Remember escrita por juvsandrade


Capítulo 4
IV




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— Há alguma razão especifica para esse sorriso tão grande?

Hermione arfou de surpresa e se recompôs imediatamente na cadeira ao mesmo tempo em que olhava para frente e encontrava o seu pai ali, encarando-lhe com um sorriso tão branco quanto o próprio avental de dentista. Odiando-se por ter sido pega em flagrante com uma mirada perdida e com um sorriso bobo nos lábios, a garota negou brandamente com a cabeça, suspirando baixo e querendo se esconder.

— Monica me disse que o seu namorado está vindo passar alguns dias aqui. É por isso, a razão do sorriso?

Por que, Merlin, ela contara a Monica aquilo? Era óbvio que ela contaria ao marido, mas... Hermione não sabia se tinha a esperança de Monica se recordar um pouco mais da vida da filha – porque, de fato, ela havia contado muito a respeito de Ron, para a mãe – ou se apenas queria compartilhar aquela alegria com alguém. Talvez fosse um pouco dos dois, ela não sabia, todavia, era tarde demais para tentar voltar atrás. E qual era o medo, afinal? Se ali fosse Louie, ao invés de Wendell, ela provavelmente deveria temer um pouco a reação dada pelo senhor, porque sem duvidas, não seria do agrado de Louie que um garoto ficasse sozinho com a filha durante uma semana, antes de conhecê-lo formalmente e as típicas regalias de um pai diante de sua eterna criança... Mas como era Wendell, ele não tinha por que se importar, afinal, Hermione era apenas a secretária, e nada mais.
Suspirou mais uma vez, querendo, como nunca, escutar uma bronca ou uma repreensão.

— Sabe, quando eu era jovem e ainda namorava a Monica, passei três meses na França, dando algumas aulas de dentística operatória. Foram os piores cinco meses da minha vida e eu confesso que eu não sei, até hoje, como suportei a saudade. — Louie contava a própria vida de maneira descontraída, caminhando até o filtro de água e se servindo de um copo.

— No final do segundo mês, no nosso aniversário de três anos de casamento, Monica fez uma surpresa para mim e foi me visitar. Ela disse que tinha algo importante para me contar.

Hermione já sabia de cor, aquela história. Sabia dos mínimos detalhes, pois sua mãe adorava lhe contar como é que ela havia dado a notícia de que estava grávida ao seu pai. Por isso ela esperou. Por isso ela ficou quieta. Por isso ela prendeu a respiração. 
Wendell cerrou os olhos, provavelmente esforçando a memória para tentar preencher a lacuna da lembrança que faltava. Era algo importante, algo grande, e ele sabia. Coçou os fios castanhos com uma mão e tomou outro gole de água, limpando a garganta. 

— E o que era? — sem querer, Hermione perguntou.

Por mais que ela não quisesse criar expectativas, era difícil controlá-las; praticamente impossível.

— A minha idade não permite que eu me lembre de muita coisa... — Wendell sussurrou e sua voz saiu como a de alguém que não estava entendendo muita coisa. — Mas eu acho que ela queria me falar que alguém... Estava grávida. Talvez a irmã dela. — coçando a nuca desajeitadamente, as poucas rugas do homem surgiram, demonstrando que ele não estava completamente convencido daquilo. — Eu lembro que ela levou um par de sapatinhos vermelhos para me mostrar e que...

Parando bruscamente o assunto, o mais velho fechou os olhos ao se apoiar na parede, ainda segurando o copo plástico na mão. Um pouco de água caiu no chão, mas Hermione não prestou atenção naquilo. Os olhos estavam estáticos, presos a expressão do pai que não mudava. Aquilo era um avanço. Oh, Merlin, aquilo era um avanço e tanto!

