Someone To Call Mine II escrita por Gabi G


Capítulo 5
Capítulo V




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Aquele domingo estava sendo entediante, Tess constatou. Ela sentia falta do trabalho e queria estar no zoológico mais do que tudo, mas era sua folga. Não que ela fizesse questão, mas não poderia violar os “seus direitos”. Então tirava folga às quartas e domingos, mesmo que por ela trabalhasse todos os dias.

Ela não era viciada em trabalho, como muitos afirmavam. Ela era apaixonada por seu trabalho, o que era totalmente diferente. Tess adorava o que fazia e por isso não precisava de descanso. A bióloga vivia por seu trabalho, idolatrava o seu trabalho e o colocava acima de qualquer coisa.

Era algo que ela sabia sempre seria dela, e ninguém poderia mudar aquilo. Ela poderia mudar seu local de trabalho de um lugar para o outro, mas de um jeito ou de outro sempre seria dela. Ela não acordaria um dia e simplesmente sentiria que ele não estava mais lá, ela tinha um dom.

Dons eram enraizados em locais mais fundos do que na superfície da pele. Ela só perderia a satisfação e a importância do que fazia quando morresse e não pudesse mais o sentir. E quando aquilo acontecesse não teria problema, ela já não estaria sentindo nada mesmo.

Pensamentos mórbidos demais para um domingo, Tess se repreendeu. Ignorou a melodia que Millie cantava do chuveiro no quarto ao lado e seguiu para a cozinha. Tess acreditava que a irmã devia se controlar. Ela se entregava demais para algo que poderia ser arrancado dela em um piscar de olhos.

A bióloga sabia que o humor contente da irmã se dava ao seu encontro com Ethan no dia anterior, o qual ela recusara veementemente a contar sobre. Tess murmurou para si mesma enquanto fazia café o absurdo que ela achava sobre o seu comportamento. Ela achava que a modelo estava exagerando demais, era só um encontro.

Não era por que ele tinha demonstrado interesse que ele ia persistir. Não era por que ele tinha parecido estar encantado, que ele estava mesmo. Ela não tinha que se importar tanto, ela não morreria se ele não fizesse contato. Mesmo que ele tenha dito que não ia desistir, de repente ele se deu conta de que ela estava certa e finalmente deixou de lado. Mas ela não se importava, é claro.

— Merda. - Tess xingou para si mesma, sabendo que ela não estava mais pensando sobre o caso da irmã e sim do dela.

Eu te odeio, Adam. Eu te odeio porque você não sai da minha cabeça.

Após aquela declaração, Tess arregalou os olhos e olhou para cima do ombro como se alguém mais tivesse a ouvido. Não era possível, ainda assim. Apenas Millie estava no apartamento com ela, e a irmã ainda cantava no chuveiro. Tess revirou os olhos e se esforçou para se acalmar.

Quando terminado o café, ela bebeu uma xícara e depois outra. Irritadamente, a bióloga constatou que continuava nervosa e inquieta. Bebeu mais uma e seu olhar distraidamente repousou sobre o telefone na parede da cozinha. Que se dane, ele não disse que ia ligar.

Tess largou a xícara onde estava, seguiu para a sala e se jogou no sofá de qualquer jeito. Ela não estava mesmo se importando, pensou enquanto ligava a televisão e passava os canais pelo controle sem nem ao menos ver o que era. Ela estava mesmo querendo que ele desistisse, e ele finalmente atendeu seu desejo.

Tess enfiou a mão em um saco de biscoitos de chocolate que a irmã havia largado em cima da mesinha de centro, e tentou não pensar que estava parecendo com a mesma em seu período depressivo de dois dias atrás. Ela não estava depressiva, e muito menos por causa de um homem. Háhá, Tess riu em desdém, como se ela estivesse pensando em Adam.

Não era por que desde o dia que ele fora ao zoológico ele não havia tentado mais falar com ela que ela ficaria preocupada, Tess pensava enquanto devorava os biscoitos. Não fazia a menor diferença em sua vida, nenhuma. Quando sua mão nervosa não encontrou mais biscoitos disponíveis, ela encarou a embalagem como se não entendesse como havia acabado tão depressa.

Ela não pôde pensar muito, no entanto. Naquele instante o telefone tocou. O coração de Tess disparou e ela se repreendeu imediatamente. Disse a si mesma que ia ignorar por que não estava a fim de falar com ninguém. E se fosse Adam, aí mesmo que ela não iria atender. Ele pensava que podia fazer com que ela ficasse esperando dias e dias em desespero e de repente telefonar como se não houvesse feito nada?

Não que ela tenha ficado desesperada, Tess garantiu em sua mente, mas ele poderia ter tido um pouco mais de consideração. Claro, isso se ela se importasse com ele. Mas ela não se importava. E por isso permaneceria sentada ali em perfeita calma e controle.

No segundo seguinte, Tess tinha o telefone no ouvido. – Adam?

— Este Adam por acaso seria um rapaz bonito que eu conheço bem e vem a ser o meu sobrinho?

Tess murchou tanto que seu corpo chegou a ficar mole. - Oi, Alice. Não, na verdade eu estava esperando uma ligação. De outro Adam. Não esse, claro que não esse. Por que eu estaria esperando que logo ele me ligasse? - Tess riu nervosamente. - Então, você quer falar com a Millie?

Interessante, Alice matutava em sua mente rápida. - Na verdade, sim. Eu desenhei uns novos modelos de saias e gostaria que ela visse.

— Ok. Ela está tomando banho agora, mas...

— É o Ethan? - Millie apareceu enrolada na toalha enquanto seu cabelo molhado pingava sobre o chão. Os olhos da modelo dançavam em animação. - Pode deixar, eu falo com ele. Já estou aqui.

Tess mal teve tempo de falar antes que a irmã arrancasse o telefone de sua mão. - Na verdade...

— Ethan? - Millie a ignorou totalmente, enquanto o suave nome deslizava pelos seus lábios. Quando ouviu a resposta, seu sorriso cedeu um pouco. - Ah, oi Alice.

Enquanto Millie seguia para o quarto para se vestir, Tess ainda pôde ouvir os resmungos da estilista ‘O que há com vocês meninas hoje que parecem infelizes quando ouvem que sou eu?’. Tess teria rido se seus dentes não estivessem trincados em irritação. Ela estava agindo como a irmã, toda afobada com uma maldita ligação de um homem. Uma maldita ligação que não havia sido feita.

Como se o fato de que fazia seis dias desde que ela havia ouvido do rapaz bonito alterasse algo em sua rotina. Tess estava certa que não.

Ah, mas quando ela o encontrasse de novo, faria algo que não o deixaria mais tão bonito assim.

***

— Lola, você é impossível. - Adam comentou e jogou um braço pelos ombros da amiga enquanto seguiam para sua casa. - Um dia, um belo dia eu abonarei seu nome de minha lista de amigos. Você só me faz passar vergonha.

— Vergonha por quê? O cara estava checando a minha bunda, com a namorada do lado. Eu deveria ter deixado ele se safar com isso? - Lola comentou ajeitando um fio de cabelo que havia saído do lugar com o esforço que acabara de fazer.

— Você deveria - Adam apertou o nariz dela entre o dedo indicador e o polegar. - ter me deixado lidar com isso.

— Ah, por favor. Evite que seu enorme machismo me sufoque. No dia em que eu precisar de um homem para me defender, baby, não serei eu a mesma Lola que você conhece. Ou eu perdi o cérebro em aspirador gigante e super potente ou será então o primeiro clone humano bem-sucedido, o meu.

— Do jeito que você é abusada com desconhecidos, não viverá nem para ver o próximo pôr do sol. Você o xingou, Lola, e ameaçou arrancar as bolas dele com suas unhas bem-afiadas. Se o cara pertencesse uma gangue?

— Ora, seria um membro de gangue desmembrado. - Lola riu de sua piada infame.

Adam balançou a cabeça e com mão fechada, bagunçou o cabelo dela como se fosse perfurar seu crânio. - Você é mesmo um caso perdido.

— Yeah, baby. Mas não precisa amaciar o meu ego com elogios, eu sei que você não vive sem mim.

Ele desistiu e gargalhou, lhe dando um rápido e intenso beijo nos lábios. Estavam em frente à casa dele. Adam usou sua chave e os dois entraram. Alguém assistia televisão na sala, e constataram que o alguém era Melanie.

Ela sorriu quando viu Lola, como sempre, abraçada a seu irmão. - Achei que não vinha mais nos visitar.

— Eu estava dando um gelo no seu irmão durante os últimos três dias. – Lola afirmou enquanto abraçava Mel. 

— O que ele aprontou?

— Queria me convencer a sair com um dos amigos dele, de novo. Por acaso o amigo dele que sempre olhava para as minhas pernas antes de olhar para o meu rosto.

— Calúnia. - Adam sorriu.

Lola o encarou. - Eu já quase arranquei a orelha dele por isso uma vez. Acho que ele está querendo que eu arranque outra coisa.

— Lola, sério. Qual é dessa sua obsessão com arrancar os órgãos genitais de todos os homens do planeta? - Adam despiu-se do casaco que vestia e jogou de qualquer jeito sobre o sofá, ganhando um olhar enviesado da irmã pela ação.

— De todos, não. E homem por acaso é interessante sem isso? - Lola gargalhou.

Adam revirou os olhos para aquilo e já seguia para o quarto quando Mel murmurou. - Recados para você: Brian ligou e pediu que é para você não esquecer do favor que prometeu a ele, Grace ligou e disse que você esqueceu do compromisso que havia marcado com ela na semana passada, e há uma surpresa na cozinha para você. -  Ela pausou e sorriu. - Acho que você vai gostar.

Ele assentiu para os primeiros dois recados, e arqueou a sobrancelha para o terceiro. Sem nem esperar para perguntar, ele se dirigiu à cozinha. Ele estava criando vários cenários mentais sobre os mais diversos presentes, e nunca poderia ter acertado quando se deparou com a surpresa.

— Antes de chegar perto de qualquer coisa aqui dentro, Adam, lave bem suas mãos. - Isabella anunciou tirando do forno mais uma fornalha de biscoitos. - Não vai dar um beijo na sua mãe? Mas que modos são esses?

Adam piscou, sorriu e beijou a mãe demoradamente. Virou-se e deparou-se com os olhos cor de mel o encarando. - Tess.

— Oi, Adam.

Ela o encarou como se não tivesse o esperando voltar de onde quer que ele tenha ido há duas horas, como se nem o esperasse ver naquele dia, embora estivesse na casa dele. Ela somente havia ido visitar Bella em uma tarde de domingo, embora já estivesse escurecendo, para colocar o papo em dia.

De nada aquilo tinha a ver com o filho, por que teria? Ela não se importava mesmo. Ela nem ao menos estivera contando os minutos desde que chegara e se sobressaltando com cada barulho que ouvia na rua, acreditando que era ele voltando para casa. Ela não havia ido lá especialmente para vê-lo. E claro que ela não havia ficado com raiva quando ouvira a voz feminina que acompanhara a dele.

Nem um pouco com raiva, imagina. Tess era atenta a detalhes. Ela bebericou de seu suco, não sentindo o seu gosto, enquanto o vermelho lhe cegava a visão. Ela estava perfeitamente calma e serena.

Quando falou, sua voz era mais gelada do que o Iceberg que causara tragédia do Titanic. E um milhão de vezes mais letal. - Eu não sabia que agora usava gloss.

Adam apenas ficou confuso por um momento, lembrou-se de Lola. Lembrou-se que ela usava gloss. Lembrou-se do beijo amigável que dera nela há alguns minutos. O olhar de Tess o penetrava, como se ela soubesse exatamente o que pensava. Mas na mente impossivelmente mais irritada de Tess, a última que tinha sido era um beijo amigável.

Distraída das espadas com as quais Tess encarava seu amigo, Lola entrou na cozinha e sorriu para Bella. Cumprimentou a mulher com um grande abraço e um grande sorriso, e depois encarou Tess. A razão do sorriso mais constante do que nunca de seu amigo, a razão de ter corrido para cozinha depressa. Avaliou-a com olhos de tigresa medindo se um alimento era ou não saudável para seu filhote.

Isabella pigarreou, percebendo tudo como sempre. Como uma mãe. - Adam, as mãos. Lembra? Vá já lavá-las.

Adam sorriu para a mãe, encarou Tess em diversão e segurou o riso com mais um olhar que ela lhe lançou enquanto saía da cozinha. Tess então mirou seu olhar à Lola, percebendo seu gloss. Percebendo tudo. Odiando a mulher desconhecida, e claro, também a medindo.

E isso tudo por que ela não se importava nenhum pouco.

— Então, apresentações. - Isabella sorriu, tentando quebrar um pouco da tensão que oprimia o espaço. - Lola, esta é Tess, minha filha emprestada. Tess, esta é Lola, amiga do Adam.

Ah, se elas soubessem como eram parecidas. Nenhuma das duas se moveu um milímetro para saudações ou palavras amigáveis. Lola, já divertida tendo entendido a situação, apenas aproveitava-se da mesma. Tess, bem, se abrisse a boca iria rosnar.

— Bem. - Isabella murmurou. - Melanie, meu amor! Venha ajudar a mamãe com os biscoitos!

E, Bella completou em pensamento, salvar a minha pele da Faixa de Gaza.

***

A vida é bela.

Era o que Adam pensava. Ele estava decididamente divertindo-se bastante naquele domingo, com algumas de suas mulheres preferidas.

E inconsciente de que sua vida estava correndo um grave risco. Ou melhor, consciente, e achando o fato um grande parque de diversões.

Cachorro, safado, mentiroso. Tess não podia acreditar, sério. Como um ser capaz de tamanha dissimulação e mentira poderia ter saído de pessoas maravilhosas como Edward e Bella? ‘Sonhe comigo, Sereia’, Humpf. Quantas mais sereias ele teria espalhadas por NY? Uma delas estava em sua frente.

Tess encarou Lola, como se prestes a atingi-la com balas de canhão. Observou a mulher negra, bonita e sexy. Estudava com Adam na faculdade, Bella tinha dito. Estudava Nanotecnologia e tinha um cérebro de Einstein. Pois é, grande coisa, Tess pensara enquanto se roía em irritação.

O celular de Mel tocou, enquanto os cinco saboreavam-se dos biscoitos caseiros que Bella havia feito. Ela se levantou depressa e saiu da cozinha para atender.

