Pokémon: Ano Sombrio escrita por Linkusu


Capítulo 5
Capítulo 5: Síndrome de Lavender, parte 2.




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    -A síndrome de Lavender... Uma história quase tão antiga quanto a própria cidade que a originou. Ninguém sabe ao certo se ela é apenas uma lenda ou se seus fatos são verídicos, mas é uma história famosa em Kanto, especialmente entre os cidadãos de Lavender Town. Dizem que tudo começou na construção da cidade. A área que hoje é conhecida como Lavender Town costumava ser o lar de vários pokémons. Porém, quando os humanos chegaram aqui, o habitat começou a ser devastado para que a cidade pudesse ser construída. Os pokémons que viviam na área não aceitaram ter seu território dominado e por isso lutaram para proteger suas casas.
Entretanto, eles não tiveram a mínima chance contra os humanos, e aqueles que não fugiram foram completamente devastados e tiveram seus corpos jogados no mar. Foi um completo massacre. Dizem que naquele dia grande parte do rio ficou vermelha. A cidade havia sido inaugurada ao custo de centenas de vidas inocentes.
Mal se passaram alguns meses, e acontecimentos estranhos começaram a acontecer naquela pequena cidade. Alguns de seus cidadãos alegaram começar a ouvir vozes dentro de suas cabeças, pedindo-as para matar todos ao redor. Outros cometeram suicídio logo após retirarem as vidas de seus familiares, atormentados pelos espíritos dos pokémons que um dia viveram ali.
A cidade começou a ficar envolta de uma neblina negra e várias pessoas ficaram completamente insanas. Desgraça atrás de desgraça. Era como se aquela cidade estivesse amaldiçoada. Espíritos podiam ser regularmente vistos perambulando pelas ruas da cidade, crianças saiam para brincar de manhã e eram encontradas mortas no fim da tarde, todos por motivos desconhecidos e nas circunstâncias mais bizarras possíveis. Alguma coisa muito errada estava acontecendo naquele lugar, e todos sabiam disso, mas mesmo os que tentavam escapar acabavam eventualmente morrendo de maneira trágica.
Um dos únicos responsáveis pela inauguração da cidade que conseguiu se manter vivo, completamente horrorizado com aqueles acontecimentos e para proteger a cidade de um completo massacre, decidiu construir uma torre para acalmar os espíritos vingativos dos pokémons mortos naquele local. A torre de Lavender, também conhecida por alguns como a “Torre Pokémon”. Diversas sepulturas foram ali construídas em respeito aos pokémons mortos naquele massacre e os cidadãos iam para prestar homenagens e rezar pelas suas almas. Os acontecimentos sangrentos cessaram, e a estranha névoa negra que cobria a cidade se dissipou. Os espíritos dos pokémons finalmente poderiam descansar em paz.
Desde então, a torre de Lavender tornou-se um local para que as pessoas pudessem enterrar seus pokémons e rezar pelas suas almas. Todavia, de vez em quando, alguns acontecimentos estranhos ainda acontecem em Lavender Town. Dizem que as pessoas que zombam dos espíritos dos mortos na torre acabam sendo mortas, ou desaparecem para sempre. Essas ocorrências sem explicação são o que as pessoas chamam de “Síndrome de Lavender”. Muitos acreditam que até hoje a cidade ainda é amaldiçoada pelos pokémons que lá morreram. Principalmente depois daquele acontecimento...

    Eu ouvi a história toda que Angelo havia contado sem falar nenhuma palavra enquanto andávamos para Lavender. O sol da tarde iluminava o céu com uma cor avermelhada, o que dava uma atmosfera ainda mais sinistra para aquela história. Mas uma coisa parecia diferente do que eu havia ouvido. Eu precisava perguntar sobre esse detalhe que me incomodava.

