Pokémon: Ano Sombrio escrita por Linkusu


Capítulo 6
Capítulo 6: No abismo do medo.


Notas iniciais do capítulo

Nota de tradução:
Manóbra Aérea - Aerial Ace



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                A chuva continuava caindo incessantemente, sem dar sinais de enfraquecimento. Gotas d’água batiam e desciam sob a minha face enquanto eu contemplava aquela misteriosa figura. Seu reluzente cabelo rosa era longo e cobria parte de seu rosto, impossibilitando-me de ver seus olhos, o que dava a ela um aspecto um pouco... Inumano.

                -Afinal de contas, quem é você?! – Eu perguntei num tom alto enquanto me levantava, tentando passar um ar impune de coragem. A mulher nem ao menos reagiu, apenas continuou parada na minha frente. Como eu não podia ver seus olhos, não sabia o que ela estava sentindo, não sabia sequer se ela estava olhando diretamente para mim ou não, aquilo me deixava muito inseguro e nervoso. Quais eram suas intenções? – Responda! Foi você quem avisou ao Luiz sobre minha visita ao cemitério?

                Ela continuou quieta. Os únicos barulhos que eu ouvia eram os de minha própria respiração e o da chuva caindo. Aquele silêncio por parte dela apenas estava me deixando mais tenso e assustado. Entretanto, talvez isso tivesse sido melhor já que a resposta para minha pergunta foi ainda mais desconfortante do que o silêncio: balançando a cabeça em sinal de afirmação, ela confirmava que havia sido de fato a responsável por avisar ao velho Luiz sobre minha chegada.

                -Como você sabia?! Onde foi que você descobriu meu nome?! – A misteriosa mulher continuava sem responder as minhas perguntas. Inferno! Eu não sei absolutamente nada sobre ela! Não sei quem é ou de onde veio, não sei seu nome, nada! Então, como essa pessoa sabe tanto sobre mim? Os trovões começavam a ficar cada vez mais intensos e macabros enquanto a chuva ganhava mais força. Um vendaval abateu o lugar e parecia que iria me arrastar para fora dali, fazendo-me perder levemente o equilíbrio por um momento. Ela, porém, continuava perfeitamente intacta enquanto o guarda-chuva a protegia das gotas d’água vindas do céu, mantendo-a seca. Nenhum fio de cabelo dela sequer balançava, fato que era fisicamente impossível numa tempestade daquele porte. Nada parecia sequer abalar ela. Era como se nós estivéssemos em dimensões completamente diferentes. Quem, ou O QUE é essa mulher?! E porque ela insiste em me seguir? – Responda! Porque você está tão quieta?! Era você quem estava na chacina da torre de Lavender 16 anos atrás?!

                Novamente após um longo período de silêncio recebi um sinal de afirmação. O que eu mais temia se provou realidade. Então foi ela quem o velho viu antes de desmaiar. Mas então... Como essa mulher poderia estar aqui, bem na minha frente?! Luiz não havia sido o único sobrevivente do incidente na torre? Ninguém além dele foi avistado! Será que ela já está morta? Um espírito vingativo com sede de sangue, talvez?! Não! Isso não é logicamente possível. Tem de haver uma existência plausível para tudo isso. Mas essa mulher... O que a respeito dela é plausível? Nada sobre ela parece humanamente possível!

                O medo de que aquela figura fosse a responsável pelos assassinatos me cortava por dentro como uma navalha afiada. Visões terríveis se formavam em minha mente e eu sentia uma enorme vontade de gritar. Gritar até esgotar o ar em meus pulmões. Mas eu não conseguia, não tinha forças para isso. Estava paralisado pelo medo.

                -Se afaste de mim... Por favor... – Eu falava num tom baixo, quase sussurrando. Pela primeira vez, a mulher começou a se mexer. Ela estendeu a mão com a qual segurava o guarda-chuva em minha direção. Foi então que, dentro de minha cabeça, eu ouvi uma voz feminina: “Aceite... Isto...”. O problema é que ela não havia mexido sequer um centímetro de seus lábios. Sua voz estava se encravando diretamente em minha mente. Como se já não fosse óbvio o suficiente, agora eu tinha a confirmação de que ela não era uma pessoa normal. Aquilo poderia ser uma armadilha. Aquela coisa... Talvez estivesse tentando me matar! Eu entrei num estado de pânico e gritei no topo de minha voz. – Saia de perto, sua aberração!

