Someone To Call Mine II escrita por Gabi G


Capítulo 7
Capítulo VII


Notas iniciais do capítulo

E pensar que eu achei que somente revisar capítulos para postar novamente não tomaria tanto tempo e assim se passaram quatro longos meses.

É tão peculiar ler o que escrevi há tanto tempo atrás e tentar adaptar o texto às ideias que tenho hoje ao mesmo tempo que tento não altera-lo demais para evitar trair a pessoa que já fui.

Faz sentido? Às vezes minhas ideias se chocam neste pequeno espaço do crânio.

De todo o modo, à vocês que acompanharam a história há tanto tempo atrás e ressurgiram junto à mim, só queria relembra-las de que são especialíssimas.

Que tenham uma semana linda!

Grande beijo,

Gabi G.



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Tess acordou tarde naquela quarta-feira, perto da hora do almoço. Esfregando os olhos, seguiu até a cozinha e encontrou um bilhete de Millie que dizia que a modelo chegaria tarde naquele dia. Fez café e bebeu duas xícaras.

Depois foi tomar uma ducha para espantar o sono. Ligou para o apartamento de sua avó Violet, convidando-a para subir e almoçar com ela. A senhora afirmou que já subiria e recusou firmemente que Tess descesse para ajudá-la. Eu não sou uma inválida, resmungara bruscamente.

Revirando os olhos para aquilo, a bióloga nem tentou discutir. Foi para a cozinha e decidiu preparar um macarrão com queijo, prato simples que ela e sua avó adoravam. E por estar com fome, queria preparar algo que fosse rápido.

Violet entrou com sua chave e massageou o peito levemente, incomodada com a dor que estava presente desde que acordara. Fechou e trancou a porta outra vez, respirando fundo uma vez para evitar que sua neta percebesse e começasse a se preocupar como gostava de fazer.

Seguindo o cheiro, a senhora se dirigiu para cozinha e encontrou a neta de frente ao fogão.

— Você está fazendo macarrão com queijo. - Violet murmurou como uma prece.

Tess sorriu por cima do ombro e baixou o fogo. Caminhou até a avó e lhe deu um beijo na testa e um abraço. - Sim, mas não precisa lacrimejar. Vai ser rápido. Sente-se, vovó. A senhora quer um chá?

Violet se sentou e arqueou a sobrancelha. - Eu por acaso estou doente? Quero é uma taça de vinho, ora. E não comece a discutir comigo, vinho faz bem para a saúde, se quer saber.

Tess balançou a cabeça e lhe serviu de vinho branco. Violet bebericou e sorriu abertamente, provocando-a.

Logo as duas estavam saboreando o macarrão e o vinho, conversando sobre amenidades. Checando o relógio, Tess logo se lembrou de algo.

— Está na hora de seu remédio, vovó. Onde está?

Violet revirou os olhos e estendeu a sacola que tinha trazido, detestando ter que depender de medicamentos. Tess encheu um copo com água para que ela tomasse com os comprimidos.

— Vai me dar na boca também, menina? Ora. - Violet engoliu o medicamento com mau-humor e Tess não lhe deu atenção.

— A senhora tem que se cuidar. - Tess apontou e retirou da geladeira metade de uma torta de maçã. - Vamos dar um tempinho e então a senhora come um pedaço. Viu como eu sou boazinha?

Violet crispou os lábios. - Quase Madre Teresa. - E então balançou a cabeça. - Vamos, meu amor... Conte-me como está sua vida.

A bióloga sorriu. - Eu estou super ocupada com o zoológico. Vovó, a senhora ainda foi até lá, não é? Eu vou tirar um dia para te levar. A senhora vai adorar tudo. As crianças, os animais, o pessoal de lá também é bem legal... Mas isso tudo a senhora já sabe. Teve um menino essa semana que...

Tess foi relatando e relatando eventos do zoológico, enquanto Violet ouvia tudo e aproveitava para tirar um pedacinho da torta antes da hora indicada.

— Isso é tudo ótimo, querida. Estou contente que esteja satisfeita com seu trabalho, mas e você?

— Ora, mas eu estou tagarelando aqui há meia hora...

— Sobre o seu emprego, não sua vida. - Violet corrigiu gentilmente, sentindo uma pontadinha no coração quando Tess a encarou em confusão, como se não enxergasse a diferença. Buscou a mão da neta por cima da mesa. - Eu estou sabendo de um certo rapaz que tem aparecido bastante por aqui...

A expressão de Tess se tornou mais cautelosa e repentinamente, começou a recolher os talheres e pratos de cima da mesa e levar até a pia. - Adam está bem, eu acho. Ele não vem aqui tanto assim.

— Ah, não? Engraçado. Ele tem aparecido bastante lá em casa. - Violet comentou sarcasticamente e esperou, mas a neta não respondeu. - Vocês já estão dormindo juntos?

— Vovó. - Mesmo de costas lavando a louça, Violet sabia que a neta estava vermelha.

— Estão ou não estão?

— Olha, esse assunto é totalmente inapropriado...

— Inapropriado por quê? Quando você perdeu a virgindade, quem você procurou primeiro? Quando você decidiu que queria ir para a Austrália, a quem você pediu conselhos primeiro? Fui tudo eu, garotinha. Qual o problema agora?

Tess suspirou, duas vezes, antes de se virar. - Minha relação com Adam é um pouco complicada. Eu não planejei e as coisas estão um pouco... intensas demais.

Violet sorriu. - Então parece que é certo dessa vez. Ninguém antes te preocupou.

— Pelo amor de Deus, eu não estou planejando que seja certo ou errado, vovó. Ele só tem vinte anos, lembra? E eu não quero compromisso sério. Estamos apenas... nos divertindo. - Ela pausou e continuou falando. - Ele está sempre ligando, sempre ali... Às vezes ele diz ‘Eu só queria ouvir sua voz’. Imagina isso. E não, eu não dormi com ele. Eu tenho que colocar minha cabeça no lugar primeiro por que eu nunca consigo fazer ou dizer o que eu realmente tinha decidido quando estou com ele. E eu estou irritada por que ele já tinha que ter me ligado, ele sempre liga essa hora... Para nada em especial, só para dizer uma palavra ou duas. E ele não ligou. E eu estou nervosa. Isso é horrível. Adam fica - Tess afundou um dedo em sua têmpora. - bagunçando meus pensamentos. Eu não gosto disso.

— Hum.

Tess cerrou os olhos. - O que esse ‘hum’ quer dizer?

— Ora, nada. Tem que dizer alguma coisa?

— A senhora está doidinha para dar uma opinião que eu sei.

— Ok, pois bem. O que eu acho é que você está com medo, meu amor, por que está começando a perceber que nem tudo na vida pode ser planejado. Arrisco dizer que as melhores coisas da vida acontecem sem nós estarmos esperando. Você está desperdiçando tempo com toda essa besteira... Homem bom bagunça seus pensamentos, importa-se com você e faz você questionar a si mesma, Tess. E é difícil que encontrar alguém que faça os três. Neta minha não é idiota de desperdiçar oportunidades. - Violet lhe lançou um olhar firme. - Ou é?

— Não. - Tess disse e então foi até ela e se ajoelhou, passando os braços por seu quadril e deitou a cabeça em seu colo. No mesmo instante, Violet passou os dedos pelo cabelo da bióloga. - É tão estranho. Eu nunca quis ninguém assim antes. E ele é só um menino.

— Não acho que seja o caso. Eu nunca vi você se interessar por meninos antes, mesmo quando era uma. Metade dos meus cabelos brancos cresceu quanto você começou a aparecer com aqueles caras um milhão de anos mais velhos que você. - Violet sentiu um arrepio ao se lembrar e fez a neta gargalhar. - De repente o destino está tentando equilibrar as coisas.

Tess contradisse. - Eu não acredito em destino, vovó.

Violet suspirou. - Então você ainda tem muito a aprender, minha menina.

***

Após todo aquele papo contra a vontade de Tess, neta e avó foram dar uma volta no shopping. Tess passou um ótimo fim de tarde gargalhando dos comentários de Violet e quando percebeu que a avó estava começando a se cansar, sugeriu que voltassem para casa. A senhora não discutiu, preocupando Tess.

A bióloga ainda permaneceu um tempo com a avó para se certificar de que estava mesmo bem, então deu a ela mais um de seus remédios diários e convenceu-a a ir se deitar um pouco. Apenas seguiu para o próprio apartamento quando Violet estava adormecida.

Tomou outro banho, assistiu a um filme qualquer e fingiu que não estava inquieta. Será que ele não ia ligar? Seria ridículo se ela fizesse o mesmo que reclamava que ele fazia e ligasse por motivo nenhum. Afinal, sempre julgara como bobas as pessoas que faziam aquilo. Bem, mas se ela tivesse um motivo, não seria bobo.

E ela não estava planejando passar a noite inteira presa em seu apartamento.

Decidida, pegou o telefone e discou para seu celular.

Adam atendeu rindo. - Alô.

Seu instinto logo detectou algo. - Adam, sou eu.

Ah, oi Tess. - Ele riu mais um pouco e disse algo para alguém. Voltou a falar com ela. - Não tinha visto que era você.

Tess crispou os lábios. - Você está ocupado?

O que ela queria mesmo era dizer Com quem você está, seu cachorro.

Eu estou voltando da faculdade com a Lola.

Lola. É claro que seria ela.

Tess respirou fundo quatro vezes tentando se manter calma e não xingá-lo. - Hum.

Adam, que conhecia bem demais a peça, sorriu do outro lado da linha. - Você ligou só para perguntar se eu estava ocupado?

Eu liguei para dizer que você é um safado, galinha, mentiroso e para você se explodir junto com sua amiguinha Lola que não desgruda de você.

Isso foi o que Tess pensou, não o que disse. Deus, ela precisava fazer alguma coisa com aquele ciúme dela. Estava ficando impossível.

— Não, na verdade eu esqueci o que era. Se eu lembrar, ligo para você. - Ela murmurou já quase desligando.

— Tess. - Adam disse em um tom sério, mas a gargalhada escapou. - Depois você não quer que eu implique com seu ciúme.

Ela permaneceu calada por um tempo, e então disse agressivamente. - Nada disso seria necessário se toda vez que eu ligasse para você não a ouvisse fungando seu cangote.

A gargalhada foi múltipla. Tess quase berrou. - Você colocou no viva-voz?

Não, você quem está gritando sem necessidade. Até a senhora do outro lado da rua está me olhando assustada.

Mais gargalhadas.

— Adam, vai se ferrar. - Tess reclamou, sentindo-se três vezes estúpida. - Eu vou desligar.

Ela esperou e ele também.

Adam então disse. - Ok, então desliga.

— Não! Eu quero que você venha aqui ou eu vou achar outra pessoa para sair comigo. Alguém com muitos músculos e uma bela bunda, a qual eu vou checar para ter certeza. - Tess ameaçou.

Adam balançou a cabeça. - Eu vou passar em casa para tomar um banho, deixar a Lola no apartamento dela... - Ele foi interrompido quando Tess grunhiu. - Ok, Lola vai para casa sozinha e depois estou indo aí, ok?

 - Rápido! - Tess desligou com raiva.

E então se arrependeu de ter ligado primeiramente e passou as mãos no rosto. Ela estava se comportando como uma namorada obcecada e insegura. Como se ela precisasse dele. O que, claramente, não era verdade. Tess não precisava de homem nenhum, ela era muito independente, obrigada.

Sentindo-se ainda mais idiota, ela se levantou e foi trocar de roupa, matutando a melhor maneira de puni-lo.

Pela hora que Adam chegou a casa dela, Tess estava realmente vestida como um castigo. Mas o propósito havia sido perdido. Ela estava arrependida de toda a situação.

Abriu a porta e a reação de Adam foi exatamente a qual ela esperava enquanto ele passava os olhos pelo vestido vermelho colado.

Ele pigarreou. - Alguma ocasião especial?

Surpreendendo a ambos, Tess repentinamente enlaçou os braços pelo pescoço dele. - Desculpe pela reação exagerada. Você está chateado comigo?

Adam sorriu. - Não exatamente. Mas se você quiser me compensar, eu posso fingir que estou.

Tess riu e então colou os lábios nos dele, suspirando um pouquinho. Ela tinha que agradecer que ele tinha uma paciência incrível para suportar os seus humores instáveis e suas grosserias.

— Eu sinto muito. Sei que às vezes trato você da pior maneira possível.

Ele colocou as mãos no quadril dela e a puxou para si. - Hum-hum. Você faz exatamente isso. Definitivamente eu mereço uma recompensa pela minha natureza compreensiva.

Tess o encarou nos olhos e mordeu seu lábio inferior. – Talvez - Mordeu então seu nariz levemente. - eu considere - E então seu queixo. - a possibilidade.

O flash de desejo surgiu nos olhos dele como sempre e depositando uma mão em sua nuca, Adam grudou a boca na sua firmemente, invadindo-a com sua língua.

Quando notou que ele estava a guiando para dentro do apartamento, Tess se separou e sorriu, ignorando a expressão frustrada do futuro médico. - Vamos.

Adam suspirou. - Não tem jeito, não é.

Tess ignorou aquilo, recolheu sua bolsa e então trancou a porta. Percebeu que ele estava a encarando com a expressão que assumia algumas vezes: como se estivesse encarando um presente de natal que queria muito e não podia ter.

Eles foram a um restaurante ali perto, que tinha música ao vivo. E mesmo que o trajeto tenha durado uns dez minutos no máximo, ele estava suando em exaustão por tentar controlar a si mesmo perto de Tess e daquele vestido.  

Ele tinha se arrependido de não ter levado um babador.

Ela estava sorrindo inocentemente como se não soubesse o que estava fazendo com ele, mas ficava roçando seu salto alto contra sua perna por debaixo da mesa. Adam se perguntava se era uma boa ideia puxá-la para cima da mesa e montar nela com todos assistindo. Ele achava que talvez não.

Não que todas as partes de seu corpo concordassem, no entanto.

Tess insistiu que eles fizessem logo seus pedidos e assim o fizeram. Ela passou o jantar inteiro o provocando, sorrindo e roçando a perna na dele. Adam estava literalmente querendo esganá-la, ou, lhe mostrar o que tudo aquilo estava fazendo com ele. Grunhiu baixinho e como se tivesse ouvindo seus pensamentos, Tess murmurou.

— Vamos?

Ele assentiu, ansioso para se afastar de toda aquela tentação. Eles dividiram o valor da conta, com a insistência de Tess, e deixaram o restaurante. Ele ofereceu a ela seu casaco ao perceber que tinha esfriado, mas a bióloga recusou. Ao invés disso, abraçou-o e foi andando assim com ele, fazendo com que o casaco esquentasse os dois.

Ela estava calada ao chegar à entrada do prédio e a rua deste estava um tanto mais silenciosa, pois já passavam das dez. Adam queria perguntar qual era o problema, mas Tess logo se desvencilhou dele e buscou sua chave na bolsa. Como na primeira vez que ele a deixara em casa, Tess ficou brincando com as chaves nas mãos enquanto encarava o chão.

Dessa vez, no entanto, ele sabia que ela queria dizer algo. E era muito raro ver Tess hesitando em fazer alguma coisa, por que era sempre muito segura de tudo. Tocou o braço dela, fazendo a bióloga encontrar seus olhos. Adam se surpreendeu ao perceber que ela estava nervosa. Tess nunca ficava nervosa.

— Qual o problema? - Adam perguntou de forma cautelosa, detestando a dúvida que surgiu em sua mente de que talvez aquele comportamento dela fosse por que ela iria acabar com tudo.

— Nenhum. Eu só... - Ela começou, pausou. Então encontrou seus olhos outra vez. - Você quer subir?

Adam apenas a encarou. Estava acontecendo. O nervosismo, a provocação, a pergunta. Por Deus, ele estava esperando parecia fazer quatro anos e finalmente estava acontecendo. A questão era simples, mas o significado era claro. Geralmente quando eles chegavam ao apartamento dela, Tess abria a porta e saía do caminho para que ele entrasse também. Descomplicado e fácil. Nada de diferente.

Mas dessa vez ela estava perguntando, e ela estava nervosa. O barulho das chaves se retorcendo entre os dedos dela ainda era audível. Adam sentia como se estivesse esperando por aquele momento por toda a sua vida.

— Quero.

Ela soltou uma lufada de ar e assentiu. - Ok. Hã... - Ela se virou depressa e demorou três minutos até conseguir enfiar a chave no lugar certo por que suas mãos estavam tremendo.

Adam não fez nenhuma piada a respeito daquilo, por que não era o momento e por que sabia que ela não estava tranquila. Sinceramente, ele também não estava. A realidade do que estava acontecendo lentamente estava lhe clareando a mente e ele sentiu a própria pontada no estômago.

Os dois subiram em silêncio, cada um com seus pensamentos, e quando abriu a porta, Tess torceu para que a irmã ainda não tivesse chegado. Ela não tinha. Provavelmente estava com Ethan aquela hora. Trancou a porta depois que Adam entrou, sentindo como se ele estivesse entrando ali pela primeira vez.

Largou a bolsa em cima da mesa e engoliu em seco quando percebeu que ele estava parado, encarando-a. Como se estivesse esperando o grito de largada para avançar.

— Hã... Você quer alguma coisa?

O que tinha acontecido com a voz dela? Parecia mais baixa, mais rouca, mais frágil... Tess não tinha certeza se gostava da mudança.

De repente, para ela, Adam parecia mais alto, mais intimidador, mais velho. Mais... Tentador. - Sim.

Ela umedeceu os lábios secos e os olhos dele acompanharam o movimento. Meu Deus, ela não conseguia respirar. O oxigênio dentro daquele apartamento tinha sido sugado com toda aquela tensão.

Ela suspirou as palavras. - O quê?

Adam a encarou. - Vem aqui, Tess.

O coração de Tess martelou forte, quase lhe causando uma dor física enquanto ela dava os passos em direção a ele. Ela ficou parada, estática, enquanto ele corria um único dedo por sua bochecha, maxilar e boca. Por fim, olhando nos olhos dela, ergueu seu queixo e encostou os lábios nos seus. Suavemente.

Qualquer medo, dúvida, nervosismo desapareceu.

Tess gemeu longamente enquanto se enrolava nele, sentindo os braços em volta de si em resposta. O beijo se intensificou. Tudo se intensificou. Eles não podiam esperar. Tess forçou o casaco para fora do corpo dele e logo livre da peça, Adam puxou para baixo as alças de seu vestido e encontrou pele.