    -Mas se a torre de Lavender é usada para pagar respeito aos pokémons falecidos, então porque me falaram que ela costumava ser apenas uma torre de rádio?
    -E ela de fato costumava ser. – Clara me respondeu. – Há 50 anos, quando Red passou por aqui, a cidade vivia uma crise. Algumas pessoas que visitavam a torre de Lavender viam fantasmas e até mesmo acabavam possuídas por eles... Porém, quando Red pôs o espírito da mãe Marowak para descansar e expulsou a Equipe Rocket da torre, a cidade voltou ao seu estado de paz. Pouco tempo depois, um empresário visitou a cidade e achou que a torre seria o local perfeito para ele inaugurar sua rádio, afinal de contas, era um local alto e já estava construído, sendo assim seria muito mais barato do que construir outra torre. Houve algumas discussões quanto ao assunto na época, mas no final das contas foi decidido que o cemitério seria retirado da torre e transferido para um pequeno santuário, fazendo assim a torre fantasma se transformar na torre do rádio. E por vários anos nenhum acontecimento estranho ocorreu na cidade. Os cidadãos de Lavender viveram um longo período de paz. Todos achavam que a síndrome de Lavender havia finalmente acabado, ou que não passava de um mito no final das contas. Ai teve o acontecimento de 16 anos atrás...
    -O acontecimento de 16 anos atrás? E o que exatamente é isso? – Eu perguntei.
    -Nós não sabemos muito bem. Eu tinha apenas 1 ano na época e a Clara tinha acabado de nascer. Nossos pais também nunca nos falaram muito sobre o assunto. – Angelo me respondeu. – Mas se você estiver realmente interessado em saber, pergunte ao velho Luiz. Porém, eu não tenho muita certeza se ele vai estar disposto a falar com você.
    -Velho Luiz? E quem é esse?
    -Ele é o único sobrevivente da tragédia da torre do rádio. Todas as noites, a partir das 10 horas, ele visita o cemitério de Lavender como se estivesse esperando por alguma coisa. Muitos já tentaram falar com ele, mas poucos obtiveram respostas concretas. Mas se há alguém que possa te informar sobre o que aconteceu lá, esse alguém é ele. – quando Angelo terminou sua frase, nós finalmente havíamos chegado a Lavender.

    Nos despedimos ali e partimos por caminhos distintos. Eu voltei para casa com a história de Lavender na minha cabeça. Será que aquilo tudo era verdade? Parecia muito surreal, e sendo uma pessoa lógica, era difícil para eu acreditar. Talvez o velho Luiz pudesse sanar minhas dúvidas.

    Ao chegar em casa, eu fui direto para meu quarto e passei algum tempo lá. Vivi ainda estava deprimida e sempre que chegava da escola ia direto para seu quarto e se trancava lá. Eu gostaria de tentar consolá-la, mas realmente não levo jeito para essas coisas. Meu pai ainda não havia chegado. Ausente como sempre, até para a filha dele quando ela mais precisa de uma figura paterna. Tem pessoas que simplesmente não tem cura...
Após refletir sobre a história que eu havia ouvido e os assassinatos recentes na cidade, foi então que me passou pela cabeça: porque não fazer uma visita a esse tal de Luiz hoje? Não tenho a mínima pretensão de solucionar o caso, apenas quero saber o que realmente aconteceu naquela torre. Comecei a mexer no meu notebook em meu quarto enquanto prestava atenção no horário. Quando o relógio marcou 22 horas, eu fiz exatamente o que havia planejado: sai de casa e fui direto para o cemitério de Lavender usando o mapa que meu pai havia me dado de manhã.

    Ao chegar ao cemitério, senti uma atmosfera amedrontadora. O local era muito sombrio e solitário, sendo iluminado apenas pela luz pálida e azul da lua, que contribuía para deixar o clima ainda mais depressivo e macabro. As tumbas estavam todas empoeiradas, algumas até mesmo quebradas. Vários crucifixos enferrujados podiam ser vistos naquele lugar, cobertos por teias e com Murkrows pousados em cima deles. A cada passo lento que eu dava naquele cemitério, podia ouvir o som de folhas e galhos secos estalando enquanto o meu pé trêmulo parecia afundar naquele chão pútrido. Era como se o próprio solo estivesse implorando para que pudesse servir de cova para meu corpo, sufocar-me até retirar qualquer resquício de vida que eu tinha. Meu coração batia forte e meus sensos estavam aguçados, eu olhava ao redor como se estivesse me protegendo de algo que poderia aparecer e me levar ao mundo dos mortos a qualquer momento. O medo me corroía lentamente por dentro e por um momento eu pensei em voltar.
    Mas foi então que eu o avistei, sentado num banquinho velho. Um senhor idoso e calvo, com uma longa barba branca. Ele estava olhando para o chão e carregava consigo uma bengala de pau completamente acabada. Seu olhar parecia o de um homem morto e sua pele era cheia de rugas. Qualquer um que passasse por ali poderia confundi-lo com um morto-vivo. Ao seu lado havia um pequeno Cubone de pé, que olhava incessantemente para um túmulo. Eu me aproximei cautelosamente para fazer contato com ele, porém, quando estava prestes a falar o que eu queria, os olhos daquele senhor se encontraram diretamente com os meus.

