Remember escrita por juvsandrade


Capítulo 6
VI


Notas iniciais do capítulo

Leia escutando a música Your Love Is A Song, da banda Switchfoot!



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Hermione quase deu meia-volta e chamou um táxi para levá-la de volta ao apartamento. Claro que ela sabia, no fundo, que aquela comiseração em seu estômago ultrapassava o nervosismo, beirando uma ansiedade palpável e uma saudade agonizante, porém, somente na hora em que colocara os pés no aeroporto, percebera que não fazia a menor idéia de como reagiria quando se deparasse com Ronald Weasley. 
Talvez ela chorasse. Talvez ela tremesse dos pés a cabeça. Talvez ela não conseguisse fazer nada, além de sorrir... A verdade é que ela se encontrava em um turbilhão de sentimentos e por isso não conseguia se estabilizar emocionalmente. 
Por mais que quisesse levar uma mão à boca para roer alguma unha – péssima mania que ela adquiriu logo que chegou à Austrália – lembrou-se de Monica ralhando com ela por estar tão desatenta a própria aparência... Hermione de um pequeno sorriso, enquanto caminhava pelo corredor, desviando de pessoas e se recordando de como se controlara para não dizer a mulher que ela nunca havia tido muito tempo para se cuidar. Ter escolhido ser melhor amiga do garoto encarregado de salvar o mundo bruxo (e trouxa) trouxera algumas conseqüências, e não ser uma garota muito delicada era um dos problemas que ela arcara por sete anos... Mas ela não reclamou quando Monica resolvera levá-la a um salão de beleza, quase às sete horas da manhã daquele mesmo dia, desmarcando todos os pacientes daquele período, somente para dar um trato em seu cabelo e em suas unhas... Afinal, ela era uma garota – e ainda bem que Ronald havia percebido aquele “pequeno detalhe”, no quarto ano – e não se importaria de cuidar um pouco da própria aparência. Sem contar que quem havia colocado lenha na fogueira fora exatamente à pessoa que Hermione queria, afinal, fora sempre a sua mãe que tentava lhe mimar com vestidos bonitos, com sapatos delicados e acessórios femininos. Georgia assumiria, e, por isso, naquela manhã, Hermione saíra do salão com as unhas pintadas com um esmalte rosa claro que combinava com a pele levemente bronzeada, cabelos mais curtos em um corte que se encaixava perfeitamente com o seu rosto – e a franja repicada caindo sobre os olhos fazia com que ela parecesse uma boneca – e outros detalhes, como sobrancelhas feitas, pernas mais lisas que o comum devido à depilação e com a pele cheirando a framboesa devido aos produtos. Provavelmente Ron nem a reconheceria e passaria reto, levando em conta que dá última vez que a vira, o corpo inteiro estava coberto de machucados e a expressão abatida acabava por deixá-la mais velha. E agora... Ela estava arrumada. Para ele.
Oh, Merlin, onde é que ela estava com a cabeça?
Pretificou-se no lugar quando escutou o anuncio do pouco do avião em que Ron havia tomado. A voz do anunciador era clara e límpida, mas soou como uma confusão aos ouvidos dela e o medo possuiu cada partícula de seu existir. Será que ele estava mesmo dentro daquele avião? Afinal, era Ronald, o que não confiava nem um pouco nos “viaões” e que dissera que preferia ir de vassoura a entrar naquela “geringonça enorme”. Em questão de um piscar de olhos, ela desesperou-se como não deveria. Todos os planos que havia feito... Todos os passeios... Os lugares em que eles iriam... Não, ele precisava estar ali. Sem ter noção da velocidade que os próprios pés ganharam, Hermione se apressou entre a multidão, esbarrando-se hora ou outra com um vulto qualquer e nunca virando a cabeça para olhar para trás, apenas sussurrando um “perdão” e seguindo em frente, até se aproximar da plataforma mandada e, depois de poucos minutos, avistar, ao longe, uma cabeleira ruiva se destacando entre todas as demais.
Então era isso, ela pensou. Ron estava ali. Para ficar junto dela.
E pareceu que, naquele instante, o coração dela voltara a ter vida.