                Peguei as pokébolas de Pup e Ruffly e as atirei inconsequentemente, sem pensar duas vezes. Os dois saíram e já estavam em posição de combate. Eu gritei mais uma vez para ela se afastar. Sua voz novamente invadia minha cabeça, mas dessa vez eu estava em tal estado de desespero que não consegui identificar o que ela havia dito.

                -Pup, Giga Impacto! Ruffly, Manobra Aérea!

                Ruffly e Pup dispararam em direção à mulher enquanto a chuva molhava seus corpos. Ela não se moveu. Na medida em que eles se aproximavam meu coração batia mais rápido, eu temia pelo que poderia acontecer, mas a decisão já estava feita.

Um grande trovão ruge no céu e por um momento um clarão cega meus olhos. Eu espero até minha visão voltar e olho novamente para frente. Tudo que vejo é Ruffly sobrevoando a área e Pup olhando para os lados como se estivesse procurando seu alvo. Ela já não estava mais lá. Tão repentinamente quanto havia aparecido, ela apenas sumiu no meio do ar sem deixar pistas. Exatamente como tinha sido mais cedo. Mandei Pup e Ruffly retornarem às suas pokébolas e fui cambaleando até uma árvore próxima, onde eu me sentei usando-a como apoio para as minhas costas. Ofegante, eu fiquei sentado por algum tempo tentando recuperar a calma. Foi então que outra figura misteriosa usando uma jaqueta preta começou a se aproximar de mim. Era como se eu não pudesse ter um minuto de sossego. Por um momento achei que fosse o assassino de Lavender e que aquele era o meu fim. Foi quando uma voz familiar me fez voltar ao normal:

-Neil? O que você está fazendo aqui? – A figura misteriosa de jaqueta preta era James L. Vonruchi, meu pai. Pela primeira vez eu havia sentido um enorme alívio ao ouvir sua voz. Mesmo não gostando dele, sabia que com ele por perto eu estaria seguro. – Você está todo sujo e molhado! O que aconteceu?

-Eu estava saindo com uns amigos... Só que no caminho de volta para casa eu acabei tropeçando e tive que parar um pouco por aqui. Mas eu já estou melhor agora. Já está tudo bem. – Eu falei enquanto me levantava vagarosamente.

-Não está nada bem! – Ele retrucou num tom de repreensão. – Você sabe que horas são?! São onze e meia da noite, Neil! A cidade está completamente vazia! Você sabe o que poderia ter acontecido?! Você podia ter entrado em perigo ou até mesmo...! – Ele temeu continuar a frase. Sua preocupação era genuína. – Volte para casa imediatamente, estamos entendidos?

-Ah, que engraçado... Agora você vem tentar bancar uma de pai? Eu já ia fazer isso sem você mandar.

-Eu não quero que nada de ruim aconteça com você, Neil. Eu ficaria arrasado se...

-Do mesmo jeito que você ficou “arrasado” com o que aconteceu com minha mãe e logo depois se casou com uma qualquer que você encontrou aqui?! Ah, claro, eu acredito! – Eu cortei a frase dele, um pouco revoltado. Para mim, meu pai estava soando como um hipócrita.

-Neil... – Ele começou a franzir a testa e bater o pé no chão como se estivesse perdendo a paciência. Depois de um longo suspiro, continuou a falar. – A situação entre eu e sua mãe não tem nada a ver com isto. Mesmo depois de todos esses anos, eu ainda me importo com você. Eu nunca deixei de te ver como meu filho e eu realmente me importo com o que pode acontecer com você.

-Então porque tudo isso soa como uma grande mentira para mim? Mesmo quando morávamos juntos, você sempre foi distante. Eu o via como um ícone e ainda assim raras eram as ocasiões em que passávamos muito tempo juntos. E então, um dia, você simplesmente desapareceu e me deixou sozinho com um fardo em minhas mãos. Você fugiu e arruinou tudo! Você não sabe de nada sobre o que eu tive que passar! E agora você vem com essa de que se importa? Não vem com essa merda de que você “se importa” pro meu lado! – Dessa vez era eu quem falava em tom de repreensão. Eu já havia perdido a paciência.