Adam logo murmurou. - Aposto que é o Thomas. Espera só meu pai chegar do plantão amanhã de manhã. Está na hora de acabarmos logo com essa história.

— Certo, Adam. Vai me chamar para o seu aniversário de seis anos? Cresça. - Lola revirou os olhos. - Deixa a menina namorar. Ao menos, ela não esconde de vocês.

— Como você escondia de seus pais? - Adam cutucou.

Lola sorriu docemente. - Eu não escondia, omitia. Se eles tivessem perguntado, eu teria confessado, juro.

Isabella gargalhou alto. - Eu adoro essa menina. -À frase, Lola lhe deu outro sorriso doce e inocente. - Mas, por Deus, sua cara de anjinho não me engana mais.

— Calúnia. - A mulher sorriu e piscou para Adam.

Tess se levantou bruscamente, e Isabella a encarou em preocupação. - Querida, você não vai embora, não é?

Tess não daria esse gostinho nem ao cachorro nem a sua acompanhante. Além do mais, não queria chatear Bella. Ela tinha começado a fazer os biscoitos especialmente por que a bióloga tinha ido visitá-la.

— Não. - Dito isso, Tess indicou seu próprio celular como se fosse fazer uma ligação.

Assim a mulher estava fora da cozinha, Isabella se voltou à Lola. - Você devia parar de provocá-la.

— Não, está legal assim. - Ela logo completou quando recebeu outro olhar da mamãe de Adam. - Eu gosto dela.

— Você não trocou uma palavra com ela. - Adam comentou.

Lola sorriu. - Exato. A mulher tem um autocontrole incrível. Eu, no lugar dela, já havia arrancado alguns dos meus dentes. Ela só grunhiu para mim, mesmo quando eu sentei no seu colo e lhe tasquei um beijão. Qual é, ela mereceu o meu respeito.

Isabella balançou a cabeça, mas cedeu a um sorriso. - Vocês se parecem.

Lola deu de ombros e então se voltou ao amigo. - Adam, seu idiota. O que ainda está fazendo aqui? Vá logo atrás dela e aproveite. Se eu fosse homem, já teria a roubado daqui a muito tempo.

— Se você fosse homem, Lola, eu te odiaria. Você é mulher e às vezes já não te suporto.

***

Ele a encontrou no jardim.

Ela estava parada, de braços cruzados, olhando para a lua. Mesmo de costas, ela sentiu quando ele apareceu. Fechou os olhos. Abriu. A raiva voltou a todo vapor.

— Desistiu do telefonema?  

— Tchau, Adam. - Ela disse mesmo sabendo que não causaria nenhum efeito.

Ele sorriu como se ela o tivesse elogiado, aproximou-se dela e a surpreendeu dando-lhe um beijo na nuca. Tess deu um pulo.

— Por que está brava comigo?

— Eu não estou.

— Não? - Ele colocou as mãos na sua cintura e a girou rapidamente, mantendo-a de frente para ele. Olho no olho. - Dê-me um beijo, então.

— Nunca mais.

— “Nunca” é uma palavra definitiva demais, Tess. Você gostou do beijo, eu sei, eu senti. Quero outro.

— Você acabou de ganhar vários. Quer um meu para a coleção? - Ela respondeu agressivamente.

Ele sorriu. - Ciumenta.

— Quero que fique longe de mim.

— Temos um problema, então. Eu quero você bem perto.

E assim, sem aviso, eles estavam se beijando. Tess não queria sentir nos lábios dele o sabor do gloss de outra. Não sentiu. Sentiu o doce dos biscoitos que comiam, o doce que se intensificou quando a língua dele tocou a dela. Rendição. Era mais fácil do que parecia uma vez que ela estava nos braços dele.

Raiva esquecida. Fogo como substituto. A consciência de que ele a queria, somente a ela. Consciência pelo seu toque, pela atenção que lhe dava, consciência simplesmente pela consciência. Lola já esquecida. Tudo já esquecido. Eles se tocavam e então apenas existiam eles dois.

Um toque mais íntimo causando uma reação mais intensa. Pelo desejo quase insuportável, um alarme soa em algum lugar. Tess reconhece e é que ela se afasta. Oh, mas é difícil, quando tudo o que ela mais queria era se aproximar.

— Não podemos fazer isso. Estamos na casa de seus pais.

— E? - Ignorando o aviso e a razão em geral, Adam apalpou o bumbum dela e a trouxe para mais perto de si.

— Você tem uma mão incrivelmente boba. - Tess repreendeu, com metade de seu fôlego normal.

Naah. Ela é muito esperta. Eu vou te mostrar o que mais ela faz.

— Não, Adam. - Tess se afastou e se rendeu à risada.

Ele tinha resposta para tudo, e as mais pervertidas possíveis.

— Sua mãe pode aparecer.

— Você pode ficar surpresa ao saber que Dona Isabella sabe de muitas coisas a meu respeito. Isto está incluso.

Ele sorriu e tentou segurá-la, Tess se afastou novamente. Adolescentes, Tess pensou, é isso que estamos parecendo.

— Eu ainda estou brava com você.

— Achei que você tinha dito não estar. - Adam sorriu ironicamente.

— Você desapareceu.

Entendendo, ele balançou a cabeça. - Eu estava te dando espaço.

— Espaço? - Furiosa outra vez, Tess cerrou os olhos. - Quando eu quiser espaço, deixarei claro isso para você.

— Você deixou. Eu não ouvi. Quando eu ouço, você reclama. O que você quer, mulher?  

Ela continuou com os olhos cerrados e soltou um cabeludo palavrão. Orgulhosa, Tess virou de costas para se afastar. Aproveitando-se de sua distração, Adam se jogou em cima dela. Os dois caíram na grama. Ele prendeu seus braços acima da cabeça e recebeu o olhar mais furioso que já vira a mulher dar.

— Diga, Tess, admita que me quer em sua vida. E eu não te darei mais nenhum espaço.

— Eu não quero mais.

— Você quer. - Adam sorriu, deu um beijo em seu maxilar e outro em sua boca. De novo em seu maxilar, de novo em sua boca. - Admita.

Fúria e humor batalham dentro dela. O humor ganha. Tess sorriu, gargalhou e se mexeu embaixo de Adam. Seus quadris se tocaram, se roçaram. Ele olhou para ela. Ela olhou para ele. Adam abaixou rosto até que sua boca estivesse perto do ouvido dela.

— Eu poderia devorar você agora, aqui. Juro que ia esquecer que estávamos na casa dos meus pais... - Mordeu sua orelha, arrancando um suspiro dela.

— Adam, sério. - Tess suspirou mais um pouquinho. Ele não a ouviu. A bióloga pensou em todas as razões pelas quais não deveria fazer aquilo, mandou tudo para merda e então desistiu. - Eu quero você.

Adam sorriu, com um olhar. ‘Eu sabia’, ele parecia querer dizer. E queria mesmo. Devagar, torturando, ele desceu o rosto e encostou os lábios nos dela. O beijo mais calmo que haviam dado. Mas seus quadris ainda estavam se roçando, agora propositalmente. Ah, por que ela queria devorá-lo tanto quanto ele.

— Adam, você esqueceu que... Ah, ah. - Isabella parou onde estava, estática.

Ela não havia visto aquela cena. Seu filho se engalfinhando na grama com sua filha emprestada. Havia sido apenas uma alucinação, Bella estava certa disso. Mas então eles se levantaram. Tess mais rápido do que o Adam, e sua expressão de culpada disse tudo. Isabella respirou fundo. Ser mãe nunca fora tão difícil.

— Ok, certo. Eu não vi nada. Só, por favor, não façam esse tipo de coisa aqui. Os vizinhos estão passando na rua. - Tão rápido como falou, Isabella desapareceu.

Tess cobriu o rosto com as mãos em puro constrangimento. Tranquilo, Adam sorriu e a puxou para um abraço.

— Eu sabia que isso ia acontecer. Eu sabia. Como eu vou encarar a Bella agora? Rolando na grama como uma adolescente... - Tess se repreendeu, abismada com o seu comportamento.

— Ainda não estávamos rolando. - Adam fez graça, como de costume. Tess o encarou muito séria. Ele sorriu. - Mas o fato é que a culpa não é nossa. As pessoas que aparecem em horas inoportunas. Será que temos algum imã para voyeurs, Sereia?

— Urgh. É impossível falar seriamente com você.

— Ora, vamos falar sério, então. - Adam assumiu o que ele acreditava ser sua melhor expressão de seriedade. - Nós bem que podíamos ir para o meu quarto, lá poderíamos rolar a vontade. Ok, ok, não precisa me socar. Foi só uma brincadeira.

Tess, com o punho em posição de ataque, lhe lançou um olhar de advertência. - Adam, eu estou morrendo de vergonha. Sua mãe vai começar a me odiar agora. Ela vai, assim como aquelas sogras estranhas e maléficas.

Ouvi-la chamando sua mãe de sogra agradou Adam, demais. Ele sorriu. - Vem cá. - Tess resistiu um pouco, mas por fim passou os braços em volta dele. - Minha mãe ama você como a filha dela. Só porque eu estarei transando com você não significa que ela vai deixar de amar, Sereia.

Tess torceu o nariz para o tom de solidariedade que ele usara. - Você sempre tão literal.

— Para que desperdiçar palavras? - Ele gargalhou e beijou o pescoço de Tess. - Vou parar com isso, agora de verdade. Mas você entendeu o que eu quis dizer. Ei, olha para mim. - Ele ergueu o queixo dela com um dedo até que encontrasse seus olhos. - Tess, você conhece minha mãe antes de mim. Triste e cruel realidade. Você criou um laço de amor com ela antes de mim. E ok, Dona Isabella não deve ter gostado nada do que viu aqui. Ok, nós temos que nos controlar mais. Eu entendo que você fica desconfortável fazendo certos tipos de coisas na frente da minha mãe. Mas acontece, Tess, que ela vai se acostumar. E ela sabe que eu não vou ficar só de beijos com você. Ela só não vai querer ver a prova disso em frente a ela.

Tess suspirou e assentiu. - Tudo bem. Mas você vai conversar com ela.

— Cinco minutos de relacionamento, e você já está me dando ordens. - Ele riu.

— Nós não temos um relacionamento, estamos nos conhecendo. - Tess corrigiu depressa.

Adam a encarou, arqueou a sobrancelha. Eu conheço você há vinte anos, Tess, está lembrada?— Vai continuar com o jogo de palavras?

— Não é um jogo. Só estou estabelecendo nossas prioridades. - Ela respondeu.

— Estabeleça só as suas, por que está na cara que temos prioridades diferentes. - Havia um leve toque de algo mais no tom dele.

Tess hesitou e continuou. - Talvez fosse melhor conversarmos primeiro sobre-

— Nada de conversas agora. Vamos fazer como todas as pessoas adultas fazem. Vamos sair, comer, dançar, cantar, o que você quiser. Sem estresses. E principalmente, sem você me lembrando o tempo todo o nível de seriedade que você está nos colocando.

— Por que você está brigando comigo? Eu não disse nada demais.

Ele a encarou e sorriu. Pela primeira vez, sem alegria. - Você acha, sempre acha que não. Vamos, esqueça isso. Eu vou te levar para casa. É o mínimo que posso fazer por você ter se dado ao trabalho de vir desfrutar de minha companhia.

— Mas eu não... - Tess desistiu de completar, ele não acreditaria mesmo. Ela o encarou, o assunto ainda em sua mente. - Você vai esquecer, Adam?

Ele sabia do que ela estava falando, mas não respondeu. Sorriu para ela, lhe deu um selinho e passou um braço pela sua cintura. Avisou Bella que levaria Tess em casa, disse a Lola que esperasse ele voltar por que também a levaria e sorriu quando Tess grunhiu para aquilo.

Todas essas atitudes casuais ele executou com naturalidade, mas a conversa, as palavras estavam gravadas em um canto de sua mente. Ele julgaria instinto mais tarde, ou premonição. Aquele aviso de que aquelas palavras seriam repetidas, de que aquela conversa deixada de lado era a primeira de muitas, e de que ambas formariam junto à outras o redemoinho que lentamente se formaria entre eles.

Se Adam tivesse dado ouvidos ao seu instinto/premonição, talvez tivesse desistido. Talvez não, por que era determinado. Literalmente até demais para o seu próprio bem. Ah, mas uma coisa mudaria: ele estaria preparado, ou ao menos mais preparado. E talvez, só talvez, dali a um tempo ele poderia consolar com mais eficácia a necessidade imensa que sentiria de operar o próprio coração.

Mas ele não havia chegado a nenhuma daquelas conclusões ainda, nem podia. Ele não era tão otimista como a irmã, mas também não era pessimista. Realista com certeza, e um defensor nato de que a vida era feita para ser vivida, com planos sim, mas em primeiro lugar, com sonhos.

E Tess que, havia sim já esquecido o assunto e que sorria junto a ele no metrô, oh sim como uma adolescente, estava mais inconsciente ainda de que quem o magoaria seria ela. Em consequência exclusiva de seu próprio coração ainda machucado.  Mas aquilo era o futuro, o fim ou o começo. O importante, o diferencial quem sabe, eram os caminhos, curvas, atalhos que usariam e trilhariam para chegar até lá.

A palinha dada era apenas uma sub-história da história original.

### - X— ###

Checando o relógio na parede do laboratório, Thomas decidiu que estava na hora de ir. Já havia passado meia hora desde o seu horário de saída.

— Phill, estou nisso nessa. - Ele anunciou enquanto retirava seu jaleco.

O rapaz moreno e baixinho arregalou os olhos para o colega de estágio em desespero, e quase derramou em um vidro a substância errada. - Mas... Mas eu ainda não acabei, você precisa me ajudar.

— Mas eu te ajudei. Só não posso fazer o seu trabalho por você. - Thomas argumentou. Trabalho que era ainda totalmente diferente do dele. - Só segue as instruções que eu te dei e você vai ficar bem. Eu preciso ir.

Tom seguiu até os armários no canto antes que o colega insistisse mais uma vez e recolheu de lá sua mochila. Acenou para um Phill que ainda o encarava em desespero e se despediu dos demais no laboratório. Mal ele fechava a porta e ouviu uma pequena explosão.

Thomas riu para si mesmo e balançou a cabeça. Phill sabia fazer seu trabalho, o que lhe faltava era confiança em si mesmo. E claro, um pouco mais de coordenação motora.