Com um grunhido, capturou os seios em suas mãos como se sempre tivessem sido sua propriedade. Tess arqueou contra ele, separando seus lábios, puxando o máximo de ar que conseguia pelos lábios entreabertos. Não querendo interromper a sensação dos dedos dele brincando com seus mamilos, ela levou as mãos até o cós de sua calça jeans.

Abriu, desceu o zíper e...

Outro som escapou da garganta dele. - Quarto.

Ele levantou seu vestido até a cintura, espalmou a bunda dela com as duas mãos e a levantou. Tess enlaçou as longas pernas no quadril dele enquanto eles faziam o caminho pelo corredor. Pararam no meio do caminho por que Tess, impacientemente, queria arrancar a camisa dele.

Adam levantou os braços para facilitar e quando as mãos estavam livres novamente, retornou com elas para o corpo da mulher. Era demais, demais. Tess estava sentindo demais. Cada poro de seu corpo parecia estar vivo e em chamas.

Cravou as unhas nos ombros dele enquanto seus lábios se encontravam de novo, ele a jogou contra a parede e a cobriu com seu corpo, enquanto enfiava a mão por debaixo de seu vestido... Dentro da calcinha.

Adaaam!

— Aqui ainda... não é o quarto... - Ele murmurou e tentou continuar andando, mas Tess se pressionou contra ele exigindo mais.

Ela arrancou as costas dele e foi descendo até encontrar sua bunda, Tess apertou o forçando mais contra ela na parede. Adam grunhiu outra vez, o som ecoando bem ao lado do ouvido dela, enquanto enfiava dois dedos dentro do seu calor.

Tess se sacudiu, mordeu os lábios com força e tentou se controlar. - Quarto...

Eles tropeçaram mais um pouco pelo corredor, principalmente por que Tess havia abaixo a calça dele que agora batia em suas coxas. Eles finalmente alcançaram a porta e Tess quase cantou o coro de aleluia. Adam a puxou para dentro, fechou a porta e a jogou contra ela.

— Minha carteira... - Ele murmurou e tentou tatear a calça, Tess o impediu e colocou as mãos dele nela novamente.

— Não. Pílula. - Ela murmurou e assistiu com gosto as pupilas dele dilatarem.

— Tess, eu amo você...

Excitada demais para se preocupar, ela gargalhou alto e puxou pelas pernas a própria calcinha. Forçou-se a não se concentrar nos chupões que ele dava em seu pescoço enquanto também puxava a boxer dele.

— Cama. - Ela disse.

— Longe demais. Tem que ser agora.

Adam a segurou pela bunda novamente e ela enlaçou as pernas no quadril dele outra vez.

Quando ele a penetrou em um só movimento, Tess jogou a cabeça contra a porta e nem ao menos sentiu a dor. Nada, nada, nada havia sido tão bom. Ela enfiou as mãos nos cabelos dele enquanto Adam afundava o rosto em seu pescoço. Tess estava ciente de que coisas desconexas estavam saindo em gritos dos seus lábios, do barulho da respiração dos dois e do ruído que a porta estava fazendo.

Sentiu levemente uma dorzinha quando ele mordeu seu ombro com força e sorriu com aquilo. Ela estava em êxtase, mais alta do que se estivesse drogada e não queria mais retornar à sanidade. Ela apertou mais as pernas contra ele para que pudesse o sentir mais fundo e ao apelo mudo, Adam atendeu.

Segurou com mais força o seu quadril e a ergueu ainda mais na porta, forçando-se mais rápido e mais forte para dentro do corpo dela. Ele estava sentindo literalmente a tênue linha civilizada em seu cérebro quase se rompendo cada vez que ele estocava. Adam podia escutar a fricção entre os seus corpos, ele quase podia sentir em seus lábios com o aroma por todo o quarto... Ele queria se fundir a ela. Nada parecia ser o suficiente.

Ela sentiu quando a onda começou a se formar dentro de seu corpo, sentiu primeiro em seu estômago a diferença... Seus mamilos endureceram ainda mais... A pressão em sua virilha... Ela começou a murmurar e Adam percebendo que estava perto, começou a estimulá-la com um dedo. Tess explodiu como um vulcão e sentiu praticamente as lavas escorrendo dentro de suas veias. Uma vez, duas, três. As erupções não pareciam ter fim.

Ela respirou fundo, um som completamente satisfeito. Ela passou as mãos pelos ombros agora suados, escutou a respiração descompassada dele em seu ouvido. Ele estava a pressionando contra a porta que ela se perguntava como ela simplesmente não atravessava a madeira. Mesmo depois de alguns orgasmos, ela ainda podia sentir. E muito.

Ele prendeu a pele do pescoço dela entre os dentes e sugou enquanto se liberava dentro dela, a sensação tão maravilhosa que chegava a ser dolorosa. Se aquilo fizesse algum sentido. Ele continuou se movendo, mais lentamente, até que os espasmos diminuíssem e cessassem.

Eles permaneceram naquela posição por alguns minutos, abraçados, enlaçados. As respirações se estabilizando depois do que parecia ter sido uma atividade de turismo de aventura. Talvez tivesse sido. Os dois estavam suados, exaustos e completamente satisfeitos.

Adam deu um beijo no pescoço dela quando calmo novamente e encarou os olhos dela, que estavam entreabertos de uma maneira preguiçosa. Sorriu abertamente. - Oi.

Ela sorriu de volta. - Oi. - Passou as mãos pelo cabelo dele e sentiu uma enorme vontade de se espreguiçar. Suspirou longamente ao invés. - Por que nós nunca fizemos isso antes?

Adam gargalhou alto e a puxou para se desencostar da porta, percebeu que não podia andar com as roupas enroladas nos tornozelos. - Eu tenho certeza que não fui o empaca.

— Eu sei. Eu fui. Mas isso nunca mais vai acontecer. - Ela disse e sem disposição para andar, continuou com as pernas ao redor dele mantendo-o dentro dela. Fechou os olhos manhosamente. - Dorme comigo?

O sorriso dele era enorme. - Eu faço o sacrifício.

Ela lhe deu um singelo beijo nos lábios enquanto ele a colocava no chão. – Banho primeiro.

— Vou ligar para casa.

Quando ele começou a tatear a calça pelo celular, Tess arrancou o vestido pelo cabelo, jogou em cima dele, e gloriosamente nua começou a seguir para o banheiro, sorrindo para Adam por cima do ombro. – Rápido ou começarei o segundo round sem você.

Adam jogou o celular longe e decidiu que a ligação poderia esperar.

***

Foi ele quem acordou primeiro e observando que o dia já estava claro pela janela, notou que já devia estar atrasado. Um minuto depois o despertador de seu celular tocou e ele praguejou. Detestava quando aquilo acontecia. Desligou o alarme e sentiu Tess se mexendo em seus braços.

— Que barulho horroroso é esse?— Ela murmurou baixinho, sem abrir os olhos e se enlaçou ainda mais nele.

Ele beijou sua testa, sua bochecha, sua boca. - Eu tenho que ir.

— Não. - Ela disse simplesmente.

Adam riu. - Eu tenho que passar em casa, Sereia. E depois ir para a faculdade. - Ele passou a mão pela clavícula de Tess, fazendo-a arquear e sorrir. - Eu te ligo mais tarde.

Tess abriu os olhos e fez um bico. - Não, fica comigo. Vamos ignorar o mundo hoje. - Como se para reafirmar o que dissera, passou os braços pelo pescoço dele e distribuiu beijos por seu rosto. Seu quadril se moveu contra o dele. - Hein? Hein?

— Isso é jogo sujo. Adam disse, sentindo o corpo responder. - Anda, Tess. Seja boazinha.

— Ok. Eu também tenho que levantar. Toma um banho comigo, então? - Ela sorriu inocentemente.

Sabendo bem onde banhos com ela terminavam, Adam balançou a cabeça e rendido, pegou Tess em seu colo. - Definitivamente você é minha perdição.

**

Millie já estava de pé e alimentando o vício que compartilhava com a irmã com uma xícara de café na mão. Assistia ao noticiário na TV quando escutou risadinhas e sons de beijo no corredor. Ela sorriu um pouquinho, balançando a cabeça. Ergueu os olhos quando a irmã apareceu agarrada com um Adam sem camisa.

Apenas após um longo beijo desentupidor de pia eles se soltaram e repararam Millie. Adam sorriu abertamente e Tess fez o mesmo.

Sua irmã, Millie notou com alguma surpresa, estava brilhando. Ela sentiu, mesmo sabendo ser injusto com Ethan, uma pontinha de inveja daquela intimidade. - Bom dia, casal.

— Bom dia. - Eles disseram juntos.

— Café. Estou sentindo o cheiro... - Adam murmurou.

A modelo sorriu. - À vontade, eu acabei de fazer. Ah, e Adam, sua camisa e seu casaco. - Ela apontou para as peças de roupa dobradas ao seu lado no sofá. - Eles estavam pelo meu caminho ontem quando eu cheguei.

Eles sorriram sorrisos de quem estivera aprontando e muito na noite anterior. Então Adam disse. - Obrigado.

Tess segurou a mão dele para puxá-lo, mas Adam respondeu agarrando-a pela cintura enquanto cravava os dentes no pescoço dela. A bióloga ainda gargalhava quando eles sumiram pela entrada da cozinha.

A modelo suspirou um pouco, perdida em pensamentos que de nada tinham a ver com o acidente de carro que era transmitido no noticiário, e então se levantou quando Tess a chamou para tomar café com os dois.

Algum tempo mais tarde, Adam finalmente deixava o apartamento de Tess para ir à aula. A bióloga assistiu em acompanhá-lo até a porta e ela só retornou à cozinha dez minutos depois, com os lábios inchados e a roupa amassada.

— Ele já foi. - Tess afirmou com um suspiro, sentando-se em uma cadeira.

Millie assistiu enquanto a irmã apoiava um cotovelo sobre a mesa e o queixo sobre a mão. Completamente alienada do mundo.

— Hum, Tess?

Distraidamente enquanto olhava para o teto e relembrava a noite que tivera, Tess respondeu. - Sim?

— Você não tem que ir trabalhar?

— O quê? - Tess sorriu ainda distraída e encarou a irmã. De repente seus olhos ganharam de novo seu foco e ela pulou da cadeira, com uma expressão de horror no rosto. - Ah meu Deus, eu estou atrasada! Merda, merda, merda.

***

Adam estava sorrindo mais do que nunca ao chegar à faculdade. Ele não estava carregando absolutamente nada com ele e não se importava. Quando entrou na sala e se sentou em lugar costumeiro, dando um alto e sonoro ‘bom dia’ a todos os presentes, seu amigo Brian arqueou a sobrancelha para sua expressão relaxada e sorriso de pastel.

— Você está com um sorriso mais largo do que de um palhaço hoje.

Adam riu. - Deve ser por que eu tenho motivo.

Brian deu de ombros. - Bom, eu não. E já que você está tão de boa e tudo mais, deve estar tinindo para a prova. Então é bom você passar informação para as almas perdidas como eu...

— Mas que prova?

— Como que prova? De PPG. Toda a galera estava desconfiada de que teria uma prova surpresa hoje e a notícia vazou, não lembra que eu falei? Eu te disse que se soubesse de algo, te daria um alô. Mandei uma mensagem para o seu celular ontem, cara.

— Eu esqueci de olhar. - Adam praguejou em sua mente, pensando que provavelmente quando seu amigo mandou a mensagem ele deveria estar ocupado demais dentro de Tess para se lembrar de algo. Passou uma mão na cabeça. - Merda.

O professor de Processos Patológicos Gerais, em especial, era um filho da mãe de mal com a vida que parecia se divertir ao ver os outros sofrendo como ele. Mano, Adam estava tão ferrado.

Mas ainda assim, não conseguia se arrepender ao pensar no por que do seu esquecimento.

***

Tess não estava tão conformada assim com sua irresponsabilidade quando chegou atrasada ao trabalho. Chris a surpreendeu com um abraço apertado ao vê-la.

Não acostumada com tantos contatos físicos, Tess deu tapinhas desajeitados nas costas da veterinária. - O que aconteceu?

Chris a soltou e a encarou atentamente. - Eu estava preocupada, você nunca se atrasa. Já tem meia hora.

Como se ela precisasse de um lembrete, Tess grunhiu baixinho. - Está tudo bem, eu apenas... Dormi demais. - Ela não iria ficar comentando os detalhes sobre o motivo de ter sido relapsa. Já estava tendo problemas demais para aceitar. - Eu tenho que ir; tenho uma apresentação em quinze e eu ainda quero dar uma checada em Lucy.

A bióloga se esquivou rapidamente para trocar de roupa, tentando conter seu desconforto. Ela nunca na sua vida se esqueceria de seu trabalho. Era como se esquecer de respirar, comer ou dormir. Ela nunca esquecia. Era sua prioridade, seu chão, sua vida.

Por Deus, ela havia se esquecido de seu trabalho. Tess estacou no lugar ao constatar a gravidade daquela ação. Antes estivera sentindo irritação, mas agora sentia... Receio.

O que diabos Adam havia feito com ela?

Talvez ela precisasse ir a um psicólogo ou a um psicanalista. Julgando-se ridícula, ela voltou a andar. Como se ela fosse procurar alguém para resolver sua vida, ela deveria estar ficando doente. Ela mesma resolveria como sempre fizera. Ela. Por que ela não precisava que ninguém lhe dissesse o que fazer, o que sentir, ou como agir. Não precisava da ajuda de ninguém para nada.

E definitivamente ela não precisava que ninguém a distraísse de seu objetivo.

### - X— ###

Melanie saiu pelos portões do colégio no fim de dia com mais duas colegas de classe. Por um momento ela pensou estar enxergando mal primeiramente, mas ao prestar atenção constatou que estava certa. Era ele. Por Deus, ele tinha mesmo ido procurá-la. Ela foi invadida por um sentimento eufórico enorme e mal conteve o sorriso.

— O que foi, Mel? - Nancy perguntou procurando o que era, por que não queria ficar de fora.

— Nada. - Melanie se moveu, rapidamente bloqueando a linha de visão das duas por que não queria expô-lo a comentários preconceituosos.

Ela mandou uma rápida mensagem para Thomas inventando que precisava fazer um trabalho na biblioteca e seguiu até ele.

O rapaz começou a caminhar para longe dali, como se soubesse que seria uma péssima idéia eles conversarem em um local onde os amigos dela poderiam vê-los. Melanie agradeceu silenciosamente enquanto o seguia e rapidamente passou uma mensagem para o celular de sua mãe. Enquanto andava atrás dele com uma distância discreta, ela notou com pesar que ele estava usando as mesmas roupas da última vez em que o vira.

Quando tinham andado um pouco, Melanie se apressou e acertou o passo com o dele. Despreocupadamente, murmurou. - Então você veio.

Ele a lançou um olhar de lado. - Não finja que não, sei que deve estar satisfeita em estar certa.

— Eu estou mesmo. - Mel concordou sem se abalar. - Por acaso eu gosto de estar certa. Você não?

— Não acontece com frequência, então não há como eu saber.

— Hum. - Melanie comentou, eles continuaram andando em silêncio por alguns minutos até chegarem a um local movimentado. - Eu estou morrendo de fome, tem um MC Donald’s ali. Você quer alguma coisa?

Ele a encarou seriamente; ambos sabiam que ela não estava realmente com fome. O desconhecido balançou a cabeça com uma expressão esquisita.

— Certeza?

— Por que você não para com a farsa?

Mel deu de ombros. - OK. Na verdade, eu estava me perguntando... Quando foi a última vez que você comeu? Sabe, algo realmente comestível.

Ele não respondeu e não a encarou. Ela respirou fundo. - Está certo. Vamos sentar ali.

Ela sabia que ele não ia ficar confortável em meio a um monte de gente, então andou até algumas mesinhas afastadas na rua. Também era uma praça, mas parecia abandonada. Ela se sentou e observou quando ele hesitou, então sentou a sua frente.

Melanie abriu sua bolsa, retirou sua carteira e algumas cédulas lá de dentro. Sentiu que ele a observava. Depositou sua bolsa em cima do banco e se levantou então para ir comprar o lanche.

— Você vai deixar sua bolsa aqui? - Ele questionou como se ela tivesse perdido a cabeça.

Mel olhou para ele calmamente. - Vou. Tem problema?

Ele balançou a cabeça. - Eu ainda estou tentando me decidir se você é estúpida ou simplesmente maluca.

— Nenhum dos dois, na verdade. Considere como um teste de confiança. Eu quero realmente saber se você vale à pena ou não. - Mel explicou e então continuou. - Qual o seu nome?

O desconhecido hesitou e então disse. - Steve.

— Pois bem, Steve. Eu espero que você ainda esteja aqui quando eu voltar.

Ela então se virou e seguiu até o MC Donald’s.

Melanie não estava tão calma ou confiante como parecia, mas com certeza estava ansiosa. Agradeceu quando notou que a lanchonete, surpreendentemente, não estava tão cheia por que queria voltar logo. Não tanto por medo de perder seus pertences, mas por que queria ter certeza que Steve era quem ela pensava.

Deus, aqueles olhos. Ele tinha olhos tão incrivelmente tristes.

Ela estava com o coração na boca ao sair do lugar com as sacolas na mão. Ao longe, pôde vê-lo sentado no mesmo lugar. Ela soltou o ar que estava segurando e sorriu. Ao se aproximar, notou que o corpo dele estava tenso e ele tinha os braços cruzados firmemente, como se com medo de que eles fossem contra sua vontade.

Steve ergueu os olhos e ao vê-la, instantaneamente relaxou. Ela quase podia ouvir os pensamentos dele que suspiravam em alívio. Mel podia notar que ele mesmo não estava acreditando que iria ficar.

— Oi. - Ela disse colocando as sacolas em cima da mesa. Instantaneamente ele encarou os pacotes, respirando fundo e outro tipo de fome assumiu sua expressão. - Big Mac e Coca grande para você. Você gosta de refrigerante, certo?

— Sim. - Ele disse ainda encarando as sacolas; seus braços continuavam firmemente cruzados, como se ele não se atrevesse a tocar em nada.

Melanie o encarou suavemente. - Tudo bem. Pode pegar.

Ele a observou por um momento e então quase com medo descruzou os braços e abriu a sacola. O tempo todo ele desviava os olhos para ela como se esperando que ela fosse mudar de ideia de repente e tirar o alimento dele.

Mel começou a desembrulhar o próprio lanche, evitando intimidá-lo ao ficar encarando. Ela achava curioso como ele estivera de boa ao roubá-la, mas fosse tão receoso ao aceitar algo que ela dava de graça.

Ele deu a primeira mordida lentamente e fechou os olhos. Assim que o sabor atingiu seu paladar, no entanto, ele começou a mastigar como um animal faminto. Pausou apenas para beber o refrigerante e então voltou a comer.

