Remendo escrita por juvsandrade


Capítulo 15
Proteção


Notas iniciais do capítulo

Leia escutando Blink 182 - I'm Lost Without You.



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O lugar era escuro. E frio. Hermione teve a sensação de que mergulhava em uma banheira folhada de cubos de gelo. Um arrepio perpassou por sua coluna, eriçando os pêlos de seu braço e fazendo-a tremer.

O lugar também era familiar.

Cerrou os olhos, tentando ligar as pontas e compreender. Por que se sentia tão mal estando ali? Afinal, onde é que estava?

Escutou um rangido. Não quis procurar o causador do barulho. Quis permanecer ali. Quis procurar o seu marido. A sua filha... Algo estava errado. Ela podia sentir.

Mais um rangido.

E então uma risada alta, praticamente escandalosa e sombria.

Hermione encolheu-se.

— Ora se não é a sangue-ruim! — Bellatrix cantarolou, em algum canto do cômodo, não mostrando o rosto.

Não era possível. Não, não era possível. Como poderia...? Não...

— Você achou que eu estava morta, queridinha? — outra risada maligna se perdeu pelas paredes. — Que eu estava debaixo da terra, junto com os seus amiguinhos fracos e com os traidores do próprio sangue?

Engasgando-se com o choro, Hermione procurou a varinha nas vestes, mas nada encontrou. No mesmo instante escutou um crack e alguns pedaços de madeira foram atirados aos seus pés. Ela sabia o que aquilo era. E ela sabia que não tinha como escapar.

— Não me juntarei àquele Weasley imundo ou ao lobisomem pulguento. — Bellatrix seguiu a cantarolar, com a voz ainda mais perversa do que o normal. — Mas eu acho que há mais dos Weasleys que podem se juntar aos outros...

Algo doía. Seus olhos ardiam e sua boca estava seca, tão seca. O calor que segurava suas mãos deixou de existir e aquele fato a apavorou de tal forma que seus olhos fizeram força para se abrir, sua mão se mexeu, quase que se levantando, mas logo tornou a se abaixar.

Sua cabeça latejava.

Algo estava errado.

Bellatrix...

— Não sei quem eu devo matar primeiro. Um traidor de sangue ou a cria nojenta desse traidor com uma sangue-ruim...

Chorou o choro mais sofrido. Chorou descontroladamente. Chorou desesperadamente. E o choro fino de sua filha invadiu os seus ouvidos, matando-a aos poucos.

"Não, não, não, por favor, não!"

— Talvez eu mate apenas um... — Hermione sentiu-se tombar no chão com aquelas palavras. — Qual você escolhe, sangue-ruim?

— Por favor... — sem saber como, sem forças, implorou. O choro de sua filha... — Por favor... Não...

— Seria mais prazeroso vê-la viver sabendo que precisou tomar uma decisão dessas. Ou a filha ou o marido. Não que valha a pena poupar a vida de um desses... Porcos imundos.

— Por favor! — gaguejando, chorando, implorando, Hermione olhou para o vão negro, procurando por Bellatrix, disposta a beijar-lhe os pés, oferecer qualquer coisa em troca. A sua vida. Ofereceria a sua vida. Não podia suportar... — Por favor!

Como se fosse possível, Hermione começou a chorar mais forte. "Por favor, me escolha!" a mente dela gritava "Por favor, mate a mim!"

— Por favor... Não faça... Não faça nada com eles... Por favor... Mate-me! Não... Não faça nada... Com eles... Por favor! É a mim...

— E você acha que eu perderia o favor de eliminar mais um verme, sangue-ruim?

Hermione não soube como, mas ficou de pé. Tentou andar, meneou a cabeça a procura da filha, do marido... Todavia, tudo o que enxergava era o escuro. E mais nada. Um vazio.

— Escolha...

— Eu... Por favor... Eu...

— Não teria graça. — o rosto de Bellatrix enfim ganhou forma.

No meio do breu, os cachos negros como a morte se destacaram e o sorriso amarelo encardido ganhou força. A costumeira risada aversiva e desoladora ecoou pelos tímpanos de Hermione e essa quis afogar-se nas próprias lágrimas. Não era possível existir dor maior.