— E ela disse algo... — parou mais uma vez, sem ter como colocar palavras em uma frase. — Bem, o tempo deve ter alterado a minha recordação. — abrindo os olhos de forma brusca e se afastando da parede em passos rápidos, Wendell olhou para ela, com um sorriso afetado e continuou, voltando ao assunto anterior: — Quando o seu namorado chega?
— Na sexta-feira, doutor. — com as palmas das mãos úmidas e com as pernas a bambear, Hermione piscou os olhos devagar, procurando calma para responder.
— Ele está pensando em vir morar com você?
— Ah... — entreabrindo a boca, Hermione precisou pensar rápido em algo que soasse como uma verdade e que não fosse uma completa mentira para responder: — Nós não sabemos ainda. 
— Ele está trabalhando por lá?
— Sim.
— Eu espero que vocês se acertem. Acho que desde que você começou a trabalhar aqui que eu não a via sorrir dessa forma. Os seus dentes são muito bonitos. Você deve ter cuidado muito bem deles.
— Na verdade, os meus pais é que foram muito atenciosos. — ela arriscou um pouco mais, respirando com dificuldade e engolindo em seco de segundo em segundo. — Os meus dentes eram muito grandes até quando eu completei treze anos. Eram desproporcionais. A minha mãe achava um charme, mas eu não gostava, então o meu pai tratou de ajeitá-los. 
— O dentista que ele a levou fez um bom trabalho. — Wendell tornou a sussurrar e a coçar a nuca, provando que permanecia um tanto quanto zonzo com o que quer que fosse que lhe irritasse a cabeça.
— Sim, ele fez.
— Bem... — depois de um curto período de silêncio, onde o mais velho olhara em todas as direções, menos na de Hermione, ele atirou o copo plástico no lixo e tossiu roucamente, colocando as mãos nos bolsos do jaleco e abrindo um sorriso para o vazio. — Eu tenho que voltar para o meu consultório agora. Eu tenho só mais um paciente para atender hoje, por isso se você quiser ir embora, Hermione, não se preocupe que eu organizo tudo.
— Não precisa se preocupar, doutor.

— Na verdade... — quem falou foi Monica, que acabara de adentrar no hall, já vestida para sair. — Querida, você se importaria de me acompanhar até duas lojas? Nesse final de semana Wendell e eu vamos a uma festa da filha de uma amiga nossa e precisamos comprar um presente, só que eu não sei muito bem o que os jovens de hoje em dia gostam e eu precisava da sua ajuda. — mexendo na bolsa sem parar, à procura de algo que mais tarde Hermione descobriu serem os óculos escuros, Monica falava sem parar: — A não ser que você tenha algo programado para essa noite, porque eu não quero ocupar o seu tempo ou obrigá-la a nada. — vomitando palavras, a mulher encarou o marido e postou um beijo nos lábios dele rapidamente, empurrando-o de forma delicada depois, para fora do hall, e sorrindo abertamente para a garota. — E então, você pode me acompanhar? Eu prometo que não falarei sobre dentes e pacientes.
— Eu adoraria... Mas eu preciso terminar de arquivar algumas coisas e...
— Amanhã nós fazemos isso, que tal? — Monica se aproximou da mesa da garota, apoiando as mãos na mesma e sorrindo mais. — Vamos, Hermione, eu lhe pago um café macchiato para você, com bastante leite, do jeito que você gosta.

Hermione, sem ter motivo, corou, enquanto o seu coração vibrava em êxtase. Além do pequeno surto de seu pai, a sua mãe havia recordado, sem nem ao menos ela ter insistido, a respeito de sua preferência. Era uma bobeira, alegrar-se por saber que Monica sabia qual era o seu café preferido, mas ela tinha a certeza absoluta de que nunca comentara sobre aquilo... E fora um avanço vindo simplesmente dela.

— Assim eu não conseguirei recusar. — abrindo um sorriso do tamanho do universo, a garota ficou de pé, pegando as próprias coisas com pressa e ficando ao lado da mulher.

— Então não recuse. — Monica retribuiu o sorriso, pegando a chave do carro na bolsa e dando alguns passos. — Poderemos até aproveitar esse tempo para conversar sobre o seu namorado. Você vai apresentá-los para nós, não é mesmo?
— É claro que sim. — não conseguindo diminuir o sorriso, a garota terminou: — Eu tenho certeza de que o Ron adorará conhecer vocês.