Na metade do sanduíche, Steve finalmente se lembrou que não estava sozinho. Jesus, fazia tanto tempo desde que ele comera algo fresco. Ergueu os olhos com cuidado e ficou aliviado ao ver que Melanie não o encarava e sim comia o seu próprio sanduíche.

Após um tempo, Mel começou. - Quantos anos você tem, Steve?

— Vinte e três. - Ele disse. Quando ela o encarou, uma sombra de um sorriso amargo apareceu nos lábios dele. - Eu sei. Eu pareço mais novo sem a barba e com o rosto limpo. Ao menos... Eu parecia.

Ele parecia ter uns trinta, ou mais. Ele parecia... Melanie suspirou. Era o que a droga fazia com as pessoas. Na verdade, ela já tinha visto pessoas em piores condições. Steve mais parecia cansado, esgotado. E ele só tinha vinte e três anos. Ela conteve a vontade de suspirar mais uma vez.

— Há quanto tempo você mora na rua?

Ele ficou quieto por alguns minutos, mastigando o sanduíche. - Dois anos. Tem... Dois anos.

Você tem família?

A pausa foi maior dessa vez. - Sim. Eu... Mãe e irmão. Eles moram fora da cidade. - Ele respirou fundo. - Ela me expulsou de casa. Eu não a deixei escolha.

Ele arregalou os olhos para si mesmo como se não estivesse planejando dizer aquilo.

Mel assentiu outra vez, pacientemente. - O que você fez, Steve?

Ele permaneceu em silêncio outra vez, então a observou. - Por que você está fazendo isso, Melanie?

Era a primeira vez que ele a chamava pelo nome e ela ficou um pouco surpresa por ele lembrar. - O quê? - Ele apenas moveu as mãos indicando os dois. - Ajudando você? Bem, você precisa de ajuda.

Ele não tentou discutir como da última vez. - Você sempre ajuda quem precisa?

Ela sorriu. - Sempre que a pessoa deixa.

Steve assentiu com a cabeça, então se levantou bruscamente. - Está ficando tarde, você devia ir. Como vai embora?

— Eu vou voltar para o colégio. Meu pai vai me pegar lá.

— Eu levo você. Há muita gente... como eu essa hora da noite por aí.

Eles caminharam de volta. Steve manteve uma boa distância de Melanie, mais um pouco e eles nem pareceriam que estavam andando juntos. Ela ligou para o seu pai quando estavam chegando, afirmando que ele poderia ir buscá-la.

O colégio já estava fechado e poucas pessoas estavam passando pela rua. Algumas encaravam Steve com desconfiança e à Melanie como se questionando o que ela estava fazendo com ele. Os dois ignoraram.

Steve disse. - Eu devia ir. Seu pai já deve estar chegando.

Mel sorriu. - Tudo bem, obrigada por me trazer.

Ele a encarou, julgando-a inacreditável. O seu sincero agradecimento e a forma como ela olhava para ele causavam a impressão de que eles eram apenas amigos que tinham ido passear.

— Desculpa pelo pulso. Eu não queria te machucar.

Então ele se virou e começou a andar, como se não quisesse que ela visse o rosto dele depois da frase. E ele não queria. Sua vergonha era algo que Steve não gostava de compartilhar.

Dois minutos depois, Edward apareceu. Ele encarou o colégio com uma sobrancelha arqueada, estranhando estar tudo fechado, mas Mel logo tratou de driblar as perguntas. Ela ainda pôde ver uma silhueta se afastando na noite, e teve a certeza de que, como desconfiava, Steve tinha permanecido olhando por ela até que estivesse segura.

Melanie encostou a cabeça no banco do carro e com um aperto no coração, questionou-se onde ele iria passar aquela noite.

***

Ele foi ao colégio no dia seguinte encontrá-la, e eles fizeram a mesma coisa do dia anterior. Mel novamente teve que inventar para Thomas que tinha um trabalho, mas daquela vez pediu para mãe ir buscá-la. Melanie teve a impressão de que Isabella sabia que estava aprontando alguma coisa.

Na sexta-feira, no fim do dia, Mel já saiu pelos portões do colégio esperando vê-lo. E ele estava lá. Ela sorriu e acenou, mas ele não retribuiu. Encarou as pessoas em volta dela como uma pergunta muda de o que ela estava fazendo indicando que o conhecia.

Ela se despediu de alguns amigos que estavam andando com ela e já ia atravessar a rua, quando reconheceu o carro de Thomas parado no lugar de sempre. Ela estranhou por que já havia ligado para ele dizendo que não era para ir buscá-la, mas logo percebeu que embora ele estivesse dentro do carro, não estava olhando para ela. E sim para o outro lado da rua.

Ah, merda.

Ela caminhou até o veículo enquanto ele saía do mesmo, com uma expressão impenetrável no rosto.

Thomas a encarou quando ela se aproximou e logo disse. - Entra no carro, Mel, eu já volto.

— Mas eu tinha te dito que...

— Entra no carro. - Ele repetiu em um tom autoritário enquanto virava as costas para atravessar a rua.

— O que você vai fazer? - Ela jogou a mochila para dentro do carro e bateu a porta.

Thomas não a respondeu, apenas continuou andando em direção a Steve. Ele percebeu que havia um problema, mas permaneceu parado no mesmo lugar. Melanie se apressou até os dois.

— Tom...

— Você perdeu alguma coisa por aqui, rapaz? - Thomas questionou o encarando nos olhos. - Eu não gostei de como você olhou para ela.

— Thomas...

— Melanie, volta para o carro. Será que você perdeu a audição?

Ela encarou Thomas em irritação. – Eu acho que você quem perdeu a noção das coisas com esse comportamento ridículo de macho alfa.

Steve começou a se afastar. - Eu estou indo embora.

— Não, não, espera! - Ela insistiu enquanto Tom estreitava os olhos. Então respirou fundo. - Eu o conheço, Tom.

O rapaz revezou olhares entre ela e Steve, então de repente a compreensão banhou seus olhos. Ele parou de se mover e parecia ter parado de respirar.

Engolindo a culpa, Mel foi até Steve. - Eu não posso ir com você hoje. Talvez... Nem amanhã quando eu sair do orfanato. Volta segunda, ok? Eu acho que já vou ter resolvido tudo.

Steve lançou um olhar a Thomas e voltou a encará-la. - Você vai ficar bem?

Ela deu um pequeno sorriso. - Vou.

Ele assentiu. - A gente se vê depois. - Hesitou e então completou. - Desculpa ter te causado problemas, Melanie.

Assim que Steve tinha desaparecido, Thomas fez o caminho de volta ao carro sem olhar para ela. Suspirando, Melanie o seguiu. Eles entraram, fecharam a porta e colocaram seus cintos.

As mãos de Thomas apertavam o volante com tanta força que parecia que ele queria tirar o negócio do lugar. - Eu não vou dizer nada. Você quem vai contar para os seus pais.

— Tom...

Não. - Ele disse duramente. - Não fala comigo agora. Eu não consigo acreditar no que você fez.

— Eu...

Thomas iniciou o carro, como se para por definitivamente fim no assunto antes que ele começasse. Ele sinceramente não podia compreender, ele não podia colocar em palavras o que queria dizer por que o medo estava lhe sufocando a garganta.

Ele não queria pensar no risco que ela correu. Não queria pensar no que podia ter acontecido com ela... No que podia ter... Ela podia agora estar machucada... Podia estar...

Quando pararam em um sinal vermelho, ele fechou os olhos e engoliu em seco como se assim fosse amenizar a sensação. Não adiantou de nada. Ele continuava apavorado como um garotinho de cinco anos em uma noite de tempestade.

Durante todo o caminho, eles permaneceram em silêncio. Melanie mordia o lábio como a mãe e mexia nos pingentes de sua pulseira. Era uma mania quando estava nervosa devido ao fato de que ela nunca tirava o objeto do pulso. A munhequeira ainda estava ali, embora Mel não visse mais necessidade da mesma, e por vezes reparara Thomas encarando a atadura pelo canto do olho.

O carro de seu já estava na garagem quando eles chegaram e Mel constatou que tudo estava contra ela. Ainda mais quando na direção oposta viu seu irmão chegando da faculdade. Deus, ela estava tão ferrada. Ela saiu do carro enquanto Thomas saía pelo outro lado, ainda em silêncio.

Adam se aproximou dos dois e já ia fazer um comentário, mas se refreou ao notar as expressões. - O que houve?

Sua irmã balançou a cabeça e fez o caminho até a porta. Adam então se virou para Thomas, que tinha uma expressão indecifrável no rosto. - Tom?

— Ela vai contar o que ela fez. - Foi a única coisa que disse e então também seguiu até a porta.

Adam continuou sem entender absolutamente nada, mas logo se apressou por que não queria perder a novidade. Melanie não era o tipo de pessoa que fazia besteiras com frequência. Ora, ela era mais do tipo que distribuía broncas para as pessoas que faziam.

Isabella estava no telefone, ainda vestida com roupas de trabalho, enquanto Edward estava sentado no sofá a encarando. Pela expressão corada no rosto da médica, ele estava esperando que a esposa terminasse com o telefonema para raptá-la para o quarto. Os dois ergueram os olhos quando a filha apareceu.

Lembrando-se de uma cena parecida há mais de uma semana, Edward instantaneamente se levantou e foi até Melanie. - O que aconteceu? Você está bem, filha? O que...

— Eu estou bem. - Mel respondeu. Por enquanto. - Eu preciso falar com vocês dois.

Enquanto Bella desligava o telefone, Edward lançou um olhar a Thomas e então a filha. Cerrou os olhos em suspeita. - O que?

— Nada do que você está pensando. - Ela conteve a vontade de revirar os olhos por que sabia que seu pai estava imaginando besteiras.

Isabella passou um braço pelos ombros de Mel. - O que você quer falar, meu amor? Por que essas caras? Adam?

— Eu não sei de nada, acabei de chegar. - Ele disse se jogando no sofá. - Eu estou tão curioso quanto vocês.

Thomas permaneceu de pé em um canto, de braços cruzados. Todos os presentes estavam intrigados com a expressão dele e com seu silêncio. Ele não era conhecido por ficar calado ou passar despercebido. Ele não correspondeu os olhares por que encarava o chão; os braços em volta do corpo pareciam estar o impedindo de fazer algo.

— Eu fiz uma coisa que vocês não vão gostar de saber. E eu preciso ser honesta e dizer que se Thomas não tivesse descoberto hoje, eu não estaria contando.

Edward sentou ao lado do filho por que de repente achou que ia precisar. Isabella respirou fundo e percebendo que Mel estava receosa, manteve o braço em volta dos seus ombros.

Deu um beijo em sua testa que dizia silenciosamente que ela compreenderia fosse o que fosse. Lançou um olhar a Tom que permanecia quieto, embora seu nome tenha sido pronunciado, e que agora apertava mais ainda os braços em volta do corpo.

— Eita. O que você andou aprontando, Mel? - Adam comentou, sentindo os ânimos mudarem.

— Não importa o que seja, meu amor. Você pode nos contar qualquer coisa. - Edward comentou o mais gentilmente que conseguiu.

Afinal, sua filha era sensata e responsável demais. Nunca havia lhes dado nada menos do que orgulho. No mínimo, o assunto não era nem tão grave. Ela só estava nervosa.

Mel mordeu o lábio enquanto encarava o seu pai, ciente do que ele estava pensando e mais ciente ainda de que ele mudaria de ideia no minuto seguinte. Ela respirou profundamente e começou a falar.

O ar compreensivo e paciente foi gradualmente se transformando à medida que ela ia relatando a situação. Em algum momento, o braço de sua mãe caiu de seus ombros e os olhos de seu pai saltaram das órbitas. Quando ela terminou de falar e o silêncio se estendeu, todos se surpreenderam quando o primeiro a explodir não foi Edward.

Foi sua mãe. - Melanie, você perdeu o juízo? No que você estava pensando?

Edward balançou a cabeça, passou uma mão pela testa e disse. - Adam e Thomas, deixem-nos sozinhos.

Adam ainda tentou discutir. - Mas eu posso ajudar a...

— Adam, fora.

Sentindo-se com dez anos de idade, ele se levantou e saiu pela porta com Thomas. Quando o pai usava aquele tom, era melhor fazer o que mandava. Depressa.

Algum tempo depois, Isabella chamou os dois para dentro de novo. Com uma expressão infeliz, ela ainda convidou Thomas para jantar, mas ele recusou; a verdade era que queria falar com Melanie.

Ele tinha certeza que Melanie estava chateada, mas era para o melhor. Ela precisava entender que existiam limites até para ajudar o próximo. Ele só tinha feito o que devia fazer. Se por acaso ele estava sentindo que tinha a traído, aquilo era natural. Ele não gostava de vê-la triste, é claro, e menos ainda por que estava diretamente ligado ao motivo.

Thomas havia feito o certo, para o bem dela. Era isso. Ele ia se convencer daquilo e ia para casa confiante. Mais cedo ou mais tarde tudo aquilo ia passar e Melanie ia entender. Ela era flexível e inteligente, e quando a raiva passasse, conseguiria enxergar tudo claramente.

Ele saiu e deu a volta na casa indo até os fundos. Ele sabia perfeitamente onde era a janela dela, afinal já tinha a espiado trocar de roupa por ali várias vezes. Não que ele se orgulhasse do ato. Talvez ele se orgulhasse um pouquinho.

Ele observou através do vidro: ela estava sentada em sua poltrona predileta, em sua volta vários ursos e objetos de pelúcia. Todos tinham sido presentes de Thomas. Mel estava com um olhar perdido, acariciando a cabeça de um sapo de pelúcia, também presente de Thomas.

O rapaz assentiu para si mesmo fingindo que seu coração não estava sangrando um pouco ao vê-la daquele jeito. Ele apoiou as duas mãos na janela e deu impulso. Enrolou-se com a cortina no meio do caminho, mas por fim conseguiu colocar as pernas para dentro.

Melanie só ergueu os olhos quando ele já estava dentro do quarto e vindo em sua direção. Ela não demonstrou surpresa, pelo contrário, virou o rosto.

Tom enfiou as mãos nos bolsos, indeciso sobre o que dizer. - Você está bem?

— Não graças a você.

A resposta lhe irritou um bocado, lembrando-o de que ele não estava completamente ‘domado’ ainda. - Você sabe que o que fez foi errado, Melanie. Eu não podia simplesmente ignorar e não fazer nada.

— Eu estou de castigo, você sabia? - Ela ignorou tudo o que ele disse. - Eu nunca fiquei de castigo na minha vida. Você faz ideia de como isso é humilhante?

Ele quase sorriu. - Na verdade, não. Desde os cinco anos, passei mais tempo de castigo do que não.

Mel lutou para não achar graça. - Isso não importa. - Ela balançou a cabeça e voltou a acariciar seu sapo de pelúcia. - Eu não estava fazendo nada demais, Thomas. Steve precisa de ajuda.

Então o filho da mãe tinha um nome.

— Você tem que começar a pensar que não pode ajudar ninguém se não estiver em condições. Melanie, você não faz menor ideia de quem ele é. Ele poderia ter feito... Ele poderia ter...

A sensação estava voltando, roubando as palavras dele. Thomas parou de falar, respirou fundo e passou as mãos no rosto.

Reconhecendo a preocupação, o semblante de Melanie suavizou. - Ele não fez nada. Ele não é uma pessoa ruim. Só que, como todo mundo, fez escolha erradas.

— Mel... Você não pensa nos seus pais, na família... Você não pensou no que faria com todos se acontecesse algo com você? Por mais que você acredite que ele tinha um lado bom ou qualquer merda dessas... Não é possível que não soubesse que estava correndo um risco. Poderia ter acontecido qualquer coisa. Você não pensou, Mel, no que isso faria... comigo?

Melanie ergueu os olhos, suspirou. Ela podia admitir que talvez ele estivesse um tantinho certo. Só um tantinho, afinal ela tinha seu orgulho – era filha de seu pai. Mas ela não podia ignorar o desespero nos olhos dele, a preocupação... E ele tinha ido procurá-la, tinha ido melhorar as coisas... Ele era Thomas.

Ela se levantou e colocou os braços em volta dele, surpreendeu-se para valer quando ele a esmagou contra o seu corpo, quase cortando sua circulação de ar.

Tom afagou o cabelo dela com uma mão e respirou fundo, respirou... Mel. - Eu fiquei preocupado, com medo... Eu estava...

— Eu sei, eu sinto muito. Eu não pensei. - Ele acariciou as costas dele com uma mão, buscando acalmá-lo. - Eu sinto muito.

— Nunca mais faça isso, Mel.

— Eu tenho que fazer, Tom. Eu preciso e... Só você pode me ajudar. - Ela disse e se preparou quando ele se separou dela, encarando-a, cerrando os olhos. - Tom, ele tem uma família. Ele só precisa de ajuda par a voltar para casa.

— Eu não acredito que depois de tudo isso você ainda insista na ideia. - Ele a soltou imediatamente, completamente incrédulo.

— Tom, por favor... Você tem que me ajudar. Eu não posso mais sair além de ir para o colégio. Eu não posso ir ao orfanato, nem a ONG.

— Eles te proibiram de ir à sede da ONG? - Ele perguntou, com a voz mais suave.

Ele sabia o quanto tudo aquilo significava para Melanie, sabia que ela devia estar morrendo um pouquinho com aquilo.

— Eles acham que eu ia tentar encontrar o Steve e eles estão certos. Eu vou. - Ela admitiu sem nenhuma vergonha disso. - Por isso só você pode me ajudar. Eu falo com ele, tento convencê-lo a você estar presente quando a gente conversar. Isso seria melhor, não é? Nós só conversamos e você ia poder estar lá, ver que eu estava bem...

Merda, ela estava o convencendo. Ele não queria aquilo, ele não queria...

— Melanie.

— Tom, eu preciso de você.

Thomas passou uma mão no rosto mais uma vez e perdeu a expressão de satisfação que passou pelo rosto dela ao perceber que tinha o convencido.

Ele não quis ceder tão fácil assim, no entanto. - Eu vou pensar.

Mel assentiu. - Ok. - Então o abraçou outra vez. - Obrigada.

Ele a apertou contra si novamente, mergulhou o rosto no pescoço dela. - Eu ainda não concordei.

Ela sorriu. - Tudo bem. Mas eu já agradeço por considerar, sabendo que você não quer.

Melanie encostou os lábios nos dele e Tom imediatamente a pressionou mais contra si, enfiando uma mão nos cabelos dela. Ele não conseguia compreender como cada vez que a beijava pudesse sentir mais do que da última vez. Com ela não existia o limite máximo, Mel era sempre mais.