    -Eu estava esperando por você... – Ele olhava para mim com uma expressão vazia em seu rosto. Era como se sua alma tivesse sido arrancada de seu corpo. – Ela me avisou que você viria, Neil...

    Quando eu ouvi meu nome saindo de sua boca, meu coração acelerou e eu instintivamente dei um passo para trás, atordoado de medo. Como aquele velho sabia o meu nome? Será que...! Não, Neil, acalme-se! Se uma mulher disse que eu viria, talvez a Clara tivesse avisado a ele sobre mim? Mas eu não havia falado para ela que pretendia visitar o cemitério hoje à noite. Então porque ele me conhecia?
    As nuvens começaram a se amontoar no céu, sufocando completamente a luz da lua. Agora aquele cemitério estava num completo breu, como se tivesse sido consumido pela escuridão. Eu mal conseguia enxergar o que estava na minha frente.
   
    -Eu vou contar a você... Não, eu PRECISO contar a você... – O velho falava com suas mãos trêmulas e olhos arregalados. Sua face estava coberta de medo. – A tragédia de 16 anos atrás... A chacina da torre do rádio...!

    Ao ouvir aquelas palavras, senti todos os pelos do meu corpo se arrepiando. Antes que eu pudesse pensar nas possibilidades, ele começou a contar a história lentamente.

    -Tudo aconteceu naquele dia... Uma tarde normal de quarta-feira. Eu estava no meu trabalho de mixagem de som como de costume enquanto o locutor conduzia uma entrevista com o fundador da torre do rádio. Ele soltava gargalhadas enquanto falava de sua vida e outras frivolidades. Estava tudo muito calmo, até que uma secretária que estava trazendo um copo de café para o locutor começou a agir estranhamente. Num momento inesperado ela soltou a bandeja com o café fervendo em cima do fundador, que começou a gritar de dor enquanto sua pele ardia com aquele líquido infernal.  Logo em seguida, a secretária pegou-o pelo pescoço e começou a sufoca-lo enquanto falava com a voz distorcida: “Você nos tirou daqui... E nós tiraremos a sua vida!”. Alguns seguranças tentaram desesperadamente separá-los, liberando seus Growlithes para ataca-la, mas foi em vão. Sua força era descomunal, como se estivesse sendo possuída. Ela jogou o fundador em cima de um dos seguranças e começou a atacar o outro que, num ato de desespero, sacou rapidamente sua pistola e acertou um tiro no meio da testa da mulher.
Ela caiu no chão, morta, enquanto sangue jorrava de sua cabeça. Eu observava aquilo tudo horrorizado, sem poder fazer nada. O locutor, ainda chocado com o que havia acontecido, tentou cortar o programa para os anúncios dos patrocinadores, mas notou que o sinal da torre havia sido cortado. “O que está acontecendo?”, eu me perguntava com a respiração ofegante enquanto saia de minha sala para conferir a situação mais de perto...

    Ele parou de contar a história por um momento e começou a olhar numa direção fixa, porém sua mente estava dispersa. Ele já não estava mais prestando atenção aos seus arredores, estava completamente imerso na reminiscência de suas memórias. Era como se uma carcaça vazia estivesse me contando aquela história. Seu olhar era completamente assustador e cadavérico.

