedindo que vá. Só pensa nisso, ok? Considera desta forma: como gêmeos, eu sou a consciência ruim do Ethan. Ele pode ter se deixado levar, mas se o conhece como eu, sabe que o anjinho vai acabar vencendo no final.

— Você acabou de fazer um elogio ao seu irmão?

— Claramente não. - Dan disse depressa. Aquela era possivelmente a pergunta mais ridícula que já tinha ouvido. - Estou apontando um fato.

— Hum.

Irritado por que ela estava começando a sorrir, Dan bufou. - Olha, pensa nisso. Eu não estou muito confortável no momento sabendo que você está assim por causa do que eu comecei, então eu quero consertar, ok?

— Está bem. Mas me diga uma coisa: vocês sendo gêmeos e tal, significa por acaso que Ethan é a sua consciência boa?

Daniel sorriu um sorriso que não alcançou seus olhos. - Todos sabem que eu não tenho uma.

Ela não acompanhou seu sorriso como ele esperava, e sim desviou o olhar como se perdida em pensamentos. - Acabo de notar uma semelhança entre você e seu irmão: ambos pensam terrivelmente pouco de si mesmos.

Ao invés de responder, ele se aproximou e a beijou na bochecha. - Eu vou indo para deixar você descansar.

Ele se virou para sair e Millie se deu conta de que em nenhum momento ele havia explicado o porquê de ter feito o que fez.

***

St. Valentine’s Day. Ou popularmente mais conhecido como “Dia dos Namorados”.

Kyra, dona da biblioteca onde Ethan trabalhava, decidiu que o dia estava propício para a data, mesmo que fizesse frio. Ela suspirou um pouquinho, observando o movimento na rua e então se virou para entrar no local outra vez, escutando o sininho característico.

Ela ainda tinha um sorriso no rosto depois de ouvir as novidades da sua amiga de longa data Jennifer. Ela ia até a biblioteca ao menos uma vez por semana e sempre roubava uns bons vinte minutos de Kyra para conversa.

Já estava perto do fim dia e por isso a biblioteca já não estava mais cheia, apenas umas duas ou três pessoas ainda se insinuavam por entre as grandes instantes. Kyra começou a recolher e empilhar os livros que alguns clientes tinham deixado pelas mesas, mas pausou quando viu Ethan do mesmo jeito que estava quando saíra.

Sentado atrás do balcão, de frente ao computador que facilitava bastante o controle de compras e movimento de livros. O rapaz tinha aparecido no dia anterior com um olho roxo e um ferimento na boca, se recusado a explicar o que acontecera e estava amuado daquele jeito desde então. Reservado como sempre fora, dispensara a preocupação dela quando perguntara sobre o problema.

Ela caminhou até lá, debruçou-se sobre o balcão na frente dele e então estalou os dedos diante dos seus olhos quando ele continuara a encarar o nada.

— Sabe... - Ela começou quando finalmente conseguiu sua atenção. - Se eu tivesse a sua idade, por essa hora eu já estaria prontinha para sumir daqui. É dia dos namorados!

Ethan continuou a mexer no computador para não precisar encará-la. - Ainda faltam quinze minutos.

Kyra revirou os olhos. - Claro, por que eu tenho certeza que a chefe vai descontar do seu salário. - Quando ele não respondeu, ela suspirou longamente e apoiou o queixo na mão. - Anda, Ethan. Você devia estar comemorando...

— Não tenho o que comemorar.

Hum, então ali morava a questão. - Problemas no paraíso?

Pela primeira o flash de algo passou pelo olhar dele, mas ele manteve os olhos na tela do computador. - Kyra, você não sabe ser discreta.

— Quem disse que estou tentando ser? Por isso me dou tão bem com sua mãe, garoto. E ela não iria apreciar que você passasse os dias se arrastando em sofrimento por aí.

— Eu não estava... - Ele começou a falar, então suspirou. Ele estava. – Não quero falar nisso.

— Eu sim. - Ela respondeu simplesmente. - Diga-me, querido: quem eu tenho que matar?

Ciente de que ela não ia deixá-lo em paz, Ethan fechou a janela do jogo ‘paciência’ que tinha aberto. Ele se questionou em que tipo de mundo injusto vivia onde ganhara uma mãe e uma chefe enxeridas.

— Ninguém. Fui eu quem estragou tudo. - Ethan retirou seu chaveiro do bolso e começou a brincar com ele, evitando encontrar os olhos de Kyra. - Eu disse... Coisas que não devia ter dito.

— Querido, você é homem. Se dissesse a coisa certa sempre que eu iria me preocupar. - Ela riu quando ele lhe lançou um olhar pouco amigável. - Agora, não se torture tanto. Se você disse algo ruim, hoje é exatamente o dia para consertar.

— Não há conserto. Ela nunca vai me perdoar e eu não mereço perdão.

— Nunca é um tempo longo demais. E pare com essa tolice de que não merece perdão, se a menina tem ao menos um neurônio no cérebro sabe que não vai encontrar um jovem como você em lugar nenhum. - Ela voltou a sorrir quando as pontinhas das orelhas dele coraram. - Anda, vá agir, rapaz. Você pode começar com aquele embrulho gracioso lá dentro da sua mochila.

Ethan levantou os olhos imediatamente. - Você estava mexendo nas minhas coisas?

— Ora, que tom é esse? Ainda sou sua chefe. - Kyra declarou enfática e então checou as unhas distraidamente. - Obviamente eu não estava mexendo. Você que deixou a mochila aberta e então o pacote chamou minha atenção, é claro. E não tire a atenção do assunto em pauta, se você trouxe o presente dentro da sua mochila, estava pensando encontrá-la depois daqui e se de fato isso é verdade, você não está tão desesperançoso como parece.

Ethan desviou o olhar. - Eu já tinha comprado antes de nós... Antes. Eu apenas achei que podia entregar, afinal era para ela. - Ele murmurou nervosamente. - Mas eu liguei... Eu liguei para ela mais cedo e ela não me atendeu.

— Talvez ela não pudesse atender na hora.

— E depois ela desligou o celular.

— Talvez ela estivesse no trabalho.

Ethan balançou a cabeça. - Ela não queria falar comigo. Afinal, ela podia ter ligado de volta mais tarde.

— Foi você quem fez besteira. Você quem tem que ligar até que seu dedo caia. - Kyra disse como se aquilo fosse óbvio.

Ele corou. - Mas eu já tinha ligado. Ela podia ligar quando...

— Não, ela não podia. Garoto, você não entende nada? - Kyra estalou os dedos de novo diante de seu rosto. - Ora, mas vocês jovens acham que tudo tem que ser muito fácil. Na minha época, se um namorado fizesse besteira, eu o deixava esperando uma semana.

