O dia nasceu ensolarado. Coisa rara pra região onde estavam. O sol brilhava, algumas poucas nuvens no céu, a brisa soprando um vento geladinho. Parecia um dia gostoso de verão. Os pássaros cantavam, o salgueiro-lutador se mexia. Era um bom dia.

O primeiro a acordar foi o Tiago. Ele lentamente abriu os olhos, incomodado pela claridade, mas logo voltou a fechá-los. Muito claro, constatou. Preguiçosamente, cobriu-se novamente com o edredom até a cabeça, escondendo-se.

Tentou adormecer novamente, mas parecia que o sono simplesmente o abandonara. Bufando, ele sentou na cama, tateando a mesinha de cabeceira atrás de seus óculos. Dormira só de cueca, então dava pra ver seu tórax exposto. Coçou os olhos levemente os olhos, tentando fazê-los ficarem abertos e dissipar o sono.

Levantou-se, indo direto pro banheiro antes que caísse pelos cantos de tão sonolento que estava.

Quando finalmente voltou de sua higiene pessoal, lembrou-se da ligeira ideia que havia tido na noite anterior. Deu um sorriso maroto de canto. Seus olhos voltaram-se para seu companheiro de quarto, e seu melhor amigo, Sirius.

Em passos lentos e inaudíveis, Tiago andou até o lado do maroto de olhos azuis. O dono dos olhos azuis dormia serenamente, preso em seu mundo de sonhos. Em seu rosto tinha um sorriso doce, feliz e sincero, diferente daquele que dava para as garotas, um sorriso só de Sirius. Apenas dele. E dela. De seus lábios saíram um audível e inconsciente suspiro e o sorriso aumentou, coisa que fez Tiago sorrir. Era fato, seu melhor amigo estava apaixonado. Esses sintomas reconheceria em qualquer lugar!

Abaixou-se lentamente, lamentando tirar o amigo do delicioso sonho que estava tendo, mas... Era preciso! Bateu de leve no ombro do moreno de cabelos cacheados.

- Sirius. – sussurrou, ainda cutucando o ombro do mesmo.

Sirius não reagiu, não resmungou, nem se virou. Parecia realmente compenetrado. E mais uma vez Tiago teve pena de acordar o amigo. Bateu um pouco mais forte e sussurrou mais perto, mas a uma distancia segura para não levar uma cabeçada caso ele se levantasse rápido demais.

Dessa vez ele apenas resmungou e apertou os olhos mais fortemente. Tiago revirou os olhos e cutucou com mais força e bateu no rosto dele.

- Porra, Potter! – ele disse abrindo os olhos, mesmo que ainda sonolento.

- Como sabe que sou eu?

- Intuição. – respondeu sarcástico. Revirou os olhos enquanto soltava um bocejo e virou-se pro outro lado.

- Sirius...

- Me deixa dormir, Potter!

- É sério Sirius! Eu tive uma ideia... – Tiago deu rapidamente a volta na cama dele.

Sirius o ignorou.

- Sobre... Como contarmos ao Remo.

- Depois, Tiago, me deixa dormir!

- É sério Sirius! Eu te deixo dormir se você me ouvir.

- Promete? – Sirius perguntou como uma criança. No momento estava muito sonolento e desejoso de voltar a seu sonho para pensar.

- Claro. – Tiago riu.

- Ok, então. Fala. – Sirius estava fazendo um esforço sobre-humano, segundo ele, para manter-se acordado. Arrumou-se confortavelmente na cama de forma que pudesse olhar pro amigo.

- Que horas o despertador do Remo sempre toca? – perguntou retoricamente. Quando Sirius abriu a boca para resmungar, ele continuou. : - Mais ou menos às 7h, certo?

- Aham.

- Então... Em vez do despertador dele tocar, nós vamos desliga-lo e vamos acordar o Remo. Eu, você e o Pedro.

- Grandes coisas, Tiago! Me acordar a essa hora da manha pra falar isso?

- Deixa eu terminar, ok? – Tiago deu uma pausa, vendo o outro rolar os olhos irritado, porem ainda um pouco sonolento. – Então... A gente acorda ele. Mas na forma animal. – Tiago deu um sorriso maroto.

- Poderia ter me dito isso quando eu estivesse completamente acordado, antes do despertador tocar. – bufou Sirius. Apesar de que adoraria isso, ele havia interrompido seu sonho com sua morena, oras! Não pode!

- Ok, então. Falo com o Pedro depois. E ah, Henry e Reinald acho que podem saber... Eles são confiáveis, são nossos amigos. Não acho que contariam algo. Fora que estariam aqui também quando nos transformaremos pro Remo.

- Ok, ok, Tiago. Tchau. – Sirius deitou-se rapidamente, cobrindo sua cabeça também, tentando voltar para o maravilhoso sonho que estava tendo.