Ele cumprimentou quem passou pelo seu caminho enquanto descia pelo elevador. Ele estava com um bom humor especial naquele dia. Estava tudo sendo direcionado no rumo que ele queria, e porque os chefões admiravam o trabalho que ele fazia, talvez ele realmente conseguisse o emprego quando terminasse a faculdade.

Assoviando, ele se encaminhou para o estacionamento aberto ao lado da empresa industrial. Passava um pouco das seis e o sol estava quase se pondo, mas a luz alaranjada no horizonte o fez perceber uma silhueta encostada ao seu carro.

Ele ainda estava longe. Os lugares reservados para os carros dos estagiários eram distantes; ele se aproximou em desconfiança. Destravou o carro com o segredo em sua mão e com o barulho, a pessoa se virou. O sorriso impossível de ser confundido.

— Mel?

Deliciando-se com sua expressão de surpresa, Melanie desviou de outro carro que ainda estava entre eles e lhe deu um beijo na ponta do nariz. - Olá.

— Por que você está aqui? Aconteceu alguma coisa? Você está bem? - Para garantir por si mesmo, ele começou a tateá-la a procura de possíveis ferimentos.

Melanie riu, alto. - Eu estou ótima. Ei!— Ela exclamou quando sentiu a mão dele tateando sua bunda. - Eu não estaria machucada aí embaixo.

Thomas sorriu. - Só checando. Eu me preocupo com você.

Ela revirou os olhos, mas sorriu outra vez. - Claro. Se já terminou com o exame, talvez eu pudesse falar agora. - Sem esperar que ele respondesse, ela enlaçou um braço no dele e seguiram para o carro. - Eu estava por aqui perto, sabe. Depois do colégio resolvi dar uma volta. E me bateu uma fome. E você sabe como eu detesto comer sozinha, então eu pensei ‘Poxa, bem que eu podia ir encontrar com o Tom’. Você pagando, é claro. - Ela piscou. Tudo o que havia dito era verdade, mas quando ela saíra do colégio já tinha destino certo. - Então aqui estou eu, para sua felicidade.

— Hum-hum. Para mim, você inventou toda essa desculpa para encobrir seu verdadeiro plano: Encontrar comigo e matar sua saudade. - Ele piscou de volta.

Os dois entraram no carro. Melanie só voltou a falar quando já saíam do estacionamento e dobravam para sair na rua principal.

— Pois é. Talvez você tenha razão, dessa vez.

Thomas a encarou e esqueceu a piadinha que ia fazer. Havia alguma coisa diferente nela e ele não sabia identificar. Eles tinham se visto no dia anterior e ela estava a mesma. Mas aquele olhar dela... Tinha alguma coisa.

Foi isso que ele disse então. - Você está diferente.

— Estou? - Ela sorriu um sorriso cheio de segredos.

Thomas era perceptivo, logicamente ia notar. Mas ela não esperava que fosse tão rápido. Talvez ele a conhecesse tanto como ela o conhecia: completamente.

— Está. - Ele continuou revezando olhares entre a direção e ela, cada vez mais desconfiado. - Não vai me dizer o que é?

— Você vai descobrir. - Ela deu de ombros e virou a cabeça para observar a rua pela janela.

— Quando?

Ela desviou os olhos para ele novamente e Thomas de repente sentiu uma enorme vontade de engolir em seco. – Logo. Não seja tão curioso.

À vontade demais para cerimônias, Melanie ligou o rádio do carro e trocou de estação até que encontrasse algo que lhe agradasse. Sorriu quando reconheceu ‘Fly Me To The Moon’ de Frank Sinatra e deixou tocar. 

— Você tem o dom de achar estações no rádio desconhecidas por mim. - Thomas murmurou.

— Claro. Você sempre escuta as mesmas estações que só tocam músicas jovens. - Ela respondeu em reprovação.

— Você é uma. Lembra-se?

— Mas eu tenho um gosto muito bom, obrigada. Vai me dizer que existe um cantor hoje como Frank Sinatra?

— Melanie, eu não vou discutir com você sobre música. Nunca nos entenderemos. E eu gosto de Frank Sinatra, também.

— Você só ouve Rock N’ Roll. - Ela fez o símbolo do rock com uma mão e uma careta patética colocando a língua para fora.

Thomas gargalhou. - Nunca faça isso perto de alguém que goste de rock.

— Conselho anotado.

Ele balançou a cabeça. - Vamos deixar a música de lado por um momento. Onde você quer ir comer?

Ela o observou. - Se estivéssemos em um encontro, para onde você me levaria?

Ele a observou de volta. - Para as estrelas.

Melanie revirou os olhos. - Tom, isso foi patético.

— Muitas iriam gostar de ouvir isso, sabe.

— Eu me orgulho de não me incluir nessa lista. Sério, onde você me levaria?

— Tudo bem, para minha casa. Ai, Mel!— Ele massageou o ombro recém-espancado. - Foi só um comentário engraçado.

— Espere um momento! - Melanie retirou o celular da mochila com pressa e fingiu discar um número. - Boa noite, por favor. Você poderia me passar para a ‘Graça’? Ela marcou um encontro com um amigo meu e ainda não apareceu. É muito importante.

Thomas impediu que seus lábios se curvassem. – Chega de anedotas hilárias por hoje. Vamos comer.

**

Ao saírem do restaurante, Melanie passou o braço pela cintura dele e encostou a cabeça em seu ombro. Ele colocou um braço em volta dela e lhe deu um beijo no topo da cabeça. – Olha pra cima, ainda dá tempo de irmos.

Ela olhou para o céu estrelado e gargalhou. Ele era impossível, mas não havia um centímetro dele que ela mudaria.

A caminhada até o carro foi rápido e logo eles estavam seguindo novamente pelas ruas cheias de Nova Iorque. Desejando estender um pouco a noite, Melanie insistiu que eles rodassem um pouco; foi quando ao parar em um sinal vermelho, um letreiro iluminado do outro lado da rua lhe chamou a atenção.

— Tom, estacione o carro. - Ela pediu. Quando ele arqueou uma sobrancelha, ela repetiu e acenou as mãos. - Anda. Não fique me olhando assim.

— Você está ficando um tanto mandona, sabia. - Mas ele estacionou ainda assim. - E então?

— Vamos! - Ela soltou o cinto e pulou depressa para fora do carro.

— Para onde? Espera, Melanie! - Ele se apressou para ir atrás dela, trancando o carro no processo. - Onde você está indo?

Ela não lhe deu atenção porque já atravessava a rua como um foguete. Thomas balançou a cabeça e seguiu atrás dela. Observou-a entrar na rua ao lado do Madison Square Garden em sua disparada correria e quase a perdeu de vista.

— O que você está fazendo? - Thomas perguntou quando conseguiu alcançá-la e observou-a com o ouvido colado em um portão. De dentro da casa de show, a música soava alta. - Melanie?

— É ele! É o Michael Bublé! Você não tem noção de quanto tempo eu estive esperando para ele vir para NYC, e então eu simplesmente não consigo comprar um ingresso para o show. Esgotou! Você acredita? Mas eu consigo ouvi-lo, mesmo daqui. É o destino.

— Não, é Nova Iorque. - Thomas respondeu. - Eu não acredito que você me fez parar daquele jeito e saiu correndo por meio dos carros por causa de um cantorzinho...

— Não é um ‘cantorzinho’. É o Michael Bublé. Você não entende? - Ela balançou a cabeça em incredulidade, sem desgrudar o ouvido da porta.

Thomas trincou os dentes. - Pare de agir feito uma adolescente, Mel. Vamos embora, anda.

— Eu não vou embora assim. Ficou doido, foi?

— Então eu vou te largar aí.

— Está certo. Tchau. - Além de ela o ignorar completamente, começou a cantarolar a canção junto ao cantorzinho.

Thomas a encarou, de boca aberta. “Eu não estou acreditando nisso.”

Mel revirou os olhos quando ele continuou parado no mesmo lugar. - Deixa de ser estraga-prazeres, vai. Vem aqui ouvir comigo. - Ela o puxou pelo braço e assim ele terminou com o ouvido grudado na porta assim como ela.

Que nenhum de seus amigos passasse por ali naquele momento, ele iria ser sacaneado até a morte e mais um pouco.

— Ele não é incrível? - Mel murmurou em encanto.

— Incredibilíssimo. - Ele murmurou contra a vontade.

Ela o ignorou, novamente. Thomas permaneceu de bico por mais cinco minutos, mas seu mau-humor gradualmente foi cedendo por constatar a felicidade em que Mel se encontrava. Ela só queria ouvir a música.

Tom suspirou, balançou a cabeça e pensou no que ele fazia por ela. Ele esperava que alguém lá em cima estivesse anotando suas boas ações, por que ele sofria pelas pessoas com as quais ele se importava.

— Cante comigo, Tom. - Melanie convidou. Quando recebeu um olhar enviesado em resposta, revirou os olhos. - Não seja rabugento. Todos sabem cantar essa música.

Ela sorriu e desgrudou o ouvido do portão; era possível ouvir muito bem até de longe. Com um sorriso aberto, ela envolveu o pescoço de Thomas com os braços e começou a cantarolar a música Everything.

You're the swimming pool. On an august day. And you're the perfect thing to say. And you play it cool but it's kinda cute.

Sem perceber, Tom colocou as mãos na cintura de Mel. Ele estava hipnotizado por ela. Aquela música, qualquer música, cantada por ela naquele momento lhe pareceria a mais bonita música já feita.

Olhos nos olhos.

O coração de Melanie bateu um tantinho mais acelerado e sua respiração ficou um tantinho mais escassa. Ela sabia que não tinha nada a ver com sua cantoria e tudo a ver com ele. O brilho no olhar dela enquanto ela cantava as próximas palavras. E Tom finalmente entendeu o que havia de diferente.

Oh when you smile at me you know exactly what you do. Baby, don't pretend that you don't know it's true. ‘Cause you can see it when I look at you.

 

Melanie inclinou a cabeça, poucos milímetros de maior proximidade. Quase nenhuma diferença. Mas para ele mudava tudo. Era seu incentivo, era sua resposta. Ele fechou os olhos e encostou os lábios nos dela. Um mero roçar, um mero toque. Um gesto tão pequeno para desencadear sensações tão monumentais.

 

Era tudo o que ela imaginara e nada do que imaginara. Seu sangue parecia estar correndo rápido demais, aquilo parecia estar errado. Mas ela não tentou evitar quando sentiu a maior pressão dos lábios dele. O beijo, finalmente o beijo. Delicadas unhas foram pressionadas contra a nuca dele.

 

Thomas atendeu ao pedido mudo e a puxou pela cintura para mais perto de si. Sentiu o corpo dela moldado a ele, perfeito como sempre. Magnífico. Certo. Vital. Quando sua língua tocou a dela, quando o beijo foi aprofundado, a música voltou a alcançar o ouvido dos dois jovens. Ela também parecia certa.

 

And in this crazy life… And through these crazy times. It's you. It's you. You make me sing. You're every line. You're every word. You're everything.

•••

Thomas fingiu que estava tranquilo enquanto parava o carro em frente à casa de Melanie. Mesmo que ele estivesse se controlando para impedi-la de ir embora. Fingiu que estava bem. Mesmo que o desejo por ela estivesse lhe circulando nas veias junto ao sangue.

— Você está demasiadamente calado, Thomas. - Mel provocou. - Qual é, mesmo que tenhamos nos beijado loucamente por uma meia hora, eu acho que deixei sua língua com você, não?

Com uma mão que ainda apertava o volante, Tom sorriu um meio sorriso. - Continua brincando, continua.

— O que, você - Ela soltou o cinto e se aproximou dele. - iria me atacar assim em frente a casa dos meus pais?  

Thomas a encarou seriamente, o aviso claro e evidente em seus olhos. - Melanie, vá para casa.

— Talvez eu queira um último beijo. - Ela fez um biquinho.

Talvez eu queira possuir você aqui e agora, mas não podemos ter tudo na vida.

Thomas praguejou para si mesmo. – Melanie...

Mas ela não estava o escutando, é claro. Ela gostava de desafiar o perigo, era o que Thomas estava pensando enquanto a ela se embrenhava em seu colo como uma gata a procura de carinho.

— Você ficou todo comportado e tudo mais. - Ela se sentou no colo dele, despreocupadamente. Sorriu quando ele trincou o maxilar. - Vamos. Eu quero que você me beije de verdade. Como queria me beijar.

— Pelo amor de Deus, Melanie.

— Hum. - Ela sorriu e roçou os lábios pelo pescoço dele. Quando Thomas permaneceu estático como uma estátua, ela segurou suas mãos e as colocou em sua própria cintura. - Se você perder o controle, eu não vou te culpar já que sou eu quem está provocando.

— Mel, isso não é uma boa ideia.

Mas suas mãos traidoras já tinham se cravado nos quadris dela e sua boca já estava procurando a de Melanie. Talvez, talvez o pensamento de que ela deveria ter deixado tudo como estava tenha passado pela mente dela. Mas já era tarde demais.

Ele não estava mais pensando. Suas mãos agiam por instinto. Ele a levantou pelos quadris, alto. Quando ele voltou a abaixá-la sobre seu colo, ela tinha uma perna de cada lado de seu corpo. Um som animalesco escapou do fundo da garganta dele. Explicava por si só a frustração de anos de um desejo reprimido.

Ele segurou suas pernas contra si, como se pudesse os grudar ainda mais. Mesmo com ambos vestindo calças jeans, Melanie sentiu imediatamente sobre o que ele estava falando. Definitivamente ela devia tê-lo deixado em paz. Tom a segurou pela nuca enquanto devorava sua boca.

O carro tem insulfilm, ninguém pode ver nada. Eu consigo parar a tempo. Melanie tentava argumentar em sua mente mesmo quando sentiu Thomas começar a tirar sua blusa. Ah, cacete. Se o meu pai pegar a gente, vai ser uma festa.

— Tom...

Ele nem ao menos a escutou. Quando ela não levantou os braços para que ele pudesse arrancar a blusa logo de uma vez, ele não se deu por vencido. Sua mão serpenteou pela barriga dela até capturar um seio. Não tão satisfeito, enfiou a mão por dentro do sutiã dela e outro som foi ouvido quando pele encontrou pele. Dessa vez era dela.

