Pokémon: Ano Sombrio escrita por Linkusu


Capítulo 28
Capítulo 27: Cai a cortina.


Notas iniciais do capítulo

Antes tarde do que nunca, acho. Vou tentar terminar essa fic antes desse século acabar, mas vocês já devem ter percebido que não sou bom em cumprir minhas metas. :P



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Estávamos num tipo de depósito nos subúrbios de Saffron. A julgar pelo estado abandonado do local, éramos seus primeiros visitantes em muito tempo. Os vidros das janelas estavam quebrados, fazendo com que a frágil luminosidade da lua pintasse sombras de formatos irregulares no chão. O piso estava tão coberto de poeira que qualquer passo fazia com que as partículas de pó cobrissem o ar. Camadas de teia e musgo cobriam as paredes, consumindo-as. Um incômodo cheiro de urina, sujeira e mais alguma substância que eu não conseguia identificar pairavam no ar, e os objetos destroçados ali abandonados completavam a fantasmagórica atmosfera do lugar, mas nenhuma dessas coisas me deixava realmente desconfortável.

Era o silêncio, tão denso que poderia ser palpável, que fazia meu sangue pulsar de ansiedade. O silêncio absoluto do vento, tímido demais naquela noite para uivar seus cânticos sombrios nos galhos das árvores. O mutismo soturno das telhas de alumínio que cobriam o armazém como um cobertor gélido e metálico. O expectante silêncio das cadeiras, mesas, barris, escadas e portas que observavam com uma fria indiferença os eventos que ali transcorreriam. Mas, acima de todos os outros, engolfando-os como um abismo negro e infindável, o silêncio de nossos olhares se cruzando como lâminas de aço no campo de batalha. A calmaria que precede a inevitável tempestade.

Aquela não era a primeira vez que eu encontrava Michael, ou Fioletovy, muito menos a primeira vez em que estivera frente a frente com o assassino fantasma. Da mesma forma, ele também já me conhecia há muito tempo. Dividimos casos na delegacia, jogamos conversa fora, ele já frequentou minha casa e, em meio a tudo isso, poderia considerá-lo como um companheiro, um amigo, talvez. Mas não naquele momento. Ali éramos como dois estranhos que, no fundo, sabiam que aquele encontro terminaria com um de nós morto. Era a primeira vez que eu vira Michael, Fioletovy e o Assassino Fantasma não como três entidades separadas, mas uma única pessoa, e essa percepção era o suficiente para virar minha perspectiva ao avesso. Aquele não era apenas o homem que tantas vezes fizera piadas amigáveis comigo, mas o homem que friamente assassinou a mãe de Vivi, tentou matar Catarine e causou sofrimento a tantas pessoas.

Teriam sido todas aquelas memórias mentiras cínicas? Manipulações de uma mente deturpada? Talvez a cada um de nossos encontros na delegacia, em cada corriqueira conversa que tivéssemos, ele estivesse rindo por dentro todas as vezes, regozijando-se da minha estupidez e sabendo que poderia tomar minha vida a qualquer momento. Ainda assim... Por que ele não o fez? Por que não me matou quando pôde? Por tanto tempo eu fora como uma marionete em suas mãos, dançando no ritmo que ele ditava, fazendo o papel do pierrô.

Havia tantas perguntas que eu desejava fazer. Tantas respostas a serem adquiridas. Ainda assim... Tudo que eu consegui foi manter-me imóvel, hesitante, minhas mãos suadas prontas para chamar meus pokémons no momento em que ele fizesse seu primeiro movimento. Passava-me na cabeça a possibilidade de fazer o primeiro movimento, mas não queria arriscar cair numa armadilha. Ou talvez, já tivesse caído. Ele deve ter notado minha insegurança, pois foi o primeiro de nós a se pronunciar após aqueles agoniantes segundos iniciais que mais pareciam ter sido horas.

—Você deve estar inundado de dúvidas, não é mesmo? — Ele deu um sorriso e esperou. Quando viu que eu não ia responder, continuou: — E então? Não vai perguntar o motivo por trás das minhas ações?

Dei de ombros e balancei a cabeça.