Por fim Tom se forçou a se afastar e disse. - Eu estou indo para não complicar mais as coisas. Volto amanhã, deixa a janela aberta para mim, ok?

Mel riu. - Sim.

Ele a beijou rápido, e depois a beijou outra vez. - Sonhe comigo. Não precisa ser decente.

Tom saiu pela janela facilmente e Mel se debruçou sobre a mesma para vê-lo ir. Pensou então em algo. - Eu não ouvi quando você ligou o carro.

Thomas passou uma mão pela cabeça. - Cacete, eu me esqueci de tirar o carro lá da frente.

Ela revirou os olhos. - Perfeito, Tom. Então eles sabem que você não foi embora.

Ele sorriu sem nenhuma preocupação. - Vou me lembrar da próxima vez. – Com o parapeito da janela entre eles, Tom passou os braços pela cintura dela e a beijou outra vez. - Até amanhã.

Ela segurou o rosto dele e lhe deu um último beijo. - Até.

Ele sorriu e começou a se afastar de costas ainda olhando para ela, acabou tropeçando e quase caindo. Ela gargalhou enquanto ele acenava como se nada tivesse acontecido. Permaneceu ali até que ouvisse o barulho dos pneus contra o asfalto, então fechou a janela.

Quando ela passou pelo espelho do seu quarto e captou o seu reflexo e seu sorriso aberto, suspirou. Permaneceu ali parada, observando os próprios olhos a encarando de volta, então colocou uma mão sobre o peito, acima do coração.

Ela tinha arriscado, mas no fundo sabia que aquilo ia acontecer

### - X— ###

Mel já estava a esperando em frente ao portão de casa quando chegou e Millie acenou para que a visse. Ela entrou, dando boa noite de modo animado ao taxista, e a beijou na bochecha.

As duas seguiram para Times Square. Apesar de cansada, Millie passou uma hora rodando com Melanie. A modelo adorava sair com ela por que Mel sempre levava suas opiniões sobre moda tão a sério que ela se sentia uma expert no mundo da moda. Ela então sugeriu que fossem comer.

Por mais que fazer compras a relaxasse, os pés de Millie já pediam um descanso. Elas se ajeitaram no canto de uma lanchonete da melhor forma que puderam com as bolsas em volta. Fizeram logo o pedido e continuaram a conversar enquanto esperavam.

— Admito que fiquei surpresa quando você ligou. Você não estava de castigo? - Millie comentou com um sorriso.

Mel grunhiu como se a mera lembrança daquilo fizesse terríveis calafrios lhe percorrerem o corpo. – Tecnicamente ainda estou, mas depois de uma semana meus pais já amoleceram. Dona Isabella está se sentindo culpada. - A menina riu, mas respeitava a personalidade terna de sua mãe. - E eu me aproveitei para tirar alguma vantagem da história e a convenci a me deixar sair este sábado. Precisamos juntar a galera outra vez e ir comer alguma coisa. Não marcamos um encontro há séculos e Tess nunca participou de um.

— É verdade. - Millie concordou lançando olhares em direção ao balcão, questionando-se por que demorava tanto. Ela estava à beira da desnutrição ali. - Esse sábado? Não está em cima da hora para avisar todo mundo?

— Bem, isso não importa. Todos vão. Eu os convencerei. E dessa vez o Ethan também vai. Ele nunca foi a nenhum; isso é o cúmulo. Mas quem sabe agora alguém o convença...

— Esse alguém seria eu, suponho. - Millie concluiu arqueando a sobrancelha.

— Bom, não sou eu quem tem sido vista andando com ele por aí. - Melanie disse em um tom sugestivo e então sorriu. - Você sabe que o papai um dia desses estava se questionando o que está acontecendo com esta geração da família. Nas palavras dele, ‘de repente todos nós começamos a pular uns nos outros’. Mas para completar ‘nossa geração’, ainda falta o Max.

— Verdade. Nossa, tem décadas que eu não falo com ele. Quando ele volta, você sabe?

— Exatamente não, mas sei que é esse ano. Eu falei com ele no Natal. Ele ligou para dar boas festas, mas foi um telefonema geral. Ang chorou de novo. Ela sente muita falta dele. Aposto que se ele não voltar logo, ela mesma vai para a Itália buscá-lo.

Seus pedidos chegaram, encerrando a fofoca saudável. Elas começaram a comer em silêncio, afinal as duas estavam famintas, e então Mel recomeçou a falar.

— Mas me diga. Até agora eu só ouvi por terceiros. Como você e Ethan estão?

Millie hesitou. - Bem, eu acho.

Mel arqueou uma sobrancelha. - Pelo que conheço de você, eu estava esperando te ver pular na cadeira em alegria enquanto seus olhos rolavam nas órbitas, na verdade. Aconteceu alguma coisa?

— Não. Provavelmente é só coisa da minha cabeça.

Melanie conhecia a modelo bem demais para não persistir, ainda mais por ver que ela estava preocupada. - Millie.

A loira suspirou. - Eu não sei, Mel. Você sabe que no começo de tudo nós tínhamos combinado que eu ia ajudá-lo a se preparar para a entrevista, não é?

— Uhum. Você usou essa desculpa para se aproximar dele.

— Não foi assim. - Millie se defendeu e recebeu um olhar da Mel. - Ok, talvez tenha sido um pouquinho. Mas o ponto não é esse. Você sabe do... incidente que tivemos na casa dele há algumas semanas.

Melanie mal conteve a risada. - Quando Alice pegou vocês na cama juntos.

— Isso não é engraçado. E nós não estávamos na cama... Tudo bem, nós estávamos, mas não na cama na cama.

— Como isso pode ser?

Millie passou uma mão pela testa. - Mel, você sabe muito bem que não tínhamos feito nada. Eu conversei com você sobre isso.

— Eu sei? Eu não estava lá. Okaay, eu vou parar. Continue.

— O ponto é que... Ethan, depois disso, disse que ele estaria ocupado e que não poderia mais continuar com o ‘combinado’. E nós nem tínhamos começado com nada, na verdade. Ele não quis me dizer o que iria fazer ou por que, ou nada. Eu pensei que ele estava constrangido com toda a situação e que iria dar um tempo, sabe? Mas ele realmente está fazendo alguma coisa pela noite, eu já liguei para a casa dele e ele não estava. E ele não me diz o que é, Mel. Toda vez que eu toco no assunto, ele começa a gaguejar e corar, sabe? Daquele jeito irritantemente fofo e eu acabo deixando de lado.

— Você está com medo de que ele tenha uma vida secreta de cafetão ou algo do tipo?

Millie a encarou. - Você está tirando sarro de mim.

Mel riu. - Eu estou, desculpa. Certo, vamos a minha opinião sobre o caso: eu não acho que ele esteja fazendo nada de extravagante. Não é o perfil dele. E pela reação que ele tem, talvez ele esteja fazendo algo normal, mas está constrangido de te contar. Afinal, por tudo ele fica constrangido. E é bem fofo, na verdade. É muito difícil encontrar um cara assim.

— Tudo bem, mas eu fico incomodada com tudo isso. E também tem outra coisa. Na verdade, isso também não é nada. Eu não sei... Eu... Ai, droga. Eu não queria falar nisso. Eu já estou me sentindo estúpida.

— Ei, ei. Só temos nós duas aqui e eu não tenho um gravador. Estúpido ou não, só vai ficar entre nós, ok? - Melanie usou seu tom mais gentil enquanto afastava as mãos da modelo do rosto.

Millie mordeu a língua e então encarou Melanie com um olhar intenso. - Mel, seja sincera, tem alguma coisa errada comigo?

— Errada como?

— Eu não sei. Com meu rosto, ou meu cabelo, minha voz, meu perfume... Qualquer coisa.

Melanie arqueou a sobrancelha, encarou Millie firmemente e se questionou se a mulher estava em seu perfeito juízo. Então olhou para o copo de suco que a modelo estava bebendo, considerando a possibilidade de terem colocado alguma química ilícita no líquido.

— Millie, mas é claro que não tem nada de errado com você. Isso é realmente estúpido, sabe. - Ela balançou a cabeça e notou a modelo baixar os olhos e brincar com os dedos. A mente de Mel clareou. - Foi Ethan quem disse isso?

— Não, ele...

Melanie não se convenceu. - Aquele Nerd impossivelmente mais idiota. Eu vou falar com ele agorinha mesmo e...

— Não, Mel. - Millie segurou a menina que já se levantava e deixou escapar uma risada. - Ele não disse nada, calma.

Mel se conteve por pouco. - Então quem?

— Ninguém disse nada. Eu só acho que... Eu só acho que ele não sente atração por mim. Houve uma vez que sim, eu achei, mas... Nós não... Ainda não... Você sabe.

Melanie achava particularmente engraçado o fato de que Millie era quase dez anos mais velha do que ela e estava corando. - Vocês ainda não transaram.

Millie pigarreou. - É. E teve algumas vezes que as coisas ficaram um pouco... intensas, sabe? E então de repente ele se afastou como se... Eu não sei, eu tivesse lhe dado um choque. E Mel, por mais que tenha gente que insista que não, a parte física conta também em um relacionamento. E eu sempre procuro me arrumar e estar bonita quando encontro com ele. Talvez ainda assim eu tenha algum problema?

Mel balançou a cabeça, tendo uma idéia de qual era o problema, mas ciente de que não era o lugar dela comentar. Ainda assim, ela estava impressionada em como uma mulher como a Millie podia estar insegura daquele jeito. A percepção que temos as pessoas têm sobre si mesmas pode ser verdadeiramente distorcida.

Tinha então se conformado que certas pessoas deviam se destacar, independente do resto. E Millie era assim. Melanie não conseguia compreender como, em nome de Deus, ela não conseguia se enxergar propriamente.

— Millie, você é perfeita. Olha só para você. Caramba, você não tem um espelho? - Ela balançou a cabeça em incredulidade e segurou as mãos da amiga, que continuava a encarar em desolação. Ela também era uma fofa em sua preocupação, mesmo que fosse desmedida e inapropriada. - É sério, não há nada de errado com você. Mas se você está se sentindo mal com essa situação, fale isso para ele. Ethan é tímido e tudo mais, porém tenho certeza que se ele perceber que algo está te incomodando vai aceitar conversar e resolver.

Millie suspirou, encolheu os ombros e assentiu. Vendo que ela ainda não estava satisfeita, Melanie adicionou. - Agora, você pode optar por outra coisa também se quer um resultado mais imediato. Instigue-o.

— Como assim?

— Millie, você é mulher... E uma mulher bonita para cacete, sabe exatamente do que eu estou falando.

Entendendo, o pulso da modelo acelerou um tantinho com o pensamento. - Você acha que vai funcionar? - Quando Mel apenas sorriu em resposta, ela soltou uma lufada de ar. - Bem, neste caso... Acho que vale uma tentativa.

***

Há alguma distância dali, Ethan nem ao menos sabia o que o esperava.

Parou para descansar durante cinco minutos e então suspirou. Chegava a hora da sua máquina de tortura. Seu corpo estava dolorido, ele já estava ali há duas horas. Tinha horas que ele pensava que ia morrer. Seu celular tocou na mochila jogada ao seu lado e, agradecendo pela desculpa, ele procurou pelo aparelho.

— Alô.

E aí, Ethan?

— Oi, Adam. Quero dizer... E aí, Adam?

Adam gargalhou do outro lado da linha e balançou a cabeça. - Cara, eu já te disse que você não precisa mudar o modo de falar. Você não precisa estar fazendo nada disso, na verdade.

Ethan quase revirou os olhos. - Uhum, eu já sei de tudo isso já que é a trecentésima vez que você faz o favor de apontar.

Está certo, está certo... Se a Millie soubesse disso, no entanto...

— Ela não vai saber, por que você não vai contar. - Ethan murmurou e ao invés do desespero que ele sentia com a possibilidade, sua voz foi estranhamente agressiva.

Certo. - Adam repetiu, desistindo de bater na mesma tecla. - Eu não liguei para isso. Está a fim de encontrar com a gente mais tarde no campo perto do William Floyd? Eu vou ganhar algum dinheiro do Tom no futebol para compensar o fato de que não posso socá-lo pela questão da Mel.

— Mas eu não sei jogar.

Thomas também não, mas ele insiste. - Adam riu. - Qual é, Ethan. Você sempre recusa. Seus livros ainda estarão lá quando você voltar.

— Eu não fico só estudando.

Ok, eu não quis dizer que você só estuda. Anda, deixa de ser estraga-prazeres. Nós vamos nos encontrar às dez. Vou esperar você. Valeu.

— Valeu também... Quero dizer...

Adam gargalhou. - Até mais tarde, cara.

Ethan desligou, detestando sua idiotice. Mas ele jurava não compreender como a palavra ‘valeu’ tinha o mesmo sentido de ‘tchau’ no vocabulário que as pessoas da idade dele haviam adotado. Ou por que ‘seu cuzão’ e ‘maluco’ eram conotativos amigáveis para os seus amigos. Ele devia ser mesmo muito esquisito por achar aquilo demasiadamente sem sentido.

Guardou o celular de volta na mochila e como acontecera incontáveis vezes antes, seus olhos visualizaram o ambiente em volta. O que ele estava fazendo ali? A academia estava cercada de caras bombados e mulheres saradas. Um magricela que nem ele tinha que evitar até passar pela porta. Suspirando para o seu corpo patético, Ethan seguiu até as barras.

Aquela insanidade tinha começado dois dias depois do episódio em sua casa. No momento em que Ethan atentara à irrealidade de seu relacionamento com Millie. Olhando-se no espelho naquele dia, ele pensou que parecia o irmãozinho caçula dela. Não seu... O que fosse. Ele já tinha notado que era mais baixo do que Millie.

Talvez uns dois centímetros, mas aquilo não importava. Ele era mais baixo do que ela, mais magro do que ela, mais fraco do que ela... Está certo, talvez ele tivesse mais massa corporal por ser homem, mas aquilo não importava também. Qualquer um que olhasse para eles dois juntos iria rir como se assistindo a um programa medíocre na televisão.

Uma mulher que nem ela tinha que ter um tipo de cara ao seu lado: alguém notável, ou ao menos, digno de ser visto com ela na rua. Então ele se viu diante da grande questão: ou ele esquecia a loucura de ficar com ela ou fazia algo para se tornar alguém perto do ideal para ela. Uma vez que a opção de esquecê-la se provou impossível, Ethan só tinha outra opção.

Então ele a adotou. Dinheiro não era o problema, afinal ele tinha o seu trabalho, mas ridiculamente não sabia o que fazer. Não sabia nem como começar. Pensou em pedir ajuda e logo em seguida a quem pedir. Seu pai estava fora de questão por razões óbvias, Ethan não suportaria a humilhação. Tio Emmet com seus músculos para dar, vender e doar riria dele e contaria para toda a família. Tio Edward... Deus, ele era o protótipo de casal perfeito junto com a Tia Bella, no mínimo ele sentiria pena do pobre magricela.

Adultos fora de cena restaram os mais jovens. Ethan nem chegou a considerar o irmão, novamente por razões óbvias. Thomas era outra bola fora; primeiro por que era amigo de seu irmão e logo Daniel ficaria sabendo, e apenas pelo prazer de infernizar sua vida, acabaria abrindo a grande boca e anunciando para todos; segundo por que era Thomas, e ele também não aguentaria o constrangimento. Assim como o pai, o futuro engenheiro tinha uma notável musculatura ele mesmo.

Restou então Adam. Ethan também hesitou, embora o futuro médico fosse alguém que ele pudesse considerar um amigo distante. Ele falou com Adam e não se surpreendeu quando o rapaz aceitou ajudá-lo imediatamente. Levou-o até a academia onde ele, Thomas e Daniel malhavam e então Ethan viu seu rumo.

Fora difícil convencer o trainer que ele queria começar a malhar todos os dias, a deixá-lo fazer isso, mas Ethan insistiu. Afinal, ele queria resultados rápidos, Millie não iria esperar para sempre. Ele não estava contando que ficaria grande como Mike Tyson, ou nada do tipo, mas queria ter algo do que se orgulhar quando ele e Millie... Enfim.

Se aquilo acontecesse do jeito que ele estava, era capaz de Millie dar uma olhada nos seus ossos e sair correndo. Depois de muita discussão e negociação, ele conseguiu. O único problema fora que Adam estava com ele durante todo o diálogo. O cara estava fazendo Medicina, afinal, em uma universidade conceituada depois de ter conseguido bolsa com suas excelentes notas.

Ele tinha um puto de um cérebro.

E infelizmente, observando a pressa de Ethan, ele sacou tudo de uma só vez. E não teve nem como negar, até por que seu rosto vermelho o denunciou. Adam não debochou dele, como ele esperava, mas iniciou todo aquele papo sobre como a aparência não era importante, que Millie gostava dele do jeito que ele era, e toda aquela baboseira típica de livro de autoajuda.

Foi a conversa com o trainer outra vez. Adam tentando convencê-lo de algo que ele não iria ceder. E não cedeu. Ele estava decidido. Ele iria pela primeira vez na vida se preocupar com a imagem que passava para os outros e com sua aparência de moleque na puberdade. Buscando extrair o look Nerd da sua vida, já começara adquirindo lentes de contato.

Elas irritavam seus olhos no começo, mas começara a utilizá-las para dormir toda a noite e agora já estava se acostumando. Logo poderia deixar os óculos de lado. E sim em parte toda a questão da mudança era pela Millie, mas Ethan descobrira que gostava de malhar. Do exercício.

Ele nunca fora de praticar esportes e embora detestasse seus músculos doloridos depois, tivera uma boa surpresa quanto à academia. Ele parecia que tinha sido passado em um moedor de carne na primeira semana, mas estava melhorando. Estava lentamente adotando a novidade à sua rotina.

Ou quase, pensou ao notar as barras. Ele realmente odiava aquela parte.

***

Ethan decidiu que ia se encontrar com os rapazes para o futebol. Ele não iria jogar, mas ao menos não poderiam dizer depois que ele recusou mais uma vez. Por que estava perto, decidiu ir andando.

Fazia três dias que ele não via a Millie. Talvez fosse ridículo o fato de que ele estava com saudades, mas ele estava. Era tão mais fácil estar com ela do que ele tinha pensado inicialmente. Ela era simplesmente uma daquelas pessoas fáceis de lidar, de conversar, de olhar. Sim, às vezes ele gostava de apenas observá-la.

Ela era tão incrivelmente linda que muitas vezes Ethan sentia a necessidade de tocá-la para ver se não era fruto da sua imaginação. Ainda assim, algumas vezes não se convencia por que sua imaginação era bem fértil. Principalmente quando sonhava com ela. Não, eu não devo pensar nisso agora.