— Thomas... - Melanie já nem mais sabia o que iria pedir a ele. Se era sim ou se era não.

Ele encostou as costas dela no volante e conseguiu levantar sua blusa, expondo-a enfim. Seus olhos se desviaram para o rosto dela por uma fração de segundo. Uma mínima fração, mas aquele olhar o fez cair na real.

Melanie nem ao menos sentiu o movimento de tão rápido. Em um momento ela sentada no colo dele em um amasso colossal, e no outro ela estava de volta ao banco.

— Olha o que você me fez fazer... - Ele murmurou e passou as duas mãos pelo rosto em busca de controle. - Eu avisei, Melanie, eu avisei a você.

— Eu sei. A culpa foi minha. - Ela recolocou tudo de volta em seu lugar e abaixou a blusa. Ela estava ofegante, excitada, e naquele momento frustrada, mas colocou um sorriso no rosto. - Pelo menos constatei que não tinha mesmo me beijado de verdade.

Quando ele a encarou com os olhos cerrados, ela ergueu as mãos em sinal de paz. - Está certo. Eu estou indo. Boa noite, Tom. - Mel sorriu alegremente e saiu do carro.

Ele permaneceu ali durante mais alguns minutos mesmo depois que ela tinha entrado em casa. E só então se sentiu estável o suficiente para ir embora. Ele nunca havia sentido uma necessidade tão grande em toda sua vida, não importando o quanto gostasse de sexo. E ele não gostava nenhum pouco dessa falta de controle, mesmo que fosse por causa de Melanie.

Após uma noite tumultuada com as reclamações de seu pai por ela ter saído com Thomas, após ela ter contado para sua mãe o que tinha acontecido, e após um banho demorado de espumas, Melanie deitou segura em sua cama.

Pela janela do quarto, ela observava o céu e pensava nele.

Telepatia ou destino? Naquele instante seu celular apitou, alertando nova mensagem. Antes de recolhê-lo em sua mesinha de cabeceira, ela já sabia quem era. Sorriu antes de ler e sorriu depois de ler. Não satisfeita, leu uma vez mais.

 

You're a mystery
You're from out of space
You're every minute

Of my every day.
 

Ainda sinto o gosto de seus lábios,

Seu.

***

No sábado, Melanie como de costume foi visitar suas crianças. Ela foi recebida com carinho no orfanato como sempre e passou a tarde toda com a galerinha. Mas não passou despercebido por ela o semblante preocupado da diretora.

Mel sabia que eles estavam com problemas financeiros e em sua mente já matutava algum tipo de manifestação que poderia fazer. Por que ela tinha marcado um encontro com amigas que ela não vinha há muito tempo naquela noite, Mel deixou o orfanato ao anoitecer.

Tristes por que ela estava indo embora e receosos que não fosse voltar, como de costume, seus meninos e meninas a acompanharam até o portão. Sem pressa, ela deu um beijo na ponta do nariz de cada um e brincou com eles ao notar suas expressões.

Melanie só seguiu seu caminho quando eles já estavam seguros dentro do orfanato novamente. Checou a hora no relógio e tirou o celular do bolso para mandar uma mensagem a suas amigas de que iria se atrasar. Leu novamente a mensagem que Thomas havia mandado aquela manhã.

E por estar distraída, ela mal teve tempo de reagir ao que aconteceu.

Talvez se ela não estivesse olhando para o celular, teria o visto se aproximar. Mas ela não viu. Quando se deu conta já estava pressionada na parede e o celular já tinha desaparecido de sua mão. Ela abriu a boca para gritar, mas desistiu imediatamente quando olhou nos olhos dele.

— Não grita. - Ele disse bruscamente em um tom desesperado. - Eu não vou fazer nada com você. Só preciso do dinheiro.

Melanie apenas encarou. O medo apenas uma fração pequena de sua mente naquele momento. Ela conhecia aquele olhar. Para ajudar quem ela ajudava, ela tinha que lidar com todos os tipos de situações. Em filmes eles já tentaram retratar, mas era tão diferente da vida real.

Mel nunca tinha dado assim de frente assim com uma pessoa no auge do desespero. Ela sabia qual era o destino de seu dinheiro.

— Olha, me escuta...

— Não. - Ele soltou o braço dela e arrancou a bolsa que segurava.

Com um princípio de raiva, mas mais ainda de compaixão, ela observou enquanto ele abria sua carteira e tirava suas notas. As mãos sujas com unhas ainda mais sujas. As roupas que usava estavam tão mal tratadas que ela duvidava que ele suportasse um inverno nova-iorquino com aquilo.

— Você não precisa...

— Cala a boca! - Ele procurou em desespero pela bolsa mais dinheiro, com um único pensamento em sua mente. Ele encarou-a outra vez. - Seu relógio.

Melanie cruzou os braços contra o corpo. - Por que você não se acalma um instante? Eu posso te ajudar...

— Não, não pode. - Os olhos verdes a encararam em desespero. - O relógio.

Mel o encarou em compaixão. - Nós podemos conversar...

— Não! -

Ele segurou o braço dela e puxou, torcendo o seu pulso no processo. Melanie deixou escapar um gemido de dor enquanto ele tirava o relógio de seu pulso machucado.

O homem largou a bolsa no chão, e colocou tudo o que havia tirado dela dentro do bolso interno de seu casaco. Ela segurou o pulso dolorido, mas ainda olhava para ele. Por um momento, os olhos deles se encontraram novamente e ele hesitou.

Mas então, tão rápido como apareceu, ele tinha ido embora.

Ela permaneceu um tempo ali parada, enquanto tremores lhe balançavam o corpo. Uma lágrima escorreu de seus olhos e ela rapidamente limpou. Ela precisava ligar para alguém. Não para seus pais, eles iam enlouquecer de preocupação e arranjariam uma forma de ter um ataque cardíaco para melhorar tudo.

Ela recolheu a bolsa do chão e voltou para o orfanato, ignorando a dor em seu pulso. Quando uma das professoras viu Melanie voltar, imediatamente entendeu o que tinha acontecido. Acolheu a menina rapidamente e ofereceu um copo de água.

Melanie aceitou e depois pediu para fazer uma ligação.

— Tom, é a Melanie. Você está ocupado?

Para você nunca, meu amor. Eu estou na academia. Mas o que há de errado? Está com uma voz estranha.

— Se você estiver com Adam, não diga que sou eu. - Ela avisou depressa.

Seu irmão seria uma via direta para os seus pais.

Já preocupado, Thomas fez um sinal para Adam e Dan com quem fazia algumas séries e se afastou. - Melanie, onde você está?

— No orfanato. Eu estava saindo, eu fui assaltada. Você pode vir me buscar?

Silêncio. - Eu estou indo!

Em menos de dez minutos ele estava lá, Melanie nem se atrever a perguntar como ele havia conseguido tal proeza. Não poderia nem mesmo se pudesse porque ele a puxou contra si e não soltou nem para respirar.

— Você está bem? Mel? Você viu bem a cara dele? Você viu a cara do filho da puta? Ele machucou você? - Isso foi tudo dito às pressas enquanto ele tinha o rosto dela entre suas mãos.

— Tom, controla a linguagem. Há crianças aqui. - Mel o lembrou, sem ter esquecido das lindas meninas que tinham ido lhe fazer companhia e que encaravam Thomas com expressões assustadas. - Eu estou bem, só torci o pulso. Não quis ligar para os meus pais por que eles provavelmente teriam um treco.

Você também está perto de um, Melanie pensou, se questionando se devia mesmo ter ligado para ele. Thomas assentiu, a abraçou por mais três minutos e então a forçou a concordar em ir ao hospital.

Já estava tarde quando eles finalmente chegaram à casa de Mel. E independente de ela os ter poupado da notícia pelo telefone, Edward e Bella estavam preocupadíssimos ainda assim quando ela chegou.

— Melanie, você tem noção da hora? Suas amigas ligaram para cá atrás de você, onde é que você... O que houve? - Edward interrompeu quando notou a expressão da filha e logo seu pulso machucado.

— Melanie foi assaltada. - Thomas jogou logo a bomba e recebeu um olhar nada amigável da dita cuja.

— O quê? - Isabella arregalou os olhos.

A partir daí, os dois começaram a falar ao mesmo tempo, a abraçar a filha e a reclamar por ela não ter ligado. Adam, que chegava de um encontro com amigos, também colocou lenha na fogueira ao saber da história. Thomas foi o responsável de explicar tudo.

Enquanto todos discutiam sobre violência e delegacia, com sua mãe segurando sua mão durante todo o tempo, Melanie permanecia sentada distraída pelos seus pensamentos. Ela não estava levando em consideração seu dinheiro, celular e relógio roubados. Nem ao seu pulso recém-enfaixado.

Como era bem esperado dela, Mel apenas se lembrava dos olhos. Do olhar que sem saber pedia ajuda.

### - X— ###

Millie trocou de roupa e maquiagens algumas vezes antes de se decidir. Ela procurou não exagerar na peça para não passar a idéia de que estava tentando impressioná-lo. Ela estava, é claro, mas a discrição era importante.

As oito em ponto, a campainha de seu apartamento tocou. Um tanto nervosa, a modelo retocou o gloss pela última vez e checou o reflexo no espelho. Agradeceu pela irmã ter saído com amigos do trabalho, assim não teria que se preocupar com seus olhares. Ou rosnados. A bióloga ainda estava irritada pela franqueza da irmã daquela manhã.

A modelo seguiu depressa para atender a porta quando a campainha tocou outra vez, apreciando a sensação do frio na barriga que não sentia há muito tempo. Com o sobretudo em um braço junto com sua bolsa, ela abriu a porta. E lá estava ele.

Com as mãos ansiosas dentro dos bolsos de sua calça, Ethan a encarou. Piscou. E permaneceu piscando.

Quatro horas para se arrumar tinham dado resultado. Era exatamente aquela reação que ela esperava que ele tivesse. Ela sorriu. - Olá, E.

Pobre rapaz. Se a modelo ao menos soubesse o que fazia com ele... Ele pigarreou, procurando clarear não só a garganta subitamente seca, mas também a mente. - Oi. Você... Você está linda, Millie.

A frase foi seguida pelo corriqueiro aumento de cor nas bochechas e nas orelhas dele. Millie encarou as botas de couro cobre que usava, as calças pretas de corte reto, a camisa branca de manga comprida e o colar dourado e deu de ombros. Quando ela olhou para ele outra vez, no entanto, estrelinhas bailavam em seus olhos.

Talvez ela tivesse trabalhado bastante na maquiagem, que propositalmente realçava seus lábios. Com o objetivo de exatamente chamar a atenção dele, ela admitia. Mas era noite, e noite pedia uma arte facial mais complexa. E afinal de contas, ela queria conquistá-lo, não era? Pois bem, ela usaria também sua aparência para tal.

— Obrigada. Você também.  

Ela já havia ouvido alguns elogios a sua aparência ao decorrer de sua vida. Palavras cuidadosas e poéticas, algumas vezes diretas e objetivas. Mas o elogio simples e olhar de Ethan tinham feito o que nenhum outro tinha conseguido. A sinceridade dele sempre a tocava.

Querendo dar tempo a ele quando o pobre rapaz continuou a encarando em encanto, Millie se virou para fechar e trancar a porta. Então tirou suas grossas luvas e um chapéu de crochê de dentro da bolsa enquanto o encarava.

— Vamos, me assuste. Exatamente quanto frio está fazendo lá fora? - Ela questionou.

Grato por uma mudança dos rumos de seus indecentes pensamentos, Ethan respondeu a pergunta. - Ainda não está nevando, mas está perto.

Ela sorriu e eles começaram a seguir para os elevadores. - Ótimo. Mas não devemos esperar muito do tempo. O inverno já começou há algum tempo e não houve indício de ninguém congelando ainda nos noticiários. NYC está colaborando uma vez na vida.

Os lábios dele se curvaram ligeiramente enquanto eles desciam. - Não é tão ruim assim.

Millie arqueou a sobrancelha. - Tem razão, é pior. - E riu junto a ele. - Nessas horas eu sinto falta da Itália, mais do que nunca, quero dizer. O inverno lá não era tão ruim, NYC é uma aberração da natureza. Claro que ainda perde para Antártida, e tudo mais.

A modelo sentiu um calafrio apenas de pensar na temperatura.

Ethan murmurou suavemente. - Você já pensou em voltar a morar lá?

Eles saíram do prédio e Millie pôde constatar por si mesma como estava a temperatura. Ela fez menção de vestir o sobretudo e E logo se postou atrás dela.

— Deixa, eu ajudo. - Ethan ofereceu e a ajudou a colocar o casaco.

A modelo sorriu levemente quando detectou algo a mais no tom da pergunta dele e pela gentileza natural do rapaz.

— Já. - Ela se deliciou quando ele a encarou, discretamente receoso. - Mas não o bastante para considerar mesmo voltar. O inverno é um pé nos países baixos, mas NYC tem seus encantos. - Ela olhou atentamente para ele quando disse aquilo.

Claro que o pobre do rapaz não notou demais na ação. Eles começaram a andar por um tempo e ao invés disso, ele percebeu que Millie já estava se encolhendo com frio.

— Você não tinha um cachecol?

Ela balançou a cabeça. - Eu sempre esqueço.

Sem nem pensar, ele começou a tirar o seu do pescoço. - Fica com o meu. Parece que você está precisando mais dele. - Ele acrescentou em um tom divertido.

— Não, sério, eu...

Shh. - Ele interrompeu e parou de frente a ela. Delicadamente, levantou os cabelos dela para tirá-los do caminho e envolveu o cachecol em seu pescoço. Os seus rostos estavam próximos e Ethan corou quando a percebeu o encarando. - O que foi?

— Você é extraordinariamente gentil.

Ele se afastou, ajeitou os óculos no rosto. - Você estava com frio.

Ele disse aquilo como se explicasse tudo. Ela sorriu, achando-o maravilhoso. Como foi a vez de ela ficar encarando, Ethan começou a se sentir desconfortável.

— Então... Onde você quer ir comer?

Mudando de assunto, Millie pensou com outro sorriso. Enlaçou um braço no dele, notando a expressão de E de alarme com o gesto. - Eu conheço um lugar...

— Conhece?

Ela gargalhou, sabendo que ele estava se lembrando de seu adorável suco. - Eu tento comer como uma pessoa normal nos finais de semana. Não precisa ficar com medo. Gosta de comida italiana?

