Remember escrita por juvsandrade


Capítulo 3
III




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Ela chegou um pouco tarde, no apartamento. Não tarde tarde, mas um pouco mais do que o comum. Parecia que naquele dia, tudo o que havia de errado para acontecer, acontecera. Com o costume de passar na banca de jornais e em uma padaria antes de regressar ao seu pseudo-lar, Hermione conseguia se distrair um pouco com um jornal ou revista trouxa e alguns quitutes com uma quantidade razoável de açúcar por alguns minutos da noite que se seguiria. Seria solitária, ela sabia, mas a leitura era a sua amiga mais antiga, e comer... Bem, ela obtivera algumas manias dos Weasley’s ao longo dos anos. Porém, naquele dia, além da ventania que surgira do nada e da banca estar relativamente cheia, os doces que ela tanto adorava estavam em falta e a outra leva demoraria quase quarenta e cinco minutos para ficar no ponto, e como ela era tradicional, sentou e esperou. Era daquela forma que a quase uma hora e meia de atraso poderia ser explicada... Mas não que ela soubesse queprecisaria explicar para alguém o porque da demora, já que ela não sabia que Ronald Weasley (ou melhor, o rosto dele) apareceria, naquele dia, no carvão usado da lareira – que, magicamente, acendera-se nos primeiros crepitares. 
Hermione quase atirara um feitiço contra a lareira que até então ela nunca usara quando chegara em casa e a vira acesa. Por que, Merlin, ela faria fogo sendo que do lado de fora a situação chegava a uns 30º? Ela nem ao menos sabia o motivo de existir uma lareira ali. Claro que Ronald sabia da existência da mesma apenas pelo fato dela ter descrito cada cômodo do pequeno apartamento com detalhes vivos, citando desde a coloração do papel de parede até o tecido das cortinas (ela precisava se ocupar com alguma coisa), e em alguma linha da carta ela deveria ter mencionado a existência daquele objeto.
Todavia ela nunca, nunca, nunca pensaria que um dia veria a cabeça de Ronald ali, por isso ela gritou. E bem alto.

— Ron? — ela perguntou, com uma mão bem em cima do coração que batia acelerado e com os olhos arregalados.

Mas nem por isso ela deixou de se aproximar rapidamente da lareira, para ter certeza de que não enlouquecera (de saudades) e que havia mesmo escutado a voz dele.

— Eu pensei que você chegava as seis, do trabalho. — por mais que não desse para se expressar muito bem graças as chamas dançantes do fogo, Hermione pode notar uma leve irritação contida na voz dele, e nem por isso deixou de sorrir.
— Jornal e comida. — erguendo as mãos para mostrar a sacola e o embolado de papel, ela se ajoelhou na borda, bem próxima da lareira, encarando-o fixamente e vendo como ele sorria, finalmente.

Aquele sorriso tão bonito, mesmo distorcido, que ela sentia tanta falta.

— Como você... — parou, tentando elaborar uma pergunta. Mas era tão difícil pensar, quando a única coisa em que ela gostaria de fazer era derramar um par de lágrimas por estar vendo-o parcialmente ali. — Como você conseguiu... Quer dizer, é necessário da autorização do Ministério para isso, não é mesmo?
— Hermione... — parou de falar, ao escutar um suspiro suave saltando da boca dela e sorriu um pouco mais. — O Ministério nos ama, você se esqueceu?

O que em um mês ninguém conseguiu, Ron conseguiu em menos de cinco minutos. A garota pendeu a cabeça para frente e deu uma risada – um tanto quanto enferrujada, porque ela não se lembrava muito bem de como era rir de verdade —, voltando a mirá-lo nos olhos no segundo seguinte, com medo de que ele desaparecesse.

— Você está aqui há muito tempo? Se eu soubesse, teria vindo direto para casa!
— Eu também não sabia que daria certo... Eu falei com o Moonstrey, o cara que cuida da parte de transporte e comunicação, há uma semana, e ele me avisou hoje de tarde que daria para fazer isso ainda hoje... Ou se não, só daqui três semanas, então...

— Eu não acredito que eu estou conversando com você! — com a pronuncia daquela frase, ela quase se permitiu chorar. Precisou prensar um pouco os olhos úmidos para capturar as lágrimas. — Ron, eu sinto tanto a sua falta... 
— Eu também estou sentindo a sua falta, Hermione, foi por isso que eu precisava fazer isso. Você nem imagina o quanto é desconfortável ter a sua cabeça pegando fogo, de certa forma, mas eu queria ver você...

