Remendo escrita por juvsandrade


Capítulo 17
Cenoura


Notas iniciais do capítulo

Leia escutando I've Got You - McFLY.



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— Vamos lá, Rose Weasley, levantando os braçinhos!

A voz de Ronald ecoava pelo quarto rosa e roxo da garotinha que acabara de sair do banho. A pequena, sorridente como quase sempre, obedeceu à ordem do pai, erguendo os dois bracinhos rechonchudos no ar e deixando assim o pai vesti-la com uma blusa de mangas compridas.

— Papi faz frio! — a menininhas resmungou, olhando para baixo e se encontrando só de fralda e meias. — Bumbum gelado. — Ron riu da filha, abrindo uma gaveta da cômoda de roupas dela para pegar uma calça de malha e colocá-la na filha.

— Assim está melhor?

— Si. Bumbum quentinho agora. — dando mais uma risada, o pai fez com que ela sentasse para então procurar uma escova para pentear os cabelos vermelhos.

O problema foi que quando finalmente encontrou, deixou-a cair de susto, devido ao berro de Hermione no corredor: — RONALD, EU VOU AO SUPERMERCADO!

Recolhendo a escova rapidamente com uma mão e segurando a filha com a outra, ele se exasperou, seguindo ao corredor a tempo de escutar os passos pesados de sua esposa na escada. Onde é que Hermione estava com a cabeça de sair em uma noite de nevasca, quase dez horas da noite e, ainda por cima, grávida de nove meses?

— O que você vai fazer no supermercado, Hermione? Sua mãe trouxe inúmeras sacolas de comida ontem! — ele falou alto da ponta da escada, descendo com pressa para ter a certeza de que ela não cairia em momento algum.

A gravidez do segundo filho, assim como a de Rose, fora a mil maravilhas. Hermione não tivera enjôos, não tivera desejos muito estranhos, sem contar que ela, durante oito meses, transformava-se em puro dengo e carência. A companhia de Ron era tudo o que ela mais precisava e prezava, então ele não era de reclamar.

Se bem que o último mês era um tormento. Toda a calmaria dos outros 240 dias ai embora correndo quando se defrontava com as reclamações constantes que chegavam, sem serem bem recebidas, no nono mês de gestação.

Parecia que tudo o que ela não reclamara nos primeiros meses chegava à tona no último.

E Ron sabia que teria dor de cabeça até o filho nascer.

— E você viu como está lá fora? Há neve por toda parte, querida! Fique aqui hoje, faça uma lista do que está faltando e assim que o dia nascer amanhã eu vou ao supermercado e compro tudo.

Hermione pareceu nem lhe dar ouvidos. Colocou o cachecol, fechou o sobretudo com certa dificuldade, postou um beijo na bochecha da filha e pegou a bolsa.

— Você sempre se perde no supermercado, demora mais do que o comum e traz um ou outro produto errado. — o comentário desdenhoso de Hermione nem ao menos lhe tirou do sério.

Sem contar que aquela era a primeira "patada" do dia. O que, realmente, era um milagre. Hermione acordara com um ótimo humor naquele início de terceira semana do nono mês... Talvez por saber que entraria em trabalho de parto a qualquer hora. Bastava um piscar de olhos e o seu filho poderia estar em seus braços.

E a tranqüilidade regressaria.

— Então eu vou com você.

— Você não pode. Já está tarde e Rose tem que dormir.

— Ainda não são dez horas, Rose dormiu de tarde, você está grávida e eu vou com você.

— Rose não pode ir. Ela está com o cabelo molhado e pode pegar um resfriado.

— Então eu deixo a Rose na casa dos meus pais, volto e nós vamos, pois eu vou com você.

— Rose não vai dormir na casa dos seus pais hoje. Ela dormiu antes de ontem. Não quero importuná-los.

— Rose não importuna os meus pais, mas se é assim, ela vai conosco, eu a agasalho bem. E não me olhe com essa cara, Hermione, eu não vou deixar a minha esposa sair desse jeito sozinha. Eu já disse que eu vou com você.

— Ronald, eu estou grávida e não inválida. Posso muito bem fazer as coisas sem a ajuda de ninguém.

— Você não pode dirigir. — ele contestou, olhando para a barriga dela e sorrindo vitorioso.

— Nem você, ou por acaso você se esqueceu que não tirou ainda a carta de motorista por pura preguiça?

— Não é por preguiça! — rangeu os dentes e decidiu deixar aquela discussão para outra hora. — Então como é que você vai? Você sabe que não é bom aparatar depois do quinto mês!

— É claro que eu sei! — foi a vez dela ranger os dentes. — Eu vou de táxi. Liguei para a estação tem alguns minutos e algum táxi já deve estar chegando aqui para me levar.

— Nos levar. — Ron brandou, apontando a varinha para o andar de cima para fazer um casaco de lã azul-claro com um "R" dourado aparecer na escada, assim como um cachecolzinho branco e um gorro da mesma cor. — Vamos com a mamãe, não é mesmo, Rose?

A garota que até o momento estava quieta, entretida tentando pentear o próprio cabelo, concordou com a cabeça, nem ao menos sabendo do que se tratava. Mas se o seu pai falava algo, ela concordava.

Em questão de segundos ele ajeitou-a, fazendo com que apenas os olhos e o nariz aparecessem e sorriu ao ver como Hermione sorria ao ver a filha daquele jeito tão bonitinho. Rose largou a escova para dar atenção à ponta do cachecol.

Ron outra vez usou a varinha para então atrair um sobretudo, dois cachecóis e três pares de luva. Entregou o cachecol e um par de luvas para a esposa, cobriu as mãos da filha e por fim trajou o que restava. Por uma fração de segundos, Hermione sorriu para ele, agradecida pela atenção, mas logo voltou a tragar a saliva emburrada.

— Vocês não precisam ir! Eu já disse que consigo ir sozinha!

Escutaram a buzina do táxi e em um piscar de olhos, Ron conjurara a cadeirinha de segurança de Rose, abrira a porta e saíra pela mesma. Quando a perplexidade de Hermione se esvaíra, ela trancou a casa e seguiu para o táxi, encontrando a filha já ajeitada e confortável e dando o destino ao taxista.