Os olhos castanhos percorreram o chão, se, razão, encontrando, atirado em um canto qualquer, o corpo de seu marido. Imóvel. Atado em cordas que não se romperiam com facilidade, Sangrando. Hermione berrou. Por favor, por favor, não faça nada a ele... E chorou. Não sobreviveria... Não sem ele. E a gargalhada dissimulada e perversa seguia a ressoar por cada canto encardido daquela sala.

E o choro de Rose assolando os seus ouvidos. Assim como a risada de Bellatrix.

— Faça a sua escolha, sangue-ruim, antes que eu a faça por você.

O choro desesperado de Rose extinguiu o resto de força que havia em seu corpo. Ron moveu uma mão. Uma única mão. Atirado. Jogado ao breu. E ela nada podia fazer. Odiou-se tanto. Odiou-se até a última fibra de seu ser. E não podia fazer nada...

— Por favor... Eu imploro... Mate-me. Não os machuque...

— Escolha um se não serão os dois...

— Eu escolho a mim... A mim...

Com uma última risada repleta de desdém, Bellatrix balançou a varinha, trazendo o corpo de Ronald até deixá-lo cair sobre os próprios pés. Rose passou a urrar. Abaixando-se para cutucar com a ponta da varinha o corpo desfalecido de Ron, Bellatrix deixou mais um sorriso perdido pelo ar, e, arqueando uma sobrancelha ao ver como Hermione se debatia de onde estava, implorava, rogava para ela deixá-lo em paz, esganiçava, deixou com que um jato verde saísse por ali, atingindo Ronald no meio do peito e fazendo com que tudo se tornasse escuro.

Hermione abriu os olhos empapados de lágrimas. Precisou de alguns punhados de segundos para entender onde estava e, quando compreendeu, de imediato tateou a cama do seu lado direito, afogando-se outra vez em um choro ao sentir o corpo de seu marido ao seu lado, ainda afundado em um sono profundo. Tremendo, apoiou-se na cama, num movimento bobo, esticando uma mão para senti-lo respirar, para ver o peito dele subindo e descendo... E chorou mais. Chorou mais porque a sensação de perdê-lo era a pior existente e ela tinha tanto medo...

Quis acordá-lo. Quis pedir para que ele a abraçasse, para que ele dissesse que nunca mais sairiam dali, que ficariam para sempre juntos, daquela forma. Quis que todos os sonhos ruins se fossem e não voltassem mais. Que Bellatrix apodrecesse em sua memória.

Ainda estava apavorada quando seguiu ao banheiro, encostando a porta com leveza para não chamar a atenção de Ron, ligando o chuveiro e se enfiando por debaixo da água, esperando com veemência que a água levasse embora o pavor que se encontrava incrustado por suas veias.

E não conseguia... Não conseguia deixar de derramar lágrimas...

Ron está vivo. Rose está viva. Ron está bem. Rose está bem. Ron está vivo. Ron está vivo. Ron está vivo. Rose também...

Abraçou aquelas palavras. Tentou fazê-las de curativo. O machucado mais uma vez viera à tona... E seguiria ferindo-a. Não era justo! Custava... Conseguir esquecer? E Bellatrix apontara a varinha para o seu marido... E... Poderia matá-lo. Ou a sua pequena filha... Não... Era um sonho... Pesadelo... Tudo estava bem... Tudo estava bem...

— Hermione? — mesmo a voz apavorada de seu marido não conseguiu tirá-la dos devaneios. — Hermione, que diabo, o que aconteceu...?

A pergunta ficou levitando e não foi respondida. A porta do box se abriu com força e ele se agarrou a ela, deixando o corpo molhar, moldar-se ao dela em um abraço sufocante para então sentir as lágrimas quentes se juntarem as gotas de água do chuveiro sobre o seu pescoço. Os olhos de Hermione se perdiam em um vermelho vacilante. As mãos tremulavam. E o corpo encharcado mal se movia.

Ronald não pode deixar a recordação escapar. A última vez que a vira daquela forma quebradiça fora no Chalé das Conchas, logo após o episódio da Mansão dos Malfoy. E, intimamente, ele sabia que o acontecimento do futuro era ligado à lembrança obscura do passado.