Buscando também evitar que seus sonhos indecentes lhe viessem à cabeça, ele pegou o celular e passou uma mensagem para ela.

Estou sentindo sua falta mais do que o normal hoje.

                                                                             E.

Ele enviou, julgou-se ridículo, mas esperou que ela respondesse mesmo assim. Ele chegou ao campo de futebol e procurou por Adam e Thomas, mas não os encontrou. Checou no relógio que ainda era cedo e então foi se sentar nas arquibancadas do campo para esperar.

Tinham algumas pessoas usando o campo naquele momento, mas felizmente ninguém lhe deu atenção. Sentou-se afastado de outras mulheres que estavam por lá também e checou quando seu celular apitou. Era Millie.

Mesmo? *Sorriso*

Por que você não veio me ver hoje, então?

Eu também senti bastante sua falta.

Mas acho que não tem como sentir mais do que já sinto todo dia.

É bem possível que eu explodisse.

Ele sorriu igual ao idiota que ele era. Ele adorava as mensagens dela, e o seu sorriso, e os seus olhos. Por mais surreal que pudesse lhe parecer, ele realmente acreditava que Millie gostava dele. Mesmo que não entendesse. Ela era carinhosa, gentil e sempre estava disposta a encontrar com ele fosse qualquer hora, de qualquer dia. Ethan não sabia por que tinha toda aquela sorte, mas cada vez que pensava nela sabia que tinha.

Eu queria. Muito. Mas eu estava ocupado.

Se não fosse importante, nunca deixaria de te ver você por isso.

Você sabe disso, não é?

 

Ethan detestava mentir para ela, mas não havia a menor possibilidade de ele explicar o porquê de sua decisão repentina. Ele queria ser melhor para ela e não queria que ela se sentisse mal, como se tivesse o estimulado àquilo. Millie nunca lhe pediu nada e talvez fosse por isso que ele quisesse lhe dar. Outro apito. Outra mensagem.

Eu sei. Mas entenderia melhor se você me dissesse o que é.

Enfim. Estou tentando aceitar que você vai me contará quando achar que é a hora.

Na verdade, eu não estava em casa hoje. Saí com a Mel.

Voltei agora pouco. Comprei uma coisinha para você.

                                                                                                                       M.

Ele suspirou e notou com alguma surpresa que o pessoal que estava jogando já tinha ido embora. Os rapazes já deviam estar chegando.

Você não precisava ter comprado nada, mas já que comprou,

agora ficarei curioso para saber o que é.

Eu tenho que ir. Sexta podemos nos ver?

Boa noite, Millie.

                                                                                       E.

— Ah, que coisa mais meiga. Preciso enxugar minhas lágrimas. - Thomas disse estalando as costas de Ethan com um tapa, assustando-o pela aparição repentina. - Está vendo aqui, Dan? Seu irmão trocando juras de amor por mensagens.

Ethan ergueu os olhos para contestar sua infelicidade: seu gêmeo também tinha ido. Ele lançou um olhar a Adam, que sorria, mas não compartilhava a brincadeira.

— Garantindo que a donzela não vai fugir. - Daniel disse amargamente, então também encarou Adam. - Quem mandou você o convidar?

— Ei, pega leve, Dan. - Disse um dos colegas de Adam. - Aqui tem espaço para todo mundo. Principalmente se ele estiver disposto a perder alguns dólares... - O rapaz sorriu, buscando quebrar a tensão. - Você está?

— Não, na verdade eu tenho que ir. - Ethan se levantou.

— Ethan, calma. Relaxa aí. Vamos depositar toda essa energia no jogo, que tal? - Tom comentou incomodado por que fora ele quem começara a provocação.

— Energia? - Dan riu com escárnio. - Poupe-me. E além do mais, ele não sabe jogar. Deixa-o ir estudar que estamos fazendo um bem para o país. Precisamos de mentes brilhantes, afinal. Eu não sei para que, mas todos dizem que precisamos.

Ethan encarou-o; embora fossem gêmeos diferentes, ele encontrou olhos iguais aos seus encarando de volta. Deu graças a Deus que ao menos o olhar era diferente. O pensamento de que tinha qualquer semelhança com seu irmão era doentio.

— Você deve mesmo ter um QI limitadíssimo, Daniel. Suas piadas estão repetitivas e ultrapassadas. Mas não se preocupe, eu estou indo. A presença durante o jantar é o limite que aguentamos de nós dois.

Quando Ethan ignorou a educação e começou a andar sem falar mais nada com ninguém, Adam seguiu-o. - Ethan, espera. Ethan!

— Você devia ter me dito que ele vinha.

— Espera! - Adam alargou um passo um pouco mais até alcançá-lo e entrar na frente dele, obrigando-o a parar. - Eu não sabia que ele vinha, Dan disse que ia sair hoje. Mas qual o problema? Eu juro que eu não entendo o que há entre vocês. Pelo que eu sei vocês brigam desde o berço.

— Não ‘há’ nada. Eu não sou o primeiro e com certeza não serei o último a não suportá-lo.

— Ele é seu irmão. - Adam insistiu por que em sua mente era inaceitável e louco que um dia ele pudesse pensar aquilo de Melanie.

Para Ethan, ao contrário, era aceitável por que a realidade sempre tinha sido aquela. - São apenas genes, Adam. Tirando isso, o que resta?

Uma vez que o futuro médico não tinha resposta para aquilo, Ethan balançou a cabeça e continuou andando. 

***

Ao chegar o fim de seu turno na biblioteca, Ethan buscou por sua mochila no balcão onde sempre a deixava, e acenando uma última vez para Kyra, a dona do local, saiu. Ainda estava cedo, o céu claro e sol brilhando. Ele geralmente saía ao pôr-do-sol.

Ele não podia esperar para ver a Millie.

Perguntou-se se por acaso ela ainda estava na agência. A ideia louca de que ele poderia ir buscá-la lhe passou pela cabeça. Embora trabalhasse há duas quadras da agência dela, ele nunca havia ido até lá. Nunca havia cogitado a possibilidade e ela também nunca havia mencionado.

Ele queria conhecer onde ela trabalhava e, ele tinha que admitir, queria que mais pessoas soubessem que eles estavam juntos. Só quem sabia era a família, mas eles absolutamente não contavam. Ele queria que ela o apresentasse para seus colegas de trabalho, embora estivesse receoso de que ririam dele ou a julgariam como louca depois.

Um súbito medo lhe invadiu quando ele percebeu que a possibilidade era mais real do que pensara. Era melhor que ele descartasse a idéia estúpida. Mas ele queria vê-la logo, precisava. Vê-la apenas finais de semana era insuportável e logo Ethan queria aproveitar o quanto podia.

Ele não apareceria sem avisar, no entanto. Ethan ligou para o seu celular, torcendo para que não estivesse a atrapalhando. Ele imaginou que sim quando ela demorou a atender.

Ethan?

— Sim. Oi, Millie. - Sua língua se enrolou dentro da boca ao ouvir sua voz, embora ele fizesse o possível para evitar seu nervosismo. Eles já tinham passado dessa fase, por Deus. Ele pigarreou. - Hã... Tudo bem? Você pode falar?

Posso, mas tem que ser rapidinho. - Ela respondeu e então pediu para que ele esperasse; pouco tempo depois o barulho ao fundo foi substituído por silêncio. - Ok, agora sim. Eu estou bem. Vamos nos ver hoje?

Ethan sorriu por que a voz dela estava tão ansiosa como ele imaginava que a dele estava. - Eu estou ligando por isso. Eu saí da biblioteca mais cedo, então pensei que eu podia passar para buscar você. Você ainda está na agência?

Houve uma pausa. - Você quer vir aqui?

Ethan hesitou. - Tem problema?

Hã... Não, eu acho. Mas ainda vou demorar uma meia hora. - Ela disse depressa, torcendo para que ele desistisse da idéia.

— Eu espero. - Ele declarou ansioso. - Isso se realmente não houver nenhum problema.

Não, não tem. - Millie conteve a vontade de suspirar. - Tenho que ir, estão me chamando. Vejo você daqui a pouco.

Ethan murmurou uma despedida, mas ela já tinha desligado. Ele começou a caminhar para a agência, tentando sem sucesso desvendar como deveria ser lá dentro. Ele já havia passado por lá algumas vezes, por isso sabia onde era, e a entrada parecia de um prédio normal.

Havia uma recepcionista e esta estava gargalhando ao telefone, enquanto lixava as unhas. Ela ergueu os olhos rapidamente quando Ethan se aproximou, lançando-lhe um olhar entediado.

Ela afastou o telefone do ouvido, mas não desligou. - Pois não?

Sem jeito, Ethan fez menção de ajeitar os óculos no nariz, e então se lembrou que tinha o substituído totalmente pelas lentes no dia anterior. - Boa tarde. Eu vim aqui...

Uma voz interrompeu o que ele ia dizer. - Santa mãe de Deus! Isso está uma loucura hoje. Beth, você já conseguiu encontrar aquela irresponsável?

A recepcionista desviou o olhar assim como Ethan para o autor da voz. O rapaz se deparou com um homem alto e loiro, que usava um terno impecavelmente branco e um lenço colorido no pescoço. Ele tinha uma expressão furiosa no rosto.

A mulher recolocou o telefone no gancho, sem nem se preocupar em encerrar a conversa com quem quer que fosse e focou sua atenção no homem. - Não, Marc. Carmen não atende ao celular. Nem seu irmão nem sua mãe sabem onde ela se enfiou. Elas disseram que ela saiu ontem à noite e não voltou para casa. Não pareciam preocupados, no entanto.

— Claro que não, ela deve ter caído na cama com alguém enquanto bêbada e agora não sabe o caminho de casa. - Ele respondeu bruscamente enquanto suspirava alto. - Eu preciso fazer alguma coisa em relação a essa menina. Não dá mais para continuar como está. - O homem se lamentou um pouco mais e então percebeu Ethan. - E você aí, o que quer? Se veio deixar seu Book, volte outro dia. Às sextas-feiras, recebemos apenas de manhã.

Ethan balançou a cabeça, julgando que o cara só poderia ser descerebrado se achava mesmo que ele fosse algum modelo. - Não, eu... Só estou esperando uma pessoa.

Marc arqueou uma sobrancelha em curiosidade, e deu uma olhada em Ethan de cima abaixo. Novo, ele decidiu, interessante. - Uma das modelos?

Ethan estava sentindo como se estivesse sendo avaliado sob um microscópio. - Sim. Millie.

Marc arqueou ainda mais a sobrancelha e deu uma segunda boa olhada em Ethan. Ora, ora, Millie estava escondendo o ouro. - Você é namorado dela?

O rapaz corou furiosamente, abriu e fechou a boca algumas vezes. - Ah... Eu... Não sei.

— Eu fiz uma simples pergunta, rapaz. - O estilista estava se divertindo bastante com seu embaraço. Ora, ora, ora Millie, sua dissimulada, pensava. - Você não é um pouco novo demais para ela, não?

Ethan fechou a cara e respondeu friamente. - Não vejo como isso possa ser da sua conta.

Marc o encarou por um momento e então gargalhou alto, aproximou-se de Ethan e deu um tapa em suas costas. - De fato, rapaz, de fato. Você vai ter que esperar um pouco, ela está no meio de uma sessão de fotos agora.

Sem esperar por resposta, o homem disse para Beth que era para continuar tentando localizar Carmen e então guiou Ethan até os elevadores. Eles subiram até o sétimo andar e Ethan se deparou com um andar todo decorado na cor branca. Marc seguiu para um lado do corredor, pedindo para que o acompanhasse, e os dois foram parar em uma sala de espera.

Havia outro balcão de mogno branco e atrás dele uma secretária que utilizava o computador. A sala era toda branca, o colorido apenas nas almofadas nos sofás e nos quadros nas paredes. Marc disse algumas palavras à secretária, que encarou Ethan rapidamente e assentiu.

— Fique esperando aqui. Eu vou avisar a Millie que já chegou, mas como eu disse, ela ainda vai demorar um pouco. - Marc indicou um dos sofás e se afastou, sumindo por uma das muitas portas que tinham ali.

A secretária também o avaliou de cima abaixo enquanto ele se sentava e Ethan começava a pensar que aquilo tinha sido definitivamente uma má idéia. Durante uns quinze minutos, Ethan se sentiu parado no meio da Times Square, tamanho o fluxo de pessoas que passavam por ali com pressa. E então o improvável aconteceu.

Uma mulher alta e ruiva trajando um roupão longo abriu a porta por onde Marc tinha entrado e saiu de lá. Ela falava ao celular e pela sua expressão, não parecia ser coisa boa. Em sua pressa para sair, largou a porta aberta e Ethan teve um vislumbre claro de como era um backstage da moda.

Ele quis desviar o olhar, mas estava chocado demais. Pelo amor de Deus, havia um monte de mulheres lá dentro. Algumas se maquiando, algumas arrumando o cabelo, algumas conversando... Mas todas elas, todas, estavam usando apenas calcinhas e sutiãs. Ele sentiu literalmente seu queixo indo ao chão.

Uma delas finalmente percebeu que haviam deixado a porta aberta e os olhos dela se encontraram com os de Ethan. Ele engoliu em seco, sentiu o rosto e orelhas pegando fogo, e já estava abrindo a boca para pedir desculpa por ter olhado. A mulher nem pareceu se abalar muito; sorriu quando percebeu seu constrangimento e foi até a porta.

Ela era mais baixa do que a que tinha saído e morena. Ela estava usando uma lingerie branca minúscula e tinha seios que não podiam ter aquele tamanho naturalmente. Ethan não queria encarar, ele não queria... A mulher sorriu mais como se soubesse o que ele pensava e delicadamente fechou a porta outra vez.

Ele engoliu em seco por várias vezes e quando conseguiu desviar o olhar daquela porta, notou que a secretária o encarava com um sorriso debochado no rosto. Ah, perfeito.

— Se você namora a Millie, não é possível que tenha ficado impressionado com elas.

— Eu não... - Ele começou, mas parou no meio do caminho.

Não sabia nem ao menos que ia negar. Ele havia sim ficado impressionado, mas não pelo motivo que a secretária estava pensando. Mas ele não havia umas vinte mulheres seminuas todos os dias, obrigado. Que autoestima incrível a capacidade de não se constranger.

— Talvez você queira um copo de água? - A secretária ofereceu ainda com o sorriso debochado.

Ethan evitou revirar os olhos, mas ele precisava ficar tranquilo. - Eu quero, obrigado.

***

Millie só conseguiu se livrar da sessão depois de quarenta minutos. Queria tomar um banho e tirar os cremes que jogaram no seu cabelo, mas não queria que Ethan esperasse mais. Ela havia ouvido uma das modelos comentando sobre o incidente mais cedo e sobre como o pobre rapaz a encarou como se nunca tivesse visto uma mulher na vida.

Para ela, um incidente já tinha sido mais do que o suficiente.

O óleo que tinham passado pelo seu corpo estava a incomodando profundamente, assim como os cílios postiços que a obrigaram a colocar. Ela não podia parar para tirar nada daquilo, no entanto, precisava encontrar Ethan antes que ele visse mais alguma coisa que não devia ver.

Enquanto trocava de roupa, suspirou pela milésima vez no dia. Por que ele tinha insistido em ir? Por Deus, se havia um lugar no mundo que ela não queria que ele estivesse era em uma agência de modelos. Pior, na sua agência. Justamente com o probleminha que eles tinham. Agora ele poderia comparar muito bem todas aquelas mulheres lindas e cheias de curvas com ela.

Ele já tinha visto o bastante de muitas delas agora para saber, não era?

Bufando, ela se apressou para terminar de se vestir.

***

Ethan estava ficando um pouco preocupado quando algumas modelos saíram e Millie não. Ele checou o relógio algumas vezes e pensou em ligar para ela para saber se estava tudo bem, mas então ela apareceu com uma expressão estranha.

Eles permaneceram parados onde estavam por um momento, então Ethan se aproximou dela. Um pouco sem jeito, ele se inclinou e lhe deu um pequeno beijo nos seus lábios.

— Oi.

— Oi. - Ela hesitou e então o observou. - Você está sem seus óculos.

— Lentes.

— Eu gostava deles. - Millie comentou e Ethan se desesperou com a possibilidade de que talvez ele estivesse parecendo pior agora. - Enfim. Acho que é o costume de ver você com eles. E desculpa ter te feito esperar tanto.

— Sem problemas. - Ele segurou sua mão. - Você se importa se passarmos na minha casa? Eu vou tomar um banho, trocar de roupa e depois podemos ir onde você quiser.

— Não. - Millie concordou com a cabeça e notou a secretária os encarando sem nenhuma discrição. - Boa noite, Sheila.

— Boa. - A mulher respondeu com um sorrisinho.

Os dois começaram a andar e quando entraram no elevador, Millie disse. - Eu queria ficar em casa hoje. Podíamos alugar uns filmes e pedir uma pizza.

— Tudo bem, o que você quiser. - Ethan murmurou e continuou a encarando. - Millie, tem alguma coisa te incomodando?

A loira suspirou e balançou a cabeça. - Não, está tudo bem.

Ele não acreditou naquilo por um único segundo, mas não quis insistir para não chateá-la ainda mais.

Ele levou a mão dela até os lábios e beijou a palma. - Senti mesmo a sua falta.

Ela ergueu os olhos e um sorriso nasceu em seus lábios, logo alcançando todo o seu rosto até seus olhos brilharem. - Eu também senti.

***

No caminho, Millie permaneceu calada e assim prosseguiu por um longo tempo. Ele estava seriamente começando a se preocupar por que ela não era de ficar quieta daquele jeito, não perguntou nada porque queria dar espaço à ela.

Chegando a casa, ele seguiu para o seu quarto e Millie ficou esperando na sala, conseguia ouvir o som do piano. Dan devia estar ensaiando com a Angelinne. Encantada, ela continuou ouvindo a música com um sorriso no rosto até ele voltar.

Ela comentou. - É lindo ouvir seu irmão. Eu já o ouvi tocando milhões de vezes, mas eu sempre fico assim.

— Uhum. Podemos ir? - Ele sugeriu.

Ele sabia que era estúpido, mas não gostava da admiração nos olhos dela pelo seu irmão. E Millie pareceu perceber, pois seu sorriso lentamente morreu.

— Eu realmente não entendo o problema entre vo-...

— Não há o que entender. É o que é. - Ethan interrompeu. - Vamos?

Ela encolheu os ombros e balançou a cabeça, como se procurando ser paciente com uma criança teimosa. Em seguida saíram.