— Ronald você... Está me deixando louca. — ela murmurou, colocando o sinto e se irritando um pouco mais ao vê-lo sorrir. — Por que você está sorrindo?

— Porque você disse essa mesma frase, só que com outra tonalidade, quando fizemos a criança que está ai... — colocou uma mão ternamente sobre a barriga dela e ampliou o sorriso ao observar como as bochechas dela coravam abruptamente.

— Não fale essas coisas perto de... — o olhar de Hermione para cima do taxista curioso deu um basta na conversa.

Mas a mão de Ron seguiu relaxada na barriga da esposa.

Quando o cachecol perdeu a graça para Rose, os enormes olhos azuis pousaram nos castanhos da mãe e a menina também sorriu, com aquele sorriso tão infantil e doce e, ao mesmo tempo, tão de Ron que fez a mãe apaziguar um pouco os nervos.

Não totalmente.

— Mami, compra 'colate?

— Tem chocolate lá em casa, meu amor.

— 'Lorido?

— Chocolate colorido?

— Si... Tem? — franzindo as sobrancelhas, Hermione não soube responder a pergunta da filha e, não se importando de mimá-la um pouco, resolveu que compraria.

— Acho que não, mas vamos comprar, está bem? — afagou os cabelos de Rose e suspirou.

— Afinal, o que vamos comprar no supermercado? — Ron perguntou, atraindo o olhar da esposa.

— Cenouras. E chocolate colorido para a Rose.

O queixo de Ron quase tocou o banco do táxi.

— Você só pode estar brincando! — a voz dele saiu esganiçada e outra vez ignorou o olhar assassino da esposa. — Nós estamos indo ao supermercado comprar apenas cenouras?

— E chocolate colorido para a Rose. — Hermione o corrigiu, cruzando os braços e desafiando-o a continuar.

— Por que você não me disse que era  isso?

— Por acaso você perguntou?

— Hermione, eu poderia ter aparatado na casa dos meus pais e pedido algumas cenouras do canteiro!

— Por acaso você não prestou atenção quando eu disse que não queria importunar ainda mais os seus pais?

— Ah, claro, ao invés de fazer isso você resolveu sair numa noite de nevasca, grávida de nove meses, apenas para comprar cenouras? Inferno, Hermione, o que está se passando na sua cabeça?

No mesmo segundo que terminou de falar, Ron se arrependeu profundamente por ter proferido tais palavras que, para Hermione, soaram com insulto. Os olhos dela de imediato se encheram de lágrimas pesadoras e os lábios se frisaram em um bico.

Quem visse aquela cena nunca acreditaria que aquela era mesmo Hermione.

— Não fale assim comigo! — falou entre soluços, deixando as lágrimas caírem à vontade e abaixando a cabeça. — Tão pouco me insulte!

— Hermione, querida, eu não queria fazê-la chorar... — apressando-se para passar um braço ao redor dos ombros dela para abraçá-la, Ron desculpou-se sinceramente.

Rose, ao ver a mãe derramar pares de lágrimas, ameaçou chorar também.

— Eu só não quero que o nosso filho nasça parecendo uma cenoura! — fazendo uma voz meiga, semelhante à de uma criança, ela sussurrou, escondendo o rosto entre as mãos.

— Bem, sinto lhe dizer meu amor, mas a chance de nosso filho nascer com os cabelos com cor de cenoura são enormes... — Ron falou, brincalhão, arrancando uma risada sufocada da esposa. — E eu achei que você não acreditava nisso... Digo, do filho nascer com cara de um desejo não realizado.

— Eu não acredito, mas acho melhor prevenir. Quer dizer, eu não sei se a mãe do Crabbe e a mãe do Goyle passaram algum desejo durante as gestações, então... — foi a ver de Ron gargalhar e abraçá-la um pouco mais.

— Hermione o nosso filho não nascerá com cara de retardado que nem as daqueles dois... — amorosamente ele falou, retirando as mãos dela de cima dos olhos chorões e beijando-as com zelo. Seguiu com aquele tom para enfim falar: — Eu só não quero que você cometa mais loucuras como essa. E se algo acontecesse?

— O que poderia acontecer, Ron?

Ron achou melhor não responder para garantir aquela serenidade do momento. Sem contar que Rose acabou interrompendo a conversa quando deu outro sorriso.

— Bebê! — ela cantarolou graciosamente, olhando para a barriga da mãe e balançando os pés embalados em um all-star rosa. — Maninho...

— Sim, querida, é o seu irmãozinho. — Hermione, como sempre, emocionou-se com a cena. — Ou irmãzinha, não é mesmo?

— Eu acho que será um garoto. — apertando o nariz da filha com leveza, Ron confessou. — Um garotão para me ajudar a proteger a minha princesinha de marmanjos, não é, pequena?

Hermione revirou os olhos.

Outra vez aquela conversa de que Rose seria para sempre intocável...

E o pior é que Rose concordava, balançando a cabecinha e sorrindo marotamente.

— Maninho...

— Será que o vai demorar para chegar? — a mãe cortou o assunto, ansiosa para comer qualquer coisa que envolvesse cenoura. — Ai! — sem mais, nem menos, ela soltou uma exclamação de dor e olhou para baixo, acariciando o ventre e sussurrando: — Hoje você não está colaborando com a mamãe, não é mesmo?

— O que aconteceu? — Ron, preocupado, perguntou.

— Hoje o nosso filho está inquieto. Sem contar que estou tendo mais contrações do que o normal...

— Por que você não me disse? Nós poderíamos ter ido ao St. Mungus mais cedo!

— Porque não é nada demais. Faz algum tempo que o nosso filho está dessa forma. Já estou me acostumando... Se bem que hoje... Ai!

— Você não acha melhor voltar para casa Hermione?

— Maninho não 'chuca a mami! — Rose fez um bico enorme e apontou para a barriga da mãe outra vez, como se estivesse dando um sermão no bebê.

— Seu irmão não está me machucando, meu amor. — Hermione apressou-se a dizer. — Já estamos chegando, querido. Não se preocupe... — falou normalmente, mas o marido pode reparar que aos poucos ela empalidecia.

Não demorou mais dois minutos para o táxi parar em frente a um supermercado.
Hermione retirou o dinheiro trouxa da bolsa para pagar e, em meio tempo, respirou profundamente para reunir forças para sair do carro. Ron saiu primeiro e rapidamente atravessou o carro para tirar Rose da cadeirinha e ajudar a esposa a se levantar.