---***---

Remo estava dentro de seu próprio e profundo sonho. Sentia varias emoções ao mesmo tempo: expectativa, por querer saber quem era aquela moça; felicidade, por saber que ela lhe amava, mesmo sem saber quem é; tristeza, por saber que, se ela soubesse de seu segredo, provavelmente não lhe amaria mais... E, apesar de estar aquele turbilhão de sentimentos dentro de si, ele estava calmo, estava em paz. Sentia-se leve naquele lugar, como se não houvesse maldição, como se não houvesse marcas e cicatrizes profundas em seu passado.

Era difícil passar por tudo que passou. Com certeza era. Mas, apesar de tudo, era feliz agora. Sabia que era. Sabia e sentia. Tinha seus amigos, que eram sua família. Os senhores Potter eram sua família. Seus pais estavam um pouco mais atenciosos... Sua vida estava melhorando. Pelo menos um pouco.

Suspirou, ainda preso em seu mundo de sonhos e inconscientemente.

Ouviu um pequeno barulho e, lentamente, seu lindo jardim dos sonhos sumia. Começou a ter seus sentidos de volta. Alguma coisa pressionava seu corpo contra cama, algo sobre si, sentia um cheiro... Esquisito, ruim. E algo muito áspero passava por seu rosto.

Abriu os olhos assustado. O que seria aquilo em seu rosto?! Poderia ser algum inseto perigoso, oras!

- Ai meu Deus! O que é isso? – perguntou assustado, se encolhendo na cama.

A sua frente estavam um rato, em cima de sua cama, um cachorro sentado no chão ao lado de sua cama e um... Veado na frente de sua cama.

O enorme cachorro preto do seu lado latiu, subindo na cama. Seu pelo estava completamente molhado, o que explicava o cheiro ruim que Remo tinha sentido antes. Ele parou na frente de Remo e, inesperadamente, lambeu seu rosto, deixando a bochecha direita de Remo cheia de baba.

- Argh! – fez Remo, limpando a baba com a manga da camisa. – De onde vocês saíram? Principalmente você ai, grandão. – falou para o animal de chifres, enquanto fazia carinho na cabeça do cachorro e botava o rato em seu colo. Apesar de tudo, adorava animais. – Afinal, o que você é? – perguntou a si mesmo, analisando detalhe por detalhe do cervo a sua frente. – Um... Veado? – se perguntou, e sentiu o cachorro lhe olhar com seus grandes olhos azuis e soltar um latido seguido de um bufo, como se risse.

Ao contrario do cão, o grande animal ao pé da cama bateu a pata no chão e virou-se de costas para o loiro de olhos âmbar.

Com o barulho do casco do animal no chão, Harry teve seu sono leve interrompido. Abriu lentamente os olhos, encontrando uma cena um tanto quanto... Incomum. Um cervo, um cachorro e um rato rodeando, ou melhor, ocupando espaço na cama de uma pessoa.

- O que é isso? – perguntou, porem sabia muito bem a resposta.

Imediatamente os animais se silenciaram, olhando o moreno de olhos verdes procurar seus óculos enquanto sentava na cama.

- Que maneiro esse cachorro! – disse Harry, aproximando-se, sabendo que era Sirius e que ele provavelmente estava querendo sair correndo.

Incrivelmente, o cachorro ficou parado no lugar, apenas esperando pelo carinho do moreno mais velho.

- Incrível! Com um veado – Remo foi interrompido por uma batida no chão, causada pelo casco do cervo, e por um bufo, mas logo continuou. – na sua frente, e você só vê o cachorro!

- Eu gosto de cachorros, ok? E esse cervo – frisou bem. – também é legal.

Porem, inesperadamente, o rato no colo de Remo, o cachorro que ainda era acariciado pelas mãos de Harry e o grande cervo, começaram a lentamente a crescer, perder pelo e tomar forma de humanos.

- Droga! – resmungou Sirius, correndo pro banheiro. Não que não gostasse de ficar pelado, mas ficar pelado no meio de dois homens também nus e com dois te olhando não é realmente muito agradável.

Tiago rapidamente correu para sua cama, cobrindo até a cabeça para esconder sua nudez. O fato de simplesmente de repente voltarem ao normal com certeza não tinha sido a melhor coisa de sua vida. Pedro, então, saiu correndo do colo de Remo, que estava assustado e estático, e pulou em sua cama que ficava na frente da de Remo.

Harry olhava aquilo divertido. Sabia, claro que sabia. Tinha vontade de gargalhar da cara assustada de Remo.

---***---

- Bom dia, meninas! – disse um Sirius meio animado meio rabugento descendo as escadas. O episodio vivido por ele e seus melhores amigos simplesmente acabou com seu dia maravilhoso.

- Hey. – cumprimentou Hermione sorrindo. Sirius sorriu pra ela e a abraçou pela cintura, gesto esse já normal para os dois.

