Remendo escrita por juvsandrade


Capítulo 20
Medo


Notas iniciais do capítulo

Lifehouse, Everything, POR FAVOR!



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Deveria ser a décima sétima vez que os olhos agoniados de Hermione procuravam o relógio preso na parede, perto da portas-retratos com fotos da família. Os ponteiros vacilavam a todo o momento, como se quisessem indicar que não se adiantariam somente para agradá-la. O tempo seguiria conforme o planejado, sem se modificar e apressar.
Hermione só queria que Ronald chegasse em casa.
Ele avisara (bem) mais cedo de que se atrasaria, naquela noite em especial, por conta de alguns acontecimentos que necessitavam da participação de aurores de alto calão. A carta que continha palavras amorosas e que eram ditas com a intenção de acalmá-la jazia sobre a mesa de cetro, perto da lareira que crepitava um fogo baixo que não conseguia aquecê-la. Gina também recebera uma carta de aviso de Harry, o que significava que a situação era pior do que o esperado. Raramente Harry e Ron trabalhavam no mesmo caso. Muito raramente.
O que mais lhe afligia era não saber do que se tratava. Pouco sabia do caso, porque Ron não lhe dava muitos detalhes dos contratempos graves de seu trabalho, para tentar não deixá-la inquieta, coisa que, obviamente, não ocorria com sucesso. Os dedos finos com as unhas roídas batucavam a madeira crua da mesa e o sofá parecia o local mais desconfortável do universo, diversas as vezes que o corpo miúdo de Hermione se mexia, procurando arranjar uma posição que não lhe doesse todos os músculos; não conseguiu, de toda forma.

O pensamento, sem querer, voou até a casa de Jorge, onde Hugo e Rose, naquela hora, deveriam estar dormindo depois de um dia divertido com o tio e os primos. Ao menos os seus filhos ali não estavam para encontrá-la nervosa daquela forma, nem para se preocuparem ao lado dela. Rose provavelmente se perderia em lágrimas até achar a cabeleira ruiva do pai no meio do fogo da lareira e Hermione não conseguiria ajudá-la a controlar o choro, pois provavelmente deixaria um par de gotículas salgadas grossas caírem para fazerem companhia as da filha.
Afundou-se ainda mais na coberta e afofou o travesseiro pela vigésima nona vez, mudando-o de posição e bufando ao ver que nada adiantaria. Enfiou as mãos nos cabelos escassos (há pouco tempo ela cortara as madeixas na altura dos ombros, para varias um pouco) e tentou prendê-los. Não conseguiu. Passou a mover o pé direito contra o chão, causando um barulho irritante que a enervou ainda mais. Parou. Levou uma mão a boca, mas não existiam outras unhas para serem roídas. Bufou. Fechou os olhos para tentar cochilar. Abriu-os em seguida ao escutar um barulho do lado de fora. Deveria ser um carro passando na rua, ou um vizinho sem sono. Cogitou na ideia de ler um livro. Desistiu logo em seguida, ao ter a certeza de que não conseguiria se concentrar. Enfim deixou o corpo exausto naufragar entre as almofadas e os soluços pairarem pelo ar...

Onde é que o seu marido estava?

O relógio anunciava três e meia da madrugada e a cada piscar de olhos a angústia palpitava cada vez mais forte em seu peito. Abraçou as pernas, encolhendo-se no próprio refúgio improvisado, e deixou a cabeça pender sobre os joelhos, cansada.
Não dormiu e nem ao menos se moveu por mais de uma hora. O contorno de seu corpo aos poucos era moldado ao da mobília e, quando se levantou ao notar algumas flamas diferentes vindas da fogueira, o corpo doeu por inteiro. E ela não se importou. Aproximou-se mais do fogaréu quando viu,enfim, o corpo de seu marido dali sair – de certa forma, intacto. Quis sucumbir ao alívio e deslizar em direção ao chão, sem mais forças para suportar o peso de seu próprio corpo, todavia, arremessou-se nos braços de Ron, envolvendo-o com vigor e liberando as lágrimas que há muito queriam cair. Sentiu-se tragada pelos braços dele, que lhe apertaram com um desespero evidente e não afrouxaram por muitos minutos. Havia algo realmente errado, Hermione notou assim que o viu encurvar o corpo para abraçá-la um pouco mais abaixo e repousar o rosto na curvatura de seu pescoço, roçando assim o nariz contra os seus cabelos e permitindo que a respiração se debatesse contra a sua nuca. Ron tremia e cheirava a sangue...
Merlin... O que acontecera?