— Não chore, por favor... — sentou direito no chão do box, aumentando o contato do abraço e levando-a para o conforto de suas pernas. — Por favor, Hermione, não chore... Eu estou aqui com você... Não chore...

Os dedos de Hermione tornaram-se prisioneiros de um pequeno pedaço de pena da blusa de Ron, apertando-o com angústia em uma tentativa inútil de diminuir o que sentia. Coisa que parecia impossível de acontecer. Ele seguiu repetindo: eu estou aqui, por favor, não chore e abraçando-a como se o mundo ao redor estivesse acabando, até que, enfim, as palavras começaram a surtir efeito.

Ele estava ali.

Por ela.

— O que aconteceu com você? — ele perguntou, beijando-a várias vezes na testa e entre fios de cabelo grudados por ali, segurando-a firmemente enquanto a ninava. — Por favor, conte-me o que aconteceu com você para eu poder ajudá-la...

— Bellatrix. — o nome foi proferido em um cochicho sufocado. O medo voltou à tona. — Ela... Estava viva... E... Nós estávamos na... Mansão dos Malfoy... Mas... O choro da Rose... E você estava caído... Perto dela... Sangrando... — os soluços de Hermione aumentaram o volume e a freqüência. — O choro... Da minha filha... A risada... Dela... E eu pedia... Implorava... Para ela não fazer nada... — Ron sentiu o pavor dela na própria carne e quis que tudo o que Hermione sentia, naquele momento, passasse para ele. Queria carregar as dores dela sozinho. Não queria vê-la daquela forma... — E ela dizia... Escolha... Um... Apenas... Um... E eu implorava... Para ela me escolher... E ela ria... Dizia que não teria... Graça! — aferrando-se ao corpo do marido, embrulhando nos braços e abraços, deixou-se chorar por mais algum tempo antes de retomar a força e continuar, com a voz semelhante a um pio: — Eu pedi tanto... Para ser eu... Eu queria morrer... Não podia deixar nada... Nada... Acontecer com você... Ou com Rose...Eu não saberia... Viver... Sem vocês... E ela... Apontava a varinha... E ria...

— Hermione... — chamou por ela, contudo, ela pareceu não escutar. — Hermione, está tudo bem. Eu estou aqui ao seu lado, Rose está dormindo no quarto ao lado... Estamos aqui e estamos juntos... Nada vai nos acontecer. — seguiu beijando a face dela com uma delicadeza surreal, sentindo-a mais sossegada, serena. — Você escutou o que eu lhe disse, meu amor? Estamos aqui e sempre estaremos...

Com a recordação do sonho ruim afastada, Ron conseguiu fazê-la levantar, sempre a deixando se apoiar nele, para então tirar-lhe a roupa molhada e ajudá-la a vestir uma seca. Abaixou a tampa do assento sanitário para colocá-la sentada, para ele poder trocar de roupa também, e, em seguida, secou os cabelos dela com a toalha com mansidão. Separou-se dela por segundos para secar o chão do banheiro cheio de poças de água e deixá-la pentear os fios castanhos. Em seguida levou-a até a cama e deixou-a ali por mais poucos segundos, o suficiente para marchar até o quarto ao lado e pegar o pequeno embrulho cor de rosa que continha a sua filha e levá-lo de volta ao cômodo.

Hermione tremeu subitamente ao receber a garotinha nos braços.

Apenas alguns meses de vida e a menina já lembrava o pai.

Deixou as costas se encontrarem com o apoio da cama, não despregando os olhos do bebê um segundo sequer, e sentindo a presença de Ron ao seu lado, observando Rose, com olhos tão apaixonados quanto os dela.

Ela poderia viver por toda a eternidade envolta daquele calor. Daquela certeza de que nunca nada abalaria aquele amor sublime. Sim, ela poderia...

— Eu sempre estarei aqui também... — Hermione sussurrou para ele, com uma leveza de aliviar, para, depois, começar a cantarolar uma canção de ninar para Rose.

Ron apoiou o queixo no ombro dela, mirando a filha adormecida, escutando a canção proferida por sua esposa e fechando os olhos, ao mesmo tempo em que apertava uma mão dela entre uma das suas.

Ele estava ali.

Por ela.

Assim como ela estava ali.

Por ele.


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