Sem ter o que falar, sem conseguir mais tardar as lágrimas inevitáveis, ela somente conseguiu mover os lábios para cima, em um daqueles sorrisos quentes de Hermione que era capaz de fazê-lo queimar mais e mais, mesmo que já estivesse em chamas.
Hermione o tirava de órbita.

— Você tem comido direito? — a pergunta dele fez com que ela risse abafadamente. Provavelmente a Sra. Weasley o mandara questioná-la, como era bem típico dela fazer.
— O suficiente. Eu não tenho muita paciência para cozinhar, por isso acabo comprando a minha comida. Fale para a sua mãe que eu estou morrendo de saudades da comida caseira dela, e que quando eu voltar, vou repetir diversas vezes os pratos dela.
— Mamãe ficara feliz em saber disso. — Ron sorriu também, piscando os olhos bem divagar. — E como você está? ‘Tá tudo certo, ai na Austrália?
— Você não acreditaria se eu lhe contasse como aqui é quente, Ron.
— Bem, eu tenho uma noção sobre calor agora. — referindo-se ao fogo, o garoto resmungou, rindo um pouco em seguida ao escutá-la rir mais uma vez.
— Essa última semana tem sido assustadoramente quente. Faz Sol das cinco da manhã até as sete da noite e até agora eu não me acostumei com isso.
— Eu sei que é meio egoísta da minha parte, mas eu fico um pouco feliz em ver que você não está se acostumando completamente com as coisas ai da Austrália. Faz com que eu tenha uma certa segurança.
— Segurança de que? — visivelmente curiosa, ela perguntou, arqueando as sobrancelhas.
— De que você vai voltar.

Naquele instante, como nunca, Hermione quis estar diante dele para poder tentar lhe dizer o quanto ela era perdidamente apaixonada por ele. Por mais que ela acreditasse que ele já soubesse, por mais que ela já tivesse dito e feito várias coisas para comprovar, por mais que fosse óbvio, ela ainda não dissera. Não em voz alta. Não para ele escutar. E ninguém a não ser ela sabia o quanto era quase impossível controlar aquelas palavras e sentimentos quando era tudo o que se precisava ser dito.
Mas não daquela forma.

“Eu sei que você poderia e merecia ter mais do que um legume insensível... Mas eu acredito que não existe alguém... Alguém que a ame como eu a amo...”

Antes que ela conseguisse lhe responder, a cena do dia em que ele havia lhe dito pela primeira vez – e a única, até então – que a amava apareceu como um lapso em sua cabeça. Com as bochechas coradas e com o ritmo de seu coração, ela não respondeu por um tempo indeterminado, com os olhos ainda arregalados diante da surpresa.

“Eu amo você e por favor, desculpe-me por ter demorado tanto a perceber, a lhe contar... Você está me escutando, Hermione? Eu amo você...”

— Eu voltarei logo, Ron... — a voz dela saiu como um pio, rouca e vibrante, pela saudade e pela emoção. — Você deveria saber como ninguém que eu vou voltar...

Eram tantas palavra de amor sendo ditas sem ao menos usarem a frase: “eu amo você”. Era como se Ron dissesse: “De que você vai voltar para mim” e era como se Hermione respondesse: “Eu voltarei logopara você, Ron”. 
Ele sorriu dócil e continuou a encarar a garota, que devolveu o olhar na mesma intensidade. Era assim sempre que se encontravam. As palavras eram poucas. Não eram necessárias. Não para eles.

— E os seus pais? Estão bem?
— Sim, eles estão ótimos. — murchando um pouco, ela abaixou os olhos e fechou os olhos rapidamente, lembrando-se como doía tocar naquele assunto, mas como ela gostava de compartilhá-lo com alguém. — As recordações estão vindo aos poucos, mas pelo menos estão vindo. Parece que a minha mãe está facilitando o processo, mas eu acho que é porque eu passo mais tempo com ela...
— E você acha que ainda vai demorar...? Digo, para você conseguir realizar o contra-feitiço?
— Eu ainda acho que é cedo. Eles se lembram apenas de coisas mais bobas, que não me envolviam muito, então... Eu ainda não sei. — com vergonha de confessar aquilo, Hermione abaixou a cabeça, olhando para um ponto qualquer no chão e tendo as bochechas a avermelhar. — Na verdade eu não ando sabendo de muita coisa. Eu estou me sentindo perdida aqui. Tem dias que eu acredito que eles estão bem, sem mim, e que seria muito cruel da minha parte alterar a memória deles mais uma vez e tirá-los da vida que eles construíram e estão gostando mais uma vez. Sinto-me tão... 