Find me here and speak to me
Me encontre aqui e fale comigo
I want to feel you, I need to hear you
Eu quero te sentir, eu preciso te ouvir
You are the light that's leading me to the place
Você é a luz que está me guiando para o lugar
Where I'll find peace... Again
onde encontrarei paz... Novamente

Tentou dizer algo. Até mesmo abriu a boca para com indícios de que o faria... Contudo, retesou as palavras na ponta de sua língua e apenas o envolveu com mais intensidade no abraço, dando passagem para o que ele quisesse fazer e escutando-o soluçar. Um som alto, agudo, entrecortado... Que soou como um grito contido para os ouvidos de Hermione, que, sem saber o que fazer, acariciou-lhe os cabelos com todos os dedos e lhe beijou em cada centímetro de pele que encontrava.

Segurando os fios vermelhos, levou a face de Ron para trás de modo que ela pudesse achar, finalmente, o olhar ferido e assustado de seu marido. Um olhar de criança apavorada, que temia por muito e pouco dizia, e que, na primeira oportunidade, cederia ao medo que a encurralava. E,Inferno, Hermione não sabia o que fazer! Parecia que regressava no tempo ao vê-lo tão debilitado. A fragilidade das orbes azuis explicitava que o estado em que ele se encontrava chegava a ponto de ser preocupante. Tremendo igual a ele, fez com que uma mão subisse ao encontro do rosto rígido e outra descesse para procurar as feridas físicas. Localizou alguns buracos no tecido da blusa, assim como seus dedos notaram certas elevações em torno do perímetro do torso de Ron, alertando uma quantidade preocupante de ferimentos, envoltos em sangue seco. Abaixou a mirada para conferir se não havia algo mais grave no corpo de Ron, retirando-lhe a capa do corpo envergado e subindo-lhe a blusa. Aprisionou as lágrimas quando o vermelho, não só do sangue, mas como também da pele magoada, ficou perceptível. Tocou-lhe superficialmente cada pedaço de derme e escutou-o, outra vez, sufocar os soluços.
O cheiro de ferrugem tomou conta do ar abafado. As lágrimas se amontoaram nas beiradas dos olhos de Hermione. Ron pediu por mais um abraço, que não lhe foi negado... E o aroma nauseante de sangue não deixava, um segundo sequer, de se impregnar em ambos os corpos.

— Ron... — Hermione lhe estendeu uma mão e sentiu como os dedos eram envolvidos entre os dele no mesmo minuto. — Venha comigo... Venha e se apóie em mim...

You are the strength
Você é a força
That keeps me walking
que me faz andar
You are the hope
Você é a esperança
That keeps me trusting
que me faz confiar

A água escorria pelas torneiras, ocupando a banheira do banheiro repleto de fumaça. O espelho, embaçado, mal reproduzia os reflexos por suas poucas frestas visíveis. Hermione, de relance, não conseguiu enxergar a própria feição quando se procurou através do vidro, não podendo, assim, notar o seu estado de exasperação. Sem se preocupar consigo mesma, tornou a abaixar, ajoelhando-se ao chão para limpar em um recipiente fundo e repleto com água a toalha ensangüentada que segurava entre os dedos bambos. Quando o sangue tombou do pedaço de pano até a bacia, isentou-se de qualquer sujidade e regressou a pele das costas de Ron, oscilando para cima e para baixo, com amabilidade. Um gemido – que Hermione não soube se foi de dor ou alívio – fugiu ao controle de seu marido, repercutindo transversalmente pelas quatro paredes.
O vapor adquiriu mais intensidade.
Cuidadosa, limpou-lhe as feridas uma por uma, postando logo após um beijo terno sobre a carne machucada, com a esperança de que o sutil gesto servisse para algo; para, por exemplo, reduzir a amargura que Ron levava com ele nos olhos azuis – cinzas, no momento. Quanto terminou, levantou-se e colheu as roupas dele no canto em que ela mesma jogara, dobrando-as de forma rápida, retirando-as do quarto e pensando em como se livraria delas (consertar não era viável). Um pouco de vapor conseguiu se safar quando Hermione abriu a porta do banheiro, todavia, a grande maioria seguiu preso ao cômodo, envolvendo ambos os corpos como uma camada de lã em pleno verão. Estava quente e o calor se debatia agressivamente contra o corpo esmigalhado e contra o corpo perturbado, de forma que esses se retraiam, sem saber pelo que esperar.