Se Hermione estivesse segurando presas de Basilisco em suas mãos, teria deixado com que elas caíssem em cascata de encontro certeiro ao chão.
Houve um estrépito quando os corpos se alcançaram ao mesmo tempo em que os braços se envolveram. O ruído de vozes ao fundo pereceu ao confrontar as palpitações audíveis de dois corações envoltos em nada mais do que saudade da mais pura e cáustica. A dubiedade que fora previamente apresentada pela garota sumiu assim que Ronald chapou-lhe um beijo na boca, forçando o abraço a ponto de retirá-la do chão. Com as pernas flutuando e lágrimas límpidas contornando-lhe os lábios, Hermione deu um sorriso iluminado ao acercar-se de que as mãos de seu namorado a seguravam pela cintura com firmeza e que assim poderia deixar as próprias se perderem e se encontrarem pelo rosto salpicado de sardas. Venerando-o com as pontas dos dedos e sentindo os lábios dele manuseando o beijo, ela se pegou surpresa quando percebeu a quebra do contato das bocas – mas não das mãos – e entreabriu os lábios para pronunciar uma palavra qualquer, querendo perguntar o que havia acontecido... Porém o viu sorrir tão próximo e todos os vestígios de frases ordinariamente boladas morreram na ponta de sua língua. 

— Nós estamos ficando realmente bons nisso... — referindo-se à aquela forma ao qual já haviam se beijado, ele pode ver de perto as maças do rosto de Hermione serem tingidas de um vermelho belo e não pode controlou o próprio sorriso, que aumentou de tamanho instantaneamente.

— Eu não acredito que você está aqui... — Hermione lhe disse, traçando o contorno do rosto de Ron com os dedos, levando uma delicadeza que se mesclava entre admiração e incredulidade.

Ela mal piscava, com medo de abrir os olhos em algum momento e se deparar com a sombra de uma miragem desejada.

— Eu já tinha lhe dito antes que eu não conseguiria ficar mais um mês longe de você...

O efeito do pronunciado fez com que cada célula do corpo da garota crepitasse em puro fogo. Se Ron soubesse o quanto ela via um homem defronte a ela, ao invés do garotinho inseguro que ela conhecera ao embarcar no trem que mudaria a sua vida, talvez ele tivesse as células a queimar em labaredas também.
Quando que ela pensaria, um dia, estar assistindo uma cena como aquela com os próprios olhos? Ron lidando tão fácil com sentimentos e formulando frases tão bonitas era algo que, há dois anos antes, ela consideraria surreal... Assim como a intensidade do amor que sentia por ele. Também poderia ser considerada inimaginável. 

— Eu senti a sua falta. — ela tornou a repetir, mesmo sabendo que ele deveria saber daquilo por causa das inúmeras vezes que escrevera nas cartas que lhe enviava.
— Eu também senti a sua. — beijando-a entre os fios de cabelo da franja recém-cortada, Ron voltou a sorrir gigantescamente, para depois depositá-la com cuidado no chão e erguer uma mão para coçar a nunca. — E eu também estou sentindo falta da minha mochila. Onde aquelas micosárias a colocaram?
— Comissárias, Ronald!
— Tanto faz. — parecendo não se importar nem um pouco com a correção, ele olhou suspeitosamente para o lado, o que fez a morena rir.
— A sua mochila deve estar ali. — apontando para a esteira de bagagens, Hermione sorriu abertamente, entrelaçando uma mão com a dele e puxando-o gentilmente. 
— Estranho... Esses objetos trouxas... — Ron falou da boca para fora, olhando torto para a mesma. — De onde surgem as nossas bagagens?

— Há todo um sistema para as bagagens passarem pelas esteiras, Ron. Elas saem dos aviões, são levadas para um depósito, provavelmente, e lá são depositadas em máquinas que sabem diferenciar os aviões, com o propósito de não confundir as malas. Para os passageiros não ficarem nas pistas ou saírem dos aviões carregando peso, eles retiram as malas aqui.
— Espera, você disse que as máquinas sabem diferenciar os avi... Aviões? Mas você disse que elas não funcionavam a magia!
— E elas não funcionam! Funcionam a eletricidade. 
— Que nem a vetelisão? 
— Televisão e sim, que nem ela. — vendo que o namorado parecia confuso, ela deu uma risadinha, pensando em uma forma de como poderia explicar melhor o funcionamento de tudo aquilo em outra hora. — Você está vendo a sua mochila?
— Eu tenho que procurar por ela? Ela não virá até mim, como essas outras? — apontou para as malas que passavam na frente deles e viu Hermione sorrir condolente, enlaçando com mais estabilidade as mãos e olhando adiante. — Olha, é aquela ali! — desajeitado, ergueu a outra mão para apontar e Hermione forçou-o a abaixar a mesma, deixando uma risada presa entre dentes e dando alguns passos para o lado, sendo acompanhada por ele, para chegar onde ele dissera.