Ele sorriu; as maravilhosas covinhas acompanhando e a fazendo encarar novamente. - O que há para não gostar?

Millie se mostrou satisfeita. - Ótimo. Então vamos. Você vai se apaixonar perdidamente por mim depois que eu te levar ao Romanini Ristorante.

Millie se esqueceu de comentar que além de conhecer o restaurante, ela conhecia melhor ainda o dono e cozinheiro do mesmo. Eles mal haviam se sentado e o senhor excêntrico apareceu, puxando-a para um esmagador abraço.

Após o senhor de meia idade com cabelos ralos e barriga generosa muito falar com Millie em tons desnecessariamente altos, completamente ignorando Ethan – que mal entendia o que diziam já que dialogavam em italiano -, a modelo finalmente conseguiu interrompê-lo.

— Luigi, este é Ethan. - Ela apresentou com um sorriso.

O senhor direcionou seus pequenos olhos azuis ao rapaz e apertou sua mão com firmeza. Firmeza demais. E então disse, em inglês e com um forte sotaque. - Espero que você esteja sendo bom per la mia bambina

Ethan dessa vez entendera o que ele queria dizer e encarou Millie. - Ah, eu...

— Não, não. Nós somos amigos. - Ela explicou e lançou um olhar ao chef.

Ele arqueou grossas sobrancelhas. - Amigos, hein? Bene, allora. Espero que tuo amico tenha um bom apetite. Vai começar com a Bruschetta, cara ragazza?

Ela sorriu. - Hoje vou fazer diferente. Mas você vai saber quando receber o maior pedido da casa que é o meu, obviamente.

Ela se sentou novamente enquanto o chef retornava a sua cozinha, recebendo elogios por alguns fregueses. - Ele é uma figura, não é?

— Sim. - Ethan concordou, ajeitando os óculos. - Eu não tinha percebido que você ainda tinha sotaque até que estivesse conversando com ele.

A modelo riu. - Eu não tenho, na maior parte do tempo. Mas quando eu falo em italiano com alguém, geralmente o sotaque se estende por um tempo. - Ela pegou um dos cardápios sobre a mesa, embora já conhecesse de cor todos os pratos.

Assim como podia descrever para qualquer o ambiente ao redor. Logo que se passasse pela porta de vidro da entrada, ao lado direito estava o balcão da recepção. Era simples, de madeira e atrás dele se encontrava a única recepcionista do local que era quase tão louca quanto Luigi.

A cozinha era no final do restaurante, e o acesso até ela era apenas por uma cortina vermelha. O local era grande e vivia abarrotado de pessoas. As mesas, em sua maioria, eram dispostas juntas, sendo o local frequentado geralmente por grandes grupos. As toalhas sobre as mesmas tinham estampas chamativas. 

E o mais importante de tudo, quando você passava pela porta do restaurante, era aquilo. Você estava apaixonado. Millie havia testemunhado a reação de Ethan com satisfação quando o cheiro da maravilhosa comida lhe atingira as narinas. O lugar tinha um preço acessível, mas o coração de sua fama era a culinária excepcional de Luigi.

Ethan também começou a folhear um cardápio, captando a atenção dela novamente. - Eu nunca tinha ouvido você falar italiano.

Ela sorriu por que ele também corou quando disse aquilo. - Isso é um crime, não é? Eu tenho dupla nacionalidade, mas estou traindo uma das minhas pátrias.

— Eu gostei. - Ele acrescentou, encarando-a.

Ela o encarou de volta e por um instante, por aquele instante o mundo parou. Ethan nunca havia entendido por que tantas pessoas se derretiam pela língua italiana em virtude de seu aparente romantismo e encanto. Não até ouvir Millie.

— Eu vou falar em italiano qualquer dia, só para você. - Ela esqueceu-se por um momento que em seu plano premeditado de conquistá-lo não estavam permitidos flertes diretos. Millie viu, como sabia que aconteceria, o rapaz corar e mudou de assunto. - Mas não agora. Agora nós vamos comer toda a comida maravilhosa do Luigi e amanhã pela manhã minha consciência vai ficar pesada. Mas só amanhã.

Ethan não estava exatamente seguro se ela tinha ou não flertado com ele. Claro que ele não tinha experiência, mas sabia o que era um flerte, muito obrigado. Em sua mente insegura, aquilo era tão impossível quanto expurgar definitivamente a violência mundial, mas havia alguma coisa ali. Nem que fosse uma mínima coisa, mas tinha.

E talvez, mesmo que ele ainda achasse que era ridiculamente inexperiente e abaixo dela, ele poderia fazer alguma coisa sobre aquilo. Estava claro como o céu matutino que ele queria Millie. De verdade. E se ela não o quisesse de volta, bem, não seria tão surpreendente assim. Ele lidaria com aquilo. De alguma forma.

Mas ao menos ele teria feito alguma coisa, além de apenas ficar corando igual uma garotinha a cada frase dita. Ele era patético com toda sua timidez, e tal, mas... Ela achava aquilo fofo, não achava? Talvez ele pudesse ter alguma chance.

Decisão tomada, Ethan ignorou a tremedeira em suas mãos enquanto buscava as dela em cima da mesa. Nervosismo ou não, por Deus, ele ia fazer alguma coisa. Millie encarou as mãos deles juntas como se pensasse que estava alucinando e então lentamente seu olhar encontrou o dele.

— E-eu iria gostar disso..., digo, que v-v-você falasse italiano para mim. - Apesar de ele ter corado e gaguejado, Ethan já se sentiu melhor por que tinha feito algo.

Ela piscou, franziu o cenho, piscou e finalmente sorriu. - Tudo bem.

Millie fazia dancinhas felizes em sua mente enquanto Ethan respirava em alívio, e soltava suas mãos para que pudessem escolher o que iriam comer. Eles ainda estavam com suas dúvidas e inseguranças, concepções diferentes sobre determinados pontos, mas pela primeira vez estavam certos de alguma coisa.

Aquele acordo tratava sobre muito mais do que um mero idioma e felizmente, eles tinham derrubado uma barreira.

***

— Eu nunca, nunca, nunca comi tanto em toda a minha humilde vida. - Ethan murmurou, enquanto puxava o ar com dificuldade pelo peso de seu estômago.

Em frente a eles, encontravam-se os mais variados pratos vazios. Cada um havia pedido algo, por várias vezes, e acabaram um comendo do prato do outro também. Fettuccine com cogumelos e avelãs, Arancini, Gnocchi de Queijo Fresco, Fogazza... E eles não se lembravam mais do resto. Para a sobremesa, Tiramisú.

— Nós acabamos com a comida do restaurante. - Millie gargalhou, ciente de que Luigi devia estar muito contente por que seu amico tinha um apetite tão grande quanto o dela.

— E provavelmente com o meu saldo bancário também. Quanto nós gastamos? - Ethan disse, mas estava cheio demais para se preocupar com aquilo.

— Mas nós vamos dividir. - Millie anunciou.

Ele a encarou, como se ela tivesse o ofendido. - Claro que não vamos. Eu vou pagar.

Ela revirou os olhos. - Sério, não há necessidade de querer bancar o cavalheiro...

— Não tem a ver com bancar o cavalheiro, tem a ver com... Olha, eu vou pagar.

— Você nem tem argumentos. - A modelo acusou com um sorriso.

Ethan balançou uma mão e retirou sua carteira do bolso. Bem naquela hora Luigi apareceu, tendo esperado os jovens amigos terem terminado a discussão, para perguntar se eles haviam gostado da comida.

— Luigi, você só quer que inflemos mais o seu ego. - Millie declarou.

— Certamente, bambina. - E como o homem percebeu que dela não tiraria nada mais do que sorrisos irônicos e por que já sabia o achava de sua comida, virou-se para Ethan. - Então, amico da Millie?

Ethan suspirou em um tom dramático. - Eu quero te contratar. Ou melhor, eu vou trazer minha mãe aqui e ela sim vai te contratar. Ela sabe ser convincente, não é Millie?

Ela sorriu. - Muito convincente.

Satisfeitíssimo com o elogio, Luigi sorriu grandiosamente. - Traga sua mãe, ragazzo. Mas ela não vai me convencer a largar il mio ristorante.

— Ah sim, ela vai.

Ele gargalhou e estalou as costas de Ethan em um tapa amigável. Abaixou-se então e beijou Millie na testa. - Mi piace il tuo amico, la mia ragazza.

Despedindo-se dos dois com um aceno, retornou para a cozinha. E Millie sorriu por que embora Luigi tenha dito novamente amigo, sabia que ele estava aprovando Ethan da mesma forma.

Eles discutiram um pouco mais sobre a não-divisão da conta, e apesar de se considerar uma extremamente habilidosa convincente ela mesma, Millie perdeu a discussão. Pouco depois eles deixavam o restaurante. 

Ela sorria por nada em especial. - Que horas são? Eu não tenho relógio.

Após checar o seu, Ethan disse. - Nove e meia.

Millie segurou sua mão, puxou-o para direção contrária aonde iam. - Ótimo. Ainda encontraremos o parque aberto.

— Parque?

Ela o encarou, cruzou os braços. - Não me diga que não gosta de parques.

Ethan franziu o cenho. - Não é isso, é só que...

— Então vamos, rápido.

E sem mais, eles voltaram a caminhar.

**

Ethan não ia a um parque há... Alguns anos. Todos concordariam com o fato de que tal programa era mais destinado ao público infantil. Ele já tinha bastante cara de criança, sem que precisasse estar em um lugar para crianças. Por que desde que se conhece, ele tinha uma mente mais avançada do que sua idade, ele sempre odiara sua idade.

Tentava escondê-la ou camuflá-la a maior parte do tempo, e naquilo estava incluso frequentar os lugares mais adultos e sérios possíveis. Ele nunca imaginaria em um dia normal dar uma voltinha em um parque ou qualquer coisa do tipo. Claro que com Millie a história mudava seu curso.

Ela não parecia infantil. Ela parecia feliz. Sim, com a inocência de uma criança pela forma como seus olhos brilharam quando eles chegaram ao local. Como se nunca houvesse visto. Mas ela era assim. Via o mundo com olhos diferentes dos outros, e magia onde ninguém mais prestava atenção.

Ela serpenteava por entre as pessoas com rapidez, mas nunca se esquecendo dele. Sua mão permanecia firme na dela. Millie sorria para as coisas mais simples e para todos em geral, como se tivesse de volta finalmente ao seu mundo. Ethan a observava enquanto ela comprava fichas, muitas fichas.

Era engraçado por que ela estava sempre o surpreendendo. Ele não podia simplesmente traçar um perfil concreto para Millie; ela permanecia mudando de acordo com sua vontade, não exatamente satisfeita com um único padrão. Ela era uma mulher linda, uma mulher com todas as letras – aquilo não podia ser negado. Mas tinha aquele brilho no olhar, como naquele momento, de uma menina. No caso, uma menina realizada.

Ela era sexy – às vezes de propósito às vezes sem saber. Ela era engraçada e divertida e incrivelmente parecia estar sempre de bem com o mundo. Como se nenhum problema fosse realmente tão importante a ponto de apagar o sorriso de seu rosto. Ela era carinhosa e doce e incrível. Ethan pensava em tantas características ao mesmo tempo, sem poder ao certo destacar uma mais marcante, e ciente de que havia tão mais a descobrir.

— Vamos, Ethan! - Ela sorriu enquanto o puxava pela mão novamente e continha, o que parecia para ele, um milhão de pequenas fichas azuis na outra mão. - Vamos na montanha russa!

Millie, nós acabamos de comer.

— E daí? Eu já não estou mais cheia. Você está? - Ela deu de ombros. Ele a encarou como ela estivesse louca; era claro que ele ainda estava cheio. - Bom, acho que isso é um sim. Tudo bem, vamos pensar em algo que você não passe mal.

Desconfortável com ela considerando os prós e contras de sua digestão, ele sugeriu. - Que tal você ir e eu ficar olhando?

Ela inclinou a cabeça para um lado. - Qual é a graça nisso? Certo, já sei. Vamos começar pelo Castelo Fantasma! Estaremos andando. Você não tem medo, tem?

— Claro que não. - Ele declarou, ofendido.

**

— Calma, Ethan. Tem certeza de que está bem? Você está um pouco verde. - Millie forçou seus lábios a não se curvarem.

Sentado em um banco do parque, ao lado de um garotinho que parecia estar torcendo para que ele finalmente desistisse e vomitasse, Ethan a encarou com os olhos semicerrados.

— Eu sei que você está querendo rir.

— Não estou! Eu nunca faria isso com você. - Mas seus lábios estavam se curvando enquanto ela falava.

Bastou ele cerrar os olhos um pouco mais e logo ela estava gargalhando a plenos pulmões. 

— Aposto que para quem está de fora deve estar engraçado. - Ethan murmurou com os dentes trincados e deu um gole na garrafa de água que tinha comprado. 

— Está mesmo. - O garotinho abusado teve a audácia de judiar.

Irritado, ele o encarou. - Por que você não se manda daqui antes que eu decida passar mal bem em cima de você?

O garotinho sorriu um pouco mais, deu de ombros e se afastou para perto da mãe que estivera o procurando em desespero. Millie ocupou o lugar ao lado dele e colocou a mão em seu ombro.

— Coitado, Ethan. Ele é só uma criança, gosta de tirar sarro dos outros.

— Por que você está tirando sarro, então?

— Eu tenho alma de criança. - Gargalhou, gargalhou e então se conteve. - E além do mais, a culpa foi sua. Como você espera entrar em um Castelo Fantasma e não ver sangue? Devia saber que ia ficar enjoado.

— Eu esperava ver sangue, só não esperava que eles tentassem jogar em cima de nós!

— Ah, mas era de mentirinha. E eles nos deram toalhinhas úmidas para limpar. Foi divertido, vai.

— Divertidíssimo. Estou rindo até agora.

— Eu não sabia que você podia ser tão sarcástico. - Ela sorriu. - O misterioso Ethan revela outra qualidade...

— Não considero uma qualidade.

— Mas é. - Millie insistiu. - Você já está melhor?

Ethan suspirou, sentindo-se um velho rabugento de repente. Eram demais os conflitos etários para sua cabeça. - Sim. Eu sinto muito, não quis estragar seu humor.