- Bom dia, Sirius. – respondeu Lily indiferente, enquanto lia seu livro.

- Bom dia, ruiva. – respondeu com um pequeno e quase invisível sorriso. Seu humor estava ruim, a ponto de ficar péssimo.

- Bom dia, minha ruiva! – disse Tiago, sentando-se ao lado dela e sorrindo exageradamente.

- Bom dia, Tiago. – respondeu, novamente indiferente.

- Por que essas caras, meninos? – perguntou Gina, sentando-se ao lado de Harry, que havia descido junto com Sirius e Tiago.

- Eu? Bom, uma cena que realmente foi engraçada lá no dormitório... Nada de mais. – respondeu Harry com um sorriso malicioso.

- O que houve? – perguntou Marlene, chegando naquela hora. Havia ouvido a ultima parte e ficou interessada no sorriso do moreno de olhos verdes.

- Nada que você queira saber, acredite. – respondeu Sirius com os olhos estreitos. Marlene tinha acabado de sair do banho e havia acabado de passar ao seu lado, deixando o cheiro de lavanda, sabonete e... – Chocolate! – no ar. Sirius disse surpreso, ainda abraçado a Hermione, que conversava com Alice. Soltou-se rapidamente da garota de cabelos cacheados e seguiu até Marlene. Em sua testa uma ruga, demonstrando sua confusão. Como...? Já tinha sentido aquele cheiro antes! Claro que tinha, mas... – Você está com cheiro de chocolate. – afirmou Sirius, ainda com a testa franzida, para Marlene.

- Aham... – ela fez, estranhando a atitude do maroto. – Por que?

- Eu... – começou ele, mas algo o fez parar. Fechou a boca, passando a mão no cabelo rapidamente, despenteando os cachos perfeitamente alinhados. Seus olhos azuis estavam brilhando. – Nada, deixa pra lá. – disse, para logo depois calar-se totalmente.

Deixou Marlene o olhando com a sobrancelha arqueada e seguiu para perto de Lily e Tiago. Milhares de pensamentos rondavam sua cabeça. Esse cheiro... Mas... Não era a...? Não! Estava tudo muito errado! Tinha que estar! Ele não... Definitivamente não! Era ela, ele tinha certeza. Mas porque essa reação? Por que esse reconhecimento? Por que se importar? É apenas um cheiro, não? Qualquer um pode ter esse cheiro.

Se alguém olhasse diretamente para os olhos de Sirius, viria as sombras que as duvidas estavam fazendo no seu olhar. Sua mente estava confusa, sobrecarregada.

Ele estava sentado, quieto e olhando para o nada. Com certeza algo estava errado. Pensava Hermione olhando de longe.

Sirius estava imerso em seus pensamentos, suas confusões, suas antigas certezas. Afinal... Quem era em seus sonhos então?

- Muito bem, cadê o Remo e o Pedro? Eu estou com fome! – reclamou Rony, que estava quieto em seu canto, apenas observando.

- Você está sempre com fome, Reinald. – respondeu Hermione com um sorriso de lado. Aquilo era como um déjà vu, porém com algumas pessoas a mais.

Um déjà vu da realidade antiga deles. Mas agora... Agora essa era a nova realidade, a nova vida, e era essa que eles iriam viver e aproveitar.

---***---

Suspirou inaudivelmente. Estava... Confuso. Sim, era essa a situação. Não conseguia prestar atenção na aula, nem se quisesse. Seus pensamentos estavam conturbados, misturados, pessimistas... O que pensar, afinal? Ele tinha certeza de quem amava, não é? Certo...?

Mas... Será que era ela? Será que tinha confundido amizade com amor e pensado na garota errada? Será que gostava das duas? Será que... Elas não gostavam dele? Será que ela não gostava dele? Engoliu em seco, passando a mão por seu cabelo macio.

Sentia-se mal, sufocado, pressionado... Apenas queria... Paz. Queria paz para si, para seu coração, para sua mente. Queria poder acabar com aquela duvida que apenas confirmar que era apenas ela quem ele amava. Só ela e mais ninguém. Mas... Estava confuso!

Ainda sentia o delicioso e atrativo perfume dela, a maciez de seu cabelo, o cheiro de sua pele, o sabor de seus lábios... Se fechasse os olhos, era ela quem ele via. Mas... E quanto a outra? Poderia ele estar se confundindo simplesmente?

Ignorando a explicação do professor, ele apenas abaixou a cabeça, apoiando-a sobre seus braços dobrados, pronto para dormir. Talvez essa fosse a solução, não? Dormir mais um pouco e soltar com ela novamente e conseguir descobrir quem era. Ainda tinha a opção daquilo ser apenas uma coincidência e não ser nenhuma das duas...

Mas uma coisa tinha certeza: seu coração já havia descoberto quem era, e estava tentando lhe mostrar.