***

Os dois passaram em uma locadora no caminho e ao chegarem ao apartamento das irmãs, Tess estava saindo e eles se esbarraram na porta.

A bióloga sorriu. - Olá, maninha e Ethan. Até, maninha e Ethan.

O perfume da mulher deixou seu rastro mesmo depois de a morena ter entrado no elevador, com seu vestido notável e saltos altos. Ela estivera com cara de que ia aprontar. E Ethan podia imaginar com quem.

— Tomara que o plano de saúde de Adam cubra muita coisa. - Millie brincou, pensando na mesma coisa que ele.

Millie foi buscar o presente dele em seu quarto e retornou com um CD do System Of a Down nas mãos.

— Como você encontrou? Não encontro esse álbum mais em lugar nenhum. - Ethan exclamou enquanto segurava o CD como uma criança recém-nascida.

Millie sorriu. - Eu sei. Eu tenho os meus contatos. Você gostou?

Ele ergueu os olhos e a puxou pela cintura, beijando-a profundamente. - Muito. - Então beijou sua bochecha e seu pescoço. - Obrigado.

Enquanto a modelo foi tomar banho, Ethan pediu uma pizza por telefone. A preferida dela, mas se recusou a manter no pensamento que tinha conhecimento daquilo por causa do irmão.

Ele notou, talvez tardiamente, como já estava familiar com o apartamento dela. O bastante para saber onde estava cada objeto. Era verdade que nas últimas semanas, quando eles não saíam, ficavam no apartamento de Millie. Depois do ocorrido, eles estavam evitando testar a paciência de Alice.

Ela tinha se conformado mais com a situação, mas quando ele pronunciava o nome de Millie, Alice entrava em estado de alerta. Era engraçado por que elas realmente eram próximas, principalmente porque os trabalhos das duas envolvem moda, e agora a estilista estava toda sensível ao ouvir o nome da modelo.

Sorte que Millie não levava aquilo para o lado pessoal, ou então haveria um problema grande por um motivo bobo. Ethan se esticou no sofá e ligou a televisão, já não mais tão desconfortável como na primeira vez em que eles ficaram sozinhos no apartamento. Tess raramente estava em casa, sempre ocupada demais com o trabalho. Ou ao menos assim Millie afirmava.

Pelo que Ethan podia observar das duas, notara que elas eram próximas. Mas não como irmãs são, claro com a exceção dele próprio e seu gêmeo. O ponto era que Millie, sem querer puxar o saco, era mais receptiva do que Tess até quando conversavam. A bióloga parecia estar sempre reservando um pouco de si, nunca se doando por completo.

O oposto de Millie. E ele realmente não estava puxando o saco, era a realidade. Ela tinha um modo gentil e completo de se expressar. Quando eles ficavam juntos, Millie estava exatamente com ele, exatamente no momento, como se não houvesse nenhum outro fator tão importante quanto ele. Era lisonjeador, ele supunha, e um pouco enervante também.

Quando ouviu os passos no corredor, Ethan desviou os olhos da televisão por que realmente não havia nada ali que fosse interessá-lo mais do que Millie. Ele sentiu o cheiro dela primeiro; por Deus, por mais que ele tentasse não conseguia identificar o que era – apenas que era maravilhoso. E então ela apareceu.

O queixo de Ethan foi ao chão pela segunda vez no dia, mas dessa vez, permaneceu por lá.

O rapaz engoliu em seco várias vezes enquanto os seus olhos insistiam em avaliá-la de cima abaixo ininterruptamente. Por. Deus. Em seu momento de estupidez cerebral, Ethan tentou se lembrar se por acaso o seu plano de saúde cobria muita coisa.

— O que foi? - Millie perguntou inocentemente.

Ethan também queria saber. Não é como se ela estivesse super produzida. Ela não estava mesmo. Mas aquilo não mudava nada. No pescoço, estava usando um cachecol colorido que caía por cima de uma blusa branca de manga curta com os dizeres ‘Let’s Go to Bed?*’. Seria uma blusa simples se não fosse pela insinuação dos dizeres e do fato de que, por ser colada, pronunciava os seus seios e estômago liso.

Seus shorts ou... Calcinha, era também colado e na cor preta. Não haveria nada de errado se o short realmente não estivesse para uma calcinha de tão pequeno, tão colado... Ele podia ver o contorno de seu bumbum com perfeita claridade. Mas o pior não era aquilo, o pior... O pior era que ela estava usando meias.

Meias ¾ pretas. Transparentes, do tipo que fazia você enxergar sua pele clara como porcelana através do pano. Acabavam pouco abaixo do seu joelho, também evidenciando suas coxas a mostra. Ethan nunca tinha parado para pensar em meias ou o que elas faziam com a mente de um homem. Eram só meias, correto? Errado. Em Millie elas não eram apenas meias, elas eram sinais que exclamavam ‘venha me arrancar com os dentes’.

— Eu sei que estou meio que vestida para dormir, mas eu queria ficar confortável, e já que vamos ficar aqui... - Ela deu de ombros enquanto se sentava ao lado dele, esticando sobre suas longas pernas sobre as do rapaz.

Ela estava confortável, mas notou, com gosto, que ele não estava. E esse tinha sido seu objetivo. Ela realmente parecia que iria dormir e trajava aquela segunda fantasia masculina sobre o que uma mulher usava para se deitar. A primeira sendo, claro, a própria pele. Millie ponderou, mas decidiu que Ethan poderia ficar um pouco surpreso se ela aparecesse nua.

Ethan continuava a encarando fixamente, com olhos um pouco menos abertos do que arregalados e mais abertos do que o normal. A modelo estava contendo por pouco a vontade de sorrir e admitia que sentisse um pouco de compaixão pelo seu estado.

E?

Millie estava vestida como o pecado mais doce: letal, sem nenhum conhecimento daquilo. Ao menos na mente dele era assim. E ele era o pecador queria devorar a maçã por inteiro e então recriá-la para devorar tudo de novo. Mas de onde, ele pensou assustado consigo mesmo, todos aqueles pensamentos promíscuos estavam vindo?

— Eu preciso de água. - Ele retirou as pernas de Millie de cima das suas e se levantou; sua cabeça realmente girou os 360°.

Millie deu um sorrisinho quando ele estava de costas e então o seguiu até a cozinha. Ele já tinha bebido um copo de água e agora bebia outro. Ainda com sua expressão de confusa inocência no rosto, ela apoiou o cotovelo sobre a bancada da cozinha e o queixo na mão, encarando-o.

E, você está se sentindo bem?

Ethan teve o louco pensamento de que ela estava fazendo aquilo de propósito. Não havia a menor possibilidade de ela não perceber que ele podia ver metade do bumbum dela com aquele short. E ela não estava usando sutiã. Não. Estava. Usando. Sutiã.

Ele partiu para o terceiro copo de água, sentindo que todo o sangue do seu corpo resolvera se concentrar no seu órgão reprodutor. Em compensação, seu cérebro não recebia sangue nem o oxigênio. Talvez fosse por isso que ele não conseguisse pensar e sua cabeça estivesse girando.

Ele guardou a garrafa de água quando não aguentava mais ingerir o líquido e respirou fundo. Ethan podia sentir os olhos dela sobre suas costas, sabia que quando virasse ela estaria o encarando com olhos grandes e ingenuamente confusos. Enganou-se. Quando se virou, a única coisa que enxergou foi o ‘Let’s Go to Bed?’. Nada de cama, ele iria acabar a arrastando para o chão no próximo minuto.

Merda. Ele precisava beber mais três copos de água com a imagem que aquilo gerou em sua mente.

Naquele instante, a campainha tocou. Devia ser a pizza. Ethan fechou os olhos e agradeceu por que teria alguns minutos para clarear a mente e para que entrasse algum ar dentro de sua calça jeans.

Millie suspirou como se não estivesse entendendo nada. - Eu atendo.

Ethan abriu os olhos no mesmo instante. – Não, eu irei.

Ela não atenderia a porta daquele jeito se ele pudesse evitar. Ethan rapidamente pagou pela pizza e fechou a porta na cara do entregador; não queria correr riscos de ele ver nada.

Ethan depositou a pizza sobre a mesa de centro enquanto Millie vinha da cozinha com os braços cruzados.

Ela ajoelhou e abriu a caixa da pizza, fazendo uma expressão que para Ethan só poderia ser descrita como lasciva. - Uh-uh. Yummy.

Ele observou enquanto ao invés de esperar por talheres ou guardanapos, ela retirou um dos pedaços cortados com a mão mesmo e mordia. Em seguida, ela fechou os olhos e gemeu de uma maneira bem imprópria. Ethan passou uma mão no rosto em frustração e então foi pegar guardanapos antes que ele visse mais alguma coisa e explodisse ali mesmo.

Ela continuou comendo e observando enquanto ele colocava o guardanapo sobre a mesa, e ia até o aparelho de DVD com muito cuidado para não encará-la. A modelo mastigou calmamente e ao terminar seu primeiro pedaço, foi buscar um vinho na geladeira. Ela colocou para os dois em uma taça e se sentou no sofá, embrenhada a ele ao voltar.

Millie fingiu que não notou como o corpo dele ficou rígido ao lhe estender a taça, mas por dentro estava fazendo dancinhas felizes.

Era bem conveniente o filme que ela tinha escolhido, Ethan sentia pena de si mesmo enquanto o corpo de Millie estava colado ao dele e seu cheiro inundando seus sentidos. Eles haviam terminado de comer e agora assistiam ao filme. Millie nem se mexia de tanta concentração, já ele se mexia demais buscando algum conforto.

Ele queria ir ao banheiro para ver se conseguia fazer alguma coisa por si mesmo, mas sabia que quando voltasse sua cara de culpado ia denunciar logo o que fizera. Além do mais, seu rosto já pegava fogo só ao considerar a possibilidade. Mas estava ficando complicadíssimo.

O filme era Pecado Original. Não era possível, ela definitivamente tinha planejado toda aquela tortura. Ethan sabia que Millie era apaixonada pelo filme, mas ele evitava a todo custo ter que olhar nos momentos mais impróprios entre Angelina Jolie e Antonio Banderas.

Distraidamente, Millie começou a fazer círculos sobre o estômago dele com um dedo. Aquilo não estava sendo proposital, no entanto, o carinho apenas era natural. Para Ethan, não fazia a menor diferença.

— Millie. - Ele segurou sua mão.

— Hum? O que foi? - Ela ergueu o rosto, honestamente confusa.

Ethan suspirou e segurou em uma mão seu rabo-de-cavalo, logo após depositando a mesma sobre a nuca da modelo. E encostou a testa na dela; sua expressão tão intensa que era como se estivesse resolvendo um complicado problema.

Ela suspirou também, subitamente compreendendo que forçá-lo a alguma coisa não iria resolver nada. Pena que só tinha percebido isso depois de já ter esquematizado tudo. O problema era que ela não sabia o que fazer a seguir.

E? - Ela esperou até que ele olhasse para ela e então continuou. - Eu vou te fazer uma pergunta, mas eu não quero que você me leve a mal. Ok?

Ele assentiu, mesmo sabendo que se ela tinha dito aquilo é por que provavelmente ele iria levar a mal. E muito.

Millie hesitou e então disse. - Você tem algum problema com isso? Com sexo? Pode me contar se tiver e eu não quero pressionar você, mas eu queria saber por que tenho a impressão de que tem alguma coisa. E que é importante.

Eu não quero pressionar você.

Parece que a vida era bastante criativa em seus meios para humilha-lo.

A verdade é que não tenho certeza se você iria gostar de checar o meu corpo magricela depois dos homens incríveis com quem com certeza já dormiu. Não, não negue, eu sei que é verdade. Linda como você é? Por favor. Eu também tenho sérias dúvidas se vou saber como usar o que me foi dado pela natureza para fazer você sentir prazer. Ah, e a cereja do bolo? Eu penso que talvez tenha equipamentinho, ao invés de um equipamento completo e funcional, entende? Então, basicamente esse é o meu problema. Besteira, não é?

Ele era patético. Em alguma parte de seu cérebro, havia a consciência de que muito daquilo era ridículo e estúpido. Nada se podia fazer, no entanto, se todo o resto julgava as preocupações como sensatas. Então não. Definitivamente ele não poderia dizer a ela o que estava errado. Afinal, era bem provável que ela concordasse com a cabeça e o chutasse para fora do apartamento.

— Não é nada. Eu só... Acho que podíamos esperar - que os benefícios da academia começassem a fazer efeito e que isso de algum modo diminuísse o seu complexo de inferioridade e desse uma renovação em sua confiança. - só... Esperar.

Ela ficou em silêncio. Então, era aquilo. Como mais cedo naquele dia, quando ela não quis lhe contar o que estava a incomodando. Ele não fala, ela não fala. Ele se questiona, ela se questiona. Ele teme, ela teme.

Parece que eles já estavam começando bem à beça o relacionamento.

— Eu sinto muito. - Ethan declarou, porque não sabia mais o que podia dizer.

E os dois sabiam que ele não estava se desculpando pela decisão de esperar, e sim pela mentira. Ela sabia que era mentira. Ele sabia que ela sabia. A modelo não insistiu. Não por que não estava interessada ou por que achava que estaria invadindo a sua privacidade. Mas por que, embora a omissão dele alimentasse a dela, tinha consciência de que também não tinha contado a verdade a ele.

Millie deitou a cabeça no ombro dele e sentiu quando Ethan colocou um braço por cima de seus ombros. - Eu também, E.

Eles voltaram novamente a olhar para a tela da TV, mas nenhum deles assistia ao filme. Com as mentes ocupadas por suas inseguranças, não havia mais espaço para nada.

### - X— ###

Em um gesto não tão característico, Angelinne torcia os dedos uns contra os outros enquanto tentava manter a calma. O corredor do colégio estava cheio como de costume, mas ela não estava dando tanta atenção. Apenas o bastante para não esbarrar em ninguém.

Andando ao seu lado, Dan revirava os olhos. Eles fizeram o caminho até o teatro e não se surpreenderam ao encontrá-lo vazio. Eles estavam adiantados. Angel literalmente sentiu um calafrio ao olhar para o palco e questionou-se pela milésima vez o que havia de errado com ela.

Já havia feito o dueto antes e já subido naquele palco incontáveis vezes. Ela sempre sentia aquele frio na barriga antes de uma apresentação, mas era só aquilo. Geralmente era confiante e segura. Não sabia o que havia de errado daquela vez. Mas tinha uma idéia.

A Sra. Dennis havia pedido aos dois para que apresentassem o que tinham feito até ali. Ela estivera em contato com eles durante todo o tempo, mas queria ver com os próprios o andamento da apresentação. Nada mais justo, é claro. O problema era que desde que soubera Angel não conseguia relaxar. E aquilo só poderia ser por causa de Daniel. Ela já havia se apresentado antes? Já, mas era a primeira vez com ele.

— Ei, Angel. - Dan a segurou pelo braço e parou na sua frente. - Relaxa.

— Mas eu...

Shh. - Ele interrompeu seriamente e a segurou pelos ombros. - Respira fundo.

— Isso não...

— Quieta. E faça como eu estou dizendo. - Dan esperou até que ela o encarasse friamente, suspirasse e relaxasse os ombros. - Feche os olhos agora.

— O que você vai fazer? - Ela perguntou desconfiada.

— Abusar de você enquanto ninguém está olhando. Angelinne, fecha logo os olhos. - Ele declarou sem paciência. Ela torceu o nariz, mas fechou os olhos. - Relaxa.

Ela fez como dizia porque era mais fácil do que retrucar e porque a voz dele estava lhe causando aquela estranha sensação no estômago. Angelinne sentiu quando ele se aproximou dela, sabia sem olhar que o corpo dele estava quase colado no seu e quase abriu os olhos de novo.

Como se soubesse disso, ele voltou a murmurar. - Confie em mim.

O rosto dele estava próximo ao dela, Angelinne também podia sentir. Ele achava que beijá-la ia fazer com que relaxasse? Aquele presunçoso filho de uma...

— Não pense em nada. Só existe você aqui. Nem eu para te atormentar. - Ele acrescentou em um tom divertido. - Vamos, pare de pensar. Sua mente está sempre conectada, eu não sei como tem tanta energia.

— Como não se você convive com sua mãe todos os dias?

Ela podia senti-lo sorrir. - Espertinha. - As mãos dele moldaram o seu rosto, seus dedos indicadores se posicionando abaixo da orelha dela. - Pare de falar. Pare de pensar. Só sinta.

O coração de Angel disparou mesmo enquanto ela se esforçava para relaxar. Ela torceu os dedos das mãos e ele imediatamente a mandou relaxar novamente, em um tom que fazia com que ela quisesse dormir.

— E me ouça. - O hálito dele bateu contra os lábios dela no momento em que Angel sentiu os dedos massageando exatamente os pontos abaixo das suas orelhas.

Ela arqueou a cabeça para trás automaticamente, como se procurando mais da sensação. Os seus polegares começaram a fazer círculos nas bochechas dela e os seus outros dedos uma massagem lenta em sua nuca.

Ela escutou quando ele respirou fundo como se absorvendo o cheiro dela e então sua voz relaxante como um mantra. - Mas é claro que o Sol vai voltar amanhã. Mais uma vez eu sei. Escuridão já vi pior, de endoidecer gente sã. Espera que o Sol já vem. Tem gente que está do mesmo lado que você, mas deveria estar do lado de lá. Tem gente que machuca os outros. Tem gente que não sabe amar. Tem gente enganando a gente. Veja a nossa vida como está. Mas eu sei que um dia a gente aprende. Se você quiser alguém em quem confiar, confie em si mesmo. Quem acredita sempre alcança...

A cabeça de Angelinne girou, mas de um jeito bom. Ela não reconhecia o idioma que ele cantara, e em consequência não sabia o que a música dizia, mas parecia bom. Seus ouvidos não entendiam, mas algo dentro de si compreendera.

Angel podia negar o que quisesse, mas nunca poderia negar esta verdade: ela adorava ouvir Daniel cantar.

Suas mãos estavam grudadas na camisa dele, como se não quisesse deixar a sensação escapar, mas ela não estava ciente daquilo. Sua mente estava leve, tensão esquecida. Os dedos dele estavam tão bons, tão bons em seu rosto, em sua nuca. Ele estava a hipnotizando, não estava? Angelinne só poderia pensar que sim quando o pensamento de que ele parecia estar fazendo amor com a voz e com as mãos lhe cruzou a cabeça.

— Você está ótima, Angel. Você fez uma coreografia espetacular e você interpreta com o corpo exatamente o que eu queria passar com a minha música. E eu acho que o objetivo é esse. Nós formamos uma boa dupla. E é isso que nós vamos mostrar para a Milla. - Ele comentou com o tom relaxante que havia usado para cantar. - Então o que você está temendo, afinal? Nós somos bons para cacete juntos.