— Não estragou, não se preocupe. Eu sou muito mais animada do que isso. - Ela bateu seu ombro no dele. - Vamos! Temos que nos apressar para gastar todas as minhas fichas antes que o parque feche.

E assim ela saiu o puxando pela mão novamente.

Eventualmente Ethan voltou ao seu normal. E logo que anunciara isso, Millie o arrastara para a montanha-russa. No final, ele tinha certeza que eles tinham andado em cada brinquedo do parque. Com a exceção do carrossel, o qual ele se recusou veemente a ir, apesar dos protestos da modelo.

O parque gradualmente se esvaziava. Faltava mais ou menos vinte minutos para o seu fechamento, mas Millie estava cheia de gás. Insistiu que eles entrassem em uma daquelas antigas máquinas de tirar foto e dentro do espaço pequeno, eles se apertaram um contra o outro e o resultado foi: fotos vergonhosas, na opinião de Ethan, e engraçadíssimas, na de Millie.

— Olha sua cara, nesta aqui! Parecia até que você tinha chupado limão! - Ela gargalhou alto enquanto o vento gelado lhe balançava os cabelos e levava um leve rosado ao seu nariz e bochechas.

Ethan se lembrava daquele momento. Millie estivera sentada em seu colo, o que em si já o causara desespero, mas precisamente em cima de determinadas coisas. Ele completamente havia esquecido que estavam tirando fotos enquanto sua mente os projetava para outros lugares. Mas ele não fez uma careta pela lembrança, ao invés disso, gravou na memória a expressão contente no rosto dela.

— Certo. Vou te dar duas e vou ficar com duas, mas você tem que prometer que não as mostrará para ninguém. Será o nosso segredo. Nossa, eu estou horrível nessas fotos. Parece até que eu... - Millie levantou os olhos e quando o percebeu a encarando, sentiu uma sensação engraçada em seu baixo ventre. Sorriu. - Qual o problema?

— Você é linda. - Ele murmurou.

Ela corou, de verdade e não só por causa do vento. - Você está querendo amenizar as fotos.

— Não, eu estou dizendo a verdade. Não há como você ter ficado horrível. É simplesmente impossível.

Ela riu, ainda mais tímida. - Certo. Agora você está querendo me amolecer para que finalmente possamos ir embora. Ok, ok. Mas primeiro meu algodão-doce. Eu disse que não saio daqui sem ele.

E ela virou as costas depressa, literalmente correndo até a barraca de algodão-doce. Ethan passou o olhar pela montanha-russa e imediatamente recordou-se de momentos horríveis, a não ser pela risada de Millie ao seu lado.

— Você quer um? - Ela perguntou sem tirar os olhos do seu que era calmamente ‘tecido’ pelo vendedor.

— Não. Bom proveito.

Ela pagou, agradeceu e foi até ele com seu grande algodão-doce azul em suas mãos. Encarou-a enquanto colocava uma nuvenzinha na boca. - Você não gosta de parques, não gosta de algodões-doces e claramente não gosta de montanhas-russas. Por Deus, Ethan, do que você gosta? Além de livros, é claro.

De você.

Ele pensou, não disse, mas sorriu. E ela pareceu entender o que ele estava pensando por que corou novamente. Os papéis aparentemente tinham momentaneamente se invertido.

— Não, sério, você tem que provar isso. - Ela formou outra nuvenzinha de algodão entre os dedos. - Abre a boca.

Ele fez como ela disse e permaneceu olhando nos olhos dela enquanto o doce se desfazia em sua língua.

Ora, ora, ora.

Garganta seca, coração palpitante. - Vai me dizer que não é maravilhoso?

— É maravilhoso. - E ele permaneceu olhando para ela.

Ele estava de repente muito cheio de olhares, mas não que ela estivesse reclamando. Millie só não sabia como devia agir aquilo. Ela jogou o palito do algodão em uma lixeira próxima.

— Então você vai querer um? O moço ainda está ali... - E por que ela não sabia como agir, começou a se virar.

Ele segurou seu braço. - Não... Millie.

Eles voltaram a se encarar. Nenhum dos dois soube quem deu o primeiro passo, decidiriam mais tarde que haviam se aproximado juntos. As mãos deles, as mãos, se tocaram primeiro enquanto olhar permanecia no olhar. Ali em frente à montanha-russa chamativa que rodava pela última vez no dia, sob um céu que lentamente despejava sobre a cidade de New York seus primeiros flocos de neve.

Ali em meio a crianças que corriam apressadas tentando aproveitar o parque até o último minuto e que mesmo em sua correria lançavam a eles sorrisinhos abafados. Ali, em uma decisão mútua por um olhar que transmitia mensagens silenciosas, Millie e Ethan deram seu primeiro beijo.

Nenhum deles estava pensando como em ainda naquela manhã, haviam murmurado palavras sobre como aquela saída não era um encontro. As mãos dela moldaram o rosto de Ethan e as mãos dele, o quadril de Millie. Aquele toque foi tão natural como a neve que caía silenciosamente ao redor deles. Como se já houvesse acontecido antes inúmeras vezes e estivesse gravado na memória de cada um.

Os seus lábios se moviam firmes e com a precisão de quem já se beijara antes, mas era delicado. As mãos de Ethan seguravam o quadril dela contra si como se não fosse mais a soltar, mas o beijo era doce. Assim como eles eram. Assim como o relacionamento deles, novo e excitante, era. Quando as línguas deles se tocaram, ambos experimentaram um estranho senso de Dejá Vu misturado à surpresa de um presente inesperado.

No fim, eles se separaram tão lentamente como haviam se aproximado, quando flocos de neve lhe caíram sobre as faces. Os dois abriram os olhos ao mesmo tempo, ainda não reparando em nada além de nos rostos um do outro.

Então um terceiro apareceu, trazendo-os de volta para realidade. - Com licença, nós estamos fechando o parque.

A segurança longamente os encarou, com uma saudável inveja dentro de si. Naquela noite fria, tudo o que ela queria era se encontrar nos braços de alguém que lhe acolhesse em seu calor. Assim como os dois em sua frente. A lembrança de que, aos trinta anos, voltaria para uma casa vazia lhe revirava a cabeça. O máximo que encontraria para lhe aquecer seria uma boa taça de vinho.

Ethan retornou à realidade primeiro, encarou a segurança e piscou como se não a enxergasse realmente. - Ah, ok. Nós estamos indo.

Millie ainda o encarava como se ele tivesse acabado de mudar toda a sua vida e quando ele a encarou, vermelho e tímido, os grandes olhos verdes presos em seu rosto, ela quis que ele voltasse a agarrá-la e mudasse tudo outra vez.

Então percebeu que eles tinham que se mover. - Ah, ok.

Ela repetiu bobamente e segurando a mão de Ethan, como tinha feito desde o princípio, os dois fizeram o caminho para a saída do parque.

Ao longe a segurança ainda os observava. Finalmente suspirou e desviou o olhar, encontrando distraidamente os olhos de Andrei, seu colega de turno. Ele abaixou a cabeça em um ato reflexo e acenou para ela, quase imediatamente saindo do local onde estava. Ela nunca tinha notado que os olhos dele eram de um cinza tão penetrante.

Perguntou-se por que, dentre todas as noites, foi naquela que pela primeira vez notara que como na noite os olhos de Andrei relembravam uma densa névoa. Não pensou no casal de jovens que invejara momentos antes e na possibilidade de que tivessem, inconscientemente, aberto seus olhos.

Mas ela pensaria neles quando duas semanas depois, aceitasse o convite inesperado de Andrei para jantar. Pensaria quando um ano depois eles se casassem, tendo ele finalmente revelado que a amava por anos em silêncio e desde que começara a trabalhar com ela. E quando finalmente encontrasse em Andrei, quem sempre estivera ali, a pessoa que finalmente lhe aqueceria, apenas lamentaria por não ter conhecido o casal de jovens antes.

E começado a ser feliz mais cedo. 

**

Em uma decisão silenciosa, os dois começaram a andar para o metrô. Ainda de mãos dadas, mas sem saber o que dizer.

Foi Millie quem resolveu pôr um fim na situação constrangedora. - Olha, talvez fosse melhor se nós falássemos sobre o que aconteceu.

Ethan parou e assentindo com a cabeça, destruiu-a com aqueles olhos dele sem nem ao menos saber. - Ok. - Ele encolheu os ombros, colocou as mãos nos bolsos e resolveu tomar a iniciativa uma vez na vida. - Você se arrependeu? Por que eu não me arrependi.

Millie sentiu como se o peso do mundo estivesse deixando suas costas. Sorriu. - Não, E. - Ela pausou e em um gesto tímido que ele reconhecia, baixou os olhos e começou a brincar com as luvas em suas mãos. - Eu só não queria que você achasse que isso foi premeditado, sabe... A idéia disso foi minha e tudo, e eu tinha dito a você que não...

— Eu queria que acontecesse. - Ele interrompeu em um quase tom apologético.

Como, como ela iria conseguir pensar e falar coerentemente quando ele continuava a olhar para ela daquele jeito?— Eu também, Ethan. De verdade. Eu só não queria assustar você.

Ele hesitou e um lento sorriso nasceu no canto dos seus lábios. - Então a verdadeira razão de você querer me ajudar não era... exatamente me ajudar, certo?

Ela ficou vermelha, outra vez. - Eu queria mesmo te ajudar.

— Mas você fez isso mais para que pudesse se aproximar de mim. - Ele estava sorrindo abertamente agora, um grande sorriso irônico e – que Deus a ajudasse – sexy

Ainda mais sem graça, a modelo rolou os olhos. - Bom, se é para você ficar todo convencido...

— Sim, é. - Na cara de pau, ele confirmou.

Millie cerrou os olhos. - Nota-se.

Ethan gargalhou, alto e ela acabou desistindo e gargalhando também. E eles foram embora, pelo metrô, ainda gargalhando até que não soubessem mais do que estavam rindo. Eles já haviam se controlado ao chegar ao seu apartamento.

Ethan colocara novamente as mãos nos bolsos e começava a ficar nervoso outra vez. Enquanto isso, Millie estava matutando sobre qual desculpa ela deveria usar para que ele subisse. Um café era ridiculamente óbvio. Você pode me fazer companhia por um tempo? Tess provavelmente ainda não deve ter chegado. Patético.

Que tal se você ficasse por aqui mesmo? Está tarde e eu poderia te ceder meu sofá. Não é exatamente uma King Size, mas dá para o gasto. Absurdamente direto. Talvez ele nem quisesse mesmo subir... E então ficaria sem graça de recusar, o que seria péssimo para os dois.

— Então... Chegamos. - Ele comentou, com uma forçada casualidade.

Millie piscou para espantar os pensamentos. - Ah, é sim. - Ela tirou as chaves de dentro da bolsa e sorriu para ele, decidindo abortar os planos de passar a noite com ele. Por hora. - Boa noite, E.

— Boa noite.

E ele continuou a encarando como se quisesse dizer mais alguma coisa, com as pontinhas das orelhas vermelhas. Encarou-a encantado com o brilho dos seus olhos e com a vermelhidão em seu nariz pelo frio. Ela nunca lhe havia parecido mais linda.

— O que foi, E?

O rapaz respirou fundo. - Eu... Eu posso beijar você outra vez?

Mesmo enquanto seu coração estava dando voltinhas em seu peito, Millie abriu um sorriso enorme. Como se ela fosse negar... Mas era incrivelmente doce que ele pedisse. Ele era um fofo. Principalmente encarando-a com tanta insegurança como se cogitasse mesmo a possibilidade de ela recusar.

— O que você acha? - O sorriso dela ainda estava maior do que o seu rosto.

Ele primeiro tocou em sua bochecha, delicadamente, apenas com as pontas dos dedos cobertos pelas luvas e se aproximou dela. Millie fechou os olhos no instante que seus lábios se tocaram. Ela sonharia com ele naquela noite, e na próxima e na próxima. Sonharia com a sensação.

O beijo foi um pouco mais intenso dessa vez, estava somado ao fato de que eles estavam se despedindo. Eles estavam exatamente no mesmo lugar em que Tess e Adam protagonizaram um pequeno show para os transeuntes que passavam dias atrás. E ainda assim eles se comportaram exatamente de forma oposta.

Ethan sentiu, nitidamente, o que a proximidade do cheiro dela causava em seu organismo, mas se controlou. Melhor do que esperava. Ele não a apertou contra si dessa vez, não queria dar chances ao descontrole, mas a beijou mais profundamente do que antes. Ele deitaria na cama naquela noite e não conseguiria dormir, pensando em como aquilo tinha acontecido com ele. Mas por hora, o rapaz estava aproveitando a chance.

Eles se afastaram quando ao mesmo tempo sentiram que as coisas estavam ficando um tanto mais quentes. E por motivos diferentes resolveram não agir sobre aquilo. Ainda. Ethan correu um dedo pela bochecha dela outra vez e sorriu. Satisfazendo sua vontade antiga, Millie se inclinou e beijou uma de suas covinhas. Captou o brilho no olhar dele.

— Boa noite, E. - Ela entrou no prédio, com o cachecol dele ainda enrolado em seu pescoço.

Ela dormiria com a peça de roupa naquela noite.

E com uma rápida olhada sobre o ombro, a modelo o constatou parado no mesmo lugar com o mesmo brilho de desejo e surpresa nos olhos e o sorriso ainda no rosto.

### - X— ###

Passava do meio dia naquela segunda feira quando Dan decidiu que a hora era oportuna e fez uma ligação de seu celular.

Bella logo atendeu. - Dan? Mas que milagre divino é esse?

— Madrinha, que injustiça. Eu falo com você ao menos duas vezes na semana.

Eu sei, só estou implicando. - Ela deu uma boa gargalhada. - Certo. Mas você nunca liga quando estou no hospital. Está tudo ok? Não está numa encrenca, não é?

Ele rolou os olhos. - Mas o que é que você pensa que eu sou? Eu não estou sempre em encrencas, sabe? - A única resposta que ela lhe deu foi o silêncio. - Ok, certo. Eu devo ter merecido isso. Mas na verdade, eu queria falar com você. Mas não pelo telefone. Eu queria ir até aí o hospital, você tem um tempinho para mim hoje?

Verdadeiramente preocupada, Bella franziu o cenho. - Querido, de verdade agora, aconteceu alguma coisa?

— Não, Madrinha. Por que vocês, mães, sempre acham que tem algo errado? Só quero conversar um minuto.

