Remember escrita por juvsandrade


Capítulo 1
I


Notas iniciais do capítulo

Vamos continuar... :)



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LEONTES — Emudeceu minha rainha, acaso? Dizei alguma coisa.
HERMIONE — Tencionava, senhor, ficar calada até que houvésseis dele arrancado o juramento explícito de que não ficará. Tentais vencê-lo com frieza excessiva. Declarai-lhe que tendes a certeza de que tudo na Boêmia está bem, como o proclamam as novas recebidas ontem mesmo. Falai-lhe assim, porque dessa maneira o batereis, no seu melhor reduto.
LEONTES — Muito bem dito, Hermione.
HERMIONE — Se acaso tivesse dito que quer ver o filho, fora razão de peso. Ele que o jure; depois deixa-o partir. Ele que o jure, que aqui não ficará, pois haveremos de tocá-lo com nossas próprias rocas. (A Políxenes.) Ora a pedir me atrevo uma semana de vossa real presença. Ao visitar-vos na Boêmia meu senhor, dar-lhe-ei licença para ficar um mês além do prazo marcado para a volta, embora, Leontes, não te ame menos uma pancadinha de relógio do que qualquer esposa que acate seu marido. Resolvestes ficar?
POLÍXENES — Senhora, não.
HERMIONE — Sim, ficareis.
POLÍXENES — Em verdade, é impossível.
HERMIONE — Em verdade? Escusais-vos com juras muito fracas. Mas embora com vossos juramentos das esferas os astros arrancásseis, eu vos diria: ”Não, senhor, é inútil falardes em partir.” De forma alguma. Esse “de forma alguma” pronunciado por uma dama é tão potente como se dito por um rei. Não resolvestes ainda? Então, forçada sou a deter-vos como meu prisioneiro, não como hóspede. Pagareis, desse modo, ao vos partirdes, vossa estada entre nós sem esbanjardes os agradecimentos. Que dizeis? Hóspede ou prisioneiro? Pelo vosso terrível “em verdade” é inevitável: tereis de ser um ou outro.
POLÍXENES — Então, vosso hóspede, senhora, pois ser vosso prisioneiro, para mim fora ofensa mais difícil de cometer, que para vós puni-la.

HERMIONE — Não serei carcereira, então, mas vossa hospedeira bondosa. Vamos; quero dirigir-vos perguntas sobre todas as peraltices que com meu marido fizestes quando crianças. Ambos éreis, de certo, nobrezinhos mui galantes.
POLÍXENES — Pois não, formosa soberana, moços que criam sempre ter diante de si dias em tudo iguais e que haveriam de ser sempre rapazes.
HERMIONE — Meu mando, decerto, era, dos dois, o mais terrível.
POLÍXENES — Éramos como dois cordeiros gêmeos que um para o outro balavam, saltitantes ao sol, de tão contentes. Permutávamos nossa inocência apenas, inocência. A doutrina do mal desconhecendo, nem sequer conceber então podíamos que alguém a conhecesse. Se tivéssemos continuado a viver dessa maneira, sem que nossos espíritos ingênuos, pelo sangue levados, se exaltassem, com ousadia ao céu nos fora lícito responder: “Não culpados”, excetuando-se nossa herança mortal.
HERMIONE — De onde concluímos que tropeçastes, desde então, por vezes.
POLÍXENES — Ó mui prezada dama! Desde essa época temos sido tentados, pois naqueles dias implumes, minha atual esposa ainda era bem menina, e não havia também vossa preciosa formosura caído sob as vistas do meu jovem camarada de jogo.
HERMIONE — Deus nos guarde! Não tireis conclusões, que poderíeis chamar-me e a vossa esposa de demônios. Mas prossegui sem medo; respondemos pelos pecados que por nossa causa cometestes então, caso conosco, só, tivésseis pecado e só conosco persistísseis nesse erro, sem que houvésseis tido amores com outra até ao presente.
LEONTES — Convenceste-o?
HERMIONE — Não partirá, senhor.
LEONTES — Recusou-se a ficar a meu pedido. Hermione querida, nunca a ponto falaste como agora.
HERMIONE — Nunca?
LEONTES — Nunca, tirante uma só vez.