—Psicopatas gostam de uma plateia — respondi, frio. — Acho que não preciso fazer pergunta nenhuma, pois você me dirá tudo antes de me matar, pelo prazer de ter seus atos finalmente reconhecidos por alguém. Ou estou enganado?

Perante minha resposta inesperada, ele arqueou as sobrancelhas e me encarou com uma expressão enigmática que não pude dizer se era de divertimento, dúvida, raiva ou todas simultaneamente. Analisando retrospectivamente, vejo que ele deve ter ficado furioso nessa ocasião. Mas fechou os olhos e simplesmente desdenhou de minha afirmação.

—Pois bem, não preciso oferecer minha melhor performance a uma plateia ingrata.

E com um movimento rápido de suas mãos, ele lançou as pokébolas que continham o restante dos pokémons de seu pai junto com seus próprios em minha direção. Snorlax e Poliwrath saíram das pokébolas que um dia deveriam ter pertencido a seu pai, enquanto que Arcanine, Sandslash, Scyther e Pidgeotto foram os pokémons de sua própria posse.

Instintivamente direcionei minhas mãos aonde eu guardava minhas pokébolas, mas a despeito de meus rápidos reflexos, meus braços foram subitamente imobilizadas por alguma coisa de agilidade inacreditável que enlaçeou meus dois braços como uma corda viva. Meu coração saltou à garganta e me virei para olhar o que havia me agarrado, e foi quando uma desagradável sensação de Déjà vu me abateu. Dois chicotes de vinha estendiam-se em meio à escuridão. Lembrei-me daquela fria quinta-feira no começo do ano, quando Angelo, Clara, Simon e eu nos encontramos pela primeira vez com o assassino fantasma entre as árvores da Rota 8. Recordei de como Simon tentou atacá-lo com seu Raticate mas, na escuridão da floresta, um chicote verde de vinha agarrou o Pokémon rato e o arremessou de volta ao seu treinador. Agora fazia sentido.

Os passos pesados da enorme criatura quadrupede fizeram o chão estremecer como se um titã estivesse caminhando pela terra. Quando ela se retirou da escuridão do canto inferior esquerdo do depósito, pude ver seu rosto iluminado pelo luar como uma penumbra. Venusaur, o último Pokémon do trio de iniciais do Red que ainda não havia sido abatido.

—E no final das contas —Fioletovy suspirou decepcionado —, você não aprendeu nada.

Existe uma diferença básica entre uma batalha Pokémon competitiva e um confronto até a morte. São duas bestas completamente diferentes. Na primeira modalidade, o objetivo principal é nocautear todos os pokémons do outro treinador, logo, você precisa focar seus ataques e estratégias de acordo com o time adversário. Entretanto, numa batalha até a morte, os pokémons do inimigo são meros detalhes, empecilhos entre você e seu alvo, e nocauteá-los ou não é mais uma questão de consequência do que meta. Seu objetivo principal é imobilizar e matar o adversário, ponto. Não existem regras, limites, certo ou errado, apenas a vontade de sobreviver. Um time de pokémons sem um treinador é como um exército sem um general: descoordenado, ineficiente e indefeso em frente a um ataque bem planejado. Por isso todas as estratégias numa batalha pela sobrevivência giram exclusivamente em torno do treinador. E a estratégia de Fioletovy havia sido simples mas eficiente: imobilizar o inimigo num ataque surpresa antes que ele pudesse sequer sacar seus pokémons.

—Você baixou sua guarda quando viu que eu já tinha mandado 6 pokémons, certo? Afinal de contas, esse é geralmente o número máximo que uma pessoa pode usar em seu time. —Ele riu. —Só que você se esqueceu de um detalhe, Neil. Eu não estou em posse de um time. Eu estou usando dois.

Era verdade. Fioletovy estava com a identidade de treinador de seu pai, o que o dava o incomum privilégio de poder carregar dois times consigo: o dele e o de Red. Três pokémons do time de Red já haviam sido capturados semanas atrás: Espeon, Charizard e Blastoise, o que significava que ainda haviam mais três, e três pokémons de Red eram muito mais do que o suficiente para devastar o meu time como se fossem pinos de boliche.

