Remendo escrita por juvsandrade


Capítulo 19
Beleza




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A beleza é mutável; cada par de olhos enxerga como deseja a aparência almejada. Há quem diga que a beleza se apega os estereótipos da época: de curvas volumosas e cabelos cheios a corpos mignons e cabelos escorridos. Porém, há quem acredite que a beleza é uma particularidade de cada pessoa, e não é a década ou a opinião alheia que a modifica.

Com quatorze anos, Ronald percebeu que a sua (melhor) amiga era uma garota. Desde o início, soube que ela não era uma garota como as outras, afinal, Hermione não se contagiava com os efeitos das maquilagens ou com as promessas das poções embelezadoras. A paixão da garota não era vulgar, pois não passava de páginas de livros e graças a falta de cuidados relacionados com a aparência que causaram a demora da percepção da beleza da garota. Escondida pelas vestes negras obrigatórias do colégio e pelos cabelos revoltos (mas sempre brilhantes), Hermione não chamava a atenção como outras garotas de cabelos louros e olhos azuis... Ironicamente, Victor Krum conseguiu vê-la debaixo de todos os panos e cachos, e achou-a infinitamente bela e demonstrou com vigor a sua preferência por ela, dentre tantas outras. Uma em um milhão, ela era, no final das contas. E Ronald sempre se odiaria por ter sido um segundo a notar aquilo. Odiar-se-ia perpetuamente por não ter dado o devido valor ao que havia de mais precioso em sua vida desde o começo.

... Mas Ronald, na adolescência, fazia por merecer o apelido de trasgo.

... E de legume insensível.

Contudo, existia um certo ditado trouxa que dizia sábias palavras: antes tarde do que nunca.

E, felizmente, Ronald percebeu que Hermione era uma garota. Percebeu, com isso, que beleza não era o que ele esperava. Não se tratava de fios loiros como os de Fleur, ou com rostos maquilados, como os de Lavender... Beleza se resumia somente ao sorriso quente de Hermione, ou aos olhos ordinariamente (e magnificamente) castanhos, ou a cachos cor de chocolate, ou ao conjunto inteiro.

Hermione, para ele, era o melhor sinônimo de beleza.

E não existia uma coisa sequer nela que ele gostaria de mudar.

When I see your face
Quando eu vejo o seu rosto
There's not a thing that I would change
Não há nada que eu mudaria
Cause you're amazing
Pois você é incrível
Just the way you are
Exatamente como você é

Nenhuma manhã de início de primavera poderia ser comparada com aquela de 21 de março de 2010. Hugo mal completara dois anos de idade e se encontrava com os olhos magistralmente azuis focados na mãe, que, sentada debaixo da amendoeira, ajudava a irmã a ler um livro notavelmente complicado, para crianças daquela idade. Desde que Rose fora convidada para ingressar em uma Grammar schools infantil (escolas destinadas para alunos mais bem dotados academicamente), mãe e filha sempre se perdiam durante as tardes de final de semana em livros de grandes gênios como Homero, Virgílio, Dante Alighieri, Maquiavel, Cervantes, Shakespeare, Antoine de Saint-Exupéry, Vitor Hugo, Alexandre Dumas, James Joyce, Oscar Wilde, entre outros que Ron nem ao menos ouvira falar.

Naquele dia, em especial, a pequena Rose se divertia em absurdo com a história dos Três Mosqueteiros. No auge dos seus quatro (quase cinco) anos, a garota se comportava como uma verdadeira dama, sentada ao lado da mãe, com as pernas cruzadas e as tranças vermelhas sobre o vestido azul-céu. Ron, um tanto distante, folheava o Profeta Diário sem prestar atenção, batucando um pé no assoalho de madeira da varanda e observando, pelo rabo do olho, os filhos e a esposa com dedicação.

— Leia aqui para mim, Rose... — Hermione dizia de tempos em tempos, entregando o pesado exemplar para a filha com cuidado e vendo como ela forçava os olhinhos, recitando as palavras com perfeição.