HERMIONE — É, então, verdade? Falei bem duas vezes? E a primeira, quando foi? Por obséquio, dize logo. Enche-me de elogios e me deixa tão gorda como as aves bem tratadas. A boa ação que morre sem encômios, mata milhares que esperavam isso. Nossa paga é o elogio. Por mil milhas com um beijo terno podereis levar-nos, sem que nos faça um passo andar a espora. Mas voltemos ao ponto de partida. Minha última ação boa foi pedir-lhe que ficasse. E a primeira? Se interpreto corretamente o que dizeis, aquela teve uma irmã mais velha. Oh! se seu nome fosse Graça! É, então, certo? Uma vez, antes, eu falei com propósito. Mas, quando? Oh! Permiti que o saiba! Estou ansiosa.
LEONTES — Ora, foi quando três azedas luas mui demoradamente se finaram, antes de eu conseguir que essa mão branca se abrisse e confirmasse o teu afeto, depois do que, em resposta, me disseste: “Sou vossa para sempre”.
HERMIONE — Sim, foi graça. Falei bem duas vezes, não é certo? Uma, para alcançar o real esposo; outra, a fim de reter um pouco o amigo. (Estende a mão a Políxenes.)

Depois daqueles dizeres escritos com letras já ofuscadas pelo tempo, o livro Conto de Inverno, deShakespeare, foi fechado com cuidado e deixado para descanso sobre o colo da garota, esparramada pela cama. 
Já deveria ser tarde – bem tarde -, todavia, o seu problema com a insônia estava começando a lhe ser familiar. A verdade é que ela causava a própria insônia, pois dormir lhe assustava. O simples fechar de olhos lhe trazia a tona um punhado de recordações desagradáveis, de corpos caídos e esparramados a uma risada feminina cortante e dissimulada. Por isso ela escolhera não dormir. Fora uma opção.
Batendo alguns dedos contra a capa do velho livro, Hermione deixou os mesmos abrirem o exemplar mais uma vez. Sua visão cansada insistia que precisava repousar por alguns mínimos segundos, ao menos, antes de ser cobrada outra vez, todavia, sabia que não seria atendida.

Folheando as páginas, deixando os olhos vermelhos se embaralharem junto com as palavras que passavam rapidamente, os dedos pararam bruscamente em uma das primeiras páginas, onde havia um rabisco escrito a caneta no centro do pedaço de papel.
Hermione precisou respirar devagar para impedir-se de desfazer em lágrimas.
Como ela havia se esquecido?

Minha querida Hermione,
Obrigada por escutar o seu velho pai contando essa mesma história inúmeras vezes em noites de Inverno. Saiba que esse livro é o meu favorito, pois toda vez que o leio, lembro que eu tenho a minha própria bela rainha Hermione, doce e inteligente, perto de mim.

Com muito amor,
Do seu pai.”

A dedicatória datava o inverno de 1989, outro Inverno em que ela passara as noites ao lado dos pais, enquanto a mãe folheava algum conto de Jane Auten e o pai lhe sussurrava na poltrona confortável que lhe pertencia, aquela mesma história de todas as estações geladas. A lareira crepitava, os dedos de seu pai se perdiam entre os cachos dela e a sua mãe sempre levantava, no meio da leitura, para preparar um chocolate quente para a filha. E agora... Ela estava na Austrália e esperava não passar o inverno de 1998 por ali, pois já estava no final de junho e a sua cabeça já estava arquitetando algunsplanos para os meses seguintes... Por isso... Hermione suspirou, fechando o livro de vez e colocando-o sobre o criado-mudo. Por isso ela precisava tentar apressar o processo do contra-feitiço de memória de seus pais.

Cobriu os pés com o lençol, tateando o móvel a procura de um relógio para se informar a respeito das horas, mas pelo que ela podia ver devido à janela entreaberta, o dia amanheceria em alguns minutos contados. A mescla de cores bonita começava com um roxo e azul escuro, e como ela bem sabia, logo viraria um vermelho vivo, como se o céu estivesse a ponto de pegar fogo, e naquele novoamanhecer, tudo o que Hermione conseguia pensar era nos cabelos cor-de-fogo de Ronald Weasley.
E nada mais.
Aquela era a única forma dela conseguir adormecer por três horas, antes de despertar para uma rotina que ela já se acostumara. Pensar em Ronald era como vestir uma armadura e se sentir envolta em proteção. Pensar nele... Era esvaziar a cabeça de todas as outras lembranças ruins, que gostavam de lhe tragar as energias, e se focalizar somente em um sorriso sardento lhe concedido durante uma manhã quente passada no lago da Toca. Pensar nele era tentar se lembrar de cada sarda naquele rosto bonito, de cada sorriso jogado para ela através do ar e de cada vez que aqueles olhos azuis lhe invadiam a alma, com o anseio de retirar cada grão de sofrimento que ela ainda possuísse.
Pensar nele era sentir-se bem.
Hermione não dormia durante a noite não só por medo, mas também pela expectativa de ver o Sol nascer e vislumbrar, em seu auge da alucinação por conta da sonolência, o seu Ronald abrindo aquele sorriso que ela tanto gostava entre os primeiros raios da manhã.


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