Ele arregalou os olhos. - Uma semana inteira? Isso é cruel. Mas Kyra, de qualquer forma, eu não acho que... Eu não acho que eu seja certo para ela. Eu queria apenas entregar o presente.

— Você queria apenas entregar o presente? - Kyra tinha um sorriso no canto da boca. - E posso saber que idiotice é esta de que você não é certo para ela?

Ele encolheu os ombros. - Millie tem vinte e seis anos. - Ele esperou e ela continuou o encarando. - E ela é modelo.

Kyra tamborilou os dedos contra a madeira do balcão. - Ainda estou esperando ouvir o problema.

— Você não vê? Olha para mim! Como isto pode possivelmente dar certo? Eu sou um magricela sem graça e Nerd. Ela é... - Ele procurou uma palavra. - Millie é... Tudo.

Ah, o amor... Kyra pensava. E estes jovens muito bobos para saber o que desperdiçavam.

Ethan estava incrédulo quando a mulher continuou sem dizer nada. - Eu vou te mostrar uma foto dela. Aí você vai entender... - Ele retirou da carteira as duas pequenas fotos que tinham tirado no primeiro encontro deles. - Olha para ela.

Kyra o fez. As duas fotos eram do ombro para cima. Ela viu uma mulher linda sorrindo para a câmera na primeira foto, enquanto Ethan olhava para ela e sorria sem perceber. Na segunda, a mulher, Millie, estava olhando para ele também com um sorriso tão grande que parecia preencher a foto inteira.

— Você viu? Viu o que eu disse? - Ele exigiu em um tom desesperado. - Eu não sou para ela. - Ele indicou a foto outra vez, apontando para Millie. - Ela é perfeita demais... Eu não... Eu nem sei o que fazer...

O que Kyra tinha visto eram duas pessoas visivelmente apaixonadas que ficavam lindas juntas. E de nada tinha a ver com o fato de que combinavam ou não, o que combinavam eram as expressões alegres dos dois.

— Querido... - Ela disse num tom gentil e entregou de volta as fotos.

Ele estava a encarando com uma concentração tão profunda que parecia que a vida dele dependia daquela resposta.

— Você sabe ser tremendamente idiota para alguém tão inteligente.

Ele franziu o cenho, com a expressão murcha. Como se ele não compreendesse sua resposta e aquilo fosse um desastre.

— Ethan, faça-me um favor? Saia imediatamente daqui e vá atrás da sua namorada! Por Deus, ela deve ter uma paciência de Jó para aguentar essa sua insegurança.

— Mas...

— Está vendo isso aqui? - Kyra tirou a foto da mão dele e enfiou debaixo do seu nariz. -  Vê o sorriso dela, rapaz? Se isso não responde sua pergunta, eu não tenho mais nada a declarar.

Ela colocou uma mão na testa como se subitamente cansada, e estava. Como ela queria voltar vinte anos no tempo e aproveitar sua juventude toda outra vez, e aquele bobo desperdiçando a chance. Ethan encarou a foto por um longo tempo, como se fosse a primeira vez que a via, e então ergueu os olhos.

Ele tinha um sorriso nos lábios. - Obrigado, Kyra.

Ela revirou os olhos. - O que você ainda está fazendo aqui? Vá logo atrás dela. Ah, você cansa a minha beleza...

Ele não precisou ouvir uma terceira vez. Imediatamente enfiou as fotos na carteira de volta e pulou da cadeira. Em menos um minuto ele voltou com a mochila nas costas.

— Deseje-me sorte.

— Você não precisa. Eu já disse que se ela não te desculpar, não tem neurônios. E eu não quero uma garota sem neurônios para você. - Ela disse muito certa. - Só me faça uma gentileza? Volte amanhã com o sorriso que tem estado no seu rosto nos últimos tempos. Prefiro você com ele.

Ele mostrou os dentes em uma prévia do mesmo. - Vou tentar.

Ele se virou para sair e então tornou a ficar de frente para ela. Pela primeira vez e para o total choque de Kyra, ele se inclinou e deu um beijo na bochecha dela.

— Até amanhã.

Apenas um minuto depois em que ele atravessara a porta depressa, Kyra tocou a bochecha que ele havia beijado, sentindo um afeto enorme pelo rapaz que tantas vezes se mostrara mais maduro do que ela.

E que já tanto a ajudara na biblioteca, mesmo nas épocas ruins quando ela pensara que teria que fechar as portas. Sim, Kyra tinha certeza que a tal Millie seria louca de não perdoar o seu menino.

Ela sorriu e murmurou mesmo que ele não estivesse mais lá para ouvir. - Boa sorte, Ethan.

### - X— ###

Daniel estava parado em frente ao seu antigo colégio no final da tarde daquela terça-feira. Ele havia pegado o carro de sua mãe emprestado, pois percebeu que estranhamente não estava buscando atenção feminina daquela vez.

Ele conseguiu ainda assim, afinal ele era ele.

Como resultado, quando Angelinne atravessou os portões imediatamente reconheceu o carro. Não pôde enxergá-lo por que ele estava cercado de meninas, mas sabia bem quem era. Dizendo a si mesma que não ligava, ela não perdeu nem um minuto e logo desviou o olhar.

Embora ela não tivesse conseguido o ver, Dan sim tinha conseguido vê-la. Imediatamente ele se afastou das meninas e começou a andar atrás dela.

— Ei, Angel! Espera.

Ela reconheceu a voz dele obviamente e percebendo os olhares curiosos em direção a ela continuou andando para longe rezando para que ele desistisse.

— Angel!

Ela trincou o maxilar e apressou o passo quando a voz dele soou mais perto, mas ele fez o mesmo. Logo estava ao lado dela e então bloqueou seu caminho. A primeira coisa que a chamou atenção foi os curativos no seu nariz e supercílio.

— Angelinne. - Dan a encarou. - Não está me ouvindo te chamar?

— Ocorreu a você que talvez eu estivesse te ignorando?

Ele sorriu o sorriso arrogante que ela dizia detestar. - Não.

Ela suspirou longamente. - O que quer, Dan?

Satisfeito por que ela continuava o chamando pelo apelido, mesmo que ela estivesse irritada com ele pelo episódio de sábado assim como todos, ele ganhou confiança.

— Bem, você sabe que dia é hoje... - Ele começou, mas pausou como se esperando por uma resposta.

— Terça-feira.

— Sim. Mas hoje também é dia dos namorados.

Angel apertou a pasta que segurava contra o peito, mas sua expressão continuou a mesma desinteressada. - E o que eu tenho com isso?