Enquanto segurava a filha por uma mão e cedia a outra para Hermione, Ron reparou que a expressão da segunda se transformou. Os olhos arregalados demonstravam pavor.

— Ron... — Hermione grunhiu. — A bolsa!

— Você deixou a sua bolsa dentro do táxi? — ingenuamente ele perguntou, olhando para o táxi que permanecia parado e completando: — Eu pego para você...

— Não é dessa bolsa que eu estou falando, Ron!

A ficha caiu e ele olhou diretamente para o chão, encontrando o que esperava encontrar e se afligindo. Soltou as mãos das duas e as colocou uma de cada lado da cabeça, sem ter a menor ideia do que fazer.

Não podiam aparatar. Não havia lareira alguma para levá-los ao St. Mungus. 
Nôitibus Andante era sem cogitação. Nem de vassoura. Nem de... Oh, Merlin, ele não queria que o seu filho nascesse em frente a um supermercado!

— Ron, o que foi?

— Como vamos para o St. Mungus? Hermione, você está bem? Não podemos aparatar... Você está sentindo muita dor? O que vamos fazer?

— Vamos entrar no táxi outra vez e ir a um Hospital.

— Hospital... Trouxa?

— Não, Ron, um Hospital de Trasgos. O que você acha? Ai! — o gemido de dor se tornou ainda mais agudo aos ouvidos de Ron. — Eu nasci em um Hospital trouxa e milhões de pessoas também. Qual é o problema?

— Nenhum. Nenhum mesmo. Tudo ótimo. Perfeito. Você está bem?

— Eu estou ótima, Ronald. Será que você pode pedir para o táxi nos levar antes que ele vá embora?

— O que? — perdido, ele coçou a nuca e pegou a filha no colo. — Ah, sim, eu posso. Posso sim. Claro que eu posso...

— Então o que você está esperando?

— Eu? Nada... Absolutamente nada...

— RONALD, O TÁXI! — Hermione berrou, apontando para o carro e sinalizando com uma mão, enquanto a outra segurava o pulso da pequena Rose. — Ou você quer que os eu filho nasça dentro de uma cesta de supermercado?

Com uma agonia e desespero palpável, Ron abriu a porta do táxi e falou rapidamente com o taxista, dizendo que precisavam, ironicamente, voar até o Hospital mais próximo. Colocou a filha outra vez na cadeirinha e, com as mãos tremendo, ajudou Hermione a embarcar.

Ron não conseguia se lembrar qual fora a última vez que o desespero tomara conta dele daquela forma. E uma ponta de raiva, por ver como Hermione seguia calma ao seu lado, segurando uma mãozinha de Rose e respirando lenta e profundamente...

... Por acaso era ele que iria parir uma criança em poucas horas?

— A dor diminuiu? — empenhando-se para deixá-la confortável, ele retirou o próprio sobretudo e o dobrou, transformando-o em um protótipo de travesseiro e ajeitando-o atrás da cabeça dela.

— Ao contrário. — uma risadinha contida escapou dos lábios de Hermione, que no momento se encontravam encrespados pela sensação. — Assim que chegarmos ao Hospital você precisa avisar aos seus pais, aos meus e ao Harry e a Gina. Você lembra o telefone da casa dos meus pais, não é? — se irritando mais um pouco com a calma dela, ele confirmou com a cabeça, reformulando o número mentalmente. — E o número da casa do Harry? — Ron parou de mover a cabeça. — Espera, acho que eu tenho uma caneta em algum lugar na minha bolsa... — assim que abriu a bolsa – extremamente organizada – Hermione encontrou o que procurava e soltou a mão da filha para segurar uma do marido entre a sua. — Ligue para o Harry, avise e pergunte para ele se ele pode avisar os seus pais. — anotou o telefone do amigo na mão dele e soltou mais um gemido de dor. — Eu acredito que o Harry, a Gina e as nossas mães vão querer ir ao Hospital, então eu vou ver em qual iremos e você os avisa. E também temos que pegar as coisas do bebê lá em casa... E vamos ver onde Rose ficará. Não quero que ela passe a noite no Hospital...

... Ok, definitivamente seria ele a parir uma criança, tamanho o nervosismo.

— Ron, meu amor, fique calmo. — ela lhe deu um daqueles sorrisos quentes de verão e o beijou singelamente nos lábios. — Já passamos por isso uma vez. Não é o fim do mundo...

— Mas você está sentindo dor...

— É uma dor boa, de certa forma. Daqui algumas horas eu estarei com o meu filho no colo... Você acha que eu estou me importando com... — pausa. — Ai! — Com essas contrações?

Bem, ele estava...

— Hospital, Harry, seus pais, meus pais, Rose, coisas do bebê... — repetindo a lista baixinho, Ron acariciou os cabelos da esposa, perguntando-se em silêncio quando é que chegariam ao Hospital. — Hospital, Harry, seus pais, meus pais, Rose, coisas do bebê...

Por que, Merlin, tudo parecia longe quando eles andavam de carro?

— Maninho 'gando? — com a voz sonolenta a pequena perguntou. Todo aquele tumulto levara o sono até ela.

— O seu irmãozinho está a caminho... — foi o pai quem respondeu e logo em seguida grunhiu. — Hermione, nós não decidimos um nome!

— Eu estava pensando que caso seja menino, podemos homenagear o seu pai...

— Mas e o seu pai?

— Provavelmente teríamos que ter outro filho homem para colocar o nome dele.

Os dois deram risadas gostosas, acompanhadas de outro gemido de Hermione.

— E se for menina?

— Menina não! É maninho! — Rose respondeu emburrada, cruzando os braços e fazendo bico.

— Ok, ok, é um menino então. — Ron deu mais uma risada e nem atreveu a pensar no berreiro que Rose abriria caso viesse outra pequena...

— Teremos que decidir depois. Chegamos! — com a voz sufocada Hermione avisou e repetindo o que fizera na hora do supermercado, pagou o taxista e esperou a ajuda de Ron que logo veio.