—Sabe, Neil, eu sempre tive a impressão de que você seria a primeira pessoa a descobrir tudo, e eu estava parcialmente certo quanto a isso. Mas eu também esperava que você fosse capaz de — ele parou, buscando as palavras certas —... Me entreter um pouco mais. Caiu no mesmo truque duas vezes. Esperava mais de você.

Não aguentei e comecei a rir da ironia daquela situação, e ele pareceu confuso.

—Não esperava que você fosse do tipo que risse frente à morte. Apenas lunáticos fazem isso.

—Ora, no final das contas, eu estava certo. Você precisa mesmo de uma plateia para se gabar. —Abri um largo sorriso e levantei minha cabeça, deixando meu pescoço nu à mostra. —Se você quisesse mesmo me matar, deveria ter mandado seu Venusaur me atacar bem aqui, oh. Um estrangulamento fácil e rápido. Eu estaria morto antes que pudesse sacar meus pokémons, e você poderia conversar com meu cadáver ou qualquer coisa assim. —Fechei a cara e adotei uma expressão enraivecida. —Mas acho que para uma mente doentia como a sua isso não seria o suficiente, né? Você gosta de apreciar os momentos finais das suas vítimas.

Seu rosto se contorceu rapidamente e ele me olhou furiosamente por alguns instantes. Então deu um suspiro e retornou a me olhar com frieza, como se houvesse se lembrado de algo.

—Não. Não é nada disso. —E parou, como se não soubesse mais o que dizer.

—Para um assassino tão eficaz — eu continuei —, você realmente toma algumas decisões estúpidas de vez em quando. Por exemplo, não ter matado eu, Angelo, Simon, Clara e Catarine quando teve a chance naquela noite em que você nos mandou avisos através de sonhos. — Parei repentinamente, como se uma faísca tivesse se acendido em meu cérebro. —A propósito, agora que parei para pensar, me pergunto como foi que você conseguiu...

—Vocês não eram relevantes, simples assim. —Ele me interrompeu. —E eu não podia arriscar sair matando tantas pessoas numa noite só. Poderia deixar rastros para trás e isso não fazia parte do plano. Depois daquilo, simplesmente não vi necessidade de perseguir vocês. Eram tão inofensivos quanto insetos, e eliminá-los seria mais trabalho do que valia.

—Não foi você mesmo que disse que sabia que eu o descobriria mais cedo ou mais tarde? Parece-me bastante irracional chegar a essa conclusão e não tomar nenhuma precaução a respeito.

—De fato. Talvez você esteja certo. Talvez eu quisesse mesmo ser descoberto para receber algum reconhecimento por meus atos. De que importa tudo isso agora? —Ele deu de ombros e descartou o assunto levianamente. Foi quando comecei a notar que talvez ele estivesse escondendo alguma coisa. Algo que não estava aparentemente óbvio, mas boiando abaixo da superfície. Sem conseguir saber o que é que me incomodava, insisti em meu interrogatório antes que ele mudasse de humor e decidisse que estava na hora de me matar.

—Por que Mary? —Eu o questionei. —Vocês eram amigos próximos desde a escola. Então por que ela?

Ele assumiu uma expressão melancólica, dirigiu seu olhar a uma das janelas quebradas e ficou encarando o brilho prateado da lua. Passaram-se alguns segundos antes de ele voltar a falar.

—Eu a amava. Sempre a amei. Mesmo naquela época... —Sua voz estremeceu por um breve instante, mas ele conseguiu recuperar a compostura. —Seus olhos eram como um refúgio para toda minha dor. Escuros, me lembro, tão profundos quanto a vastidão do universo. Quando nós conversávamos era como se todas as expectativas desaparecessem, todos os meus problemas se tornavam insignificantes. Havia apenas ela e, conquanto eu conseguisse fazê-la rir, já era o suficiente para me deixar feliz. Era como o paraíso sentir o aroma doce dos longos cabelos castanhos dela. Ela...

Ele parou, esforçando-se para pensar em palavras que a fizessem jus. Sem conseguir achá-las, balançou a cabeça desapontadamente.