    -A partir daqui, minhas memórias começam a ficar confusas e abstratas. Lembro-me apenas de fragmentos desordenados do que aconteceu, como se meu próprio cérebro estivesse tentando me proteger da loucura, desesperadamente fugindo das memórias daquela tarde de quarta-feira. Mas eu ainda lembro-me de fragmentos soltos em minha cabeça... Fragmentos horríveis de memórias que eu preferiria ter esquecido...!
As paredes começaram a sangrar e eu estava em estado de pânico. Vultos apareciam por todas as direções enquanto várias vozes distorcidas soltavam gritos de dor e desespero e se encravavam na minha mente. “Saia daqui!”, “Mate-os... Mate-os se não quiser morrer!”. Por mais que eu corresse, eu não conseguia achar uma saída. Minha visão ficou vermelha... Os funcionários gritavam, pediam por socorro, alguns enlouquecidos pelo desespero se suicidavam, outros atacavam as pessoas mais próximas... Era como o próprio inferno.

    O velho se levantou repentinamente e eu recuei. Ele estava olhando diretamente para mim enquanto seu corpo tremia. Algumas gotas de chuva começavam a cair do céu.

    -Os vultos riam... Gargalhavam, se divertiam com a situação, possuíam as pessoas e as forçavam a cometer terríveis atrocidades, como se estivessem praticando trotes de mau gosto. Os objetos voavam pelo ar, as mesas e móveis deslocavam-se sozinhas e acertavam várias pessoas violentamente, que acabavam desmaiando e eventualmente morrendo pisoteadas. Um mar de sangue banhava a torre por dentro. Eu corria desesperadamente, com lágrimas em meus olhos. Corria o mais rápido que podia! Implorava por ajuda, mas era em vão! Ninguém me escutava, eu estava preso num pesadelo! E como poderiam escutar?! Estavam todos loucos! Criaturas ensandecidas se debatendo desesperadamente pelas suas vidas!

    Ele se aproximava de mim enquanto começava a falar em um tom de desespero cada vez mais alto e uma expressão de medo intenso e tristeza. Eu me afastava, temendo o que aquele homem poderia fazer.

    -“Me ajudem, por favor!”, eu gritava com todas as minhas forças enquanto as vozes riam cada vez mais altas em minha cabeça. Os elevadores não abriam. Eu descia as escadas que pareciam ser infinitas. Em um momento, minha visão apagou, como se tivesse sido completamente encoberta pelas trevas. Apenas conseguia ouvir as vozes e os gritos de tortura. Foi então que eu vi uma mulher. Uma mulher de cabelo rosa. Eu não me lembro de suas palavras, mas eu apaguei completamente após isso. Apenas me recordo de ter acordado numa cama de hospital e minha memória tem estado uma bagunça desde então.

    Trovões cortavam violentamente o céu enquanto uma chuva pesada caia. O velho se aproximava de mim, com uma expressão oca como a de um cadáver, e eu me afastava. Meu coração pulsava violentamente.

    -Eles estão todos aqui, enterrados. Meus amigos que morreram naquela trágica tarde. Porque eu não estou com eles? – Ele gritava de uma maneira assombrosa. – Porque só eu estou vivo?! Como eu sobrevivi?! Diga-me! Dê-me as respostas pelas quais eu procuro! Eu não aguento mais! Eu não aguento carregar esse fardo sozinho!

    Ele estendeu sua mão pálida e esquelética na minha direção enquanto andava cada vez mais rápido. A chuva batendo em seu corpo e a luz dos relâmpagos apenas tornavam sua imagem ainda mais ameaçadora. “Não se aproxime de mim!”, eu gritava e recuava ao mesmo tempo. Ele não parou, e acelerou ainda mais seus passos. O que esse cara quer comigo?! Porque não para de me seguir?!


-Não vá embora! Diga-me! Será que eu ainda tenho uma alma depois de ter presenciado aquele inferno na terra?!

    Eu me virei e corri o mais rápido que pude para fora daquele cemitério. Minha respiração estava pesada e rápida, meu corpo estava denso, tomado pelo medo. Continuei correndo sem olhar para trás por nenhum momento enquanto era banhado pela água da chuva. Um trovão no céu fez com que eu me assustasse e tropeçasse, sujando minha roupa com lama. Olhei para trás e não avistei ninguém. Por um momento, achei que finalmente pudesse me acalmar. Foi então que, quando eu me levantei, vi uma pessoa bem na minha frente. Uma pessoa usando um guarda-chuva. Uma mulher de cabelo rosa.


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Notas finais do capítulo

Capítulo 6: No abismo do medo.
Estréia: entre 26(sexta-feira) a 28(domingo) de Agosto.



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