— Bem... Acontece que pessoas normais saem com outras pessoas nesse dia. E eu estava pensando que talvez...

— Não. - Ela interrompeu e então fez menção de continuar andando.

Daniel bloqueou sua passagem outra vez. - Eu ainda nem terminei de falar.

Ela crispou os lábios. - Pode muito bem poupar sua voz. Eu sei o que vai dizer e a resposta é não.

— E ‘não’ por quê?

Oh, tenha a santa paciência. Angelinne conteve a vontade de praguejar e olhou meramente por cima do ombro para constatar o que já imaginava: as pessoas na porta do colégio estavam assistindo a cena como quem assistia a um filme.

— Olha, Daniel. Eu não sei o que deu em você ultimamente e sinceramente não quero saber. Não sei se você fez uma aposta com alguém – o que seria ridiculamente hollywoodiano de você, mas quem sabe -, mas me deixa fora do que quer que seja, ok? Eu não estou interessada.

— Nós somos amigos, não somos? Amigos saem juntos. - Dan justificou.

— Não somos amigos.

— Colegas então. - Ele murmurou entre dentes.

Ele não ia deixá-la em paz, Angel sabia. Seria uma repetição da vez em que ele a obrigara a sair com ele. Ela buscou por alguma desculpa em sua mente.

— Mesmo se eu quisesse ir, o que eu absolutamente não quero, tenho ballet agora. Simplesmente não é possível.

— Eu sei. Mas você sai sete e meia, dá tempo.

— Como sabe que horas eu saio?

— Eu liguei para sua mãe para perguntar.

Traída pelo próprio sangue, Angelinne pensou furiosa. Ora, mas sua mãe ia escutá-la um bom bocado quando ela chegasse...

— E então? Deixe de ser cri-cri, Angel. Não é nada demais.

— Eu já disse que não vou. Por que você não sai com uma das meninas que estavam babando em cima de você? Ou melhor, vá com todas elas e me deixe em paz.

— Mas eu quero você.

Angelinne odiava quando ele dizia aquilo. E como ele olhava para ela quando dizia aquilo. E como seu coração fazia uma dancinha estranha quando ele dizia aquilo.

— Argh. - Ela grunhiu e revirou os olhos. - Eu não sei por que dessa sua cisma estúpida comigo. E você só está me fazendo perder tempo. Eu vou chegar atrasada e você sabe que eu odeio me atrasar.

— Eu vou levar você. Estou de carro, você não viu?

— Não, obrigada.

— Angel, seja prática. Eu não estou fazendo nada agora, o que custa você aceitar uma carona? - E como se o caso já estivesse resolvido, ele colocou uma mão nas suas costas e a girou para o lado contrário. - Assim você chegará às cinco e meia em ponto.

— Argh. - Ela disse outra vez e se afastou dele para evitar muito contato.

Todos ainda estavam encarando quando eles alcançaram o carro. Dan foi rodeado de novo e para evitar observar, Angel entrou e bateu a porta com mais força do que a necessária. Ela tinha razão para estar irritada, afinal.

E de nada tinha a ver com o fato de que tinham meninas quase subindo pelas pernas dele para garantir contato.

Depois de alguns sorrisos e muitas promessas de que voltaria logo, Dan finalmente entrou no carro. Quando eles começaram a andar, ainda havia garotas observando Angel com os olhos cerrados.

— Graças a você, eu serei o assunto do colégio amanhã. Sem contar no número de inimigas que eu ganhei por sua causa.

Ele não parecia nenhum pouco ofendido. - E qual o problema? Deixa que eles falem.

— Claro, por que para você é tudo muito bom. Eu não gosto de ser taxada como mais uma de suas conquistas quando isso não está acontecendo!

— Nós podemos fazer com que seja real então. - Ele sugeriu sem se abalar. - Assim eles apenas estariam falando a verdade.

Angelinne encostou a cabeça no banco e se recusou a responder àquela idiotice. - Estou repensando o acordo de paz que fizemos.

— Ah, é? Bom. Você não está me tratando muito bem mesmo...

— Por que foi uma estupidez o que você fez com seu irmão, esse é o porquê! - Ela exclamou, mesmo que tivesse jurado para si mesma que não iria tocar no assunto. - Ele não tinha feito absolutamente nada, mas parece que você se diverte com o sofrimento dos outros. Confesso que nem eu pensei que você era tão mesquinho assim!

Ele não retrucou o que ela disse e nem a encarou, mas ela podia ver que ele tinha trincado o maxilar. Sua única reação no geral.

Angelinne suavizou a voz. - Por que você fez aquilo, Dan?

— Eu fui pedir desculpas a Millie ontem. - Ele disse ao invés. - Eu sei que eu fiz besteira e eu reconheço isso de vez em quando.

— Você pediu desculpas ao seu irmão?

— Acho que estamos quites, caso você não tenha percebido o curativo no meu nariz.

— Você devia pedir. Foi sobre ele que você falou. Foi um segredo dele que você revelou na frente de...

— Claro que você vai entrar em defesa dele.

— Você quer que eu entre na de quem? Sua? Você quem o humilhou, não o contrário. E Ethan não tinha feito nada...

— Você já disse isso.

— Mas ele não tinha mesmo! - Ela insistiu. - Você faz comentários buscando envergonhá-lo sempre que pode. Talvez seja sua culpa o fato de ele nunca querer sair com a gente.

Quando ele não disse nada, Angelinne cruzou os braços. - Eu não entendo qual o seu problema com ele. Ethan é...

— Se você disser mais uma palavra sobre meu irmão, eu juro que jogo você para fora do carro. - Dan murmurou.

Ela arqueou uma sobrancelha. - Ora. Parece até que você está com ciúme. Não é como se você tivesse algum direito. Você não é nada meu.

— Você já mencionou isso algumas vezes, Angelinne. Eu não esqueci.

Dois minutos depois ele parou o carro e com alguma surpresa, ela olhou pela janela e percebeu que já tinham chegado. Pela primeira vez se questionou como ele sabia onde era, mas não ousou verbalizar seus pensamentos.

Por algum motivo ela estava se sentindo desconfortável. - Então... Obrigada por me trazer.

— De nada.

Ela se perguntava por que não simplesmente abria a porta e saía. Ela não queria saber o que ele estava pensando ou por que ele ficara calado. Não queria mesmo.

— Sobre hoje... Sobre depois...

— Eu já entendi que você não quer, Angel. Não vou mais te incomodar.

Angelinne afirmou para si mesma que não era decepção que estava sentindo. Claro que não. Ela não queria ir mesmo e talvez ela não tivesse esperado que ele fosse desistir, mas absolutamente não era como se estivesse esperando que ele insistisse.