Ron colocou a mochila por detrás de um ombro, carregando a mesma com uma facilidade invejável. Os ombros cada vez mais largos deveriam suportar aquele peso sem pressão alguma. Olhando para ela em seguida, esperando por um comando de para onde deveria ir, eles caminharam lado a lado, infiltrados no mar de gente, até a saída do aeroporto, onde pegaram um táxi e seguiram o caminho até o apartamento de Hermione.
Como uma criança, Ron abrira a janela do carro para ver com mais nitidez a orla da praia. Admirando o céu azul claro, as ondas quebradas e os banhistas, o garoto olhou ansioso para a namorada, como se quisesse dizer em silêncio que achava tudo aquilo maravilhoso, e, como resposta, recebeu um sorriso quente – talvez até mais quente que o Sol daquele lugar – e retribuiu, voltando a olhar pela pequena vitrine de novidades mais uma vez.
Hermione só viria a descobrir horas depois que era a primeira vez do ruivo em um lugar como aquele. Por mais que ele já tivesse visitado a Romênia, o Egito e alguns outros lugares do território britânico, ele nunca pisara em uma areia banhada pelo mar. Toda aquela expectativa recheada de curiosidade o transformava em um garotinho que nada mais sabia fazer a não ser olhar encantado para a água translúcida ao redor. Os olhos azuis se encontraram com a imensidão de cor equivalente e cintilaram como duas estrelas irradiantes, e, logo após, as duas orbes se fixaram nas de Hermione, que vinha sentada logo ao lado, ainda de mãos dadas, dando informação ao taxista. Sem ter duvidas de que direção preferia olhar, deixou o estranho para ser explorado em outra hora, para poder então abrir um sorriso ao mirar a sua garota, tão atenta as ruas, mexer sem perceber em um único cacho dourado-mel que caia e se enroscava na outra mão, pousada no pescoço...
Ela era tão bonita que Ronald não se importaria de passar a eternidade a contemplá-la.

— O apartamento em que eu estou morando é de frente para o mar. — ela comentou, em forma de um sussurro, olhando rapidamente para ele por entre os fios de cabelo e sorrindo ao vê-lo manear com a cabeça, confirmando.
— Eu sei. Você escreveu para mim, dizendo isso.

Satisfeita e com o coração aos saltos por perceber que ele se apegara nos detalhes rabiscados nas cartas, assim como ela fizera, Hermione sorriu um pouco mais, deixando a cabeça tombar para o lado e encontrar o conforto de um ombro dele, que a recebeu prontamente, deixando-a descansar por ali.

— E como foi à viagem?
— Assustadora. — ele resmungou com um pouco de rancor, fazendo Hermione rir sem querer. — Não sei como vocês conseguem confiar naquela geringonça. Eu tive a sensação de que iria cair a todo instante.

A garota entreabriu a boca, para perguntar como ele se sentia seguro, então, em cima de um pedaço de madeira, mas se calou ao recordar que o motorista provavelmente a olharia torto, pelo espelho, perguntando-se por que Diabos havia aceitado transportar uma garota com problemas mentais. Por isso tornou a fechar a boca, escutando o restante da história que Ron contava.

— Tinha um garoto do meu lado, de uns onze anos. Ele passou mal a viagem inteira. Eu acho que eu fiquei mais preocupado em socorrê-lo do que pensar em como seria fácil morrer, caso aquela coisa desse problema. 
— Ron, a chance de um avião cair é muito pequena se todos os requisitos da manutenção e segurança forem estritamente observados e seguidos. Pode ter certeza que é mais fácil um bruxo cair de uma vassoura do que um avião cair do céu. — falou em tom de piada, para o taxista não dar a entender, mas viu o ruivo arquear as sobrancelhas, em tom de defesa ao objeto mágico. — Por favor, o senhor pode estacionar em frente à padaria? 

Quando o carro reduziu a velocidade e parou, os dois saltaram para fora e enquanto Hermione pagava o serviço, Ron respirava fundo e inalava aquele ar atípico, que cheirava a... Bem, ele não sabia muito bem.

— Eu quero comprar uma coisa dessa padaria para você. Eu imagino que você está morrendo de fome e você provavelmente vai adorar esse doce. Eu pensei em você, quando experimentei pela primeira vez. — puxando-o para dentro do estabelecimento, sem notar o sorriso grande que ele abria quando escutava o que ela dizia e como havia pensado nele, Hermione acenou para uma moça que estava atrás do caixa e recebeu o mesmo gesto como resposta.
— Olá, Hermione... Você veio mais cedo hoje. — um homem rechonchudo que estava atrás do balcão falou, arrumando alguns doces sobre a bancada e sorrindo de uma forma que fez os olhinhos pequeninos desaparecerem por detrás das bochechonas. 
— Eu tenho um motivo importante para isso Lachlan... — a garota disse da mesma maneira adorável de sempre e o moço avistou, enfim, o ruivo de quase dois metros que se encontrava parado atrás dela, olhando para os lados sem parar. 
— Ah, então eu finalmente tenho o prazer de conhecer o seu namorado? 