Ela sorriu, não apenas por que sabia que aquela tinha sido a sua intenção, mas por que foi realmente sua vontade. Ela abriu os olhos e constatou que o rosto dele estava bem de frente ao seu. Dan não se afastou e nem tirou os dedos do rosto dela. Com uma delicadeza tão surreal que Angelinne tinha certeza que era a primeira vez que conhecia o Dan quem escrevia as lindas músicas.

Bobamente, quis cumprimentá-lo, dizer que era um prazer conhecê-lo e que era para ele se estabelecer totalmente naquele corpo.

Ele acariciou de novo sua bochecha. Seu olhar também era gentil. - Melhor?

Ela assentiu, por que sua garganta estava bloqueada por alguma coisa. Seu cérebro registrou que eles não deviam estar tão perto daquele jeito, que ele não devia estar com as mãos no seu rosto e – Jesus— ainda massageando sua nuca com os dedos, e que ela com certeza não devia estar com as mãos grudadas na camisa dele. Ela não se moveu para longe, no entanto. Sabe lá Deus por quê.

Mais tarde ela julgaria seu comportamento como culpa da hipnose. Era perfeitamente aceitável que ela estivesse encantada com o Dan músico.  Ele era encantador, se fosse ao menos metade do que refletia nas suas letras.

Daniel respirou fundo outra vez e ele parecia mesmo estar inalando seu cheiro, por alguma razão. Seu polegar tocou seus lábios como mais cedo, mas pelo seu olhar não havia razão para duvidar do motivo pelo qual ele estava fazendo aquilo agora. Ele estava com o cenho franzido como se de repente não soubesse ao certo o que devia fazer com ela.

Ele não precisou descobrir por que as portas do teatro se abriram com um estalo, anunciando que eles não estavam mais sozinhos. Angelinne se afastou imediatamente, questionando-se de um milhão de maneiras diferentes o que diabos ela pensava que ia fazer.

Bem, todos sabiam o que eles estiveram prestes a fazer.

Angel resmungou para si mesma enquanto ouvia um gritinho histérico, ‘Daaan!’. Era uma das admiradoras dele, claro. Uma menina loira que fazia Matemática II e Geologia com ela se jogou em cima de Daniel em um exagerado cumprimento.

Bem, estava na cara que o objetivo de tudo aquilo tinha sido deixá-la mole e disponível para ele. E Angelinne idiotamente tinha caído. Em vista do que tinha acontecido com ela, era inteligente imaginar que ela fosse ficar mais esperta... Talvez não fosse tanto quanto gostava de pensar. 

Assim que conseguiu enxergar por entre a cortina loira que era o cabelo de uma menina na sua cara, Dan buscou Angelinne com o olhar. - Angel?

Ela já estava há bons metros dele, indo se sentar em uma das poltronas do teatro. Bem, bem longe. Daniel suspirou em irritação, não exatamente ciente do porquê. Mas ele sabia que estava acontecendo alguma coisa ali antes de todo mundo resolver aparecer ao mesmo tempo.

— Sentados, crianças! - Millie disse alto ao chegar. Sorriu para Daniel e para a loira que ainda se pendurava em seu pescoço. - Olá, Dan. Onde está a Angel?

— Ela já foi sentar.

— Hum. Vocês vão me surpreender hoje?

Ele sorriu. - Por acaso você está me confundindo com alguém se acha que ainda tem que perguntar. Sim, nós vamos. Angel está ótima.

Hu-hum. - Milla arqueou uma sobrancelha para o tom. - Vocês estão se dando melhor, eu suponho.

— Conseguimos nos resolver. - Dan respondeu, embora estivesse ciente de que eles tinham se resolvido há menos de vinte e quatro horas atrás.

— Fico feliz. - Milla disse e então finalmente identificou Angelinne no meio dos outros, sentada em um local afastado. Reconheceu sua expressão de ‘morra-quem-tentar-se-aproximar’ e lançou um olhar à loira com Dan. - Talvez você devesse ir se sentar com ela?

— Ah. - Dan também estava reconhecendo a expressão de Angel. - É... Eu vou.

Milla assentiu. - Sim. Eu acho que seria uma escolha sensata.

Ela se afastou depois disso com um sorriso. Daniel levou cinco minutos para conseguir se livrar de Susie, era este o nome da loira, e então foi até Angelinne. Ele notou que a expressão se tornava mais fria a cada passo que ele dava em sua direção.

Sorriu. - Ei, você não me agradeceu.

Ela ergueu os olhos e disse em um tom que congelaria lavas. - Obrigada.

Whoa. Não precisa me afogar com tanta gratidão. - Ele se sentou ao lado dela, embora soubesse que ela não queria. Havia ido se sentar no canto onde não tinha mais ninguém, afinal. - Está mais calma?

Ela suspirou, como se tentasse se conformar de que teria que aturá-lo e cruzou os braços, recusando-se a manter um diálogo.

Dan olhou para onde Milla agora falava com o público. - Posso saber o porquê da atitude glacial? Temos um acordo, lembra?

— Atitude glacial?

Droga, os lábios dela estavam se curvando.

Ele a encarou e deu uma piscadela. - Eu sei que você se descontrola com meu humor único.

Angelinne balançou a cabeça. - Eu nunca me descontrolo.

Os olhos dele fincaram nos olhos dela de uma forma que a fazia lembrar-se da proximidade em que eles estavam mais cedo. - Não se preocupe, Angel. Eu cuido disso para você.

Então ele virou o rosto, novamente ouvindo ao que a Sra. Dennis dizia. Mas Dan tinha visto a expressão de Angelinne com sua frase.

Por saber que estragaria a situação, ele conteve seu sorriso.

***

A apresentação foi ótima e surpreendeu não só a Milla, mas a um bocado de gente. Ninguém ali estava esperando que eles realmente fossem deixar suas desavenças de lado e criar um espetáculo.

Quando os dois desceram do palco, após um longo período de aplausos, foram cumprimentados por um monte de gente.

Angelinne estava com um sorriso aberto ao sair do teatro. - Eu não acredito! Todos adoraram!

— É claro que gostaram. Eu disse, nós somos ótimos juntos. - Dan comentou em um tom de obviedade, mas sorriu para sua animação. - Você parece que ganhou um prêmio.

— Ora, de certa forma sim. - Ela respondeu e então o encarou, notando que ao invés de seguir seu próprio caminho, ele continuava andando ao seu lado. - Então. Eu tenho aula agora.

— Eu sei. Eu vou acompanhar você até lá.

— Por quê?

Daniel revirou os olhos. - Pelo prazer da sua companhia. Algum problema nisso?

Angelinne balançou a cabeça. - Não, mas não é necessário.

— Não estou fazendo por que é necessário, e sim por que eu quero.

Ela suspirou, desistindo de tentar fazê-lo enxergar a lógica. Angel estava notando que estavam atraindo olhares enquanto pegava a mochila em seu armário e alguns livros. Claro que todo o colégio sabia que eles se detestavam, e embora estivessem no dueto juntos, não era como se tivessem virado melhores amigos.

— Todos estão olhando para a gente. - Angel comentou, incomodada.

Pelo que ela se lembrava sua sala não era tão longe. Parecia que eles estavam andando há três anos.

— Eu estou acostumado. - Dan sorriu quando ela olhou para cima como se pedindo por paciência ao Senhor.

Angelinne se lembrou de algo. - Que música era aquela que você cantou para mim lá no teatro?

— ‘Mais uma vez’. É de um cantor brasileiro, Renato Russo. Bonita, não é?

— Sim, é. Eu não sabia que você gostava de músicas brasileiras.

— E aí, Dan.

Daniel ergueu os olhos e viu quando Josh Randall passou pelos dois. Por algum motivo que Dan não compreendia, o cara sempre tinha achado que eles eram amigos. Claro que, apenas em sua mente. Ele era um mauricinho que se achava Bad Boy.

— E aí. - Ele respondeu desinteressado, mas notou que Josh não estava olhando para ele.

E sim para Angelinne.

— Angel. - O loiro mostrou seus dentes brancos em um sorriso. - Eu quase não te vejo mais por aí. Está me evitando?

Dan podia sentir que ela tinha ficado rígida ao seu lado e apertava os livros contra si. Josh a encarou esperando a resposta e com seu sorriso irritante na cara.

— Ela tem estado ocupada. - Dan respondeu mesmo que não fosse da sua conta.

Ela não ia o fazer mesmo.

Josh olhou para ele outra vez e seu sorriso cedeu um pouco. - Ah. Entendi. - Todos sabiam a conclusão que ele tinha tirado daquilo. Ele encarou Angelinne de novo e tocou em uma mecha de seu cabelo. - Até mais ver, Angel. Vê se aparece.

Daniel balançou a cabeça quando ele tinha ido embora. - Idiota. - Ele observou Angelinne, que permanecia calada enquanto eles voltavam a andar. - Então, qual é o lance entre você e o playboy?

— Nenhum. Como você disse, ele é um idiota. Minha aula é aqui. - Ela parou em frente a uma das portas no corredor. - Até depois, Daniel.

Sem encará-lo de novo, ela entrou e bateu a porta.

Daniel enfiou as mãos nos bolsos. Nenhum? Claro, e ele era a reencarnação de Elvis Presley. Ele não tinha gostado nada, nada do sorriso zombeteiro no rosto de Josh. E muito menos do comportamento subitamente silencioso de Angelinne.

Ela não era o tipo de pessoa que desviava o olhar, mas que enfrentava o problema. E com certeza não ficava calada quando recebia alguma provocação. Então por que com o Randall havia sido diferente? Daniel queria descobrir.

***

Por que fazia alguns séculos que ele não ia à casa de seus avós, Daniel foi até lá ao sair do colégio. Seu avô devia estar no trabalho, como de costume. Mesmo que o médico já houvesse o proibido. Eu estou respirando e andando, por que não posso ir trabalhar?, ele sempre dizia. Carlisle Cullen apenas deixaria de trabalhar quando o inferno congelasse.

Como todos da família, Daniel também afirmava fielmente que seus avós viveriam para sempre e sempre.

Quando tocou a campainha, imediatamente ouviu os latidos do outro lado e logo os arranhões na porta. Warm ficava alucinado com o barulho da campainha.

Assim que Summer abriu a porta, o cachorrinho correu e começou a tentar subir nas pernas de Daniel. Summer usou um tom duro mandando o cachorro se controlar, mas claramente Warm a ignorou.

— E aí, amigo. - Daniel pegou a pequena bola de pelos e enquanto coçava suas orelhas, recebeu lambidas na cara. - Também estou contente por ver você.

— Eu estou sempre dizendo que esse cachorro é absurdamente carente. - Summer suspirou como se não houvesse mais esperanças de conserto para o pobre animal. - Entre, Dan. Sua avó está no jardim lanchando.

— Obrigada, linda Summer. - Dan sorriu e a beijou na bochecha. - Quando se casará comigo?

Ela riu. - Quando você me disser que vai sossegar com uma mulher só.

Daniel suspirou. - Mas a eternidade é muito longa, querida. Não sei se posso esperar.

Ela revirou os olhos e deu uma palmada na bunda dele. - E você é novo demais para mim, menino. Vá logo encontrar sua avó antes que acabe me convencendo com seu charme irresistível.

— Que isso, quantos anos você tem, cara donzela? Aposto que ainda não saiu dos dezoito. E idade não importa para um coração tão apaixonado como o meu.

A cozinheira gargalhou. - Ah se suas palavras fossem verdadeiras. Infelizmente eu já fiz trinta. - Ela balançou a cabeça em seguida. - E de qualquer forma, você vai ter que me disputar com o Tom. Ele vem aqui mais do que você, afinal. E você quem é o desocupado.

Ciente do caminho da conversa, Daniel tratou de se continuar andando. - Eu procuro preservar minha sanidade, Summer. Você me deixa louco cada vez que te vejo.

Sempre dando um jeito de desconversar, Summer pensou enquanto o observava se afastar. Ela estivera trabalhando na casa dos Cullen por uns três anos agora, mas a atitude acolhedora da família fazia com que sentisse parte da mesma. Principalmente por ter perdido seus pais ainda nova.

E como membro da família, ainda que por consideração, ela conhecia bem a todos eles. E ela sentia que o menino Dan, como o chamava, ainda daria muito trabalho por estar tão perdido em sua própria vida.

**

Esme Cullen adorava ter a casa cheia. E quando Dan apareceu para fazê-la uma visita, ela viu a oportunidade perfeita para tal. Esperou a hora do Crepúsculo, no entanto, pois sabia que todos estavam ocupados durante o dia.

Então sutilmente sugeriu ao neto. - Dan, querido, por que não liga para o Tom e pede para ele vir encontrar conosco? Ele deve estar indo pegar Mel no colégio e assim poderiam vir os dois.

Daniel sorriu como se soubesse exatamente o que a senhora queria. - Tudo bem, vovó.

Enquanto ele se levantava para telefonar, Esme entrou em casa e se dirigiu até a sala de estar. Telefonou para a casa de sua filha.

Olá, mamãe. A senhora está bem? - Alice atendeu.

Esme revirou os olhos por que ultimamente ela sempre lhe fazia aquela pergunta. - Ótima como sempre, obrigada. Espero que esteja bem, meu amor. Mas eu liguei para falar com Ethan. Ele está?

— Não. - A voz de Alice foi um pouco controlada. - Ele estava ‘ocupado’ esta noite, assim como tem estado ‘ocupado’ durante todas as noites nas últimas semanas. Provavelmente vai encontrar com a Millie. Devem sair ou algo do tipo. Agora ele não fica mais em casa no seu tempo livre, entende.

Esme sorriu docemente. - Eu aposto que você deve estar adorando isso.

Eu estou pagando pelas vezes em que te desmenti quando dissera que eu ia sentir o que você sentira quando comecei a namorar.

A senhora gargalhou maravilhada. - É tão bom constatar que eu estava certa. Mas é uma pena, eu ia chamá-lo para vir jantar aqui. Adoro a casa cheia, como você sabe. E seu outro filho está aqui, por falar nisso. Convenci-o a ligar para o Tom e a Mel para que viessem também.

Imagino que sim. E eu sabia que Dan estava aí, surpreendentemente ele ligou para avisar. E é ótimo que ele fique por aí, Jass só vai para o hospital a tarde amanhã e eu estava mesmo querendo sair com ele e... Não voltar hoje. - A estilista deu uma risadinha feminina.

— Querendo se livrar dos seus filhos? Que péssimo exemplo.

— Eles que querem se livrar de mim. - Ela disse com um suspiro.— Mas faça um favor ao meu coração, e tente manter o Dan aí pelo resto da noite, ok? Eu realmente adoraria saber que ele não saiu para beber. Por uma noite.

— Eu ainda guardo algumas correntes no porão da sua época. - Esme comentou e a filha riu outra vez. - Até depois, meu amor. Divirta-se hoje.

— Até. Um beijo. Cuide-se, mamãe. E nada de cair de boca nos bolos da Summer, lembre-se que sua glicose estava alta.

— Nem comer mais eu posso... - Esme desligou reclamando e então seguiu até a cozinha procurando por Summer.

A cozinheira estava terminando de passar calda de brigadeiro em um bolo e Esme instantaneamente decidiu que ignoraria o conselho da sua filha.

— Deixe-me adivinhar, veio me avisar que mais pessoas virão jantar? - Summer comentou.

— Sim. Hoje eu consegui. - Esme se controlou para não fazer uma dancinha da vitória. - Sabe como é, se eu não insistir, eles me abandonam.

— Isso é uma calúnia. - Dan entrou na cozinha a tempo de ouvir sua frase e lhe beijou na bochecha. - Tom e Mel estão a caminho.

— Ora, isso é ótimo. - Esme sorriu belamente enquanto Summer ria.

***

Ela realmente adorava ver a casa cheia. Esme acariciou Warm em seu colo e admirou a cena ao redor.

Adam e Millie também tinham ido até lá, em adição à Tom, Mel e Dan. Aquilo apenas tinha levado mais alguns telefonemas e lamentações de abandono por parte de Esme. Seus netos sempre cediam quando se queixava de estar abandonada e ela não sentia nenhum remorso por tirar vantagem de seus pontos fracos.

Valia a pena para estar com eles.

Pensara em ligar para Tess, mas Adam a informara de que a bióloga iria fazer hora extra no trabalho naquele dia. E ainda completara afirmando que ela sempre fazia hora extra. Esme não se surpreendera por ele saber tantos detalhes assim sobre a mulher, mas tirara um minuto ou dois para avaliar o fato de que todos eles resolveram começar a se relacionar entre si.

Adam estava discutindo com Dan e Thomas sobre um jogo de baseball que passava na televisão. O engenheiro, no entanto, estava sentado ao lado de Melanie e mantinha um braço sobre seus ombros. Millie estava contando alguma coisa a menina, mas vira e mexe lançava sorrisos à senhora para que não se sentisse excluída.

Esme havia decidido por não participar da conversa. Deus sabia como ela gostava de fazer apenas aquilo: sentar e observar seus netos.

— Dan? Por que não liga para a Angel para ver se ela não quer vir aqui também? - Sugeriu Esme mais uma vez, claramente buscando mais jovens para preencher sua sala e fazê-la sentir parte deles. 

Todos pararam o que fazia e encararam Daniel, que estava confuso sobre por que ele tinha sido convocado para ligar para Angelinne. - Ah. Ela deve estar ocupada.

— Ora, apenas saberemos se você ligar, não é? - A vovó sorriu gentilmente.

— Hum. Ok. - Ele disse e saiu da sala. Voltou dois minutos depois e sua expressão demonstrava alguma surpresa. - Ela vem.

— Esplêndido! - Esme exclamou em animação, fazendo Warm latir com o mesmo entusiasmo.

**

Dito e feito, Angelinne apareceu e todos na sala perceberam a forma como o olhar de Dan mudou quando ela entrou na sala. Ele se sentou ereto, uma vez que estivera jogado no sofá.

— Boa noite. - Ela saudou.

— Boa noite, meu docinho. - Esme se conteve para não rir por que também tinha notado a reação de Dan e foi abraçar a menina.

Angelinne sorriu. - Olá, vovó. - Enquanto abraçava a mulher, pensou mais uma vez que sua avó ela era, independente do sangue. - A senhora está linda como sempre. Já disse que quando eu crescer, quero ser como você, não é?

— Já, mas pode continuar dizendo, eu não me importo. - Esme riu. - Venha se sentar com a gente.