Claro que não.

— Ah. - Ela pigarreou. - Ok. Então... Até.

Ela mal fechou a porta e ele arrancou com o carro. Se por acaso ela observou até que ele sumisse de vista, foi somente por que queria garantir que ele não daria com a cara no poste pela forma brusca como acelerou.

Então suspirou, sacudindo os ombros. Daniel era contraditório e imprevisível, era impossível conseguir compreendê-lo totalmente. Mas havia algo que era tinha compreendido muito bem: desde que ela abrira a boca para mencionar Ethan, ele não havia mais olhado para ela.

***

Alice rapidamente recolheu seu celular quando ele apitou e abriu a nova mensagem. Quando leu o conteúdo, suspirou. Logo Jasper apareceu atrás dela e seus olhos o observaram no espelho diante dos dois.

— Onde ele foi? - Ele questionou.

— ‘Fazer algo importante’. - Alice encolheu os ombros. - Por que Ethan também resolveu aprontar agora? Já não nos basta o Dan?

Jass riu. - Eu não acho que ele tenha ido aprontar.

— Ele está de castigo. Tinha que pedir nossa permissão se tinha que fazer algo importante. Ele sempre pediu mesmo que não fosse algo importante.

— Isso, meu amor, - ele deu um beijo em seu ombro. - foi antes da Millie.

— Não me lembre.

Ele sorriu outra vez e então ficou sério. - Sabe o que há de errado com Dan?

Alice largou o batom que tinha acabado de pegar e pressionou um dedo contra a têmpora. - Ah, não. Dois no mesmo dia? O que houve?

— Eu não sei. Ele chegou da rua e se trancou no quarto.

Ela franziu o cenho. - Ele faz isso todo dia.

— Mas ele estava com uma expressão estranha. Eu não sei, talvez tenha sido impressão.

Alice não acreditava mais naquilo do que ele. - Eu vou falar com ele.

Jass assentiu. - Eu iria, mas... Eu não acho que ele vá falar alguma coisa comigo.

Reconhecendo a expressão no rosto dele, ela segurou seu rosto e o beijou. - É só uma fase, Jass.

Ele assentiu outra vez. Achou que não valia à pena ressaltar que ‘fases’ não duravam quatro anos. Eles já tinham tido aquela discussão um milhão de vezes. E o fato era que se seu filho não se sentia a vontade para conversar com ele, ele quem não estava fazendo um bom trabalho como pai.

— Eu vou falar com ele e então nós vamos, ok? - Ela murmurou e achou que não valia à pena ressaltar que tudo o que ele não estava dizendo estava escrito em seus olhos.

— Está bem. Eu vou esperar na sala.

Alice deu um toquinho na porta do quarto de Dan e a abriu. Ela não se surpreendeu quando o encontrou sentado na cama dedilhando um violão. Ele não ergueu os olhos quando ela entrou.

— Eu e seu pai estamos saindo. Você não sabe por acaso onde seu irmão foi, sabe? Aparentemente ele tinha ‘algo importante’ para fazer.

Reconhecendo o tom, um sorriso surgiu nos lábios de Daniel. - E você está inquieta na própria pele para saber, obviamente.

— Ora, ele está de castigo.

— Uhum. Por que se ele não estivesse você estaria perfeitamente serena e nem um pouco curiosa. - Ele continuou a dedilhar o violão. - Eu não sei onde ele foi, mãe, obviamente. Mas talvez ele tenha ido ver a Millie.

— Talvez. - Ela se aproximou e sentou na cama ao seu lado. Havia uma folha em frente a ele e ela notou que ele estava a lendo. - Música nova?

Daniel ergueu a cabeça outra vez. - Você não está interessada na minha música, mamãe. Por que não pergunta logo o que quer saber?

— Mas é claro que eu estou interessada na sua música. - Alice franziu o cenho e diferente das outras pessoas, não largou o assunto quando seu filho balançou uma mão. - Dan, eu adoro as suas músicas. E eu gostaria que você me mostrasse mais delas e não só quando encho o saco para você o fazer.

— O que seria sempre.

O que era contraditório ao que ele acabara de dizer. Mas Alice não se surpreendeu. Ela olhou nos olhos dele e mais uma vez pensou na frase que simplificava o comportamento de seu filho mais novo: ‘Esconda o horror com humor’. Para algumas ocasiões talvez fosse apropriado, mas não quando ele fazia aquilo para se livrar de todo assunto indesejado.

— Dan...

— Mãe, diga logo o que é. Eu estou ocupado. - Vendo que a piada não tinha funcionado, o que era normal com sua mãe, Dan mudou de tática.

— Por que você sempre faz isso? Ter uma conversa séria não dói tanto quanto você pensa, filho. - Ela continuou por que ele fez o que ela sabia que faria: não respondeu. - Seu pai disse que você estava chateado quando chegou hoje.

Dan fingiu uma expressão de surpresa. - Ele reparou em mim? Nossa, que honra. Só não fale isso para o Ethan, ele pode se sentir rejeitado...

— Não acho graça nenhuma, Dan.

— Nem eu. - Ele concordou e então colocou um sorriso no rosto. - Diga para o papai que ele não precisa perder o sono por minha causa, eu estou muito bem. O filho prodígio é que talvez precise conversar. Fale para ele se preocupar com Ethan para não variar.

— E isso também foi por sua causa. - Ela respondeu. - Se você não tivesse dito o que disse, não estaríamos tendo esse problema com seu irmão.

— Exatamente. Foi minha culpa. Por que você está perdendo tempo aqui, afinal? Não sou quem precisa de ajuda.

Alice passou os braços em volta do corpo. Por Deus, ela não sabia o que ele queria que ela fizesse. Ela simplesmente não sabia. Será que ser mãe significava que você tinha que saber o que fazer sempre? Ela era uma péssima mãe por não ser assim?

— Mamãe, eu estou bem. - Dan murmurou. Ele odiava quando ela assumia aquela expressão, odiava saber que ele quem tinha causado aquilo. - Eu estou sempre bem, você sabe.

— Eu não tenho certeza disso, você sabia? Eu começo a achar que o ponto aqui é que você nunca está bem, filho. - Ela se levantou. - Eu vou deixar você com sua música.

Ela sabia que era a única coisa que o confortava, afinal. Ela estava se virando para sair quando um pacote vermelho a chamou atenção. Havia um embrulho de presente em cima da mesa do computador.

Ela se virou para ele. - Para quem é aquilo?

A expressão dele se fechou. - Ninguém.