Quando Lachlan falou aquela singela frase, as bochechas do rosto de Hermione foram atiradas dentro de uma fogueira devido à coloração, e, entreabrindo os lábios por surpresa, ao ver Ron se adiantar e estender uma mão para cumprimentar o moço com educação, ela se viu sorrindo sem nem perceber. 

— A sua garota disse que o seu apetite é indomável.
— Eu fico feliz em ver o quanto a Hermione falou bem de mim. — misturando o comentário com ironia e graça, ele arrancou uma risada do outro e um sorriso fraco da morena, que somente deu de ombros e prosseguiu quieta.
— Garoto, você deveria se considerar um rapaz de sorte. Todos os dias ela vem aqui e pega um pedaço da melhor Pavlova da região, falando que é porque se lembra de você. Levando em consideração que nós estamos falando de um doce, você deve se sentir honrado.

Ron olhou para Hermione por cima do ombro e lhe sorriu, incrivelmente calmo, vendo como ela lhe recompensava com um sorriso encabulado, porém, magnífico. 

— Você pode me ver dois pedaços de Pavlova, Lach? E o de sempre, só que dobrado? — a garota perguntou com um pio de voz, dando um passo para frente para ficar ao lado de Ron e apoiando outra vez a cabeça no braço dele – não no ombro, porque ela não o alcançava naquela posição -, em um movimento que se tornará comum.
— Você não precisa nem pedir. — o homem sorridente se afastou tão rápido quanto voltou, segurando duas sacolas medianas e entregando-as para Ron, que as aceitou sem demora alguma. — Os pedaços da sobremesa serão por minha conta. — piscando um olho e sorrindo mais, Lachlan mal teve tempo de escutar o agradecimento do casal, pois precisou se virar para atender outros clientes e, quando viu que os dois se afastavam, disse alegremente um “até logo” e se despediu.

Depois de pagarem, andaram poucos passos da calçada até a entrada do apartamento de Hermione e, parando em frente ao prédio, Ron se pôs a analisar o lugar. Era justamente como ela lhe descrevera. Com palavras habilidosas, a garota escreva logo na primeira carta que o edifício era modesto, com uma pintura lisa da cor beje-claro, que combinava bastante com a areia da praia logo à frente. Havia muitos canteiros que transbordavam flores coloridas nas janelas de madeira dos três andares e quando a porta principal se abriu, ele foi impedido de reparar no resto.

— Bom dia, Hermione. — uma mulher sorriu para ela ao sair dali trajada em roupa de corrida e com um cachorro pequenino no colo. — Bom dia. — ela voltou a repetir, olhando para Ron com o mesmo sorriso.
— Bom dia, Ella. 
— Belo dia para dar um passeio, não é mesmo?
— E quando não é?

— Você está certa. — Ella deu uma risada sonora, descendo os degraus quando eles lhe deram permissão e olhando para eles, antes de começar a caminhar: — Aproveitem o dia! E não se esqueça que mais tarde terá a feira na praia, Hermione. Eu e o meu marido ficaremos muito contentes se você aparecer por lá.
— Verei se dará para eu ir, Ella. Muito obrigada mais uma vez pelo convite.
— Não há o que me agradecer, querida.

Quando entraram no edifício, após o término da conversa, Ron deu uma risada baixa, puxando-a para perto em um abraço inesperado e tornando a rir em um de seus ouvidos. Ela não entendeu o que se passara, mas deixou-se ser abraçada e quando se viu com uma distância curta dos braços dele, frisou as sobrancelhas, esperando uma continuação.


— O que foi?
— Se não existisse uma biblioteca em Hogwarts, você provavelmente seria a garota mais popular de lá. — Ron falou sorridente e ela prosseguiu sem entender. — Em um mês e poucos dias você já conquistou a Austrália, Hermione. Eu devo me sentir enciumado?
— Ora, francamente Ron, não é assim. Eu só sou educada com as pessoas que eu estou convivendo ultimamente, nada mais. 
— Só que o seu “ser educada” é a mesma coisa que “ser adorável”. — dizendo tudo de uma forma meiga, ele pode observar de perto em como os olhos dela ganhavam brilho com dizeres sutis e resistiu à vontade de abraçá-la mais uma vez. 
— E o seu “ser você” é a mesma coisa que “me deixar sem ter o que dizer”... — murmurando divertida, ela pode escutar a risada dele ecoando pelo corredor e se adiantou, subindo os diversos degraus e vendo-o se adiantar para segui-la.
— Ah, eu me esqueci de falar uma coisa...
— O quê?
— Gina mandou nós contarmos quantas horas demorará para termos a nossa primeira discussão.
— A Gina não pode se decepcionar dessa vez ao ficar sabendo que nós não brigamos nenhuma vez?
— Você me conhece: eu adoro contrariar a Gina.