You are the life
Você é a vida
To my soul
pra minha alma
You are my purpose
Você é meu propósito
You're everything
Você é tudo

— Ron... — Hermione se abaixou novamente, pousando as mãos delicadamente sobre as dele, que seguravam os próprios joelhos. — O seu banho está pronto. — murmurou, tendo os olhos dele presos aos seus e se empenhando ainda mais para conter toda aquela dor sem reservas. — Venha, deixe-me ajudá-lo...

Por mais que Ron tivesse conseguido ficar em pé sem a ajuda da esposa, não conseguiria se manter estável, daquela forma, por muito tempo. O corpo todo reclamava, querendo e pedindo para ele deixá-lo se abater e despencar de encontro ao piso... Todavia, as mãozinhas de Hermione - aquelas mãozinhas tão pequenininhas e tão menores que as dele - não demonstravam relutância. Seguravam-no com firmeza, como podia, e lhe ajudavam a atravessar o banheiro, com passos vagarosos, até chegarem ao destino. Sentando na beirada da banheira, Ron tomou a consciência de que Hermione retirava todo o resto que ainda não havia retirado de seu corpo. A roupa intima e o relógio de pulso que fora um presente dela... Deixou-o trajando apenas a nudez e a aliança para depois pentear, com suavidade, o cabelo afogueado com os dedos, empurrando os fios para trás e beijando-o, quase a todo segundo, na beirada da testa ou ao redor dos olhos cansados. O suspiro independente que saiu pela boa dele mostrava que a fadiga diminuía aos poucos; o coração de Hermione palpitou mais forte... Mais seguro.

And how can I stand here with you
E como eu poderia ficar aqui com você
And not be moved by you?
e não me comover com você?
Would you tell me how could it be any better than this?
Me diga, como isso poderia ficar melhor?

— Vou deixá-lo se banhar. — anunciou, ainda com as mãos posicionadas entre os fios rubros. — E, enquanto isso, descerei para preparar algo para você comer... — beijou-o mais uma vez entre algumas pequenas sardas e se virou, tencionando sair...

... Mas Ronald não a deixou ir.

Entrou na banheira, tendo a ardência se espalhando pelo corpo inteiro e os músculos se contraindo contra aquela sensação desagradável. Porém, em momento algum, deixou Hermione partir, porque eleprecisava dela ali.
Olhou-a novamente... Olhos nos olhos.
Hermione entendeu, porque ela sempre entendia, fosse com palavras ou com o silêncio do olhar. Hermione entendeu... E não retirou uma peça sequer do corpo, apenas as pantufas que levava nos pés, para então pedir sem se pronunciar para ele chegar um pouco mais para frente, deixando-a se acomodar atrás do corpo injuriado, transformando-se assim em um apoio para ele. Atravessou as mãos por debaixo dos braços dele, sentindo-o amolecer quando lhe tocou suavemente no torso e permitindo que a cabeça dele relaxasse entre um de seus seios e ombros. Trouxe-o mais para si, colocou uma perna de cada lado do corpo dele e conseguiu pô-lo a jeito.
Um novo suspiro se mesclou com o vapor e foi à vez de Ron entender...
... Entender o porquê de Hermione ser absurdamente essencial para a sua existência.