Alice pensou um pouco e então... - É para a Angel, não é. Você comprou um presente para ela pelo dia dos namorados.

Ele disse entre dentes. - Você não estava de saída?

Alice estava incrédula. Ela ficou encarando seu filho em um transe até que ele desviou o olhar. Meu Deus. Era aquele o problema. Seus dois filhos... Os dois estavam.... Era demais para ela.

— Você não vai sair hoje? - Ela questionou gentilmente.

— Não. - Ele respondeu em um tom definitivo. - E o assunto não está aberto para discussão.

— Filho, você não quer vir conosco? Nós podemos...

— Não.

Era o cúmulo que ela o convidasse para ir jantar com eles. Como se não fosse um programa para casal. Como se aquilo não fosse simplesmente estúpido.

— Você vai ficar sozinho aqui no dia dos namorados?

— Como se isso me importasse.

E como ela não tinha percebido que ele não queria falar naquilo, Daniel começou a dedilhar mais uma vez. Alto. Eliminando possibilidades de conversa. Alice o observou por um tempo, pensando em se oferecer para ficar com ele, não era como se ela fosse se divertir sabendo que Dan estava daquele jeito.

Mas ele nunca aceitaria. Ela podia quase ouvi-lo, eu já disse que não me importo. Mas ele se importava. Dan nunca havia comprado um presente para uma menina antes. E o fato de que o embrulho ainda estava lá e seu filho de mau humor era por que as coisas não haviam saído como planejadas.

Ah, Dan. Alice pensou na ironia de tudo: ele se importando com a única menina que não dava a mínima para ele. Justiça? Ela não acreditava na palavra se faria seus filhos sofrerem. Ela queria dizer mais, queria abraçá-lo, mas sabia que ele apenas se sentiria envergonhado. Dan era assim.

Sem mais uma palavra, ela saiu.

Daniel continuou tocando mesmo depois que a porta havia fechado atrás de sua mãe, mais um pouco depois que ouviu a porta da frente bater. Ele não se importava. Ele não se importava. Deixou o violão de lado quando errou uma nota pela terceira vez.

Praguejando, pressionou os dedos contra os olhos. Ele sabia que devia haver algo seriamente errado com ele quando tocar não o relaxava. Maldito Ethan. Ele não podia amaldiçoar seus pais, mas eles também tinham a ver com aquilo. Maldita Angelinne. Eles nunca saíam da porra da mente dele. 

Praguejando mais alto, ele tirou sua garrafa de vodca de debaixo da cama.

***

A aula de Angelinne terminou às sete e meia em ponto. Ela não tinha o costume de tomar banho no prédio, mas naquele dia resolveu o fazer. Obviamente que aquilo era uma simples exceção e não por que ela estava querendo ganhar tempo.

Ela tomou seu tempo em se vestir e pentear os cabelos. Checou seu celular e seu coração quase foi à boca quando viu que tinha uma chamada perdida. Ela respirou fundo e tocou na tela. Sua amiga Jennifer havia ligado. Não, ela não ficou decepcionada. Não era como se estivesse esperando ligação de ninguém.

Quando ela saiu do prédio e checou a rua, disse a si mesma que era um hábito natural. Não por que estava procurando algum carro nem nada. Claro que não. E também era perfeitamente natural que ela decidisse ligar para Jennifer enquanto ainda parada em frente ao prédio – estava escuro e ela não queria arriscar ser assaltada se andasse com o celular no ouvido.

Se ela perdeu dez minutos na ligação, que mal tinha? Ela gostava de conversar com sua amiga. E era perfeitamente compreensível que ela tivesse recusado de sair com ela e com mais duas amigas. Solteiras também podem se divertir, Jen sempre dizia e principalmente em St. Valentine’s Day. Mas ela estivera cansada, era normal.

Não é como se ela tivesse esperando que alguém aparecesse do nada e a levasse para algum lugar.

E daí que já eram oito horas? Angelinne queria ligar para uma outra amiga com quem não falava há muito tempo, e sim ela queria ficar quinze minutos com a amiga no telefone. Enquanto ela ainda estava parada em frente ao prédio. Seu pai ficaria bem contente quando recebesse a conta do telefone, mas ela o domaria.

Era quase oito e meia quando Angel suspirou para sua própria idiotice. Ela estava sendo ridícula. Dan não ia aparecer. Ela tinha dito para ele não aparecer, então qual era o problema com ela? Ela também não sabia dizer.

Ela foi caminhando para o metrô, pensando que iria encontrar com suas amigas. Não era como se ela tivesse arrependida, ela só estava se questionando se não teria sido legal sair com ele. Ele era legal quando queria. Mas o que se podia fazer? Ela deu de ombros mentalmente.

Agora já era tarde e não era como se ela fosse ficar chorando pelo leite derramado e já estragado. Ela quem tinha decidido assim e ia aceitar aquilo. Ela ia se divertir um pouco, afinal seus pais iam sair e não era como se ela fosse para uma casa vazia ficar sozinha. Apenas por causa de Daniel. Óbvio que ela não ia fazer aquilo.

Ela não se importava tanto assim. Ela comprou o bilhete do metrô, entrou no vagão e se sentou na janela. Angelinne já sabia que iria para uma casa vazia ficar sozinha.

E sim, era por causa de Dan.

***

Angelinne já estava bem melhor no dia seguinte. Ela havia ficado um pouco chateada no dia anterior, mas já havia passado. Ninguém precisava saber que ela havia se entupido de sorvete até que seu estômago reclamasse.

Ela estava perfeitamente calma quanto tocou a campainha na casa de Dan. Ela estava esperando que ele repetisse o show da última vez por que estava irritado com ela. Podia prever o quanto ela ia falar no ouvido dele quando ele se atrasasse de novo de propósito.

Alice abriu a porta para ela. - Oi, Angel. Entra. 

— Olá.

A casa estava silenciosa e aquilo era um sinal para ela. A menina até começou a preparar a língua. Obviamente que ela não estava esperando que ele fizesse alguma besteira apenas para que ela pudesse reclamar e então aliviar sua consciência pesada.

Ela não tinha que estar se sentindo culpada, afinal. Ela estava com a razão de se chatear pelo que ele fizera com Ethan, não estava? Talvez ela pudesse ter sido um pouco mais suave em vista que ele sempre estava tentando ser gentil com ela, mas agora ela não podia fazer nada.

— Dan ainda não chegou. - Alice disse.

Angelinne estava dividida entre a decepção por que ele ia mesmo fazer aquilo de novo e entre o triunfo por que ela não teria que casualmente comentar que tinha exagerado um pouco. Afinal, que mundo paralelo era aquele onde ela sempre sentia que estava tendo que se desculpar com ele por alguma coisa? Ele era Daniel Cullen, ora essas. Aquilo devia estar muito errado ou ela muito louca.