Oh, o seu amor é uma canção...

O apartamento era, sem a menor dúvida, previsível. Os livros esparramados de forma organizada por cada móvel mostravam que a garota fazia da leitura o seu principal refúgio até então, e o interessante era que não se podia encontrar muitos objetos supérfluos por ali. O máximo do desnecessário que poderia ser encontrado por ali era a pequena televisão postada na bancada da cozinha e um aparelho de som deixado ao lado da única estante. Fora isso... Ron suspirou, um tanto quanto satisfeito. Aquele parecia o apartamento de quem não estava pensando em ficar; se estabelecer. Faltava o conforto de uma casa, a quentura de um lar. Aquelas quatro paredes eram provisórias e nada mais, e mesmo que ele soubesse a pretensão de Hermione para voltar o quanto antes para Londres, ver com os próprios olhos a falta de indícios que ela um dia se fixaria por ali, trazia-lhe um alívio descontrolado.


— Ron, depois de comer, se você quiser descansar um pouco... — ela começou a dizer, retirando as sacolas das mãos dele e colocando-as com jeito sobre a mesa. — Você deve estar exausto das onze horas de viagem.
— Na verdade, não. — dando uma risada baixa, ele tornou a coçar a nunca, indicando que se sentia um tanto quando desconfortável. — Eu tirei um bom cochilo depois que o garoto conseguiu se acalmar e eu deixei de pensar que aquela coisa poderia cair a qualquer instante. Dormi mais do que em muitas noites. 
— Mas se você quiser descansar, está tudo pronto. Ou se você quiser tomar um banho... Eu já separei as toalhas e elas estão no banheiro. — parando de falar e de andar bruscamente, a garota olhou diretamente nos olhos dele, com uma expressão pensativa prostrada no rosto e com o lábio inferior sendo prensado pelo outro. — Ron, por que você não se senta?

— Você não precisa de ajuda... Ai na cozinha?
— Mas é claro que não! Você não precisa se preocupar com isso. — revirando os olhos e voltando a andar, Hermione começou a pegar o que precisava para encher a mesa e, quando o garoto percebeu, estava rodeado com o que eles haviam comprado e com um pouco mais. — Você quer vir lavar a mão aqui na pia da cozinha? Não é difícil encontra o banheiro, mas você deve estar com fome e...
— Hermione...
— Hmmm?
— Eu não sei qual de nós dois está mais sem graça. — o que ele falou acabou por desarmá-la e, mais uma vez, ele deixou as mãos se perderem pelos fios vermelhos. Com os braços erguidos e uma expressão embaraçada, Ron retornou a expor os pensamentos em voz alta: — Quer dizer... Você... Não precisa se esforçar tanto assim. Eu sei que... É estranho, digo, estarmos somente nós dois aqui, levando em conta que em praticamente oito anos, ficamos sozinhos em raras ocasiões, mas... Eu quero que você sente comigo na mesa e me conte como estão as coisas, olhando nos meus olhos. Eu quero que você peça a minha ajuda, porque eu quero ajudá-la... Eu estou... — abaixando os braços e socando as mãos dentro dos bolsos dianteiros da calça, ele deu de ombros, com o rosto semelhante a um pimentão. — Eu estou sem saber o que fazer... Sempre que eu estou perto de você, eu fico sem saber o que fazer... E é por isso... Que eu acho que essa viagem será boa. Porque eu... Nós dois... Nós podemos... Entrar em sintonia. — suspirou baixo, achando muito difícil colocar para fora o que queria dizer. — Mas você não precisa ficar desse jeito, Hermione... É sério... Sou só eu.

Precisando apoiar-se com as duas mãos no balcão da cozinha, devido a tamanha intensidade com que aquelas palavras haviam lhe pego de surpresa, Hermione deixou um suspiro escapar e, mirando-o nos olhos, sussurrou:

— Esse é o problema... Para mim, nunca foi  você... Na verdade, você sempre foi muito.