-Eu não queria ter te deixado sozinho, Neil, mas... – Ele parou de falar, como se estivesse recuando. Eu, por outro lado, não tinha nenhuma intenção de recuar.

-Se você não quisesse, não teria vindo para cá, simples assim. Você quis sim, fez, e agora age como um pobre arrependido. Eu achei que pelo menos com sua família atual você seria diferente, mas parece que é a mesma coisa. Olha só que pai “responsável”... Deixa uma filha de 6 anos desconsolada e sozinha em casa quando ela mais precisa de uma figura paterna, e faz com que a esposa morra nas mãos de um desconhecido. Você nem ao menos se importa, né? Aposto que está saindo esses dias de madrugada para se encontrar com outras mulheres... Humf.

Nesse momento, ele me deu um tapa no rosto sem hesitar e com uma força tremenda. Eu olhei para os olhos dele, chocado, enquanto colocava minha mão direita sob o local onde ele havia acertado. Estava vermelho e ardendo de dor. Ele nunca havia feito isso antes. Nunca em meus 17 anos de vida eu havia levado um tapa de meu pai, muito menos no rosto. Eu fiquei furioso.

-Então é essa a resposta que você me dá? Depois de todos esses anos, é ASSIM que você me recompensa por ter de cuidar das merdas que você me arrumou?! – Eu gritei, com vontade de revidar com um soco, mas me controlei porque não queria bater em meu próprio pai.

-Eu sinto muito. Eu acabei perdendo o controle. Me desculpe. – “Me desculpe”!? Ele estava falando sério?! É só isso que ele tinha a dizer depois daquilo?! Meu pavio ficava cada vez mais curto, eu estava prestes a explodir de raiva. – Há coisas que é melhor que você não saiba, Neil. Eu fiz uma promessa com sua mãe. Se for para algum dia você descobrir o que aconteceu, vai ser pela boca dela. Eu apenas fiz a escolha que julguei ser mais correta. E eu sei que Vivian está sozinha nesse momento. Eu sei... – Novamente ele recuava fechado em seu próprio mundo, não queria compartilhar com mais ninguém os seus pensamentos. – Talvez eu seja fraco. Esse tapa que eu lhe dei impulsivamente... Talvez seja um sinal de minha própria fraqueza. Talvez você tenha razão e eu realmente esteja tentando fugir de minhas responsabilidades. Mas neste momento, há algo que eu preciso fazer, Neil. Algo que só eu posso fazer. Eu não vou lhe pedir para que me entenda. Apenas espere, okay? Por favor... Essa é a única coisa que eu te peço.

-Eu não me importo mais. Já está claro para mim que nossa relação de pai e filho morreu há muito tempo.

-Neil... – Ele olhava para baixo, com uma expressão de tristeza. Se essa expressão era falsa ou verdadeira, isso eu não podia julgar. – Pelo menos me deixe leva-lo de volta para casa. É perigoso andar sozinho tão tarde.

-Não, eu volto só. E você, vai continuar aqui fora?

-Eu voltarei mais tarde. Tem um lugar que eu ainda preciso visitar hoje. Não se esqueça de trocar de roupa e tomar banho quando chegar em casa, senão você pode pegar um resfriado. Até mais...

Apenas acenei e fui embora, ainda com a mão sobre o lugar onde ele havia batido. Com a cabeça quente e com raiva, andei rapidamente de volta para casa. Quando cheguei, avistei Vivi assistindo TV. Era um noticiário falando alguma coisa sobre uma tal de Equipe Lua que havia atacado o laboratório de Nova Cinnabar. Isso pouco me interessava, parece que esses jornais não tem nada melhor para exibir. Dia desses estava passando um documentário sobre a influência que todos esses times terroristas exercem sobre o mundo. É como se não tivessem nada melhor para noticiar. Eventualmente essas equipes sempre acabam sendo desbandadas por causa de algum excepcional treinador, então pra que se importar?

Retirei meus sapatos que estavam encharcados e me aproximei de Vivi, que estava triste e desolada. Talvez eu devesse tentar anima-la?