Xxx

— Você tem certeza que ela gostará disso, Hermione? Não é melhor darmos um livro?
— Da forma que você descreveu a garota, acho que ela preferirá um estojo de maquiagem. — porque, pelo que a sua mãe dissera, a aniversariante era bem semelhante a Lavender Brown, e nada melhor do que mais maquiagem para disfarçar um rosto de plástico. 
— É, você tem razão. É uma pena, porque eu escutei dizer que lançaram, há pouco tempo, um livro que contêm três grandes novelas da Jane Austen e me parecia ser um bom presente.
— Eu adoraria ganhar um desses, porque é um excelente presente! — exasperando-se ao ficar sabendo daquele lançamento, Hermione recompôs-se, olhando para a praia que estava ao seu lado e respirando fundo. — Mas eu acredito que o estojo de maquiagem foi a escolha certa.
— Ainda bem que você aceitou vir comigo, porque se não eu ainda estaria dentro de alguma livraria. — Monica deu uma risada baixa, mais para ela do que para a garota. — Você está precisando comprar alguma coisa? Morar sozinha deve ser complicado... Quer passar no mercado?
— Não se preocupe, doutora...
— Monica. Você pode me chamar de Monica, querida...

O peito de Hermione comprimiu em uma dor desmedida. A frase surtiu o efeito contrário do costumeiro e, ao invés de trazer aquela sensação de intimidade conquistada, acabou por cair como uma bomba em cima da garota, que mordeu os lábios para controlar o choro.
“Pode me chamar de Monica”. De Monica, e não de mãe.

— E o seu namorado? Você teve notícias dele?
— Não, nos falamos apenas ontem, mas acredito que ele... — parou, limpando a garganta, constrangida sem motivo: — Que ele me, hum, ligará amanhã.
— Mas ele chegará na sexta, não é mesmo?
— Eu espero que sim.
— Como assim você espera? Não está tudo certo?
— Ah... — rolando os olhos em um típico ato hermionesco, a garota sorriu um pouco lateralmente, cruzando os braços e respondendo: — Eu não sei se o Ronald conseguirá embarcar em um avião.
— Medo de voar? — a pergunta de Monica fez com que ela risse um pouco, achando tudo aquilo irônico demais para ser verdade. 
— Algo do tipo.

Recordou-se rapidamente do dia em que ela mesma partira para a Austrália. Por mais que a dor da recordação lhe fizesse sentir mal, ainda podia se lembrar com perfeição da preocupação visível donamorado ao ver de perto – pela primeira vez em vida – um avião, ou, como ele carinhosamente apelidara: “essa geringonça trouxa gigantesca que voa”. Ron quase a impedira de verdade de partir para outro continente ao ver um avião qualquer pousar perto de onde eles se encontravam, repetindo incontáveis vezes em como ele não confiava naquele “troço”. 
Ele até mesmo insistiu, dizendo que poderia levá-la de vassoura.
“Ora, francamente, Ronald...”, ela dissera, revirando os olhos como naquele momento, “você acha que um pedaço de madeira é seguro e que um avião não é?”... Ela só sabia que tentara – em vão – apagar a resposta que ele dera de sua cabeça.

— Você deve estar com muita saudade dele.

— Sim, eu sinto muito a falta dele. — Hermione tentou sorrir um pouco, mas a tentativa não passou de um mero levantar de lábios. — Está sendo difícil de acreditar que ele virá passar alguns dias aqui, comigo, porque eu posso lhe garantir que a nossa história, digo, a minha e dele, não é uma das mais fáceis. — embolando-se um pouco por ter a vergonha assumindo o controle de seu fala, a garota abaixou o olhar, lembrando-se que nunca fora boa em falar de sentimentos daquele tipo com a mãe.
— Há quanto tempo vocês estão juntos? — a pergunta fez com que Hermione abrisse a boca e tornasse a fechá-la.

Como ela explicaria para a mãe que nem ela sabia direito? Porque se fosse levar em consideração todo o tempo do ano que se passara, retirando alguns momentos, e acrescentando o que sobrará nos quase dois meses de namoro, ela poderia dizer que juntos, como namorados, há quase um ano. Oh, Merlin, por que nem naquilo o relacionamento deles poderia ser menos complicado?