Depois do que ela dissera, tudo o que Ron pretendia colocar como assunto acabou desaparecendo de sua cabeça. Vazios foram deixados nos espaços onde as frases eram elaboradas e tudo o que ele pode fazer foi tentar controlar os batimentos cardíacos que se exasperavam como nunca. O vai-e-vem frenético de seu peito acabava por denunciá-lo e, mesmo se ele quisesse esconder, não conseguiria nunca escapar dos olhos atentos de Hermione, que o encaravam com discrição.
Ele limpou a garganta, antes de sorrir para ela.
Ela sentou-se a mesa, perto dele, antes de sorrir como resposta.
E tudo pareceu mais fácil, depois daquilo. Como se fosse necessário um empurrão para uma situação como aquela.

— Harry está empolgado, sabe? — Ron comentou, passando geléia em uma fatia de pão e sorrindo ao ver que Hermione parava o que fazia para prestar atenção no que ele dizia. — Essa mudança para o Largo está conseguindo distraí-lo um pouco. Uns dias depois que você veio para a Austrália, Harry acordou e disse que gostaria de finalmente ter uma casa. Foi à primeira vez, em semanas, que eu vi a minha mãe falando. — toda a tristeza que deveria estar aparente na fala do ruivo fora ofuscada pelo alívio de ter escutado a voz da mãe mais uma vez. — Ela se ofendeu como nunca. “Como assim você acha que não tem uma casa? A nossa casa é o que, querido? Eu achei que você se sentia em casa aqui. Por acaso o Ronald fez alguma coisa?”... É claro que a culpa, no final, foi toda minha, mas depois o Harry explicou que gostaria de reformar a casa que herdou do Sirius e que... — parou, coçando, pela milésima vez ao dia, a nuca. Respirou pesadamente, arqueando os ombros e olhando para ela com atenção, querendo captar a reação da frase que se seguiria: — E que, caso eu queira, eu poderia morar com ele. 
— Mas isso seria ótimo! — Hermione exclamou com empolgação e sorriu abertamente. — Eu sei que aquela casa ficará virada de ponta cabeça com os dois morando debaixo do mesmo teto, mas será muito bom... Quer dizer, agora que vocês estão trabalhando para o Ministério e como vocês estão acostumados um com o outro, seria muito vantajoso. Sem contar que eu acho que não seria uma boa idéia deixar o Harry morar sozinho. 
— Se ele morasse sozinho, ao menos a casa não seria posta de ponta cabeça. — Ron comentou, repetindo o que ela dissera e acrescentando uma pitada de humor.
— Eu não teria tanta certeza. — dando uma risada discreta, a garota continuou: — Molly fez questão de ensiná-lo como se cuidar, o que lhe dá muita vantagem... Já o Harry não teve o que nós podemos chamar de uma educação invejável.
— Falando nisso, Harry escreveu uma carta para os Dursleys. — fazendo uma careta, como se não conseguisse acreditar, Ron resmungou, vendo que a expressão de Hermione não se alterava com a novidade.
— Eu já estava esperando por isso. — ela falou com simplicidade, deixando passar o olhar pasmado do namorado. — Pelo que ele nos disse, a Sra. Dursley pediu perdão, da forma dela, assim como Duda. Eu sei que mesmo depois de todos os desrespeitos que eles fizeram com o Harry, eles não queriam vê-lo morto e eu acho que a possibilidade de perder o único sobrinho acabou causando um choque maior do que o esperado, na Sra. Dursley. Eu acho compreensível que o Harry esteja querendo retomar o contato com os tios, para dizer que a Guerra acabou e que ele não correm mais nenhum perigo aparente. Além de estar os avisando que eles podem voltar a ter uma vida normal, você sabe que Harry não sabe guardar rancor de quem se arrepende. 
— O que ele deveria saber fazer. — Ron revirou os olhos descaradamente, cuspindo as palavras com um tanto de incredulidade. — Nós fomos convocados para o julgamento dos Malfoys, você sabe...
— Eu espero estar presente no dia do julgamento. — Hermione suspirou pesarosamente, sabendo que a opinião que ela possuía era completamente diferente da do garoto, por isso não abrangeu o assunto. — Eu não fui convocada, mas fui convidada...
— Convidada... — dando uma risada irônica, Ron colocou uma mão na testa, fechando os olhos por breves segundos antes de prosseguir: — Eles fazem isso tudo parecer uma grande festa. “Você está convidada para comparecer ao julgamento de Comensais da Morte que assassinaram um bocado de pessoas inocentes. Por favor, confirme a sua presença antes do dia marcado. Use traje social...” — debochando com escárnio da situação, o garoto somente se acalmou quando sentiu os dedos delicados de Hermione tocarem o seu braço por cima da mesa, de uma forma meio relutante. 
— Draco e Narcisa não mataram ninguém.
— Mas eles teriam, se pudessem. Ou você se esqueceu do plano do Malfoy para assassinar o Dumbledore?
— Ron, eu não quero conversar sobre isso. Eu estou muito feliz porque você e Harry estão conseguindo seguir a profissão que sempre quiseram. Vamos falar sobre isso, por favor. 
— E viu só? Nós não precisamos fazer o N.I.E.M. para isso... — esquecendo rapidamente o assunto anterior, para provocá-la um pouco, citou as provas pelas quais Hermione sempre dissera a eles que necessitava mais esforço do que o que eles faziam. Ron colocou uma mão sobre a dela, que permanecia descansando sobre o seu braço e ignorou o olhar recebido.
— Ronald, não fique tirando proveito do fato que você ajudou a derrotar Voldemort para que os outros notassem como você seria um bom auror. — por mais que toda aquela frase soasse como bronca, o garoto se perdeu após escutar as últimas palavras que ela lhe dissera, sobre ele ser – um dia – um bom auror. — Eu tenho certeza absoluta de que se nós tivéssemos tido um sétimo ano normal em Hogwarts, você e Harry teriam tirado notas excelentes e suficientes para ingressar nessa mesma profissão.