Hermione não queria compartilhar o motivo da sua perturbação. Não era algo de que se orgulhasse. Fazia com que se sentisse constrangida e com que fingisse que estava tudo bem, sorrindo e conversando, porque não tinha coragem de falhar. E simplesmente não tinha coragem. E só.

— Hermione... — com a voz ligeiramente mais grossa do que o normal, Ron a chamou em um pedido mudo para ela regressar a encará-lo, com os olhos avermelhados contra o fogo. — Eles são os seuspais. Eles querem saber quem você é, eu tenho certeza disso, e você está fazendo o certo, de estar ai com eles e por eles... Você não precisa de certezas agora, e sim de se lembrar que eles amam a filha que tem e se apegar nisso. Eu tenho certeza de que você vai conseguir, porque não há nada que você não consiga, e se você não está acreditando em você mesma, lembre-se que eu estou. Sempre.

A maneira gentil como ele a tratava fez com que o coração dela se aquecesse. E borbulhasse. E de repente novas lágrimas vieram à tona, a confusão, a frustração e o aborrecimento, unidos à carência e à necessidade de saber que ainda havia alguém – ainda que no fundo soubesse que havia muitos, muitos alguéns – que estava ali, esperando toda aquela fase horrível em que ela vivia há um bom tempo passar... 

— Ah, e Hermione... — depois de toda aquela segurança que ele aparentava, nas frases anteriores, parecia que a voz dele morria aos poucos, deixando um espaço vago que logo foi tomado pela vergonha. Curiosa pela mudança drástica, a garota entreabriu os lábios, pronta a perguntar o que se passara, mas deixou-o criar coragem para lhe falar: — Eu estava pensando se você... Hum... — limpando a garganta, Ron se forçou a continuar: — Se você... Bem... O que eu quero dizer é que o meu treinamento para auror começará daqui duas semanas, e a loja do Jorge reabrirá mais ou menos por ai e... — esperando que ela deduzisse sozinha – coisa que não ocorreu – ele soltou um suspiro alto, que se embaralhou com um pouco de carvão e soou como uma tosse. Já que não havia alternativa, ele teve que terminar: — Se você concordar, eu poderia... Passar... Um ou dois dias... Ai com você.

Como Hermione não disse nada e continuou o encarando com a boca entreaberta, ele se exasperou. Talvez tivesse sido precipitado demais ao realizar aquele convite, contudo Ron não suportava mais aquela distância e precisava – necessitava com urgência – de vê-la ao mesmo tempo em que poderia tocá-la.
A lareira lhe era útil, mas ainda sim...

— Mas... É claro que se for atrapalhar... Com os seus pais... Eu já conversei com os meus e... Se bem que você está ai para... Ah... Esqueça.
— Você já conversou com os seus pais?

Agarrado na idéia de que ela estava considerando a proposta, Ron sorriu um pouco mais calmo – se bem que o sorriso permanecia duro – e concordou com a cabeça, desviando de um pedaço de lenha ao fazer aquele gesto.

— Minha mãe até agora não entendeu o porquê de você ter ido sozinha e o meu pai até mesmo disse que iria tentar se informar mais sobre viaões.
— Aviões, Ron. — com os lábios trêmulos, ela o corrigiu, sem esbanjar expressão que fosse. — E não atrapalharia em nada? 
— É como eu disse, o treino e a loja só vão precisar de mim daqui duas semanas.
— Harry e Gina...?
— Harry está se mantendo ocupado com a limpeza do Largo Grimmauld e a Gina está o ajudando e ajudando aqui em casa.
— Então não teria nenhum problema?
— Nenhum, a não ser que você ache que atrapalhará na recuperação da memória dos seus pais...
— Ron... — Hermione sussurrou e aquele sussurro ecoou com uma doce melodia por todo o cômodo. 

Quando que Hermione Granger um dia pensaria que estaria perdidamente ainda mais apaixonada por Ronald Weasley? Se ela fosse obrigada a levar em conta o começo da história deles, acabaria percebendo que não havia muitas chances deles chegarem a onde estavam. Em um patamar onde a necessidade da presença e convivência era mútua. Antes eles mal suportavam permanecer debaixo do mesmo teto por minutos sem quase se aniquilarem com palavras, e, para ela, aquele tempo parecia distante como nunca.
Ela o amava. E tanto. E se ela se sentia perdida, tudo o que ela precisava para se encontrar era de Ron ali. Perto dela.

— Dois dias é muito pouco. Tente vir para passar pelo menos uma semana, por favor...

A conclusão é que não importava como tinha começado. Estavam presos, envolvidos, e eles não queriam voltar atrás.


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