—Seu pai também é relativamente famoso, então você deve saber o que é ter de viver nas sombras de alguém. Exceto que meu pai não era apenas uma sombra. Ele era uma lenda viva, um dos maiores treinadores a ter nascido em Kanto, projetando um breu tão intenso e cegante em mim que eu não poderia ter esperanças de corresponder às expectativas, mesmo que vivesse pelos próximos mil anos. Se eu fosse qualquer coisa abaixo de “o melhor”, as pessoas me consideravam uma decepção. Não havia como eu atender metas tão absurdas. —Agora ele falava com serenidade enquanto divagava em suas lembranças do passado. —Os outros alunos se ressentiam de mim. Me tratavam de forma diferente porque eu era filho do “melhor”, e provocavam quando eu não conseguia resultados acima da média, gabando-se para tudo e todos de terem ultrapassado o filho de Red. A verdade é que eu jamais quis seguir os passos de meu pai. Não sabia exatamente o que eu queria ser, mas sabia que queria montar meu próprio legado. Ser minha própria pessoa, não uma extensão de Red. E Mary era a única que sempre entendeu isso, esteve ao meu lado e me apoiou... Até aquele dia. Quando meu pai morreu...

Ele parou repentinamente e pude notar que falar sobre aquilo não era prazeroso. Sua dor refletia em sua voz, seu olhar, sua expressão. Quanta amargura aquele homem carregava dentro de si? Eu tinha meus próprios fardos, mas não tinha certeza se eu conseguia exatamente compreender as experiências que Fioletovy teve de passar.

—Não quero falar sobre isso. O que um moleque intrometido como você sabe? Absolutamente nada. Nada mesmo.

—Isso não é verdade. —Dessa vez eu o interrompi. —Sei o suficiente como é ter de viver coberto por expectativas impossíveis, e sei que isso não é justificativa suficiente para levar alguém ao seu caminho. E apesar de não saber pessoalmente como é amar tão intensamente uma pessoa, sei que alguém que sente amor de verdade jamais mataria o responsável por sua afeição. Você era obcecado por uma mulher que sabia que jamais poderia ter, apenas isso. Não foram as circunstâncias que o levaram até aqui, isso são apenas desculpas, justificativas criadas na sua cabeça para te dar alguma razão. Não passam de fachada para esconder um simples fato: você era podre desde o início.

Disse sem um pingo de sentimentalismo ou compaixão. Se sua intenção era justificar seus crimes com melodrama, havia falhado miseravelmente em me comover.

E foi nesse instante que ele perdeu o controle e liberou toda sua cólera contida.

—VÁ PRO INFERNO, SEU PEDAÇO DE MERDA!

Acabaram-se todos os jogos. Ele ia me matar. Estava furioso demais para pensar com clareza e, por isso, cometeu o mesmo erro que eu: baixou sua guarda.

—Eu te avisei, não foi? Que você devia ter me estrangulado. Agora já era. ÁS AÉREO (*Aerial Ace)!

http://www.youtube.com/watch?v=iMPvoVAX2XU

O vidro de uma das janelas à esquerda do depósito se estilhaçou em dezenas de pedaços, causando um barulho estridente e fazendo com que todos os pokémos ali presentes voltassem sua atenção na direção de Ruffly, que havia adentrado o local numa velocidade estonteante. Ocorreu tudo numa questão de segundos. Os reflexos de Venusaur foram rápidos o suficiente para recolher seus chicotes por alguns metros, fazendo com que eu me arrastasse no chão em sua direção, mas Ruffly conseguiu se aproximar a tempo para acertar seu ataque nos dois chicotes de vinha, partindo-os ao meio e fazendo Venusaur soltar um rugido furioso.

Eu me levantei o mais rápido que pude e desatei os cipós de minha mão enquanto Ruffly mantinha Venusaur ocupado.

—Estou decepcionado — eu espelhei as palavras que Fioletovy havia dirigido a mim mais cedo e rapidamente joguei as seis pokébolas que estavam em minha cintura em direção ao campo de batalha —, por você não ter se tocado que não é o único com o privilégio de poder carregar 2 times!

Holmes(Metagross), Poirot(Reuniclus), Marlowe(Bronzong), Dick(Gallade), Christie(Starmie) e Wattson(Wobbuffet), todos os pokémons do time de ginásio de meu pai foram convocados um a um no campo de batalha, bradando furiosos gritos de guerra, preparados para a sangrenta batalha que viria a seguir. Eles avançaram sem que eu precisasse fazer qualquer sinal. Havia explicado a situação antes de me dirigir àquele lugar e eles já sabiam o que fazer no momento em que fossem liberados de suas pokébolas. Meus pokémons não eram fortes o suficiente para conter 3 pokémons de Red, mas os pokémons de meu pai eram.