— Mas é claro que teríamos! — com um sorriso grande no rosto, ele ergueu a mão dela até os próprios lábios, em um movimento impensado, e beijou-a nos nós dos dedos. Um por um. O que acabou tornando a regularidade da respiração de Hermione em nula. — Pois teríamos a ajuda da bruxa mais inteligente do século nos estudos...

Cansada por antecedência da ardência de suas bochechas, Hermione abaixou o olhar para concentrar-se nas mãos dadas e fugir do olhar azul divertido que acabaria por lhe matar de asfixia outrora. Por mais que já fizesse um ano e alguns poucos meses desde que começara a receber incontáveis elogios seguidos de Ron, banhados de uma admiração tateável, ela ainda não conseguira se acostumar com o resultado extasiante de cada comentário como aquele. 
Sua vida fora feita de elogios. Desde cedo, era ela a garota brilhante, prodígio, gênio e qualquer que fosse o outro adjetivo de inteligente, por isso ela se encontrava um tanto quando acostumada com escutar e responder aos mesmos com um sorriso doce e agradecido – e jamais convencido, porque ela nunca havia se sentido superior a ninguém -, não tendo forma de responder a tudo que lhe diziam. Ainda mais quando era Ron a elogiá-la...
Ron sempre fora o tipo de pessoa que não sabia como expor os sentimentos que possuía da maneira mais adequada, sempre se embaralhando ou confundindo, causando complicações e discussões desnecessárias por falhas singelas... Todavia, também sempre fora aquele que era dono de um encantamento ingênuo por algumas coisas que a maioria não se importava em dar atenção. E aquilo era interessante em demasia aos olhos da garota, que sempre tentava entendê-lo da forma mais ampla que conseguisse. O jeito como ele olhava a mãe cozinhando, a irmã treinando Quadribol, o pai chegando do trabalho e qualquer um de seus irmãos, na situação que fosse, era de se emocionar. O que o coração de Ron sentia, não era dito pela boca, e sim pelo olhar; aquelas duas pequeninas orbes azuladas, rodeadas de cílios rubros que se aproximavam de uma tonalidade branca e de olheiras que representavam o cansaço, eram a porta para se compreender o que se passava com ele... Se era felicidade, mágoa, raiva... Ou simplesmente adoração, como era naquele exato momento.
Hermione gostaria que Ron soubesse como os elogios dele sempre lhe atingiam com o triplo de intensidade.

— Você já reparou que nós nunca conseguimos manter o foco em um único assunto? É claro, a não ser quando nós discutimos. — dando um sorriso lateral pequenino, Ron voltou a falar, quebrando o silêncio que a namorada impusera sem mais, nem menos. 
— Talvez seja porque nós tenhamos muitos assuntos que queremos compartilhar um com o outro. E porque os motivos das nossas brigas são sempre os mesmos.

Os dois sorriram cúmplices.
Depois de conversarem um pouco mais e terem terminado de comer, Hermione deu uma organizada rápida na cozinha ao mesmo tempo em que Ron colocava em ordem alguns objetos de sua mala, no grande espaço que a garota havia cedido no próprio guarda-roupa. Assim que se encontraram no corredor – ou melhor, que quase trombaram -, sorriram mais uma vez, com a falta de jeito de ambos.

— Se você não estiver mesmo cansado, nós podemos dar uma volta pela orla da praia... 