Em menos de cinco minutos estava acomodada em uma cadeira de rodas e conversando com as enfermeiras sobre o seu seguro de saúde. Ron, ao seu lado, escutava o que a esposa dizia sem entender uma única palavra.

— Seguro de saúde? — ele murmurou perplexo. — Para que isso?

— Bem, há mais trouxas no mundo do que bruxos e por isso os Hospitais trouxas... Ai! — os olhos dela rodaram em órbitas. — Nós podemos conversar sobre isso outra hora?

Uma enfermeira sorridente se aproximou cautelosamente, pedindo licença para ele e levando Hermione para um quarto, prometendo que logo voltaria. Outra enfermeira, essa um tanto quanto mais rabugenta, entregou uma folha para ser preenchida por Ronald e ele, sem querer, voltou aos tempos de Hogwarts. Infelizmente dessa vez não teria como pedir ajuda à Hermione.

— Como assim vocês pedem para eu escolher entre a minha esposa e o meu filho, em caso de acidentes? — mais uma vez no dia a boca dele quase tocou o chão. — Inferno sangrento, isso não é coisa que se peça! — voltou a resmungar, pulando a opção e preenchendo todo o resto, enquanto Rose, sentada no balcão, distribuía sorrisos para todo mundo que passava. — Terminei. Posso ver a minha esposa agora?

— A Sra. Weasley está sendo acomodada na sala pré-parto onde uma enfermeira obstétrica aferirá a temperatura e a pressão arterial dela. Também conferirá os batimentos cardíacos do bebê e checará o tipo sanguíneo e a dilatação do colo do útero dela. Enquanto isso o senhor gostaria de fazer alguma ligação ou tomar um café? — a enfermeira falou desdenhosamente, como se estivesse com saco cheio de repetir aquela mesma coisa para pais que por ali passavam.

— Ah... — nada saiu da boca dele. Enfermeira o quê? E dilatação de onde? — Eu gostaria de... Hum... Fazer uma ligação... Por favor.

Ao mesmo tempo em que a enfermeira Dolores (apelido carinhoso que Ron colocou na enfermeira rabugenta) lhe entregava um aparelho de telefone, os olhos azuis ariscos procuraram o telefone e se arregalaram quando viram que já era quase onze horas.

Harry provavelmente estava dormindo, assim como os seus pais e os de Hermione.

— Hum... Alô? — quem atendeu foi Gina com a voz sonolenta. Ron não soube o que falar. — Harry eu acho que essa desgraça de telefone está ficando louco.

— Então desliga... — escutou a voz do amigo do outro lado da linha e se apressou a dizer:

— Não, Gina, espere! — como ele ainda não sabia usar muito bem aquele negócio, Ron chacoalhou o aparelho, lembrando-se em seguida que Hermione já o repreendera por aquilo. Então parou e respirou fundo.

— Ron? Olha aqui seu trasgo idiota, por que você... — o raciocínio de Gina foi rápido. — HARRY ACORDA, A HERMIONE ESTÁ TENDO O BEBÊ!

— Não, Gina, você está sonhando... Volte a dormir...

— HARRY É SÉRIO! RON, ESPERE AI! NÓS JÁ ESTAMOS INDO PARA O ST. MUNGUS...

— Gina, nós não estamos no St. Mungus! Estamos em um Hospital Trouxa.

— Posso saber por que diabos você está num Hospital Trouxa? O que você aprontou com a Hermione para vocês irem parar ai?

— Por que eu sou sempre o culpado?

— Porque normalmente a culpa é sua.

— Eu não fiz nada dessa vez! A culpa foi da Hermione...

— É, Harry, talvez você tenha razão. Eu acho que estou sonhando. — tirando graça com a cara do irmão e deixando o assunto de lado, ela continuou: — Onde vocês estão?

— Eu... Não sei. Espere. — Ron colocou o telefone no gancho e olhou para a enfermeira. — Oi, você pode me dizer como chama esse Hospital?

— Hospital St. Mary, em Paddington, na região oeste de Londres, no distrito de Westminster. Se quiser temos panfletos sobre o balcão. — a enfermeira arqueou as sobrancelhas e passou a prestar atenção nas próprias unhas.

Ron pegou o telefone novamente, com uma leve vontade de estuporar a mulher, e notou que o objeto estava mudo.

— Gina? Gina? Alô?

— Você desligou na cara dela. — a enfermeira Dolores resmungou entre dentes. — É preciso ligar outra vez.

Ron repetiu tudo o que a enfermeira falou em voz baixa e zombeteira, imitando-a de uma forma ridícula e escutando uma risadinha da filha.

— RONALD? ALÔ? — do outro lado a sua irmã berrava e os comentários de Harry eram inaudíveis.

— GINA?

— RONALD O QUE ACONTECEU?

— A enfermeira disse que eu desliguei na sua cara.

— Mas como você desligou na minha cara?

— Eu não entendo essas coisas de trouxas, Gina! — a enfermeira olhou enfezada para ele, ofendida por ter sido chamada de trouxa. — Olha, nós estamos no Hospital St. Mary, em Paddington, na região oeste de Londres, no...

— Ok. Vamos deixar os garotos na casa da mamãe e estamos indo para ai!

— Ah, Gina, será que você pode avisar aos nossos pais que o neto deles está nascendo?

— Acho que eu terei que tocar no assunto, não é mesmo? — ela soltou uma risadinha. — Já estamos indo!

Pronto, Ronald pensou mentalmente. Primeiro passo realizado.

Desligou o telefone e acariciou uma bochecha de Rose que com o toque, soltou um bocejo preguiçoso e apoiou a cabecinha na cabeça do pai, olhando-o atenciosamente com os olhos azuis e sorrindo.

— Eu tive uma idéia, pequena... Que tal se você falar para o vovô e para a vovó Granger que o seu irmãozinho está nascendo? — assim que terminou de falar escutou um gritinho animado da menina, que concordou com a cabeça e deixou o sono de lado por alguns segundos. — Depois o papai a levará até a Toca para você fazer companhia para o James e para o Albus, que tal?

— James e Albus! — ela repetiu toda cantarolante, já pensando na bagunça que aprontaria quando chegasse à casa dos avôs. — Liga papi! — puxou uma mão do pai e colocou sobre o telefone! — Vovós!

— Você vai falar com eles?

— Si.