Holmes e Marlowe dirigiram-se à Venusaur, enquanto que Dick, Poirot e Christie foram até Poliwrath e Snorlax. Wattson permaneceu perto de mim, preparado para refletir quaisquer ataques que viessem em minha direção, como uma impenetrável muralha psíquica. Mesmo sem alguém para lhes dar ordens, eles foram treinados bem o suficiente para se dividir e atacar da forma mais eficiente possível, herança dos tempos de meu pai na guerra cívil de Unova. Pouquíssimas pessoas conseguiam disciplinar um time a lutar independentemente como um esquadrão tão bem quanto meu pai, e Fioletovy sentiu isso na pele.

Instintivamente, Fioletovy reagiu mandando os pokémons de Red para a vanguarda enquanto seus 4 pokémons o protegiam na retaguarda. Seu maior erro fora justamente consequência de sua meticulosa estratégia para me pegar desprevenido. Ele havia fragmentado seu time. Venusaur, o Pokémon mais forte ali presente, estava muito longe de seu treinador, tendo que lidar com dois pokémons metálicos e psíquicos simultaneamente, o que o deixava em tremenda desvantagem. Além disso, eu ainda não havia usado todos os meus truques na manga.

O teto do depósito começou a desabar onde Fioletovy estava, e quase caiu em cima dele. No meio dos destroços, uma figura branca movia-se com destreza. Arcanine, Pidgeotto e Scyther foram acertados pelos pedaços do teto, mas Sandslash conseguiu escavar um túnel à tempo e escapar do ataque que veio logo a seguir. Lune, meu Absol, acertou Arcanine e Scyther desprevenidos com Garra das Sombras. Pidgeotto se livrou dos destroços que haviam caído nele e começou a atacar Lune, que precisou recuar enquanto usava o Time Duplo (*Double Team)para não ser atingido.

Mas sua investida havia sido um sucesso. Sandslash estava no subsolo, Arcanine e Scyther zonzos com o ataque que acabaram de receber, e os pokémons de Red estavam ocupados com os de meu pai. As defesas de Fioletovy foram arrombadas. Coloquei meus dedos na boca e assoviei tão alto que até mesmo os pokémons selvagens nos arredores agitaram-se.

Mais uma vez ressoou o barulho de vidro se estilhaçando, dessa vez atrás de Fioletovy. Eu já sabia desde o começo que não conseguiria vencer essa batalha num confronto limpo e direto. “Uma guerra é decidida antes mesmo de começar”, meu pai costumava dizer. “No campo de batalha, preparação e táticas são o que separam um exército bem sucedido de um exército morto”.

http://www.youtube.com/watch?v=SteClJ0FN6c

Pup saltou para cima de Fioletovy pronto para pôr um fim àquela batalha. Sua boca abriu-se num movimento rápido mostrando seus afiados dentes caninos.

Antes mesmo de entrar no depósito eu já havia calculado que meu adversário teria preparado uma armadilha para mim. Por isso, antes de adentrar o local, eu liberei todos os meus pokémons e os dei instruções do que fazer assim que eu desse os sinais para cada um. O dever deles era se espalhar em posições estratégicas observando minha conversa com o inimigo e agir assim que apropriado. Os pokémons de meu pai ficariam comigo em caso de emergência. “Antecipe os movimentos de seu inimigo e prepare uma contramedida”. Se eu havia aprendido algo após aquele encontro na floresta no começo do ano, fora isso.

Fioletovy virou-se para trás e colocou seu braço esquerdo na frente da mordida de Pup. Ele caiu de costas no chão com o impacto do golpe enquanto as gotas de sangue saindo de seu braço manchavam sua roupa de vermelho. Seu dentes rangeram de dor a medida que os ensanguentados caninos de meu Herdier pressionavam seu braço.

—Vira-lata estúpido, saia de cima de mim!