Quando Hermione viu, estava descendo as escadas que há pouco subira, com uma mão presa entre as de Ron, que a puxava com pressa, somente olhando para trás para ver se ela estava conseguindo manter o ritmo de seus passos. 

— Ron... Calma... A praia não ira embora... — nem você, foi o que ela pensou enquanto dizia e pulava o último degrau, apertando o botão para abrir a porta e sentindo o cheiro da maresia adentrar pelo hall.
— Wow! — o garoto pronunciou uma exclamação de prazer, depois de atravessar a rua e pisar, finalmente, na praia. — Eu posso tirar os meus sapatos?
— Pode.
— E molhar os meus pés no mar?
— Pode. — dando uma risada graciosa, Hermione acompanhou-o com o olhar. Primeiro ele se abaixou para tirar os tênis e depois, com uma mão, ele carregou os mesmos e com a outra, ele não deixou de segurá-la e arrastá-la por um segundo sequer.
— Por que eu não vim para cá antes?
— Eu estou me fazendo à mesma pergunta. — o olhar de Ron arrostou-se sobre o da garota e, por um ímpeto cobiçado, ele atou os lábios aos dela pela segunda vez ao dia.

Não a tirou do chão.
Não a teve pendurada em seu pescoço.
Não fora um beijo ao qual eles estavam acostumados.
Foi diferente. Semelhante ao beijo trocado no lago, que tinha gosto de uma novidade conhecida, uma vontade de querer saber mais.
O selar fora afável, com uma amabilidade acomodada. As bocas se moviam em um processo de tamanha lentidão, que deixava em realce que o tempo, por fim, corria a favor dos dois. Hermione sorriu depois de alguns segundos, quando a surpresa passara. Ela precisaria se acostumar – e o faria de bom grado – com aqueles movimentos inesperados que não só ele os faria, como ela também tomaria a iniciativa... Porque eles, pelo visto, encontravam-se em um relacionamento sério. De namorada e namorado. Não de amigos-que-se-gostam-mas-não-sabem-como-agir. 

— Você vai entrar no mar comigo? — a pergunta feita diante os lábios dela quase que fez com que ela concordasse, mesmo não querendo aceitar a proposta. 
— Eu estou de calça jeans, Ron...
— Eu também. — ele sorriu galante, de um modo que a fez ficar zonza. — E se eu me afogar, Hermione?
— Pelo que eu sei, você é um bom nadador. — recebeu um outro beijo, no canto da boca, antes de escutar a resposta.
— É, eu sou. — teve uma risada alta e incrédula como resultado. — Mas você promete que depois entrará no mar comigo?
— Ron... — ela quase lhe dissera que não entrara no mar vez alguma, desde que chegara ali, mas se calou, vendo como o olhar dele pedia por uma simples promessa que ela não conseguiria resistir. Agradá-lo com um pequeno pormenor não seria nada demais. — Está bem...
— Mas eu posso mesmo só molhar os meus pés agora?
— Pode! — gargalhando ainda mais, Hermione o acompanhou em direção ao oceano, permitindo-se acompanhá-lo naquela brincadeira completamente infantil, de afundar os pés na areia molhada e deixar a água tocá-los na altura do calcanhar.

E enquanto olhavam as ondas indo e vindo... Perceberam o que já sabiam, mas que ainda não conseguiam compreender: aquela era a oportunidade deles; de se ajeitarem, de se entenderem, de se entregarem de cabeça ao que seria o amor de suas vidas...
Chegara à hora em que aquele relacionamento, que sempre fora tão confuso e inconstante, como o balançar das ondas, deveria se estabilizar e se permitir ser todos os curativos e remendos que ainda faltavam... Porque não havia mais razão para resistir, lutar contra ou ignorar.
Enfim eram eles.
Enfim havia uma oportunidade a se agarrar. 
Enfim, existia um futuro pela frente... 
Um futuro deles. 


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Notas finais do capítulo

Ok, são quatro horas da madrugada e eu deveria estar dormindo, definitivamente, mas não consegui deixar de postar aqui. Eu prometi que postaria, então aqui estão os posts. Não foram muitos para me desculpar pelos 10 dias sem postar (se bem que eu fui viajar e tudo mais - e ainda estou viajando - e não tive muito tempo para escrever...), mas agora que a rotina está voltando, não vou deixar a história abandonada por tanto tempo. Não mais.
Eu espero que vocês tenham gostado dos posts. Não foram os melhores, porque eu escrevi com gritos de crianças como trilha sonora no fundo e tudo mais, por isso me perdoem. Prometo tentar compensar nos próximos.
Pois bem, aguardem. Esse é só o começo da RMB.
E eu adoro reviews! Quanto mais, melhor! *-*