Daniel observou a expressão de Angelinne e decidiu que ela estava como sempre estivera, sem nenhuma sombra de seu comportamento mudo de mais cedo. Mas ele não desistira e nem desistiria de descobrir. Apenas seria sutil sobre o fato.

— Vem cá, Angel. Senta aqui do meu lado. - Adam checou para o lado no sofá para que assim ela pudesse sentar e passou um braço sobre seus ombros. - Agora me diz. Fiquei sabendo que você ganhou um prêmio no colégio essa semana.

Angel encolheu os ombros e lançou um olhar a Mel, porque sabia que era a única que poderia ter dito algo sobre aquilo. - Não foi nada demais.

— Aaah, mas eu fiquei sabendo que foi sim. - Tom insistiu. - Teve condecoração e tudo.

Angelinne gargalhou. - Ou Mel exagerou ou você está inventando isso.

Thomas sorriu inocentemente. - Mel exagerou então.

— Claro. - Melanie revirou os olhos. - Não teve condecoração, mas não é todo dia que alguém ganha um prêmio de melhor nota do colégio inteiro.

— Ora, querida, mesmo? E você não comenta nada? - Esme a encarou com orgulho nos olhos.

Angelinne quis esconder seu constrangimento. - Não foi nada, vovó. E isso também por que o Ethan não estava mais lá ou eu não teria tido chance alguma. Ele é brilhante, todos sabem. - Ela garantiu e então sem dó nenhum passou a bola para outro. - Millie pode confirmar.

Foi a vez de a modelo corar. - Eu não sei, não. Você sempre foi uma cabeçuda também.

A menina abriu a boca em choque. - Eu não sou uma cabeçuda.

Em meio a risadas, Daniel subitamente se levantou e saiu da sala. Alguns trocaram olhares, mas logo trataram de continuar a conversa como se nada houvesse acontecido. Às vezes era difícil acompanhar os humores de Daniel. Todos, no entanto, notaram quando após um tempo, Angelinne discretamente saiu também.

Esme sorriu e ofereceu a Warm um de seus biscoitos favoritos. 

**

Ele estava no jardim, com as mãos nos bolsos e chutando a grama como se para compensar o fato de que não podia chutar outra coisa.

— Vovó Esme vai adorar saber que você está maltratando suas plantas. - Angelinne comentou de trás dele.

Ele grunhiu, mas parou de chutar a grama. Continuou virado de costas ainda assim. Angel cruzou os braços e caminhou até ele, parando ao seu lado.

— Eu devo perguntar o porquê de sua saída dramática ou é perda de tempo?

Ela pensou que ele fosse ignorá-la ou responder que não era da conta dele. Pensou até ser possível que ele virasse de costas e voltasse para dentro, recusando-se a admitir sua presença.

Para sua surpresa, ele respondeu diretamente. - Por que você não me contou que tinha ganhado um prêmio no colégio?

Ela não acreditou no que seus ouvidos lhe passavam. - Ah, como? Toda aquela falta de educação por que eu não disse que ganhei um prêmio?

— Sim! - Ele respondeu alto como se fosse mais do que razão suficiente. - Eu encontrei você ontem e hoje mais cedo, e você não mencionou. Claro que foi só para mim, por que pelo visto todos já estavam sabendo.

— Pelo amor de Deus, Daniel. Você percebe como isso não faz o menor sentido?

— Por que não faz? Eu achei, Angelinne, que as coisas iam melhorar com o nosso acordo.

— Nós não viramos melhores amigos por causa de um acordo estúpido! Eu não tenho que te contar tudo o que acontece comigo. - Ela murmurou mais irritada do que gostaria de estar.

Daniel hesitou. - Tudo, ou nada? Você também não me contou sobre o Randall. E eu acredito que seja o que for é muito mais importante do que um prêmio.

Ela ficou calada assim como mais cedo por um longo tempo. - Eu te disse que não é nada.

— E eu não acredito em você, Angelinne. - Ele se virou para ela. - Eu acho, não, eu tenho certeza de que é alguma coisa. E eu tenho certeza de que tem a ver com o segredinho entre você e a família. Segredo do qual eu não participo!

— Mas como é que você sabe...

— Não importa como eu sei. O que importa é que aparentemente eu não sou bom o bastante para saber do que quer que seja.

— Isso não tem nada a ver com... Nós não tínhamos nem que estar tendo essa conversa. Minha vida é da minha conta e você não tem nada a ver com isso.

— Eu sei, Angel. Eu estou percebendo. - Daniel disse com a voz baixa. - Só eu não tenho, afinal. Aposto que até meu irmão sabe, não é.

Angelinne abriu a boca e fechou. Percebeu quando os olhos dele brilharam de raiva. - Dan...

Ela gargalhou, com um nível de raiva surpreendente. - Ethan. Até ele sabe. Por que, Angelinne? Ele não se importa com porra nenhuma além dele mesmo e com sua carreira notável! Por que ele sabe e eu não?

Ela pressionou o dedo contra uma têmpora. - Talvez você queira se lembrar de que nós não nos dávamos tão bem assim...

— E você se dá bem assim com meu irmão? Eu nunca vi! Ah, mas eu suponho que sim! Afinal, ele é brilhante, não é. Claro que com seu QI elevadíssimo, ele é muito mais indicado a ficar sabendo do que eu...

— Dan, isso é ridículo! - Ela balançou a cabeça, ciente de que ele estava gritando. - Qual é o objetivo de ficar discutindo sobre algo assim? Se eu não te conhecesse, diria que está com ciúmes.

— Eu não estou com ciúmes! - Ele gritou ainda mais alto. - Eu só estou cansado de ter a maravilha que é o Ethan jogada na minha cara toda a porra do tempo!

— Mas o que está acontecendo aqui? - Melanie apareceu, com Thomas atrás de si.

— Merda nenhuma! Só estamos conversando. Será que eu ainda tenho direito a isso ou é pedir demais para o imprestável do Dan?

Até Thomas parecia chocado com o estado do amigo. - Dan, o que está havendo, cara?

— Está tudo bem, nós já vamos entrar. Não deixa a vovó vir aqui, ok? - Angel respondeu.

Quando os dois hesitaram e então entraram de novo, Angelinne encarou Daniel com olhos frios. - E você, aqui.

Ela puxou-o pelo braço como uma criança e então o colocou sentado em uma das cadeiras do jardim.

— Eu não vou...

— Agora você vai calar a boca e quem vai falar sou eu. - Angel o interrompeu duramente. Quando ele começou a distribuir outra dúzia de palavrões, ela cerrou os olhos. - Suas palavras imundas não me afetam, Daniel. Você pode continuar com elas se quiser, mas vai me ouvir de um jeito ou de outro.

Ela parou e respirou fundo quando ele continuou a encarando. - Olha, eu não faço a menor ideia do que diabos deu em você e nem tentarei entender. Eu só vou te dizer três coisas: a minha vida é minha, e continuará sendo independente do fato de você achar que tem que ter um relatório completo sobre ela ou não. Nós não nos dávamos bem, entramos num acordo ontem e eu não tenho obrigação nenhuma de dar explicações a alguém que eu ainda nem decidi se gosto. Segunda coisa, aconteceu um problema comigo sim, seu irmão sabe disso sim por que eu tenho mais afinidade com ele do que tenho com você. Isso pode mudar, Daniel, mas pode ter certeza que não vai ser com você berrando e questionando os meus motivos. E por último, você é mais idiota do que eu pensei se for ficar se comparando ao Ethan e se diminuindo dessa forma! Vocês são universalmente mais diferentes. E eu sei que vocês não se dão bem. Que você não tirava notas tão boas quanto ele? Isso é verdade, então lide com isso ao invés de reclamar! Mas ele sabe compor como você, Dan? Não! Ele sabe tocar como você? Não! Ele sabe cantar como você? Não! Então preste atenção nos seus atributos ao invés de se concentrar nas qualidades do seu irmão que você não tem. E por Deus, viu o que você fez? Eu estou gritando, porra!

Após o discurso longo da menina, até o vento deixou de soprar para dar lugar ao silêncio.

Então, com algo que Angel só podia identificar como descaramento, Daniel deu um pequeno sorriso. - Eu acho que é a primeira vez que ouço você xingar.

Ela soltou o ar exasperadamente. - Eu não xinguei. ‘Porra’ é uma palavra feia, apenas.

O sorriso dele se ampliou, até que alcançasse os olhos, até que ele começasse a rir. Angelinne revirou os olhos, considerando o fato de que ele era bipolar, e surpreendendo a si mesma, começou a rir junto a ele.

— Eu sinto muito. - Dan murmurou. - Eu me descontrolei. O fato é que eu estava irritado desde cedo por que Josh provocou você e eu não pude fazer nada, por que não fazia e não faço idéia do por que. E eu não gostei de como você ficou amuada depois disso.

Angel ergueu o queixo, recusando-se a pensar em Josh mais uma vez. - Eu nunca fiquei amuada na minha vida.

Ele sabia melhor do que para rir. - Claro que não, deve ter sido impressão.

— Com certeza. - Ela confirmou em um tom de ameaça. - Vamos voltar para dentro. A vovó deve estar preocupada, achando que aconteceu alguma coisa.

— Angel. - Ele segurou sua mão antes que ela pudesse se afastar. - Obrigado pelo que você disse. E você nunca vai contar para ninguém o que eu disse aqui sobre ser menos do que o Ethan. Foi um momento de insanidade por causa da raiva.

Ela não achava que era, não mesmo. Mas não iria insistir, até por que podia ver que Dan tinha se fechado de novo. Embora a situação crítica, Angel podia admitir que tivesse gostado dos minutos que pudera estar dentro da mente dele.

Ela sorriu. - Hum... Quer dizer que eu tenho um segredo de Daniel Cullen em minhas mãos? - Ela repetira o que ele dissera há um tempinho atrás. - Acho que estamos quites, Dan. Tête-à-tête.

Ele suspirou. - Acho que sim. Mas eu ainda tenho sua lista de erros comigo.

Ela grunhiu. - Não me lembre.

***

Felizmente, Tom e Mel não pareciam ter compartilhado a cena que viram no jardim com mais ninguém. Apenas encaram os dois em preocupação quando entraram. Dan, admitindo para si que estava constrangido pela sua alteração, acenou a cabeça para os dois que o encaravam como se não acreditasse na transformação que tinha ocorrido: da fera raivosa à pessoa civilizada. Ou em seu caso, quase civilizada. 

Mas sinceramente, nem ele.

Dan ainda não podia acreditar no que Angelinne tinha dito. E pior, no que ele tinha dito para ela. No que ele estivera pensando? Aquilo sempre estivera dentro de sua mente, para apenas ele ter conhecimento. Não é como se ele precisasse que todos soubessem como ele se sentia. Ao menos agora ele sabia que, mesmo que reclamassem por ele beber, quando estava com raiva era muito mais perigoso a revelar o que não devia do que quando bêbado.

— O que foi, querido? Está sem apetite? - Sua avó depositou uma mão sobre a sua.

Então Dan notou que ele estivera brincando com a comida enquanto perdido em pensamentos. - Não, eu só estou tentando prolongar mais o tempo já que ficarei sem a comida de Summer por muito tempo.

Ele sorriu à cozinheira que estava sentada na mesa com eles, como os Cullen sempre faziam questão, e então lançou um olhar a Angel. Ela tinha um sorriso no rosto e seu olhar dizia a ele claramente ‘você sabe se safar muito bem’. 

— Isso não aconteceria se viesse mais vezes aqui. - Carlisle entrou na sala de jantar e sorriu ao ver tantos rostos.

— Para quê, vovô? O senhor nunca está em casa. - Dan comentou.

— Isso é verdade. - Esme alfinetou, por que não podia perder a chance de implicar com o trabalho do marido.

Carlisle balançou a cabeça e foi cumprimentar a esposa com um beijo nos lábios, em seguida falou com cada neto com um grande abraço, embora estivesse cansado do trabalho. Ele nunca iria admitir, é claro. Em seguida afirmou que tomaria um banho e logo se juntaria a eles.

— Agora, sabe o que seria ótimo? - Esme disse, chamando a atenção. - Se o Dan cantasse algumas músicas depois do jantar.

— Sim, seria ótimo. - Millie apoiou.

Logo Melanie e Summer também insistiam enquanto o pânico que sempre lhe inundava nessas horas atingia Dan. Então ele teve uma idéia.

Sorriu. - Claro. Mas só se Angelinne me acompanhasse.

Ela engasgou com a Coca que tomava e precisou receber tapas de Adam nas costas. - Como? Eu? Eu nem sei cantar.

— Isso não é verdade, Angel. Você tem uma bela voz, e não seria ótimo se pudesse dançar também? Agora que descobri que dança bem, nunca mais farei esses espetáculos sozinho.

Quando percebeu todos a encarando em expectativa, Angelinne relutantemente concordou com a cabeça.

**

— Acho que poderia ser uma do Jason Mraz. – Daniel sugeriu.

— Acho ótimo.

Enquanto eles resolviam o que apresentar, Esme se sentava no sofá ao lado de Carlisle e Warm, que se embrenhava em seu colo. Mel e Millie estavam sentadas no outro sofá, Adam e Thomas estavam no tapete doidos para assistir ao show. Eles estavam confiantes de que seria engraçado.

— Qual música vai ser? - Dan questionou.

— Você sabe tocar Lucky? Do Jason com a Colbie Caillat?

Ele sorriu. - Querida, ainda não inventaram uma música que eu não saiba tocar.

Angelinne revirou os olhos, mas bem sabia que era provavelmente verdade, e então respirou fundo sentindo um súbito nervosismo. A ideia de se apresentar com Dan para pessoas que conhecia a deixava nervosa, questionou-se se conseguiriam perceber claramente como a relação deles havia mudado.

— Relaxa, Angel. Você é ótima. E só tem família aqui. - Dan assegurou.

— Você sempre fica nervoso, pensa que eu não noto?

— Eu não faço a menor idéia do que esteja falando. - Propositalmente ele encarou as cordas do violão, iniciando a música.

Angelinne sorriu e podia sentir que, assim como antes, suas palavras haviam feito efeito. Então murmurou. - Obrigada, Dan.

Ela imaginava que ele não fosse ouvir por que havia diminuído o volume da voz, mas ele ergueu os olhos mais uma vez. Então começou a cantar:

Do you hear me

I'm talking to you

Across the water

Across the deep blue ocean

Under the open sky

Oh my, baby I'm trying”

O corpo dela se moveu antes que ela precisasse pensar enquanto seguia com a voz a melodia que ele cantava com o coração. Dan não encarava mais seus dedos dedilhando as cordas do violão, ele nunca o fazia, e sim Angelinne. Ele continuava a observando quando chegou a vez de ela cantar e ele fazer a segunda voz.

Boy I hear you in my dreams

I feel your whisper across the sea

I keep you with me in my heart

You make it easier when life gets hard"

 

E quando chegou ao refrão, a parte que eles cantavam juntos, os olhos deles se cravaram um no outro mais uma vez.

“Lucky I'm in love with my best friend

Lucky to have been where I have been

Lucky to be coming home again

Oh oh oh oh”

Os presentes na sala não piscavam e não respiravam ao olhar para os dois. Adam e Thomas, os céticos que insistiam que eles iam acabar brigando no meio da música, eram os que tinham as bocas mais escancaradas.

“They don't know how long it takes

Waiting for a love like this

Every time we say goodbye

I wish we had one more kiss

I'll wait for you, I promise you I will...”

O refrão foi repetido e sem coreografia pré-ensaiada, sem passos pré-elaborados, Angelinne continuava a se mover de acordo com as direções que sua alma lhe dava.

Dan reconheceu que agora era a vez de ele cantar sozinho, enquanto ela fazia a segunda voz, e quando as palavras lhe rolaram dos lábios, ele se perguntou se era só ele ou se todos ali percebiam que ele estava cantando para Angelinne. Só para ela, para mais ninguém na sala. Perguntou-se ela própria percebia aquilo.

“And so I'm sailing through the sea 
To an island where we'll meet 
You'll hear the music fill the air 
I'll put a flower in your hair”

Enquanto Angelinne se preparava para a sua parte, ela se questionava se as batidas de seu coração não soavam mais alto do que a música. E, bobamente, como ela nunca havia percebido que os olhos de Daniel prendiam você a eles como correntes de aço uma vez que os encarava.

“Though the breezes through the trees

Move so pretty, you're all I see

As the world keeps spinning round

You hold me right here right now…”

Eles terminaram de cantar juntos e então se fez silêncio. Com o encanto quebrado, os nervos que dançavam no estômago de Angel antes retornaram. Dan também estava nervoso, embora nunca fosse admitir.

Então piscando como se confuso de onde estava por um momento, Carlisle fez questão de se levantar e aplaudi-los. Seguido de Esme, Summer... E todos. Daniel se levantou depositou o violão sobre a poltrona e se curvou presunçosamente, aproveitando para soltar uma lufada de ar aliviada sem que ninguém mais pudesse ver.

Angelinne estava sorrindo abertamente e corando. Dan estendeu uma mão a ela se curvando em cumprimento e ao invés de simplesmente segurar a mão dele, Angelinne o puxou para um abraço. Ela sabia que provavelmente não teria feito aquilo se não estivesse tão animada, mas não se importou.

Angelinne não pôde deixar se pensar no que dissera a ele sobre ter mais afinidade com Ethan. Ela tinha mais coisas em comum com ele sim, mas não tinha tanta certeza quanto à afinidade. Seus momentos com Dan eram bastante intensos. Podia-se observar pelo fato de que naquele mesmo dia ele tinha a confortado, a irritado, a elogiado, brigado com ela, a agradecido, pedido desculpas a ela, cantado com ela.

Em um único dia.

As conversas deles oscilavam entre diversos tipos de emoções diferentes e a deixava confusa sobre qual de verdade prevalecia em relação a ele. E o que era afinidade, afinal? Relação entre pessoas baseadas em semelhanças sim, mas em alguns momentos ela compreendia Dan e sentia que ele também o fazia, mesmo que apontasse o fato através de implicâncias.

O que importava mais? Ela não conseguia decidir. A ligação que sentia com Daniel durante uma música ultrapassava semelhanças e diferenças, ultrapassava o tempo e o espaço. Angelinne sentia que ultrapassava mais do que ela estava pronta para entender ou aceitar, mas também sentia que era algo que ela não podia controlar. Ou ele.

Daniel sabia que a reação dela era resultado da euforia do momento e sabia que no próximo minuto ela ia acabar se afastando, então tratou de tirar o máximo de vantagem que conseguia a mantendo bem junto de si. Fechou os olhos, respirou fundo e desejou que aquele fosse um longo, demorado minuto.


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Notas finais do capítulo

Let’s Go to Bed?*: ‘Vamos para a cama?’.



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