Fioletovy começou a socar o lado esquerdo do rosto de Pup com seu braço livre, tentando tirá-lo de cima de si. Caso aquilo continuasse por muito tempo Pup acabaria se machucando gravemente. Estava na hora de usar o meu ás...

Quando me preparei para lançar o ultimo sinal, senti o solo sob meus pés estremecer e ceder. Wattson, o Wobbuffet, tentou pular na frente do ataque para me proteger, mas o inimigo foi mais rápido. Senti lâminas tão duras como o aço cortando a minha pele e dilacerando minha carne como se eu fosse um frágil boneco de pano. Gritei com a dor agoniante e instintivamente protegi meus pontos vitais com meus braços ao cair no chão. O Sandslash que havia cavado para fugir dos destroços de mais cedo estava com suas garras perto de minha cabeça, pronto para pôr um fim em minha vida no momento em que pressentisse algum malfeito ao seu mestre.

O campo entrou em silêncio e a batalha alcançou um impasse. Foi como se o próprio tempo tivesse parado para todos nós. Senti que aquele era o fim para mim. Se eu mandasse Pup recuar, Fioletovy teria a batalha em suas mãos. Mas se eu lançasse o ultimo sinal e finalizasse a batalha, Sandslash iria arrancar minha cabeça. Independente de minha reação, o desfecho seria minha morte.

—Isso não precisa terminar assim, Neil. Mande seus pokémons recuarem.

—Recuar? —Eu olhei na direção de Bronzong, Metagross e Venusaur. —Enquanto aquele monstro estiver à solta, pronto para atacar a qualquer momento? Só se você fizer uma Hipnose em mim primeiro.

—Então o que você sugere? Que nós dois morramos nesse duelo sem sentido?

—Não. Eu tenho outros planos. —Eu disse confiantemente. —E eles incluem derrotar você.

Os olhos de Sandslash começaram a ficar pesados e seu corpo fraco. Minha tática havia dado certo. Empurrei o Pokémon de areia para longe de mim e me levantei depressa. Fioletovy pareceu confuso de início, mas logo percebeu o que eu havia feito.

—Hipnose... Então foi por isso que você olhou na direção de Bronzong. Maldito garoto furtivo.

—Agora, Volcarona!

Vindo do buraco que Lune havia criado no telhado, um meteoro flamejante começou a cair na direção de Fioletovy. "Use a Dança Agitada até alcançar o pico de seu poder e, assim que eu lançar a ordem, ataque Fioletovy com toda sua força". Pup soltou o braço de Fioletovy e recuou rapidamente para não sofrer as consequências da investida de Volcarona.

Arcanine e Scyther mal haviam acabado de se recuperar do ataque surpresa de Lune, que agora lutava contra Pidgeotto para atrasá-lo. Venusaur estava lutando contra Bronzong e Metagross, e mesmo que os ignorasse para tentar proteger seu treinador não seria rapido o suficiente para contornar o caminho inteiro até o extremo oposto do depósito. Fioletovy estava completamente sozinho, vulnerável e indefeso perante o meteoro flamejante que em poucos segundos reduziria-o a pó como um furioso deus das chamas subjulga um mortal.

—Pikachu, Investida Elétrica! (*Volt Tackle)

Pikachu?!

Indo contra todas as minhas expectativas, com os reflexos apurados de alguém fugindo desesperadamente da morte, Fioletovy lançou uma pokébola amarela para cima e de dentro dela um roedor amarelo coberto por faíscas de eletricidade saiu.

—Não... —Eu gelei. Um fato que eu havia negligenciado se esclareceu em minha mente: ele ainda não tinha usado todos os pokémons em sua posse.

Um clarão tão intenso quanto uma supernova surgiu no ar assim que os formidáveis ataques se colidiram. Uma dança elétrica e flamejante, majestosa e tenebrosa, tomou conta da atmosfera do local, espalhando destruição por onde tocava. As faíscas resultantes da colisão inflamaram diferentes locais do depósito. Em poucos minutos aquele lugar inteiro seria consumido pelas chamas.