You calm the storms
Você acalma as tempestades
And you give me rest
E você me dá repouso
You hold me in your hands
Você me segura em suas mãos
You won't let me fall
Você não vai me deixar cair

Ron terminou de beber sua segunda xícara de chá daquela madrugada. O estranho era que ele sempre havia detestado aquela bebida, porém, naquele minuto o gosto lhe soava tão familiar como se estivesse bebido chá por toda a vida. Moveu uma perna para o lado, de propósito, fazendo-a roçar por baixo da mesa nas duas de Hermione, que se servia da mesma bebida que ele. Ron, que vestia apenas uma calça preta de abrigo, odiou-se por não ter escutado o pedido repetitivo da esposa para trajar uma blusa de acompanhamento. As noites de Londres costumavam ser frias... E aquela não era uma exceção. Ignorou o frio, fixando o olhar nos lábios rosados de Hermione que se entreabriam aos poucos para aceitar a caneca e o seu conteúdo, tragando em silêncio e olhando distraidamente para um desenho deixado sobre a mesa. Com um pouco de força, Ron conseguiu desviar a mirada da única peça de roupa que a morena usava – um roupão vinho – e que lhe dava uma beleza ainda mais acima do normal, para se defrontar com alguns bonecos palitinhos de traços modestos e infantis. Deixando-se levar, nem ao menos notou que sorriu quando a pequena assinatura de Rose ficou visível, no canto da folha. Hugo ainda não sabia desenhar muito bem, sem contar que preferia desenhar nas paredes, ao invés de fazer proveito dos cadernos. Sorriu mais um pouco quando observou os dedos de Hermione brincando com uma das quatro pontas do pedaço de papel, ainda sossegada no próprio mundo.

(Ron apenas não sabia que Hermione estava afundada nele; pensando nele, sempre, e em alguma solução, qualquer mísero recurso para deixá-lo bem mais uma vez. No final das contas, sim, Hermione estava compenetrada no próprio mundo, pois pensava nele)

You steal my heart
Você roubou meu coração
And you take my breath away
E me deixou sem fôlego

— As crianças...? — a voz de Ron chiou de forma áspera e ele mesmo se assustou com a rouquidão.

Hermione levantou a cabeça, vacilante, como se não julgasse possível aquela cena estar mesmo acontecendo. Odiou-se por sentir saudades da voz de Ron sendo que havia um pouco menos de vinte e quatro horas que a escutara pela última vez. Odiou-se por não conseguir ser uma muralha para esconder o que sentia por debaixo do tapete, ocupando-se com os sentimentos dele e nada mais. Odiou-se por abrir a boca, fechá-la e abrir não uma, mas diversas vezes, até conseguir murmurar um: "foram dormir na casa do Jorge..." e deixar a bola de lã descer por sua garganta mais uma vez. E ela se odiou por não conseguir fazer nada mais...
Nem Merlin saberia como ela ansiava por curá-lo...
Suspirou e nesse momento ela o mirou, notando como Ron a olhava com aquele olhar de adoração, mesmo banhado em dor e sufoco. Depois de tudo, ele lhe sorria... Ele! Quando deveria ser ela a lhe sorrir... Ela a dizer que tudo ficaria bem, independente do que é que tinha ocorrido... Depois de tantas horas de comiseração, ela se permitiu sorrir, retribuindo e resvalando com um pouco mais de intensidade os joelhos contra os dele. Aqueles cabelos ruivos brilhavam contra a fina linha de luz que passava pela cortina da cortina e Hermione entendeu porque haviam pessoas que pediam para morrer por amor... O pensamento causou o alargamento do sorriso que se dependurava nos lábios finos da mulher e Ron teve a sensação de ser envolto por um abraço, sem nem ao menos ter os braços dela ao seu redor...

Would you take me in
Você vai me receber?
Take me deeper, now
Vai me atrair mais ainda?

... Hermione sempre tivera aquele sorriso, aqueles olhos que eram uma porta aberta para a sua alma, aquela voz baixa e controlada, aquele carinho que poderia aquecê-lo como se passasse por mil verões de uma só vez... Hermione sempre sua melhor maneira de se restabelecer.
E ele precisava dela.
Muito.