— Você não sabe o peso que está me tirando, Rose Weasley. Vou comprar um brinquedo enorme para você amanhã. — num tom brincalhão ele anunciou e ganhou um beijo estralado da filha.

E enfermeira pigarreou enquanto Ron discava o número da casa dos Granger.

— Oi, vovi! — a pequena falou feliz, assim que escutou a voz do avô. — Mami no 'pital! Maninho 'gando! — pausa para Rose coçar o nariz sardento. — Si. 'Pital, vovi. Maninho meu... Si... — pausa para ela olhar para os lados, com uma mãozinha no telefone, escutando o avô falar. — Falar com papi? Tá. — antes de estender o telefone a menininha deu uma risada. — Tá. Si. Ti amo. 'Bejo. . — Rose entregou o telefone para o pai e piscou os olhos calmamente, sem falar mais nada.

— O seu avô desligou?

Ela negou com a cabeça e sorriu sapeca.

Ronald respirou fundo. Ele adorava os sogros, mas também adorava não precisar conversar com o sogro sozinho. Sem a esposa do lado, principalmente. Suspirando e vendo que não teria outra escolha, atendeu.

— Boa noite Sr. Granger. — vez ou outra Ron estranhava repetir o sobrenome Granger. Ele não sabia o porquê, só sabia que estranhava. — Há um pouco mais de uma hora. Sim, estamos em um Hospital, bem, hum... — tragou a saliva, não sabendo como chamar o seu sogro de trouxa sem parecer uma ofensa. — Não, foi tudo uma surpresa. Hermione resolveu sair tarde da noite para comprar algumas coisas no supermercado e eu tentei impedi-la, mas não haveria pessoa no mundo para fazê-la parar. Então Rose e eu fomos com ela e assim que chegamos ao supermercado, à bolsa estourou. — Ron coçou a nuca, incomodado. — Estamos no Hospital St. Mary. O senhor sabe onde é? Ah, não, eu não sabia que ela nasceu aqui... Não, acho que nem ela percebeu. Não sei, senhor. Não, ainda não fui para casa pegar as coisas do bebê... Não precisa se incomodar, Sr. Granger. Ah, então se não for nenhum incômodo... Você sabe onde está à chave reserva? As coisas do bebê estão dentro do armário do quarto dele. Ok, muito obrigado. Vou avisar. Ok... Até logo.

O telefone foi para o gancho e Ron, na mesma hora, puxou Rose para o colo e encheu a face corada da filha de beijos. A garota gargalhou gostosamente e colocou as mãozinhas ao redor do rosto do pai, mordendo uma bochecha dele e, em seguida, pousando o rosto no contorno dele para então descansar.

— O papai só está esperando o tio Harry e a tia Gina chegarem para levá-la a casa do vovô Weasley, tudo bem? Não quero que a sua mãe fique sozinha...

— Tá. — Rose bocejou.

— Mas você pode dormir se quiser, pequena...

— 'bejo na mami. — a garotinha sussurrou. — 'di boa 'noite.

— Vamos esperar então um pouco para ver se poderemos dar um beijo na sua mãe... — assim que terminou de falar, Rose arregalou os olhos e os lábios, abrindo um sorriso gigantesco. — O que foi Rose?

— 'Dinha e 'dinho!

A ruiva praticamente se atirou nos braços do padrinho que, com os cabelos mais bagunçados do que o normal e com os óculos um pouco torto, pegou-a no ar e beijou-a na ponta do nariz. Gina fez o mesmo que a afilhada, mas não nos braços do marido, e sim nos do irmão.

— Parabéns, papai! — Gina cantarolou emocionada, beijando Rose para logo abraçar o irmão mais uma vez.

— Já vou avisando que não adianta ficar me paparicando, Gina. Caso nasça uma menina, o nome dela não será Ginevra. — irritando a irmã e segurando-a imediatamente pelos ombros, pois sabia que ela tentaria se afastar após o comentário, Ron recebeu um tapa forte no torso e soltou uma risada. — Nervosinha.

— Trasgo.

— Tronquilho ambulante.

— Cara de Grindylow.

— Gnomo de jardim!

— Goblin babaca!

Harry e Rose não piscaram uma vez sequer durante a troca amorosa de apelidos.

— Se a Hermione estivesse aqui, provavelmente teria lançando o olhar de Hermione em vocês dois por estarem se ofendendo ao se compararem com criaturas mágicas. — Harry falou divertido, balançando a cabeça de forma negativa, como se estivesse reprovando aquela cena.

— Mami não gosta! — Rose mostrou careta para os dois, na defensiva da mãe. — Nem eu!

— Desculpe-me, meu amor! — Gina, conseguindo se desvencilhar do abraço ainda aperta do irmão, pegou a sobrinha entre os braços e fez-lhe um carinho no rosto. — A "dinha" promete não falar mais que o seu papai tem cara de Grindylow ou que ele é um Goblin babaca.

— E o trasgo? — foi Ron que perguntou de braços cruzados.

— Ai você já está pedindo de mais. — ela respondeu com uma careta. — Pequena, você quer que a "dinha" a leve para a casa do vovô e da vovó Weasley?

— Si 'dinha! — a pequena Weasley deu um sorrisinho, mas logo um bico se formou em seus lábios em forma de coração. — E a mami?

— A mamãe vai ficar bem, Rose. — o pai se aproximou para colocar um cacho vermelho da garota para atrás da orelhinha delicada e segurar as mãos dela. — Amanhã, quando você acordar, você conhecerá o seu irmãozinho.

— Maninho! — a menina repetiu contentíssima, mas os olhinhos denunciavam o cansaço. — Dá 'bejo na mami, papi?

— Você quer que eu dê um beijo na mamãe por você?

— Si.

— Então está bem.

— Quer que eu vá com você? — Harry perguntou a esposa, que negou e beijou-lhe docemente na boca.

— Não precisa querido. Fique com o Ron. Vou apenas organizar tudo com a Rose e com os nossos filhos, falar com o papai para não deixar as crianças se pendurarem no teto e comer alguma coisa.

— Tem certeza que você não quer que eu vá com você, Gina? Você também está grávida...

— De quatro meses! Posso aparatar sem que o meu filho nasça parecendo um Erumpente. — mordeu a língua assim que terminou de falar. — Não contem a Hermione que ofendi quatro criaturas mágicas hoje, por favor.