Ela mal completava o pensamento e a porta se abriu atrás dela. O tal Daniel Cullen apareceu e conteve o suspiro quando viu que ela já estava ali.

— Eu sei, eu me atrasei. Eu sinto muito. Perdi a hora na academia. Eu só vou tomar um banho e já vou subir. Pode ir indo na frente.

Ele disse aquilo em menos de trinta segundos e logo passou por ela como um flash. Angel não teve nem tempo de abrir a boca por que seu cérebro parecia ter congelado na visão de Dan suado, de camiseta, acabando de voltar da academia. Dan. Suado. Camiseta. Bermuda. Bíceps.

De onde aquele pensamento estúpido tinha vindo?

— Angel.

— Aah. - Ela realmente pulou de susto e conteve a vontade de se socar. - O que disse?

Alice parabenizou a si mesma quando manteve com sucesso uma expressão neutra. - Eu disse... Que tenho que sair agora e que Dan passou tão rápido que eu nem pude falar nada. Entrega a ele essa lista de compras? - Ela estendeu um papelzinho em direção à ela.

— Ok.               

Alice deu um pequeno sorriso. – Você é um anjo, pode deixar em qualquer lugar no quarto dele. Obrigada!

***

Angelinne só tinha estado uma vez no quarto de Daniel. E ainda assim, fora apenas quando Adam a trancara lá dentro de brincadeira. No covil do inimigo, ele gargalhara à custa dela. Ela não estivera nenhum pouco confortável na época.

E não estava naquele momento. Ela abriu a porta com cuidado mesmo sabendo que ele estava no chuveiro. E de fato ela podia ouvir a água correr. Seus olhos imediatamente foram para o violão sobre a cama. Aquele era um lugar em que ele com certeza olharia.

Ela atravessou o quarto depressa e colocou a folha em cima do instrumento. Queria sair dali o mais rápido possível. Se seu olhar rondou o quarto por um momento, foi por pura curiosidade. E foi por pura curiosidade que ela se aproximou do embrulho em cima da mesa do computador.

A embalagem era bonita, fora somente por aquilo. E o vermelho convidativo. Havia um cartão. Ela olhou para a porta do banheiro, ouviu a água ainda correndo. Não havia mal nenhum olhar o que estava escrito, havia? Estava certo que era a segunda vez que ela remexia nas coisas dele, mas ele não iria pegá-la desta vez.

E o cartão também era muito bonito.

Ela suspirou um pouquinho. Não faria mal se fosse acidental, correto? Se ela talvez... O dedo de Angelinne esbarrou no papel e ele se abriu. Ali, fora um mero acaso. Ela inclinou a cabeça para ler o que estava escrito.

Se isto não amaciar você, eu jogo a toalha.

Talvez eu até ganhe um sorriso?

 

                                                                           Daniel

Ela teria preferido que ele tivesse escrito um nome, mas deixando todas as pretensões de lado, Angelinne sabia muito bem para quem era o presente. Sabia antes mesmo de ler o cartão. Ela fechou os olhos. E isso por que ela achava que não tinha motivos para se sentir culpada...

Ela se sobressaltou quando ouviu o chuveiro ser fechado. Em desespero, mordeu o lábio e andou o mais depressa que conseguiu na ponta dos pés. Fechou a porta com cuidado atrás dela e subiu as escadas num silêncio absoluto.

Tão meticulosa e nem percebera que deixara o cartão aberto.

***

Naquele dia quem estava tendo problemas para se concentrar era Angelinne. Dan não havia mencionado absolutamente nada sobre o presente. Ele não havia mencionado muita coisa, no geral. Ele não estava exatamente a ignorando, era mais como se não houvesse nada a dizer. Angel achava que aquilo era pior.

Ela tinha errado algumas vezes, mas ele não havia notado. Diferente dos outros dias, ele não estava a observando dançar desta vez e sim mantinha os olhos nas teclas do piano. Ele não levantou os olhos nem uma vez, como se não estivesse interessado.

Por Deus, ele não ia dizer nada?

Ele tinha comprado o presente para ela e não diria nada? Só por causa do desentendimento que tiveram no dia anterior? Ora, mas eles brigavam o tempo todo. Fazia parte de quem eles eram – duas personalidades fortes se transformavam num barril de pólvora explodindo quando juntas.

Está bem que ela tinha exagerado, tinha se deixado levar pelo erro dele ignorando os acertos. Não eram muitos, mas ele realmente tentava acertar com ela. Poxa, ele não daria o presente a ela? Ela estava se corroendo de curiosidade para saber o que era.

Estava quase dando o horário que eles geralmente terminavam. Eles tinham aumentado em meia hora a carga horária por que o Musical estava próximo. Angelinne estava de saco de cheio daquela situação.

Irritada quando errou mais uma vez, e ela detestava errar, Angel parou de dançar. Andou em passos firmes até que estivesse de frente para as costas do piano e apoiou os cotovelos sobre este.

— Quando você pretende me contar sobre o presente?

Lentamente ele ergueu os olhos e parou de tocar. - Para quê contar se você já sabe?

Ela esperava que ele ficasse surpreso, mas ele não demonstrou nada. - Você... Ora, foi um acidente!

Um flash divertido passou rápido pelos olhos dele. - Uhum. E você entrou no meu quarto acidentalmente também?

— Não, eu entrei por que sua mãe pediu para que eu deixasse a...

— Eu vi a lista.

— Exato. Bem, o embrulho me chamou a atenção. Eu não tive culpa. - Ela ergueu o queixo. - Como você sabia que eu estava lá? Eu não fiz barulho.

— Você deixou o cartão aberto. - Ele explicou e ela torceu a boca. - Como sabe que é para você? Não tem nome.

Angel pela primeira vez pensou que poderia mesmo ser para qualquer uma. Só por que parecia ser para ela não significava que era.

— Para quem mais seria? - Ela respondeu sem se abalar.

— Você é terrivelmente pretensiosa.

Quando ele não disse mais nada, ela respirou fundo. - E então?

Daniel balançou a cabeça e se levantou. - Não achei que fosse querer.

Ele saiu antes que ela pudesse dar resposta. Quando voltou, estava com a embalagem vermelha nas mãos. Angelinne fez tudo o que podia para permanecer quieta no lugar até que ele a entregasse.

— Espero que goste.