Caí no chão, deslocado, ainda sem conseguir compreender o que acontecera. Não conseguia escutar nada além de um ensurdecedor zumbido agudo em meu ouvido, resultado do som estonteante gerado pela explosão dos ataques. Olhei para baixo e notei minha camisa empapada de sangue por causa do ferimentos causados pela garra de Sandslash mais cedo. Minha consciência começou a devanecer, escapando entre os dedos das mãos como grãos de areia. Por alguns instantes eu aceitei aquele fato como realidade: eu iria desmaiar naquele exato instante e a batalha estaria perdida. Após isso, eu morreria. Senti uma estranha sensação de leveza e contentamento. Havia lutado bem. Tinha solucionado o mistério. Meu dever estava completo e eu me sentia imerso em uma aconchegante paz. Coberto pelo gentil afago da morte, havia conquistado meu direito de descansar...

Ouvi o barulho de chuva e trovões. Quando abri meus olhos, percebi que havia sido transportado para aquele dia novamente. Um garotinho chorava em frente à cama de sua mãe, em coma e estado grave. Seu pai não estava lá. Nunca estivera quando ele mais precisava. Ainda assim, ele o perdoara. Não sabia o motivo que o havia levado a nos abandonar, mas não me importava mais. Sentia como se aquele capítulo de minha vida houvesse sido finalmente fechado.

Pisquei e, ao abrir os olhos, vi meus amigos sentados em volta de uma mesa e conversando alegremente. Estávamos em casa, em um de nossos dias de folga. Vivi ria das piadas bobas de Angelo enquanto Clara escondia seu rosto de vergonha pelo irmão. Simon gargalhava com a situação toda e Catarine se mantia quieta em seu canto, reservada mas apreciando aquele momento de sua própria forma. De certa forma, eramos parecidos. Pessoas profundamente feridas buscando por algum conforto e felicidade. Mas isso não importava agora. Nada mais importava.

Foi a repentina visão de uma silhueta familiar que me fez acordar de meu transe. A visão de uma mulher segurando um guarda-chuva. Ela estava em frente à torre de Lavender, de onde a fumaça negra que agora envolvia Kanto parecia se concentrar mais fortemente. "A...j..."

Reuni todas as minhas forças restantes e me levantei mais uma vez. Perdi o equilibrio e por alguns segundos minha visão foi tomada por uma negritude intensa antes de clarear novamente. Respirei fundo e limpei o suor que escorria pela miha testa. No que estava pensando? Aquele não era o momento para desistir de tudo pelo qual eu havia lutado naquele ano. Não depois de tudo que eu havia passado para chegar ali. Recobrei meus sensos e observei o estado do campo de batalha.

Lune estava coberto de ferimentos pelo corpo e sua pelugem branca agora apresentava manchas vermelhas. Ele ofegava enquanto encarava Scyther e Pidgeotto, seus dois adversários. Estava em menor número e encurralado.

Pup rosnava para o grande cão de fogo na sua frente, que o olhava com expressão altiva. Arcanine tinha sua presa pressionada contra a parede, sem quaisquer possibilidades de escapatória. Foi então que eu percebi o que eu mais temia ver naquele momento.

Volcarona estava no chão, imóvel, coberta de poeira e ferimentos em seu corpo todo. Seu adversário, Pikachu, jazia ao seu lado, igualmente derrotado. As Danças Agitadas foram o suficiente para pô-la em pés de igualdade ao roedor, mas não o suficiente para derrotá-lo. Senti a esperança me escapar. Fioletovy estava de pé, com seu braço esquerdo sangrando, mas intocado por quaisquer outros ferimentos. Meu trunfo havia fracassado. Pude pressentir a derrota se aproximando a passos vagarosos. Repentinamente ocorreu-me o quão indefeso eu me encontrava naquele momento. Apenas Wobbufet encontrava-se ao meu lado. Gritei nos limites de minha voz:

—TODOS, RECUEM!

Lune assustou-se por um momento mas logo acatou minha ordem e foi para perto de mim. Metagross e Bronzong vieram logo em seguida, exaustos, abandonando o titã das folhas ao qual foram incapazes de derrotar. Venusaur estava ferido, mas claramente em melhores condições de combate do que a maioria de meus pokémons. Starmie, Gallade, Reuniclus e Ruffly, que há pouco lutavam contra Poliwrath e Snorlax, foram os ultimos a recuarem. Pup havia sido o unico que não conseguira voltar até mim.