— Há algum tempo... — ele começou a dizer, com a tonalidade da voz semelhante as um pio de passarinho. — Alguns aurores foram chamados ao Condado de Herefordshire, a pedido de alguns moradores que alegavam estar acontecendo algo de estranho na cidade. O problema foi resolvido em pouco tempo, pois não passavam de alguns pré-adolescentes arruaceiros que queriam causar problemas e estavam causando desordem. Hoje de manhã... — Ron tragou a saliva, empalidecendo. — Nos avisaram que esses... Garotos... — abaixou o olhar, tendo dificuldade em continuar: — Alguma coisa havia acontecido...
— O que aconteceu, Ron? — a pergunta de Hermione foi doce, sem pressioná-lo, apenas o estimulando.
— Os garotos estavam mortos.

Sorvendo um pouco de oxigênio antes de deixar de inalá-lo, a morena abriu amplamente os olhos e levou uma mão a boca, sem dizer uma simples palavra antes da continuação.

— Eles eram... Quase crianças, Hermione. O mais velho deveria ter catorze... Eram em seis, no total... — sussurrou, afogando a cabeça entre as mãos e enfiando os cotovelos na mesa. — Descobrimos que eles estavam... Mortos... Quando chegamos ao local que nos mandaram ir. Uma casa como qualquer outra...

And how can I stand here with you
E como eu poderia ficar aqui com você
And not be moved by you
e não me comover com você?
Would you tell me how could it be any better than this
Me diga, como isso poderia ficar melhor?

— Luzes apagadas, a porta fechada... Como se as pessoas que ali moravam estivessem dormindo, e nada mais. Malack achou que era um tipo de trote, por estar tudo muito quieto. — reduziu ainda mais o volume da voz ao ter o peito tomado pelo remorso. — Assim que entramos na casa encontramos... Os corpos caídos, perto da escada... Imóveis... — duas gotas de água pingaram dos olhos de Ron e pousaram na madeira. Hermione esticou uma mão, para tocá-lo nos cabelos e acariciá-lo, mostrando que se encontrava ali. — Fui eu que abaixei para... Conferir... E nenhum respirava... Nenhum deles... Inferno, eles ainda eram crianças!
— Ron...
— Nós vasculhamos a casa! Vasculhamos casa mísero canto daquela casa, procurando qualquer coisa...Qualquer coisa! Enquanto isso Trencey se encarregava de levar os corpos... Embora... Para serem... — engoliu a última parte. — Não havia nada ali. Nada, nenhum desprezível vestígio do que é que tinha ocorrido. Estava óbvio de que não fora algo feito por... Eles. Eram seis, Hermione... Desde o começo eram seis... E esses mesmos seis morreram! Não havia como... Ter sido um... — parou por um momento, tentando respirar, se obrigando a respirar, para conseguir seguir: — Depois de horas, quando não havia mais nada para se fazer, estávamos para regressar ao Ministério quando escutamos o choro agudo de uma criança vindo de uma casa próxima dali. Outra casa normal... Não demorou três segundo para o choro ser silenciado e... Harry foi à frente, sem dizer nada, e desapareceu pela porta dessa casa. Eu fui atrás, com Malack e Oscar seguindo os meus passos, com varinhas empunhadas. Winks voltou ao Ministério para alertar o que estava acontecendo... Chegamos quando Harry subia as escadas. — silenciou-se por um longo tempo.

Cause you're all I want
Pois você é tudo que eu quero
You're all I need
Você é tudo que eu preciso

Hermione notou e ampliou a intensidade do carinho, mantendo-se serena diante dele como conseguia, disfarçando o máximo possível a apreensão. Tentou se preparar para escutar o que ainda faltava ser dito.