A médica ainda hesitou. - Tudo bem. Eu só devo ter um tempo lá pelas três. Não antes.

— Ótimo. Eu vou encontrar você, então. Um beijo, Madrinha.

— Outro, querido. Até mais tarde. - E logo completou, como sempre. - Cuide-se, Dan.

Ele ainda estava balançando a cabeça quando desligou. Bella sempre parecia preocupada com ele todas as vezes que conversavam, quase como se ele sempre estivesse fazendo merda. Ou, como se esperando que ele a decepcionasse. Daniel preferia pensar na primeira opção.

Mas se alguém fosse lhe contar o que tinha acontecido com Angelinne, Bella era a mais indicada. Ela não gostava que lhe apontassem tal coisa, mas a verdade era que ela tinha o coração mais mole da família. Empatando com Millie, Dan pensou e a considerou antes de descartar a possibilidade. Do jeito que seu irmão estava próximo à modelo, ele iria arranjar um problema desnecessário com aquilo.

Sua madrinha iria ajudá-lo, ele tinha certeza. Tinha decidido encontrá-la no hospital para garantir que estivessem sozinhos, e não encontrarem com Melanie – que saberia de suas intenções.

Dan havia ido para o jardim para falar ao telefone com o objetivo de evitar que alguém o ouvisse e quando entrou em casa, deu de cara com o seu pai que ia pegar mais tarde no trabalho naquele dia.

— Eu preciso que você vá à lavanderia pegar o vestido da sua mãe. Ela não vai ter tempo de passar lá com o desfile de hoje à noite e eu estou indo para o hospital agora. Pode fazer isso? - Perguntou o médico.

Daniel percebeu que, como sempre, ele estava com a expressão de quem esperava ser contrariado pelo filho rebelde. - Tudo bem.

— O papel que você tem que levar está ali em cima da estante, e já está tudo pago. - Jasper retirou seu jaleco que corriqueiramente estava pendurado no pequeno closet perto da porta junto com outros casacos. - Angelinne começa a vir para cá hoje, não é?

— Sim. Ela marcou quatro e meia.

— Certo. Eu acho que já falei com você para se comportar com ela, não foi? Ethan só deve voltar para casa depois das seis, e vocês estarão sozinhos até...

— Você já disse isso duas vezes, pai. E eu sei muito bem. - Dan respondeu e virou de costas para pegar o controle da televisão.

Jasper hesitou, vestiu o casaco e colocou o cachecol. - Eu não estou falando isso por que não confio em você, eu estou falando por que...

— Não, claro que não. Você confia perfeitamente em mim, por isso está dizendo a mesma coisa pela terceira vez.

O médico suspirou, passou uma mão pelo rosto e observou o filho passando os canais enquanto se esparramava no sofá. - Dan...

— Você está se atrasando, doutor. - Daniel murmurou sem encará-lo, naquele tom que sempre usava para encerrar um assunto que não o agradava.

Houve uma pausa, o silêncio carregado com palavras não-ditas e mágoas contidas. Por fim, Jasper balançou a cabeça do jeito que sempre fazia quando recebia aquele tom do filho mais novo e enquanto saía, perguntou-se se ele podia falhar ainda mais no papel de pai do que já estava fazendo.

Daniel ficou encarando a porta por um bom tempo depois que o pai tinha saído, com os olhos sufocando emoções conhecidas e a garganta sustentando uma incômoda ardência. Ele balançou a cabeça, assim como o pai. Na mente de Dan, ele sabia bem que não estivera fazendo muito para merecer essa confiança nos últimos tempos.

Mas em sua mente também, independente daquilo, seus pais guardavam todo o seu orgulho e amor para seu irmão. Claro, o perfeito Ethan. Em sua insistente anulação da verdade, Daniel recusava-se a aceitar seu próprio fracasso descontando em seu irmão a raiva e em seus pais a culpa.

Ele balançou a cabeça outra vez, recusando-se a pensar sobre aquilo – como sempre fazia – e desligou a TV, a qual não tinha prestado a menor atenção. Como os pensamentos insistiram em lhe rodear a cabeça, ele se levantou e foi atrás da garrafa de vodka que mantinha em seu quarto.

***

Quando chegou ao Lenox Hill, Daniel ligou de novo para sua madrinha. Isabella afirmou que estava descendo para encontrá-lo e orientou que ele a esperasse na cantina do hospital.

A médica apareceu três minutos depois com seu jaleco surpreendentemente branco e um sorriso acolhedor no rosto. Abraçou o afilhado e lhe deu um puxão de orelha amigável. Com uma fome gigantesca, pediu na cantina um cappuccino com croissant e Dan aproveitou o embalo pedindo um suco de abacaxi.

— Então, querido. Eu odeio apressar você, mas eu realmente só posso matar vinte minutos, no máximo. Por que não diz o problema para mim? - Ela comentou assim que sentaram e bebericou do cappuccino.

Dan balançou a cabeça. - Não é um problema, Madrinha. Eu queria te fazer uma pergunta.

— Vamos a ela. - Instigou.

— Na verdade, é sobre a Angelinne. - Ele começou.

Isabella depositou a xícara de cappuccino sobre a mesa e o encarou atentamente. - O que você fez, Dan?

— Nada. - Ele declarou. - Eu não fiz nada. Eu só quero saber o que foi que aconteceu com ela.

— Por que você acha que aconteceu alguma coisa?

— Madrinha, não demos voltas aqui, eu sei que aconteceu alguma coisa e que todo mundo ficou sabendo, menos eu. - Daniel não escondeu seu ressentimento. - Eu quero saber o que é.

Isabella inclinou a cabeça para um lado, suspirou. - Eu não posso te contar, Dan. Angel não queria que ninguém ficasse sabendo, a não ser a família. Mas como vocês nunca se deram bem, bom, nós não contamos nada. E além do mais, por que você quer tanto saber?

— Nós estamos juntos no dueto para o Musical do colégio, do meu antigo colégio.

— Eu fiquei sabendo.

— Pois é, acontece que não está dando certo por que nós não nos damos bem. - Dan disse. Ele não se sentia mal pelo equívoco, afinal eles ainda não tinham começado nada, era por uma boa causa. - Madrinha, eu só achei que se pudesse entendê-la melhor, talvez... Sei lá, isso melhorasse alguma coisa.

Isabella hesitou, encarou-o nos olhos. - É só isso mesmo?

— Claro que sim.

— Você não me engana, Dan. Você se acha um bom mentiroso, mas não é. E eu continuo afirmando que não posso te dizer. Eu sei que você veio falar comigo porque achou que seria mais fácil me convencer, mas eu simplesmente não posso contar. - Ela pausou. - Mas eu vou te dizer algo: Angel não confia nenhum pouco em caras mulherengos e despreocupados como você mostra ser, e ela tem motivo. Se você quer melhorar as coisas entre vocês dois, sugiro que não aja assim perto dela.

— Mas eu sou assim.

Isabella sorriu àquilo. - Não, não é. Você age assim, o que é totalmente diferente. Dan, você tem muito mais potencial do que acredita, mas se comporta de forma contrária por que isso é menos complicado. Todos sabem, Dan, que é mais fácil destruir do que construir. Eu só espero que você se dê conta a tempo de que embora mais fácil, não é o melhor. - Ela não se surpreendeu com o silêncio do afilhado, sabia que ele não diria nada mesmo. - Eu tenho que ir agora. Eu sinto muito por não poder te ajudar, mas siga o meu conselho. E se você conseguir que ela lhe conte, saberá que está no caminho certo.

Ela levantou e lhe deu um beijo na bochecha, mas Dan segurou sua mão antes que ela se afastasse. - Madrinha, é algo muito sério?

— Sim. - Isabella sorriu quando a expressão dele se fechou e abaixou para lhe dar outro beijo na bochecha. – Mas cabe somente a ela dividir com você ou não. Respeite o espaço dela e vocês ficarão bem.  

***

Enquanto Dan voltava para casa, após passar na lavanderia como pedido por seu pai, percebeu em seu relógio que estava dez minutos atrasado. E quando finalmente chegou, Angelinne lhe esperava com os braços cruzados em frente à porta. 

— Você está atrasado. - Ela acusou.

— Eu sinto muito, mas eu tinha que passar na lavanderia para buscar um vestido para minha mãe. - Ele apontou para a roupa dentro do plástico que carregava no braço.

Ela encarou a peça de roupa e amoleceu um pouco. - Você podia ter me ligado para avisar. Eu fiquei cinco minutos tocando a campainha à toa. E você podia ter ido mais cedo. Eu estou congelando aqui, você não tem coração?

— Eu não tenho seu celular, lembra? - Dan respondeu com toda a paciência do mundo enquanto abria a porta com as chaves. - E eu não sabia que ia me atrasar.

— Você podia ter me pedido. Eu não consigo me lembrar de tudo.

Daniel revirou os olhos enquanto ela não estava olhando e pendurou o vestido no armário ao lado da porta.

— Não tem ninguém em casa além de nós? - Ela perguntou sem esconder seu nervosismo com aquilo.

— Não. Minha mãe tem um desfile hoje, por isso não está. Mas Ethan deve chegar daqui a pouco. - Dan explicou enquanto a observava. - Você não precisa fazer essa cara, Angel. Admito que você seja difícil de lidar, mas eu nunca faria nada com você.

— Eu não estou preocupada com isso. - Ela mentiu. - Podemos começar ou o quê?

Ele balançou a cabeça e suspirou. - Claro.

Os dois subiram e Dan logo tratou de ligar o aquecedor, enquanto Angelinne bobamente encarava a sala de música como se fosse a primeira vez. Com medo de que a baba lhe escorresse pelo queixo, ela pigarreou.

— Tem um banheiro aqui em cima onde eu possa me trocar?

Enquanto checava seus instrumentos, como sempre fazia quando entrava na sala, Dan assentiu e apontou para uma porta no mesmo cômodo. - Ali.

Angelinne girou nos calcanhares, e com sua bolsa em um ombro e uma sacola nas mãos, entrou no banheiro. Daniel estava sentado ao piano quando ela voltou. Ele levantou os olhos e a encarou, de cima a baixo.

Furiosa por estar desconcertada, ela deixou suas bolsas em um canto. - Qual o problema?

Daniel sempre achou que Angel sabia adequar suas roupas ao corpo que tinha, mas ele não conhecia tão bem as suas curvas até vê-la em um colan. Ela usava um colan preto junto a uma saia branca de tecido leve, meia calça e sapatilhas. O cabelo estava preso em um alto rabo de cavalo.

Angelinne cruzou os braços sobre o peito quando ele continuou a encarar seus seios sem nenhuma discrição. Ela sabia que tinha seios grandes, talvez até demais, e não gostava nenhum pouco da lembrança.

— Daniel. - Ela lhe chamou a atenção com voz dura. - Pare de ficar me encarando assim. Eu não vim aqui para isso.

Ele desviou o olhar. - Desculpe.

Desconcertada, ela pigarreou. - Eu só posso montar minha coreografia depois de ter ao menos um vislumbre da música que vai fazer. Eu não espero que tenha começado, é claro...

— Eu comecei. - Dan disse, no tom ‘trabalho’ que só usava quando falava sobre música, e teve o prazer de ver Angelinne surpresa. - Aqui. Não tem muita coisa ainda, e é só a melodia... Eu vou levar mais tempo para compor a letra.

Ela se aproximou quando ele acenou com uma partitura. Ele lhe estendeu a folha e ela passou os olhos pela mesma, percebendo as notas musicas no início da página. - Eu acho melhor que você toque. Eu não vou entender muito por isso aqui.

— Ok. - Ele concordou. Angelinne começou a lhe estender a folha novamente. - Não, tudo bem. Eu sei de cabeça.

Assentindo, a menina foi se sentar no chão ao lado de suas bolsas. Observou Dan correr os dedos pelas teclas do piano. A melodia começou e lentamente preencheu a sala com suas notas. Angel não desgrudou os olhos dele. Foi rápido, rápido demais na concepção da menina, e logo já tinha acabado.

— O começo é mais difícil. Depois o resto é só seguir, eu devo terminar amanhã ou depois. - Dan começou a falar quase imediatamente, recusando-se a admitir que estivesse receoso sobre o que ela ia dizer. - O que você achou?

Angel se levantou, depositou a partitura sobre o piano. - Por que você não tentou estudar música?

Daniel gargalhou, mas não achou nada de engraçado. - Eu gosto de tocar, mas daí fazer isso de carreira... Nah, eu sou só um amador.

Angelinne balançou a cabeça, entendendo o que ele estava fazendo. - Para mim a diferença entre um amador e um profissional é apenas uma: um quer tentar e o outro não.

— Você está dizendo que todo amador tem talento? - Ele questionou, incomodado com o rumo da conversa.

— Não, eu estou dizendo que você tem talento.

Por um breve momento os olhos deles se encontraram, se mantiveram por um instante. Um precioso instante.

Angel logo sorriu ironicamente e desviou o olhar. - Mas talento não vale de nada sem coragem. - Ela acrescentou e Dan sentiu o balde de água fria que ela lhe jogava logo após um elogio. - Toque de novo.

Ela se afastou até o centro da sala. Dan conteve a vontade de praguejar e voltou a tocar. Angelinne fechou os olhos, sentiu a música lhe absorver e pensou nos passos. Começou a se mover sem sentir. 

As notas musicais lentamente morreram e Dan virou a cabeça para um lado, observando Angelinne no meio da sala com o cenho franzido e olhos fechados.

— Sobre o que falará a letra da música?

— Eu ainda não sei.

Ela abriu os olhos, encarou-o. - Como você pode ter feito a música sem sentir o que quer transmitir com ela?

— Eu ainda não terminei, eu te disse isso. - Ele respondeu em tom defensivo.

Ela revirou os olhos como se aquilo não fosse desculpa. - Certo, ok. Mas eu preciso saber sobre o que se trata para fazer a coreografia. Eu posso montar os passos baseados em tristeza, e você montar uma letra sobre o arco-íris.

Os lábios de Dan se curvaram. - Por que eu escreveria sobre um arco-íris? Eu tenho cara de quem escreve sobre isso?

Ela ponderou, inclinou a cabeça e o analisou. - Agora que você mencionou...

Ha-ha. A Miss Seriedade sabe fazer uma piada.

O sorriso que lentamente lhe preenchia os lábios morreu. - Eu não sou tão séria assim.