— Contanto que você não ofenda os elfos... — Ron sorriu de lado, bagunçando os cabelos. — Vem cá, Rose Weasley, venha me dar o meu beijo de boa noite...

A garotinha tascou um beijo na boca do pai para em seguida acomodar-se no colo da tia.

— Cuidado, Ron... A sua filha será uma beijoqueira quando crescer. — Gina falou brincando e Harry se perguntou se a esposa gostaria de morrer ou se a gravidez estava tirando a sanidade dela.

— Olha aqui, Gina...

Antes que Ron começasse o discurso, Gina olhou para os lados descaradamente e, aproveitando que a enfermeira – que nem ao menos havia cumprimentado-a – saíra por uns minutos, aparatou com a sobrinha e deixou o irmão e o marido para trás.

Os xingamentos de Ronald ficaram voando pelo vento.

— E ai? — Harry deu de ombros, olhando para o amigo.

— Eu acho que...

Mais uma vez foi interrompido, só que daquela vez pela enfermeira educada que levara Hermione para o quarto.

— Sr. Weasley... — a mulher deixou de falar assim que viu Harry e então deu um sorriso doce, cumprimentando-o também. — Boa noite, senhor...

— Harry. — Harry sorriu de volta também.

— Sr. Weasley, a sua esposa já está devidamente instalada e pediu para que eu lhe perguntasse se o senhor já ligou para os pais dela, para os seus e para os seus amigos. — a enfermeira se concentrou na lista, esperando não deixar passar nenhum passo: — Perguntou também se a sua filha dormiu e se o senhor já foi buscar as coisas do bebê...

— Ah... — Ron entreabriu a boca, tentando lembrar a ordem para dar as respostas. Coçou a nunca e suspirou: — Será que eu não posso falar com ela?

— Oh, sim, seria melhor! — a enfermeira concordou, aliviada por não ter que repassar todas as respostas. — Quer que eu os leve até lá?

— Por favor. — o desespero voltou a tomar conta do corpo do ruivo. — Ela está bem?

— Sim, sua esposa está radiante. — a outra lhe sorriu com o olhar. — São poucas as mulheres que entram em trabalho de parto e permanecem tão calmas quanto ela...

— É, a Gina que o diga. — Harry sussurrou, lembrando dos gritos que escutou, dos xingamentos que recebeu e de como seus dedos só voltaram a se mover dias depois dos nascimentos dos filhos. — Você tem sorte.

— É, muita. — Ron achou melhor não tocar no assunto de como haviam ido parar em um Hospital Trouxa.

— Por acaso a enfermeira que estava no balcão explicou o procedimento do parto? Sua esposa disse que vocês tiveram o primeiro filho em, bem, outro país.

Harry soltou uma risada singela e Ron voltou a coçar a nuca.

— Bem, a enfermeira do balcão não me explicou muita coisa. — o ruivo entortou o nariz.

— Nós costumamos falar algumas coisas aos maridos, pois há alguns que passam mal quando vêem que a esposa está tomando soro pelas veias para se hidratar ou, em caso de partos realizados com cesárea, eles costumam se desesperar ao saber que é necessário, algumas vezes, realizar uma lavagem intestinal...

Os olhos azuis e os verdes se arregalaram.

Detalhes demais, detalhes demais...

— Se bem que a sua esposa disse que quer que o parto seja normal. Estou certa, Sr. Weasley? — Ron concordou com a cabeça sem saber pelo que concordava, ainda pensando nas palavras "lavagem" e "intestinal". — O colo do útero da sua esposa está dilatado três centímetros e meio, mas é recomendável esperar se dilatar cinco centímetros para aplicar a anestesia para levá-la até a sala de parto...

Harry tragou a saliva.

Nunca, em vida, pensou que escutaria algo referente ao colo do útero de Hermione.

Ron também não.

— Pronto, chegamos. — os três pararam em frente a uma porta e Ron, meio sem graça, agradeceu. — Não há o que agradecer. Daqui alguns minutos eu volto para ver se tudo está bem.

Ela abriu a porta para os dois homens atravessarem e a fechou, sem deixar de avisar que, qualquer coisa, bastava chamar.

Hermione olhou para eles com um sorriso do tamanho do universo.

— Harry! — a voz de Hermione costumava ficar esganiçada quando ela soltava gritinhos. Daquela vez não foi diferente. Na verdade, foi até mais agudo. — Que bom que você já chegou! — ela abriu os braços, chamando-o para um abraço que logo foi dado. — A Gina...?

— Foi levar Rose para a Toca, colocar ordem na bagunça e comer alguma coisa. Daqui a pouco ela está aqui. — Harry sentou na beirada da cama, sorrindo para a melhor amiga.

— Ron está se comportando? — ela perguntou, estendendo uma mão para o marido e sentindo os dedos sendo entrelaçados pelos dele. — Quando tivemos Rose, achei que ele iria desmaiar.

— Até mais do que o normal. — dando uma risada alta, Harry respondeu e recebeu um "meio-soco" no ombro.

— Por que você tem esse maldito costume de falar ao meu respeito quando eu estou ao lado de vocês? Ah, e é claro, não me colocarem na conversa.

— Porque se nós o colocássemos na conversa não seria tão divertido. — Hermione resmungou, mas em seguida postou um beijo na palma da mão do marido e torceu as sobrancelhas, mostrando que estava sentindo dor, mesmo que não demonstrasse.

— Nessas horas eu queria estar no St. Mungus. A poção calmante é bem melhor do que as anestesias, mas... — Hermione deu de ombros e suspirou. — Olha aqui, pequeno Weasley, não é bonito chutar a sua mãe! — ela disse para a própria barriga, colocando a mão que não estava presa entre a do marido sobre o ventre. — Por favor, querido, você não se importa de vir logo ao mundo?

Os dois homens trocaram olhares entre uma risada e outra.

Hermione, com toda a certeza do mundo, ficava abalada durante o nono mês.

— Rose não chorou? — ela ergueu o rosto para mirar os olhos azuis de Ron. — Ela não gosta de dormir sem um beijo de boa noite...