— "Agora, meus senhores, disse D'Artagnan, sem se dar ao incômodo de

explicar o seu comportamento a Porthos , todos por um e um por todos, é a nossa

divisa, não é verdade?" — Rose parou de ler para mirar a mãe, esperando por algum comentário. Essa somente balançou a cabeça, sorridente, insistindo para ela prosseguir: — "Mas..., começou Porthos." — regressou a leitura, mais confiante. — "Estenda a mão e jure!, gritaram ao mesmo tempo Athos e Aramis. Vencido pelo exemplo, mas resmungando entre dentes, Porthos estendeu a mão e os quatro amigos repetiram em uníssono a fórmula ditada por D'Artagnan: todos por um e um por todos."

Logo em seguida Hermione retirou o livro das mãos da filha, beijando-a na bochecha como se parabenizá-la pelo esforço. Não era qualquer criança de quase cinco anos que se via alfabetizada quase por completo. Às vezes Rose até se arriscava a aprender um pouco de outra língua, como francês ou espanhol.

Precoce, foi o que as diretoras e diretores de todos os colégios que eles tentaram matriculá-la repetiram. Uma criança com uma inteligência como aquela precisava de atenções especiais, que um colégio normal não poderia oferecer.

Hermione teve uma sensação de deja vu.

Porém Rose possuía algo novo, que ela mesma, quando criança, não possuía. Algo gracioso, que atraia as pessoas sempre para mais perto. Talvez fosse as bochechas rosadas ou o sorriso maroto, ou talvez a voz melódica, ou até mesmo a risada apaixonante. Hermione não sabia qual das qualidades da filha que a tornava tão especial que, mesmo portadora de uma inteligência fora do normal, não se escondia em um mundo de faz-de-conta, ou de outras pessoas.

E todas as manhãs Hermione agradecia em silêncio por ter uma filha que, por mais que possuísse um cérebro semelhante ao seu, também era dona de uma personalidade quase idêntica a do pai.

Por isso que Rose Weasley nunca seria uma criança sozinha.

Hugo, que terminara a mamadeira, começou a pronunciar um monte de palavras sem nexo e a se balançar na cadeirinha em que estava acomodado. Ron reparou o sorriso que Hermione deu, ao mesmo tempo em que deixava de ler por alguns segundos para acariciar o rosto do filho e afastar alguns fios vermelhos dos olhos dele. A filha, esquecendo-se também da leitura, ajoelhou-se na grama e pendeu o corpo para frente, mirando o irmão e sorrindo para ele.

— Você não está gostando da história dos mosqueteiros, Hugo? — foi à menor que perguntou e recebeu uma careta como resposta. — Mãe, nós podemos parar de ler essa história por hoje? Hugo gosta de Peter Pan...

— Hugo gosta é de ver as imagens... — a mãe corrigiu, rendendo-se ao olhar da menina e pegando um livro bem mais fino da pilha de livros ao lado.

— O Hugo vai parecer o Peter Pan um dia. — Olha... — apontando para a primeira imagem do livro, em que o personagem principal estava desenhado, Rose falou: — O Peter é ruivo, tem cabelos lisos e olhos castanhos, assim como o meu irmão. — tragando a saliva, segundos depois, ela pareceu muito contrariada. — Não quero que exista uma Wendy na vida do Hugo.

Hermione não pode evitar uma risada. A filha acabara de falar com um enorme bico nos lábios, com um ciúme palpável. Por um segundo, Ronald se materializara na expressão dela. E nas palavras também.

— Não se preocupe com isso ainda. — a morena avisou, colocando o livro sobre as pernas e começando a folheá-lo. — Vocês ainda são crianças...

Hugo, batendo palmas, chamou a atenção das duas mulheres de sua vida (e da do pai). Olhou com o sorriso sardento para o livro e cantarolou um 'pitão 'Ancho, ansioso pelo início da história.