— Quase um ano. — resolveu falar, sabendo que não era uma mentira, mas que também não era uma verdade completa. 
— E você realmente o ama, não é mesmo?
— Eu sei que... — respirando com dificuldade, Hermione mordeu o lábio inferior, proibindo-se de sorrir como uma tola apaixonada. — Eu sei que pode parecer um tanto quanto ingênuo da minha parte dizer isso, porque eu tenho a consciência de que eu ainda sou muito nova e que ainda tenho muito a viver, mas... Eu amo o Ron de uma forma que me faltam palavras para descrever. Parece que cada dia que eu passo longe dele serve para reforçar isso: o fato de que eu preciso dele perto de mim. — por mais que ela soubesse que não era muito adequado se aprofundar daquela maneira em um assunto com a mais velha, parecia que sua língua havia sido enfeitiçada e que a mesma desejava colocar tudo o que ela ainda não dissera para fora. — E isso me assusta de um tanto.

— Por que lhe assusta, querida?
— Eu sempre fui à garota que pensava com o cérebro, somente, e não com o coração, mas quando eu me tornei amiga dele e de Harry, eu comecei a... Mudar. Se bem que com o Harry tudo sempre foi mais fácil, porque sempre pareceu que existe uma conexão entre nós dois que é semelhante à de dois irmãos. Já com o Ron... — deu um sorriso grande, com as lembranças assaltando-lhe a mente. — Sempre fomos como gato e rato. Nos primeiros anos de amizade, eu não conseguia entender como alguém poderia ter a sensibilidade de uma colher de chá como ele possuía, mas depois eu fui perceber que eu estava enganada. Eu, a quem todos chamavam de a garota que sabe tudo, estava errada por conta do Ron. Quando eu percebi que o coração dele era gigantesco e que ele era dono de um monte de sentimentos, só não sabia como demonstrá-los da maneira correta, eu passei a odiar a forma como eu comecei a olhá-lo de uma maneira diferente... — fez uma pausa, olhando para uma direção qualquer. —Eu tinha quatorze anos e não é normal uma garota dessa idade se sentir como eu me senti em relação a ele. Uma paixão precisa ser sadia e moderada, e tudo o que nos envolvia era doentio e descontrolado. Passávamos mais tempo brigados do que deveríamos, e ao invés de me afastar para tentar voltar a possuir um resquício de sanidade, eu acabava me aproximando mais, e mais, e mais... Sempre foi impossível, para mim, ficar longe dele e de Harry, mas com o Ron eu sempre tive a estranha necessidade de ficar junto. Eu não sei se é porque ele é... — voltou a parar, dando um sorriso encabulado e pequenino, para depois prosseguir com a voz mais baixa: — Eu não sei se é porque ele é o que eu posso chamar de minha felicidade, mas... Viver sem ele é a mesma coisa do que não viver... E é por isso que esse amor me assusta. Por eu não saber controlá-lo.

Um grande choque perpassou o corpo da garota quando sentiu as mãos sendo tomadas pelas de Monica, sobre a mesa, em um aperto acolhedor, que poderia ser uma atitude tomada por uma grande amiga. Depois de ter dito uma pequena parcela do que deveria ser dito, receber uma demonstração de afeto e compreensão daquela forma acabou por surgir com o mesmo efeito de um balde de água gelada. Entreabrindo a boca, sem nada mais a dizer, fechou-a logo, forçando-se a ficar muda. 

— O amor não se controla, querida, e sim, se sente. — Monica falou docemente, de uma forma meiga que chegou a cutucar o estômago de Hermione, fazendo-a se abalar não só pela intensidade das palavras, como também pelo entrelaçar de mãos e por se recordar de quem elas falavam. — Você se assustará todos os dias de sua vida por se sentir dessa forma. Você perceberá uma hora ou outra que não adiantará erguer barreiras ou recuar, pois esse amor que você sente por ele é o do tipo mais puro e verdadeiro. É aquele que destrói e concerta, dói e cura, magoa e faz feliz... — dando um sorriso receptivo, a mulher suspirou baixo, olhando nos olhos da garota com tamanha intensidade que chegava a assustar. — Você não o ama como uma garota ama um garoto, mas sim como uma mulher ama um homem, por isso não se repreenda, muito menos tente apaziguar a força dos seus sentimentos, pois você nunca será jovem demais para amar dessa forma, e sim sortuda por ter alguém para amar assim.

Amar assim.Amar assim.
Com todo o seu ser, com toda a sua força, com toda a sua vontade, com todo o seu desejo, com toda a sua carência, com toda a sua plenitude, com toda a sua vida.
Amar justamente e excepcionalmente assim.
Sim, Hermione tinha sorte de ter alguém como Ron para amar... E para ser amada.


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