— Ela me fez prometer que eu lhe daria um beijo de boa noite por ela... — Ron sorriu, afagando os cachos da esposa e realizando o pedido da filha ao selar os lábios com os dela. — Sabe o que é engraçado? — Hermione se espreguiçou na cama, rolando os olhos pelo quarto ao sentir mais uma contração. Os outros dois se prepararam para ajudá-la, caso necessário. — Antes de tudo isso, digo, quando nós estávamos em Hogwarts, eu tentava nos imaginar no futuro. Isso é, caso sobrevivêssemos... — tocar no assunto da Guerra nunca era agradável. — Eu não conseguia imaginar nada... Não sabia como seria... Eu só implorava para que vocês dois fizessem parte dele. — ela confessou com os olhos úmidos e tratou de enxugá-los antes de preocupá-los. — E eu percebi que nunca agradeci a vocês dois por terem me acolhido como amiga, mesmo depois de eu ter bancado a sabe-tudo arrogante por diversas vezes no primeiro ano...

— É, foi mesmo difícil suportá-la... — Harry revirou os olhos, com um sorriso pequeno nos lábios. — Mas eu dou um descontou porque você apenas salvou a nossa pele muitas vezes...

— Ah, Harry! — os olhos de Hermione ficaram ainda mais cristalinos. — Vocês foram os meus primeiros amigos e graças a isso olhe só tudo o que eu tenho hoje em dia!

— No momento você tem contrações e o colo de útero dilatado. — Ron brincou, escutando risadas incrédulas dos outros dois e sentando na cama, ao lado da esposa. — Hermione, não fomos nós que demos a chance a você para ser nossa amiga. Simplesmente aconteceu porque precisava acontecer. Eu tenho certeza que falo por mim e pelo Harry quando eu digo que nós dois tivemos mais sorte em encontrá-la do que você teve em nos encontrar. — o moreno confirmou com a cabeça veemente. — Não só por você e a sua inteligência terem nos tirado de várias encrencas, mas porque você foi à amiga mais leal e que esteve lá quando todos nós precisávamos. — ele postou um beijo na mão dela e sorriu um pouco. — Mas ok, eu confesso que aquele Trasgo Montanhês do nosso primeiro ano influenciou um pouco a nossa amizade...

— Um pouco... — Harry disse entre uma risada e outra.

Hermione tentou rir, mas precisou cerrar os dentes para não deixar um gemido alto de dor escapar. O marido percebeu que a expressão dela outra vez voltava a empalidecer e levantou, avisando que sairia do quarto para procurar uma enfermeira e que logo voltaria.

Ron pediu para Harry tomar conta de Hermione, e os dois sorriram diante do pedido.

Assim que o ruivo saiu pela porta, o olhar azul se encontrou com o olhar castanho e, sem mais, os dois soltaram gargalhadas.

Hermione, até o sexto ano, nunca entendera o porquê de se sentir tão confortável quando perto de Harry... Então começou a analisar a relação de Gina e de Ron. Claramente os dois brigavam – e muito – por besteiras, por meros detalhes insignificantes ou ciúmes absurdos por parte dos dois. Mas no final de todos os dias, independente se horas antes eles estavam arrancando os fios de cabelo vermelhos um do outro, eles se sentavam juntos na mesa da janta, trocavam sorrisos sardentos idênticos e conversavam com uma sintonia surreal. Algo que apenas irmãos poderiam entender...

E foi assim que Hermione percebeu o que Harry era para ela. Um amigo de sangue, um irmão de alma. As gargalhadas, os abraços e as trocas de pensamento silenciosas eram algo que apenas eles e mais ninguém compreendiam.

Ela era realmente agradecida por ter aqueles dois homens – e ainda garotos – em sua vida.

— É, quem diria... — foi o garoto-da-cicatriz que falou: — Nunca que eu imaginaria você e Ron casando, tendo filhos e não assassinando um ao outro. — a frase saiu totalmente irônica, de forma a mostrar que ele tinha certeza daquele fato há anos. Hermione caiu na risada. — Todos aqueles anos, aquelas brigas... Eu sempre sabia que vocês não se suportavam, que assim que Hogwarts terminasse, vocês seguiriam caminhos diferentes e nunca mais se veriam...

— Ah, Harry, pare com isso! — ela falou, sem deixar de rir. — Não era tão óbvio assim!

— É, realmente. Você, o Ron e a Rita Skeeter não sabiam... — Harry riu junto com a amiga. — O que é que a Skeeter falou sobre nós no quarto ano mesmo?

— Faço questão de não lembrar. E também tento apagar da minha memória a parte em que ela me chamou de uma bruxa feia que utilizava a inteligência para preparar poções do amor para conquistar bruxos famosos. — Hermione cruzou os braços acima da barriga e revirou os olhos. — Se já não bastasse o Torneio Tribruxo, Voldemort, você e Ron brigados, eu ainda tive que aturar aquela mulher...

— Acredite quando eu digo que Ron deve ser o que mais guarda mágoas de Skeeter. Primeiro ela falou que você estava comigo, depois a chamou de feia, depois ainda espalhou a história com o Krum...

— Bom, levando em conta que o Ron é um poço de mágoas... — Hermione voltou a sorrir, balançando a cabeça. — Até hoje ele olha meio de lado para o Dino...

— Não é só ele. — Harry resmungou e a outra entreabriu a boca, levemente pasma. Fechou-a em seguida para segurar outro gemido.

— Vocês dois... Ai. — parou a frase logo no começo e olhou para a porta que se abria, esperando Ron aparecer...

... Mas quem adentrou no quarto, daquela vez, foi sua mãe, a Sra. Weasley e Gina.

Harry achou que aquela era a deixa para sair do cômodo em silêncio, pois as duas mais velhas pareciam uma pilha de nervos e, provavelmente, sobraria para ele por ser o único homem ali.

— Harry querido — a Sra. Weasley o chamou antes que ele conseguisse escapar: — onde o Ronald está?

— Foi chamar uma enfermeira para mim, Sra. Weasley. — Hermione sabia que a sogra pariria uma criança se pensasse que o filho estava andando pelos corredores, sem rumo. — Ele já deve estar voltando...

— E como você está querida? — foi a Sra. Granger quem perguntou.

Gina olhou sorrateira para o marido e lhe sorriu antes que ele, por fim, conseguisse sair dali.