— Assim que Harry subiu... Oscar caiu estuporado ao meu lado, Malack arremessou um feitiço contra o vazio e eu subi as escadas, atrás de Harry, para ver se ele estava bem... Algo me acertou antes que eu pudesse abrir as portas. Malack, atrás de mim, estava se protegendo como podia de uma enxurrada de feitiços que eram lançados em sua direção, e tentava ao mesmo tempo proteger o corpo desfalecido do Oscar... — segurou um soluço, transformando-o em um suspiro. — Winks apareceu com mais dois aurores e eu só fui vê-los depois de muito tempo. Harry apareceu e me ajudou a levantar, pois eu não conseguia mover as minhas pernas. Demorou quase cinco minutos para poder fazer... Algo. — pareceu decepcionado consigo mesmo. — O choro voltou a ressoar... Era baixo, sufocado... Poderia ser uma armadilha, mas Harry... Hermione, ele simplesmente se virou e foi atrás. Acompanhei-o como pude e no segundo seguinte estava atirando feitiços contra um vulto, que tentara acertar Harry... Depois disso tudo o que eu consigo me lembrar era de que o choro do bebê aumentou, escutei um grito de Winks no andar debaixo e eu continuei lançando feitiços, tentando... Fazer alguma coisa. Aquele choro...

Sentindo tremores, sem conseguir ter controle do próprio corpo, Ron ficou em pé, ainda com as mãos na cabeça, andando pela cozinha, não economizando passos e ruídos. Socou a parede uma hora, fazendo alguns objetos da prateleira chacoalharem pelo movimento brusco e tudo o que Hermione conseguiu fazer foi pensar se deveria ou não forçá-lo a terminar de contar.

You're everything, everything
Você é tudo, tudo
You're all I want
Você é tudo que eu quero

— Horas depois... Horas... Fomos descobrir que aquele era um plano suicida, sabe? Oscar e Trencey foram acertados por feitiços imperdoáveis. Winks quase foi morto e agora está inconsciente no St. Mungus... — a voz pesou. — Eram sete, Hermione. Quatro Comensais da Morte foragidos e três assassinos fugitivos de Azkaban... Uma armadilha... — Ron soltou uma risada incrédula e socou a parede outra vez, com ainda mais força. — Eles usaram crianças para nos atraírem... Eles mataram crianças para nos levarem até lá! — grunhiu, fora de si. — Um deles confessou... Disse que todas as seis estavam sobre o comando deles... Dos feitiços... Que levavam comida, aceitavam a culpa... Por eles...Eram só crianças! — a parede foi o alvo de socos seguidos. Hermione não refreou as lágrimas quando compreendeu o tamanho do peso que Ron levava em suas costas. — E agora estão mortas...
— Rony...
— Harry e eu conseguimos aprisionar dois. Os outros aurores conseguiram aprisionar três. Os outros dois foram mortos. — as orbes azuis dos olhos de Ron apresentaram faíscas de ódio ao soltar aqueles dizeres. — Não deveriam ter morrido... Mereciam viver... E sofrer... Deveriam... — rugiu, deixando um último soco contra o ladrilho. — Havia uma família naquela casa... Uma esposa, um marido, uma criança de colo e outra de cinco anos... O homem estava atado e inconsciente, a criança mais velha chorava baixinho e a mãe comprimia o bebê contra o colo... Harry pediu para eu tirá-los de lá... Eu não podia deixá-lo sozinho... E eu estava cansado... Harry berrou... Consegui levar o menino mais velho e o pai embora primeiro... Quando voltei fui acertado por outro feitiço, era como se os meus órgãos fossem tirados do meu corpo pela boca... — voltou a murmurar, apoiando-se na parede e afrouxando um pouco os músculos. Sem olhar para ela. — Harry estava sangrando, eu estava sangrando... O grito de dor do Winks se misturava com o choro do bebê... Eu não sabia o que fazer...
— Ron, você...
— Eu consegui levar a mulher e a criança para um local seguro. Antes de vir para casa, passei no St. Mungus para vê-los e saber sobre o estado de Winks... A família está bem. — um alívio perpassou ambos os corpos. — Harry, Malack e eu interrogamos um por um, dos que capturamos. Arrancamos os detalhes... E nenhum deles... Nenhum... Inferno, nenhum demonstrou o mínimo de... — Hermione se assustou quando escutou uma risada fria do marido soando pela cozinha. O riso forçado fez com que mais lágrimas rolassem pelo rosto dela. — O que é que eu estava esperando, afinal? Um pedido de desculpas de assassinos? "Não queríamos matar aquelas crianças, foi apenas uma falha nossa... Desculpe-nos"? Mas que merda! — rugiu entre dentes. — Eu quis matar cada um com as minhas próprias mãos, Hermione. Eu juro que eu quis. Enquanto eu interrogava cada um, a única coisa que eu conseguia enxergar era Rose, Hugo... Os meus filhos... Aqueles idiotas sorriam de uma forma podre... E eu desejei tanto... Eu quis tanto...
— Rony! — a voz assustada de sua esposa cortou a sua ira.