Pressentindo outra reclamação, Daniel balançou a cabeça. - Angel, sem mais brigas, ok? Foi só um comentário.

— Você está querendo dizer que eu sou briguenta? Que eu fico criando motivos bobos para brigar, é isso?

Era bem aquilo, mas Dan sabia melhor do que para concordar. - Claro que não. Você é a pessoa mais pacífica e sociável que eu conheço.

Ela cruzou os braços. - Eu não aprecio a ironia.

— E eu o papo. Nós temos um espetáculo para montar, não é? Faça sua parte. - Daniel se virou novamente para o piano e perdeu o olhar que Angelinne lhe lançou.

— Eu estou fazendo a minha parte! - Ela respondeu, mesmo sabendo que não estava. Ao invés daquilo, estava reclamando de tudo como uma velha por que queria uma desculpa para criticá-lo. - Certo, eu vou parar de brigar. O problema é que você me deixa nervosa.

Ele sorriu para aquilo, piscou. - Dois elogios em um único dia. Angelinne, você está se sentindo bem? Eu estou preocupado.

Ela lutou para evitar o sorriso. - Você é um idiota, Daniel Cullen.

— Ah, Graças a Deus! Você voltou. - Dramaticamente, ele depositou uma mão sobre o coração. - Não me assuste mais assim, eu posso não aguentar.

Ela grunhiu alto e virou de costas, mas Dan ainda conseguiu ver o sorriso que dessa vez Angel não evitou.

***

 

Ela ia se atrasar, ela ia se atrasar. Angelinne odiava se atrasar.

Em uma velocidade maior do que era humanamente possível, a menina jogou o seu material de qualquer jeito na mochila e depois lutou para fechá-la.

— Seu pai está na forca? - Perguntou Rachel, sua colega de classe que ainda procurava no computador do colégio os últimos detalhes do trabalho que faziam.

— Não, mas meu orgulho está. A gente se vê amanhã! - Ela acenou enquanto corria para fora da biblioteca e pelos corredores do colégio.

Ela não parou quando esbarrou em corpos pelo caminho, apenas gritou um “desculpa” por cima do ombro e perdeu as ofensas que obteve como resposta. Estava completamente sem fôlego quando chegou ao metrô e checando o relógio, praguejou quando constatou que faltavam dez minutos para as cinco da tarde.

Seu celular tocou no momento em que o barulho nos trilhos alertou que o metrô chegava. Angel colocou o celular no ouvido enquanto era empurrada bruscamente pelas pessoas que queriam entrar todas ao mesmo tempo.

— Alô? - Ela perguntou com a voz exasperada pelo esforço de sair do caminho para não ser pisoteada.

 - Oi, meu amor. Fez o que eu pedi? - A voz de seu pai soou alegre do outro lado da linha.

— Você pediu alguma coisa? - Ela perguntou em desespero. - Diga, por favor, que não era para eu fazer agora.

— Claro que era. Angel, pelo amor de Deus. Não me diga que esqueceu. Você nunca esquece nada! - E um Yuri agora também desesperado lhe respondeu. - As reservas no restaurante, Angelinne! Eu pedi para você confirmar. Sua mãe vai me matar, ela vai me matar... Eu sabia que não ia ter tempo, então pedi para você... Ah, ela vai me matar...

— Desculpa, pai. Eu esqueci de olhar na minha agenda. É que eu estava fazendo um trabalho na biblioteca e então eu percebi que ia me atrasar para ensaiar com o Daniel, e aí eu não olhei... Argh, a culpa é toda dele. Ele vai me ouvir. Ok, escuta. Eu estou no metrô. Eu vou passar lá agora, confirmar e vai ficar tudo bem. Pai, eu sinto muito mesmo.

Yuri respirou fundo. - Tudo bem, Angel. Calma, meu amor. Não precisa também ficar se culpando. Todo mundo esquece alguma coisa na vida. - Menos a sua filha, até aquele momento. - Mas, por favor, vá lá agora sim? É realmente importante.

— Eu sei que é, pai. Eu sei. Eu vou agora. Eu ligo para você depois. - Ela guardou o celular na bolsa e praguejou o nome de Daniel Cullen cem vezes.

***

Alice olhou para o desenho a sua frente, virou-o e o estudou em outro ângulo. Ainda não estava como queria. Mordiscou a ponta do lápis e ponderou mais um pouco. Quando a campainha tocou, ela ignorou. Alguém iria atender. Então tocou outra vez.

— Dan, querido, você pode atender, por favor? - Ela berrou sem sair do lugar.

A única resposta que obteve do filho foi a música rolando no andar de cima. Alice revirou os olhos infinitamente e irritada por que tudo era ela que tinha que resolver naquela casa, foi atender a campainha.

Quando abriu a porta, só teve um vislumbre de cabelos molhados batendo em seu rosto enquanto uma Angelinne furiosa entrava. - Onde está o Daniel?

Esquecendo-se das boas maneiras e do bom senso em geral, Angel encarou Alice esperando uma resposta. A estilista piscou, franziu o cenho e fechou a porta com delicadeza.

— Ele está na sala de música. Angel, você veio andando nessa chuva? - Ela perguntou, embora a resposta fosse óbvia uma vez que as roupas da menina pingavam sobre o chão de tão encharcadas.

Angelinne a ignorou completamente, no entanto. Ela subiu três degraus de cada vez até o segundo andar e escancarou a porta da sala de música, para ver um Daniel despreocupado dedilhando uma guitarra.

— Mas para que nós trocamos telefones se você vai fazer o favor de não me atender quando eu ligo? - Ela gritou alto o suficiente para que ele a ouvisse mesmo com a música.

Daniel ergueu os olhos e notou Angelinne molhada, atrasada e furiosa. Calmamente, parou de tocar e depositou a guitarra sobre o chão.

— Hum?

— Hum? Hum? - Ela o encarou com duas metralhadoras lhe perfurando o corpo. - Você tem noção de que eu vou estragar o jantar de aniversário de casamento dos meus pais e a culpa é toda SUA?

Daniel arqueou a sobrancelha, avaliando-a de cima abaixo. Ele achava que era uma péssima hora para mencionar que a imagem dela molhada e irritada lhe parecia extremamente sexy.

— Você está tendo fantasias sexuais comigo enquanto eu estou gritando com você? - Ela berrou ainda mais alto, conhecendo bem aquele olhar no rosto dele.

Uhum, péssima hora com certeza, ele decidiu. - Angelinne, talvez seja uma boa hora para lhe lembrar que, ao contrário do que você pensa, não fui o responsável pelo Ataque às Torres Gêmeas. - Quando ela só o encarou mortalmente em resposta, Daniel continuou. - Agora, o que eu tenho a ver com o jantar de aniversário de casamento dos seus pais?

— O que você tem a ver? O que você tem a ver? Vou te dizer o que você tem a ver!

Ele percebeu bem o olhar dela. - Hum, pensando melhor... Acho que não quero mais saber.

Você— Ela o ignorou. - teria me ajudado bastante se tivesse atendido a droga do celular quando eu liguei e assim, eu não precisaria ter vindo aqui para te avisar que ia me atrasar por que precisava ir confirmar as reservas no restaurante por que meu pai me ligou para lembrar quando eu estava sendo massacrada no metrô com pressa para chegar aqui por que tinha me atrasado para sair do colégio porque estava fazendo um trabalho na biblioteca.

Daniel voltou a arquear a irritante sobrancelha. - Você veio aqui para me avisar que ia se atrasar?

— Foi o que eu disse!

— Tudo bem, e ocorreu a você que as reservas podem ser confirmadas pelo telefone?

Os olhos dela brilharam de raiva. - O que você acha que eu sou? Uma pessoa com meio-cérebro? O restaurante que eles vão é o Top dos Tops, aqueles que você tem que reservar um ano antes e ainda ficar na lista de espera. Meu pai teve muita, muita sorte de conseguir uma reserva com apenas seis meses. E é CLARO que em um lugar assim a reserva tem que ser confirmada PESSOALMENTE.  

— E por que você não foi logo confirmar isso ao invés de ainda perder tempo vindo até aqui? - Daniel entendia cada vez menos.

— Você é uma mula, mesmo! Eu expliquei o porquê! Eu tinha um compromisso com você. Como você não atendia ao celular, eu tinha que vir aqui!

Dan balançou a cabeça. - Você está me culpando por uma coisa com a qual eu não tenho a ver. A culpa é do seu orgulho besta. Você acha que eu ia mandar policiais atrás de você por que se atrasou? Faça-me o favor, Angelinne!

Ela abriu a boca, fechou, tornou a abrir. - Não fale assim comigo quando eu estou...

— Não fale assim você. Você entra aqui gritando e me culpando sem motivo algum e espera que eu fique calado, ouvindo? Eu esqueci o celular no meu quarto, para sua informação – e essa é a única ‘culpa’ que eu tenho nessa história. Agora, pare de gritar feito uma lunática e vamos! Eu vou levar você no maldito restaurante para você confirmar a reserva!

— Você também está gritando. - Ela acusou, sem argumentos.

Daniel a encarou, impressionado que ela realmente ainda apelava para uma competição. - E você já estava atrasada, querida. Vamos logo!

Ela ainda quis dizer mais alguma coisa, irritada por ele ter apontado seu atraso – o que ele sabia que aconteceria. Mas Dan passou por ela sem lhe dar a chance e só então restou a ela a oportunidade de segui-lo.

***

Angelinne não abriu a boca para nada, a não ser para agradecer a Alice pelo empréstimo do carro a Dan para que ele a levasse até o restaurante. Ainda emburrada, ela forrou o banco do carro com o casaco que retirou de sua mochila para que não molhasse tudo.

Daniel balançou a cabeça para aquilo e Angel já podia imaginar o que ele estava pensando: além de teimar vir até aqui, ainda veio na chuva. Ela ergueu o queixo, cruzou os braços e se recusou a falar com ele durante toda a viagem.

O que estava perfeitamente bom para Dan. Aquela garota era impossível. Ele tentava ser gentil e paciente e olha o que recebia em troca. Ele realmente achara que eles tinham feito algum progresso no primeiro ensaio, mas pelo visto, aquilo tinha sido só de um-lado: e o lado dele.

Ele esperou no carro enquanto ela entrava no restaurante e não segurou o riso quando pelas portas de vidro, percebeu o recepcionista encarando Angelinne em horror pela água que ela estava lançando com suas roupas ainda encharcadas sobre o elegante carpete.

Ela trocou algumas palavras com o mesmo, que após muito balançar a cabeça em desaprovação, checou os nomes em um caderno. Ele assentiu para Angelinne e anotou alguma coisa no mesmo caderno. Mal a menina havia saído pela porta, o recepcionista já ligava para a o pessoal da limpeza para que alguém fosse secar aquele ‘dilúvio’, como dramaticamente apelidou a pequena poça de água.

Ela retornou ao carro, entrou e tornou a cruzar os braços. Teimosamente, continuou olhando para frente enquanto Dan a encarava esperando que dissesse algo.

— E então? - Ele perguntou, impaciente.

— Está tudo certo. - A menina respondeu contra a vontade, mas foi só o que disse.

Daniel revirou os olhos e reiniciou o carro. Angelinne logo ligou para seu pai para tranqüiliza-lo. Falou com ele por alguns minutos e então desligou.

— Meu pai agradeceu pela ajuda. - Angel murmurou. 

— Ao menos alguém agradece. - Ele alfinetou.

— Escuta aqui, seu... - Angelinne se conteve, suspirou. - Olha, ok, eu admito que eu exagerei um pouco com tudo isso, mas eu odeio esquecer das coisas.

— Você odeia cometer qualquer tipo de erro. - Ele corrigiu sem tirar os olhos da direção.

— É verdade. Não há nada de errado nisso, há? - Ela se defendeu.

Daniel lhe lançou um olhar. - Eu não saberia dizer, afinal, cometo tantos que eles são praticamente parte de mim. - Ele pausou. - Mas se você parar de cometê-los, como aprenderá com eles?

— Você não aprende com os seus. - Ela comentou, por que insultá-lo era sua natureza.

Mas ela se arrependeu quando ele permaneceu calado, e mal se reconheceu quando cogitou mesmo a possibilidade de pedir desculpas a ele pela ofensa.

— Não, eu não aprendo. - Ele concordou.

Ela esperou que ele dissesse mais alguma coisa, mas aquilo não aconteceu.

— Você gosta de cometer erros?

Ele sorriu com diversão, algo que Angelinne reconhecia bem. - Se erro fosse bom, não se chamaria ‘erro’ e sim ‘acerto’, não acha?

Angelinne suspirou, sabendo muito bem que se ele já estava brincando, é por que não diria mais nada. - Enfim. O ponto é que eu estava irritada pela minha falha, e descontei isso em você.

Ele ainda sorria. - Eu pressinto um pedido de desculpas aí em algum lugar.

— Cala a boca ou vai pressentir um tabefe. - Ela resmungou, mas seus lábios se curvaram. Ele percebeu e piscou para ela. Angelinne não gostou da sensação de embrulho no estômago que o ato lhe causou. - Eu descontei em você e isso foi errado. Então eu gostaria de me retratar.

— O que, você quer tirar um retrato? - Daniel debochou, e ganhou um olhar irritado da menina. - Angelinne, fale que nem gente! Diga ‘Eu sinto muito, Dan, eu fui arrogante e orgulhosa’.

— Nem nos seus sonhos.

— Ok, já que você não vai me pedir desculpas como uma pessoa normal... Vou colocar na lista e você fica me devendo.

— Devendo o quê? - Ela perguntou, desconfiada.

Um sorrisinho de lado estampou a cara de pau do rapaz. - Nós decidimos mais para frente. - Ela ia responder, portanto ele continuou. - A minha casa ou a sua?

Angelinne congelou. – O quê?

Daniel parou em um sinal vermelho e aproveitou para encará-la. Notando sua expressão, explodiu em uma gargalhada exageradamente alta.

— Eu estava perguntando para onde você ia, Angel.

Sentindo-se idiota, Angelinne ergueu o queixo. - Bem, para sua. Ainda precisamos ensaiar.

— Uhum. Bom, mas se você quiser fazer o que estava pensando, eu topo também. - Ele sugeriu. Quando recebeu o vigésimo olhar mortal do dia, Dan sorriu. - Eu achei que essa seria sua resposta. Mas não custa nada tentar, não é mesmo?


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