Os 8 pokémons organizaram-se em duas muralhas defensivas, uma à minha frente, defendendo-me de Fioltovy e seus pokémons, outra à minha retaguarda, defendendo-me de Venusaur. Tentei pensar em mil possibilidades de contornar aquela situação ao meu favor, mas nada me ocorreu. Meu ás fora derrotado e com ele se foi minha vontade de lutar. A situação havia saído de meu controle e eu não sabia mais como reagir. Qualquer coisa que eu fizesse daquele ponto em diante seria apenas um esforço fútil para adiar minha própria morte.

—Você me assustou de verdade. Por um momento eu achei que fosse morrer. —Aquele homem, que agora me parecia invencível, falava ainda tentando recuperar o fôlego. —Nunca achei que você fosse capaz de tentar matar alguém dessa forma. Pelo visto a ocasião faz o homem, hã? Não somos tão diferentes assim.

—Do que diabos você está falando? Não somos nada iguais!

—Deixa pra lá. Já está na hora de dar um fim em você mesmo.

Ao ouvir aquilo comecei a entrar em pânico. Olhei de um lado para o outro, tentando desesperadamente achar qualquer coisa que pudesse me ajudar. Vi apenas o fogo que agora se alastrava por aproximadamente 20% do depósito. Objetos em chamas. Estilhaços de vidro no chão. Sangue.

Foi então que eu vi o Sandslash que havia me atacado, caído no chão ainda sob o efeito da hipnose de Bronzong. Uma ideia diabólica formou-se em minha cabeça. Tomado pelo medo, me aproximei do pokémon caído.

—Faça alguma coisa contra mim e eu mato seu Sandslash.

Era uma atitude desesperada e eu sabia disso. Estava lidando com um criminoso que havia tirado a vida de dezenas de inocentes sem qualquer compaixão ou remorso. Sacrificar um de seus próprios pokémons não deveria ser nada para ele. Por isso sua reação me assustou tanto.

—Seu... Seu pentelho desgraçado...

Seus olhos refletiam um ódio assassino contra minha pessoa. Seu rosto havia se contorcido em uma expressão de fúria primal.

—VAI USAR UM MALDITO TRUQUE SUJO DESSES PORQUE NÃO PODE ME DERROTAR? USAR UM DE MEUS PRÓPRIOS POKÉMONS COMO REFÉM? COMO CONSEGUE SER TÃO BAIXO, SEU FILHO DA PUTA!?

O medo desapareceu de mim e no lugar dele uma raiva igualmente opressiva tomou conta de meu ser. Senti meu corpo ficar extremamente quente.

—NÃO VEM COM ESSA, SEU BABACA! DEPOIS DE MATAR TANTAS PESSOAS, DEPOIS DE CAUSAR TANTO SOFRIMENTO, VOCÊ QUER FALAR ALGUMA COISA DE MORAL? POR QUE NÃO DEMONSTROU ESSA MESMA PIEDADE PRAS PESSOAS QUE VOCÊ TIROU A VIDA, CANALHA DE MERDA?!

Fioletovy cerrou os punhos e pude notar que se controlou para não dar uma ordem de morte para seus pokémons. Ele olhou para cima, fechou os olhos e inspirou o máximo de ar que pôde, liberando-o lentamente logo em seguida. Olhou para trás e deu uma ordem ao seu Arcanine.

—Se ele fizer alguma coisa contra o Sandslash, faça esse vira-lata de merda virar churrasco.

Arcanine aquiesceu e labaredas de fogo começram a escapar pelo canto de sua boca. Estava pronto para queimar Pup até não sobrarem nem cinzas. Nunca me senti tão a ponto de explodir como daquela vez. Estava pronto para pôr tudo a perder e simplesmente ordenar um ataque suicida para salvar Pup. Ruffly estava tão agitado quanto. Podia sentir em seus olhos que ele estava tão determinado a salvar seu amigo quanto eu.

Olhei para o relógio. Pouco mais de dois minutos haviam se passado desde o começo da batalha. Amaldiçoei Dialga, guardião do tempo, por fazer os segundos se passarem tão devagar. Só me restava uma opção. Aquela era agora uma batalha contra o tempo.


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