Percebendo que deixava de ser humano aos poucos, Ron se aproximou dela e ajoelhou no chão, diante do corpo miúdo, afundando o rosto entre os joelhos finos de Hermione e libertando uma quantidade maior de lágrimas do que outrora. A morena mordeu os lábios com força, encurvando a coluna para postar o rosto sobre os cabelos do marido, beijando-o por todos os cantos, sentindo as lágrimas molhando as suas pernas e escutando o soluçar aumentando de tom a cada piscar de olhos.

— Eu tive medo pelos meus filhos... — Ron falou com a voz entrecortada, segurando com mais firmeza as mãos dela e as beijando entre os nós dos dedos, com o rosto úmido e a voz sufocada. — Eu tive medo por você...

— Ron, você fez o que pode...
— Eu poderia ter feito mais...
— Você salvou aquela família...
— Eu deveria ter feito mais...

Hermione errou ao segurar o rosto dele entre as mãos e fazê-lo mirá-la, ainda do chão. Errou, pois os olhos azuis estavam tristes, vermelhos e inchados pelas lágrimas.
Algo nela gritou de forma chocante.
Algo nela se enfureceu e tudo o que desejou era matar quem quer que fosse que o fazia chorar daquela maneira. Tornou-se séria, com uma expressão dura enquanto baixava os braços e afastava a cadeira, caindo no chão de frente a ele e pegava-o pelos ombros, abraçando-o com toda sua essência. Mergulhou seu rosto naqueles cabelos cheirosos e bagunçados, sentindo-o se abraçar a ela como se aquilo dependesse de sua vida, apertava-a, soluçando em seu pescoço, agarrando-a pelo roupão que se perdia entre seus dedos cerrados.
Segurou-lhe pelo rosto mais uma vez, beijando com calmaria logo abaixo dos olhos, misturando os lábios doces com as lágrimas salgadas, afagando-lhe as bochechas com os dedos e o mirando com delicadeza.

— Você salvou uma família, Rony... Aqueles pais vão acompanhar o crescimento dos filhos e os filhos serão amados ainda mais pelos pais por sua causa... Não houve maneira de você fazer mais do que fez...
— Mas aquelas crianças...
— Não estava em suas mãos... Não houve forma de você ajudá-las... A culpa nunca será sua, está me entendendo?
— Não é por culpa, Hermione... — a voz dele o desmentiu.
— Como você poderia saber que o que estava acontecendo ali era uma armadilha, Ron? Não pense que você não fez nada, porque você fez muito...
— Não o suficiente...

— Sim, o suficiente... — ela falou de forma decidida, puxando-o para outro abraço apertado e o segurando como um bebê em seus braços, tendo a visão perfeita daquele belo rosto machucado e das partículas de água que insistiam em escorrer por ali. — Você fez o suficiente... Você fez... — repetiu diversas vezes, comprimindo-o contra o peito, tendo a certeza de que ele estava ali, em seus braços, para então, como um castelo de cartas recebendo a visita de uma brisa, conceder-se ao desabamento. — E você está vivo... Você está bem... — gaguejou, chorando junto a ele, tendo as mãos grandes pressionando a carne de seus braços, soluçando...

Hermione o agarrou com força, mantendo os olhos assustados abertos para que por nenhum instante perdesse os sentidos e ele pudesse escapar de seu alcance. Ele chorou em se pescoço a apertando com força de forma inconsciente. Mas ela não se importava... De forma alguma, por tudo o que era real, que ele a apertasse assim durante o tempo que fosse preciso...
E ele precisava dela.
Muito.
E ela estaria ali por ele.
Sempre.

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