Ela ergueu os olhos brevemente e viu que ele tinha ido se sentar em frente ao piano outra vez. Como se ele não se importasse com a reação dela. Angel mordeu a língua para não perguntar o que havia de errado com ele. Aquele era o castigo? Ela achava que já estava de bom tamanho.

Não satisfeita, ela depositou a caixa em cima do piano enquanto abria. Ela arriscou uma olhadinha na direção dele, mas ele estava com a partitura da música em sua frente e para variar estava mexendo numa coisinha ali e outra aqui.

Ela se forçou a bloquear o comportamento dele de sua mente e abrir o presente. Ela não sabia por que estava tão ansiosa se o normal seria ela estar desconfiada e, sim, ter recusado qualquer tipo de intimidade como aquela.

Ela desfez o embrulho com todo o cuidado, embora sua vontade fosse rasgar tudo para descobrir logo o que era. A caixa tinha um tom mais suave de vermelho e ela logo puxou a tampa. Ali dentro estava a ursinha de pelúcia bailarina sobre a qual ela tinha babado desde a primeira vez que a vira na loja.

Estivera economizando sua mesada por que o preço era um pouco salgado e não quisera pedir aos seus pais. Angel pegou o objeto como se feito de porcelana: a ursinha estava vestida com o colan e a saia de bailarina, com sapatilhas nos pés e os braços acima da cabeça em uma pose perfeita.

— Como você...

— Sua mãe. - Ele respondeu sem levantar os olhos.

Angelinne já estava encostando o pelo macio contra o rosto quando percebeu que tinha mais coisa dentro da caixa.

Ela deixou a ursinha sobre o piano e espiou dentro da caixa outra vez. Havia dois CDs. Ela pegou o primeiro em que estava escrito na capa ‘Taylor Swift nunca mais!’. Ela sorriu com aquilo e virou para ver a contra capa, onde estavam listadas vinte músicas. Provavelmente preferidas dele.

Angel passou o dedo sobre a última listada: Lucky. Ela duvidava muito que fosse uma das preferidas dele, mas sabia que ele tinha colocado ali por que eles tinham a cantado juntos. O fato de que ele queria dar de presente para ela uma das partes mais importantes da vida dele, a música, já era importante o suficiente.

Mas então ela pegou o segundo CD.

Tinha também uma mensagem na capa. ‘Se você mostrar isso para alguém, serei obrigado a te caçar’. Ela não entendeu bem a mensagem até que olhou a contracapa e viu as músicas.

Angelinne o encarou. - Essas músicas são suas.

— Uhum.

— Você nunca dá suas músicas para ninguém.

Ele não respondeu.

— Você nunca mostra as músicas para ninguém.

— Já ouvi a primeira vez.

— Por que você está dando para mim?

Ele permaneceu calado.

O coração dela estava batendo desconfortavelmente alto. - Dan, por que você está dando as músicas para mim?

— Você já fuxicou todas as letras mesmo. Pode muito bem ouvi-las.

Ela continuou olhando para ele, o CD com doze músicas em suas mãos e sua sanidade perdida. Pelo que ela sabia, Dan havia mostrado para apenas três pessoas em sua vida: sua mãe, seu pai, e Thomas. Ele nunca cantava suas músicas para a família – embora já tivessem quase o torturado para tal.

E mesmo para as três pessoas ele nunca, nunca havia mostrado por livre e espontânea vontade. E sim as músicas que estavam ali foram as músicas cujas letras ela leu, e sim para quem já leu as letras o ‘estrago’ já estaria feito. Mas ainda assim... Ele estaria cantando. Pela primeira vez ela escutaria Dan cantando uma música que ele escrevera.

— Não precisa escutar se não quiser. Eu só pensei que fosse estar curiosa. - Ele murmurou.

E mesmo que ele não tivesse olhado para ela, mesmo que ele tivesse feito o máximo para manter a voz estável, ela percebeu. Aquele timbre um pouco mais grosso que o normal: medo. Daniel Cullen começava a fazer sentido para ela.

— Olha, eu tenho que ir... - Ele se levantou bruscamente. – Acho que o ensaio já acabou por hoje.

Ele caminhou até a porta e grunhiu quando ela continuou parada. - Você tem que ir trocar de roupa, ou planeja ir para casa de colan?

— Por que você me deu as músicas, Dan?

— Deus do Céu! Você travou nesta frase?

Normalmente ela ficaria irritada. Ela podia ver perfeitamente a cena se desenrolando: ela cerrando os olhos para ele, recolhendo sua bolsa do chão e marchando em passos firmes para o banheiro e batendo a porta atrás dela. Tipicamente Dan, ela pensaria. E ele mais uma vez ganharia o privilégio de se esquivar como queria. 

Ela se considerava inteligente, mas se perguntou de repente por que precisou do CD para conseguir enxergá-lo melhor. - Deve ser confortável para você, não é.

Ele cruzou os braços. - O quê?

— Fazer e dizer sempre a coisa errada. - Ela começou a guardar os CDs de volta na caixa. - Quando você erra sempre, ninguém percebe. Apenas descartam como ‘Ah, o Dan é assim mesmo’. Se você começasse a acertar, quando errasse todos iam perceber. Quando se erra sempre, não tem como você decepcionar ninguém, tem Dan?

— Por acaso está praticando algum método de psiquiatria em mim?

Ela riu. - Se alguém está louco aqui sou eu, por que estou começando a entender você. - Ela guardou sua ursinha e então olhou para ele. - É por isso que nunca tentou estudar música, não é? Enquanto você usa como um hobby, ninguém vai dar muita atenção. Mas você sabe que não importa o quão bom seja, vai ter alguém para te dizer que você podia ser melhor, que não é exatamente o que estão procurando...

— Não sei que diabos de ponto você está querendo chegar.

— Você está com medo por que eu estou acertando, não é.

— Eu não tenho medo de nada.

— Eu entendo, Dan, mas há uma falha nisso. Se você nunca tenta por medo de errar, nunca vai acertar também. E então você fica aonde? Num eterno meio termo.

Ele a encarou por um longo tempo e então riu. - Esse foi o ‘obrigado’ mais estranho que eu já ouvi na vida.

Angelinne balançou a cabeça, fechou a caixa. - Obrigada pelo presente, Dan.

— Era só isso que você precisava ter dito.

— Eu não disse nem metade do que precisava. - Angel colocou a caixa debaixo do braço e pegou sua mochila do chão. - Mas então... Nem você.

Quase se esquecendo do embrulho onde estava colado o cartão, Angel pegou de última hora.

Ela se virou para ele de novo. - Será que dá para você me dar uma carona?

***

Dan se recusou a abrir a boca durante todo o caminho. Ela sabia que ele estava fazendo aquilo por que não sabia exatamente como lidar com a situação. Na verdade, ela também não sabia.