Naquele momento, o Profeta Diário que antes se encontrava nas mãos de Ron, estava esquecido sobre o banco de madeira no qual ele permanecia sentado.

— Posso começar?

— Si. — o ruivinho respondeu e Hermione segurou uma risada.

— Todas as crianças crescem um dia. Menos uma...

Quando a história começou a ser narrada, Ron se deixou perder entre as pequenas - quase invisíveis por serem minúsculas - sardinhas espalhadas ao redor do nariz de Hermione. O número era insignificante, quando comparado as incontáveis dele, porém, graças aqueles pequenos pontinhos graciosos, a face da esposa ganhava um toque ainda mais refinado. O rosto triangular, com bochechas salientes e sempre rosadas, era delicado como o de uma boneca de porcelana. A pele clara permitia um contraste com todo o resto castanho: cabelo, olhos, cílios, sobrancelhas... E os dentes tão brancos quanto a neve combinavam com perfeição aos lábios finos e longos, que, naquele instante, abriam e fechavam conforme a dona pronunciava as palavras.

O vestido aparentava ser de um pano leve, cujos dedos deslizariam e se enrolariam no tecido caso o tocassem. O azul escolhido no tingimento parecia ser de propósito, para se adequar com o olhar-cor-de-céu de Rose e com o dele próprio. As alças finas pouco cobriam os ombros estreitos da mulher, como também deixavam os braços delgados completamente nus. A parte debaixo da peça de roupa se perdia com o verde da grama rala do jardim. A saia se amassava conforme os movimentos das pernas alvas, e, hora ou outra, os pés descalços esbarravam com a barra do vestido (normalmente quando ela resolvia cruzar as pernas). A fita branca, amarrada logo abaixo dos seios, realçavam o volume dos mesmos que, devido a amamentação, deixavam a vista um leve desfalque entre tecido e pele, e, por causa daquilo o colar de ouro que ganhara de aniversário se escondia naquele meio.

Em um momento (Ron não saberia muito bem dizer em qual), a mão que continha a aliança subiu aos cachos não tão revoltos quanto antes para colocá-los de lado em apenas um ombro, impedindo daquela forma que o vento que começara a soprar não os bagunçasse. O movimento fora sutil e poderia passar despercebido pelos olhos de qualquer outro... Mas nunca passaria em vão pelos de Ron.

Qualquer singelo sorriso era notado e gravado em sua memória. Era como fazer um álbum de fotografias dos detalhes de Hermione. Conhecia-a tão bem como um admirador conhecia uma pintura, e, às vezes, pegava-se pensando em como poderia chegar ao ponto de fechar os olhos e conseguir corporalizá-la com minúcia até em pensamentos...

E Hermione era linda.

Merlin, como ela era linda!

A beleza ampliava a cada dia, a cada segundo. Era belo quando ela ninava um filho, acordava de manhã e se espreguiçava como um gato, andava de roupão horas depois de ter saído do banho, se afundava em livros e penas e pergaminhos, cuidava das flores sem magia no sábado de manhã, se encolhia perto da lareira em noites de inverno e olhava-o discretamente, pensando que ele não percebia. Até a forma como ela espirrava ou crispava os lábios para lhe bronquear era bela.

Hermione era um amontoado de encantos.

Quando Ron levantou, olvidando-se por total do jornal, e direcionou-se até o jardim, sentindo o pé descalço agitando a grama, percebeu que não era mais uma pessoa sem sorte. Na verdade, toda a falta de sorte que tivera em sua infância começara a recompensar desde os seus dezessete anos... Porque Ronald só descobriu o que era ter sorte quando soube que Hermione o amava de volta.

E assim que ela levantou o olhar do livro mais uma vez para recebê-lo calorosamente com o olhar, Ron teve a certeza de que ele era a pessoa mais sortuda do mundo, pois aquele olhar, assim como aquele sorriso belo, eram só dele e para ele.

... E de mais ninguém.


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