-Ei, Vivi... Está tudo bem? Como foi seu dia hoje? – Ela apenas continuava assistindo a tv, sem olhar para mim ou me dar alguma resposta. – Não quer falar sobre isso, né... Já sei! Você quer brincar com Ruffly e Pup? Faz tempo desde a ultima vez, tenho certeza que eles estão com saudades de você. – Ela continuava sem responder. Apenas olhava para baixo com uma expressão triste. – Vivi... Eu sei que você deve estar sofrendo nesse momento... Entendo como se sente. Também aconteceram coisas bem ruins com minha mãe, mas vai ficar tudo bem, certo? Você ainda tem seu pai, e eu, e...

-Cala boca! – Ela falou com a voz trêmula enquanto fechava os olhos, contendo as lágrimas. – Você não sabe nada! Minha mamãe morreu, e não a sua! – Ela soluçava enquanto se levantava do sofá e enxugava seus olhos. – Desde que você chegou, só tem acontecido coisas ruins! É culpa sua que a mamãe morreu, e agora o papai não gosta mais de mim e nem fala comigo! Tudo porque você chegou! Se papai estivesse em casa ao invés de ter ido buscar você, ele iria com a mamãe e eu pra o pokémart e estaríamos todos juntos! Mamãe estaria viva... Mas você estragou tudo! Eu te odeio! – Ela saiu correndo para seu quarto enquanto continha as lágrimas em seus olhos.

Eu senti um aperto em meu coração e uma irônica semelhança com outra situação. Era exatamente como eu e meu pai. Aquela garota culpava a pessoa mais próxima de seus problemas, e essa pessoa era eu. Senti pela primeira vez o amargo gosto da ironia.

Fui para o banheiro e tirei minhas roupas sujas. Liguei o chuveiro e comecei a tomar banho enquanto refletia sobre tudo que havia acontecido. Eu ainda estava me sentindo bastante culpado por causa do diálogo nada agradável que tive com Vivi. Após alguns minutos, desliguei o chuveiro, me enxuguei e coloquei roupas limpas. Geralmente nesse momento eu me sinto mais relaxado e leve, mas não naquele dia. Eu estava emocionalmente esgotado.

Voltei para meu quarto e me sentei na minha cama enquanto olhava para fora. As gotas de chuva continuavam a cair e batiam sobre os vidros de minha janela fazendo um som relaxante. Os trovões continuavam a cortar o céu, sem dar sinal de que iriam parar. Eu apenas continuei olhando para fora, contemplando a sombria silhueta da torre de Lavender. O relógio já marcava uma hora da madrugada e eu teria aula naquele dia às oito. Mas eu não ligava mais. Não conseguia dormir. Tudo que eu queria era ir embora daquele lugar e apagar aquelas memórias para sempre. Eu não queria ter que olhar para aquela cidade nunca mais. Aquele havia sido o pior dia da minha vida. Meu ano não havia começado com o pé esquerdo, não mesmo. Ele havia começado com o pé esquerdo, debaixo de uma escada num beco sombrio com o chão rachado, um gato preto passando na minha frente, 7 espelhos quebrados por mim e uma bomba atômica prestes a explodir sobre a minha cabeça. E numa sexta-feira 13. Nada de bom havia acontecido desde minha chegada aqui... Nada...

Meu pai ainda não havia voltado e eu continuava refletindo sobre meu dia enquanto olhava a chuva que começava a perder um pouco da força que tinha outrora. Os assassinatos de Lavender Town... A misteriosa mulher de cabelo rosa... A síndrome de Lavender... E a chacina de 16 anos atrás... O que diabos está acontecendo com essa cidade?!


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Notas finais do capítulo

Prévia do próximo capítulo:

Quando o sol raiou eu notei que mal havia dormido por 3 horas. Mas isso não importava. Logo quando me levantei da cama e fui em direção a minha escola, eu estava disposto a descobrir porque eu havia sido envolvido naquilo tudo e porque aquela mulher sabia meu nome. Mas eu não poderia fazer aquilo sozinho... Eu iria precisar de ajuda.[...]

Capítulo 7: Preparações.
Estréia: Setembro.



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