Alguma coisa havia mudado no momento em que ela pegou aquele CD em suas mãos. Ela não conseguia ainda colocar o dedo no que era, mas aquele gesto tinha mudado a sua perspectiva.

Já estava mais do que na hora de eles mudarem aquela dancinha que estavam praticando desde o dia em que ele a beijara. Havia mudado algo também naquele dia. O que Angelinne precisava internalizar e descobrir era se queria aumentar o volume ou parar a música de vez.

— Em casa. - Dan anunciou e puxou o freio de mão bruscamente.

Angel ajeitou a bolsa no ombro. - Estou vendo. Quer entrar?

Ele a encarou como se ela estivesse criando mais duas cabeças e então lentamente negou. - Hum... Eu tenho algo para fazer agora.

Ele não tinha. O que ele tinha que fazer era se afastar dela e de sua percepção aguçada o mais rápido possível.

— Ok.

E como se fosse a coisa mais natural do mundo, ela se inclinou e deu um beijo na bochecha dele.

Ele não conseguiu conter seu espanto desta vez. - Mas o que foi isso?

— Só um beijo de agradecimento. Sabe, pelo presente.

— Você... já tinha me agradecido.

— Ah? - E pela primeira vez em todo o tempo que ele a conhecia, Angelinne sorriu um sorriso que poderia ser considerado ‘sexy’. - Bem, eu pego de volta então.

Ela se inclinou outra vez e o beijou no mesmo lugar. Então ela abriu a porta do carro e disse por cima do ombro. - Até mais, Dan.

Daniel ficou ali parado observando-a entrar em casa. Ele tinha esquecido como dirigir. Tinha esquecido como respirar. Como um idiota completo, ele encarou o céu como se esperando encontrar algo diferente nele.

Angelinne havia o beijado. Sim, na bochecha, e daí. Ela havia sorriso para ele, um sorriso sexy e com um toque de malícia no olhar. Talvez ela estivesse apenas brincando com ele, mas e daí. Como o mundo continuava girando normalmente depois daquilo?

Está bem, ele ainda estava alarmado com toda a definição de seu comportamento mais cedo. Ele não havia gostado nenhum pouco de ela ter falado sobre seus pensamentos mais íntimos daquela forma, como se estivesse ali para todos verem. Como se ele tivesse confidenciado a ela.

Mas no momento a única coisa que Dan conseguia pensar era por que não tivera a ideia do CD mais cedo.

Está certo que não havia sido nada fácil para ele fazer aquilo. Assim como, com a proximidade do Musical, ele estava ficando cada vez mais nervoso com a apresentação onde ele cantaria uma música dele pela primeira vez na frente de outra pessoa, muitas pessoas no caso. Entregar aquele CD à Angelinne foi, para ele, equivalente a andar na corda bamba sobre um desfiladeiro.

Mas ele tinha que admitir que tivesse valido à pena.

***

Milla tinha marcado outro “ensaio” naquela sexta-feira. Faltava apenas uma semana para o Musical e dentro do teatro podia-se sentir a energia pulsando em cada um com a expectativa.

Dan chegou dez minutos depois de ter começado e ele entrou de fininho, mas Milla percebeu ainda assim e lhe lançou um olhar. Angelinne estava sentada à primeira fileira e ao perceber a reação de Milla, ela olhou para trás e o viu. Ela sorriu e acenou com a mão.

O coração de Dan despencou para o chão e por lá permaneceu.

Ele estivera achando que o momento há dois atrás tinha sido um desejo ilusoriamente manifestado da parte dele e não havia significado nada. Mas se fosse o caso, ela não teria acenado, não teria sorrido. Angel procurava evitar ao máximo sequer se deixar a notar a presença dele.

Armando-se de coragem, ele caminhou até lá e então percebeu que ela estava sentada ao lado de uma menina. E por acaso ele já havia dormido com ela. Ele hesitou, subitamente desconfortável, mas Angel fez sinal para que ele se sentasse.

Ele o fez o mais silenciosamente possível. - Oi.

— Olá. - Ela saudou de volta e para o seu desespero, indicou a menina ao lado. - Conhece a minha amiga Kris?

Pela primeira vez na história, Daniel Cullen ficou vermelho. - Ah... Eu...

— Pare de brincar com ele, Angel. - Kris disse e trocou um sorriso divertido com Angelinne.

— Ok. - A menina gargalhou e então piscou para ele. - Você está corado, Daniel.

Ele não sabia se estava tão aliviado assim por ela estar debochando ao invés de chateada.

***

Como da outra vez, Daniel insistiu em caminhar com Angel até sua sala. Ela não tentou dissuadi-lo de novo, mas ele percebeu que a atenção que as pessoas davam a eles ainda a deixava desconfortável.

Ela parou em seu armário para pegar um caderno e ele notou que ela retirou um bilhete de lá de dentro. Angelinne correu os olhos por ele por um momento e então respirou fundo.

— O que foi?

Ela ergueu os olhos em surpresa, como se tivesse esquecido que estava ali. - Nada, nada. - Ela disse depressa e então começou a picar o papel. - Apenas uma brincadeira idiota.

Angel jogou o papel picado em uma lixeira e fechou seu armário com força. Força demais.

Dan estava a encarando quando eles continuaram a andar. - Angel...

— Já falei que não é nada. - Ela disse duramente e então suspirou. - Obrigada por vir me trazer. Até depois, Dan.

Ela deu as costas e entrou na sala. Daniel estava muito tentado a entrar atrás dela e exigir que ela lhe contasse a verdade. Ele não sabia o que poderia ter estado escrito no bilhete, mas tinha uma boa ideia do autor.

Ele foi parado três vezes antes de conseguir chegar ao pátio externo do colégio. Pela primeira vez ele desejou ser invisível por que tinha sido um sacrifício ter que ser simpático e sorrir quando ele queria socar alguém.

Alguns rapazes estavam sentados atrás de alguns arbustos num canto afastado do pátio. Além de que estavam evidentemente matando aula, podia-se notar pela fumaça que deviam estar fumando.

Daniel balançou a cabeça para aquilo, pensando que na época dele, as pessoas ainda eram inteligentes o bastante para esconder melhor. Ele ia passando e então notou que Josh Randall estava no meio.

Era o destino agindo, Dan decidiu. E ele não podia simplesmente ignorar uma chance quando ela se jogava em frente a ele em convite. Ele iria tirar aquela história a limpo. Já que ninguém mais se preocupava em contar, ele optaria diretamente por uma das fontes.

Dando meia volta, Daniel começou a caminhar em direção a eles.


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