— Eu estou bem, mamãe. Só que dessa vez está doendo um pouco mais do que o parto de Rose...

— Isso significa que esse filho será mais complicado. — Gina falou sorridente. — Mamãe sempre disse que os partos mais difíceis foram o de Ron, Fred e Jorge. — a garota era a única, tirando Jorge, que conseguia mencionar o nome de Fred com facilidade nas conversas. — Está explicado o porquê deles terem dado tanta dor de cabeça.

— Gina fala como se fosse uma flor que se cheira... — Ron adentrou no quarto, olhando feio para a irmã. — Oi mamãe, oi Sra. Granger. — não esperou o cumprimento das outras, aproximando-se mais uma vez da esposa e olhando-a com adoração. — A enfermeira já está a caminho, meu amor...

— O Ron ainda não passou mal? — a pergunta de Gina deixou o irmão ainda mais enfezado.

— Ginevra, pare de irritar o seu irmão. — Molly ordenou, ficando ao lado do filho e abraçando-o amorosamente.

— Boa noite... — uma outra enfermeira entrou e cumprimentou todo mundo com um sorriso doce. — Eu vim conferir a dilatação da Sra. Weasley. — todo mundo, menos a Sra. Granger, soltou risadinhas. Aquela frase era bem estranha, ainda mais quando Molly e Hermione estavam no mesmo local. — Eu poderia pedir para vocês esperarem na sala de espera? Normalmente a mamãe não acha muito bom fazer isso com várias pessoas olhando... — as bochechas de Hermione coraram de imediato. As de Ron também. Gina não evitou rir. — A não ser que o marido ou a mãe desejem ficar aqui...

— Pode ficar Sra. Granger. — Ron arregalou os olhos azuis e saiu do abraço da mãe. — Eu vou ficar aqui fora esperando. — beijou a esposa nos lábios delicadamente e, em seguida, saiu puxando Gina pelo braço, sem dizer nada.

— Ron está nervoso. — Molly deu um sorriso pequeno, orgulhosa do filho que possuía. — Bem, querida, vou sair também. — beijou-a nos cabelos e apertou firme uma de suas mãos. — Mal posso esperar para ver o meu netinho...

Depois de alguns poucos minutos, quando finalmente uma médica obstetra apareceu na porta do quarto com uma prancheta na mão e um residente do lado, Ronald percebeu que toda a "calma" que conseguira manter até então esvaia, aos poucos, pelos seus dedos. A ficha caiu, enfim. Seria pai outra vez. De outra criança. Ruiva, provavelmente.
A respiração começou a falhar, assim como a resistência das pernas.
Gina, que se encontrava há poucos centímetros de distância, segurou firmemente uma mão dele, tentando passar um pouco de calma e conseguindo cumprir a meta. Ficando de pé, junto da irmã, Ron se aproximou da médica que sorria tranquilamente.

— O senhor deve ser o Sr. Weasley. Eu sou a Dr. Georgia Davies, prazer. — os dois trocaram um cumprimento formal de mãos e o outro sussurrou um: prazer. — Vim avisar que a sua esposa será levada para a sala de parto nesse momento e também vim perguntar se o senhor gostaria de assistir o parto.

Em silêncio, Ron refletiu um segundo. Ele conseguira ficar quase o tempo todo ao lado de Hermione, no parto de Rose. Só passou levemente mal – a ponto de quase colocar as tripas e o coração para fora – na hora em que a curandeira, no St. Mungus, avisou: "vamos começar a empurrar..."
Fora isso, sossegado era o seu nome do meio.

— Eu acho melhor... — Gina começou, mas o irmão a interrompeu.
— Está bem. — a resposta de Ron fez com que a boca da mais nova quase tocasse ao chão.

O que Ronald queria? Desesperar Hermione com acessos de pavor e alguns desmaios?

— Ron, eu não sei se...
— Hermione e eu concordamos que dois filhos é o ideal. — os olhos azuis encontraram os outros olhos tão semelhantemente azuis. — Eu não assisti o nascimento da Rose, Gina... Essa é a minha última oportunidade para, bem...
— Escutar a Hermione proferindo todos os xingamentos do mundo, dizendo que o odeia por ter feito ela passar por tamanha dor e ter os dedos das mãos esmagados?

— É, hum, isso ai. — a resposta curta e assustada de Ron fez com que as duas moças presentes soltassem risadas.
— Boa sorte então. — não precisando ficar muito nas pontas dos pés, Gina postou um beijo na bochecha e fez um carinho nas costas do irmão, afastando-se em seguida para dar a notícia aos demais presentes.

O residente que acompanhava a médica fez com que Ron o seguisse para uma sala especial. O ruivo, que mais parecia sofrer um ataque de epilepsia de tanto que tremia, seguiu-o em passos lentos, obrigando-se a lembrar de respirar pausadamente. Na sala, colocaram-no em uma espécie de avental azul, luvas em suas mãos, uma coisa semelhante a uma touca em sua cabeça e mandaram-no esperar.
Em meio à tremedeira, Ron se esforçou para não sair correndo abestado pela porta de saída e só regressar ao Hospital quando o seu filho já estivesse embalado em uma manta, no colo da mãe.
Ora, ele já enfrentara tantas coisas piores do que um simples parto! Como é que era possível estar aterrorizado – mais uma vez – por conta daquilo?
Focou os pensamentos em coisas boas. Outra vez retornou a pensar que logo teria o seu filho em braços. E Hermione, finalmente, pararia de cometer loucuras como a daquela noite. A família Weasley aumentaria naquela noite... E o nervosismo era somente resultado da empolgação e ansiedade.

— Sr. Weasley, o senhor pode me acompanhar? — a enfermeira educada perguntou, tocando-o no ombro para chamar a atenção. — A sua esposa está perguntando pelo senhor...

Hermione estava perguntando por ele.
Hermione queria que ele estivesse com ela, naquele momento.
E o que Hermione queria era sempre o mais importante.

— Vamos. — ele falou por fim, deixando a coragem e a felicidade sublime afastar todos os nervos e temores e deixando o corpo rumar em direção ao lugar que ele pertencia: ao lado de Hermione.


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Notas finais do capítulo

A cena do parto continua no próximo capítulo. Só dividi para não ficar muito grande... =)



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