Deixe Charles comigo, vá atrás de Hanaggan.

Parei em choque ao ouvir a voz de James em minha cabeça. Fiquei assustada no primeiro momento, mas então lembrei da tradução que fiz do diário. Killsters podem conversar telepaticamente. Assim que processei a informação, Charles socou-me com força, lançando-me contra a parede. Ele parecia pronto para me matar quando James atacou-o, aproveitei esse momento para sair de lá, rapidamente arranquei uma das barras da jaula onde me mantiveram – cuja estrutura já estava um pouco fraca por conta do calor do fogo – e segui pelo caminho que fora usado para me trazer para cá, esperando achar Hanaggan ainda no coliseu.

Encontrei-o lá em cima, procurando pela saída. Corri até ele e o golpeei, impedindo sua fuga. Ele cambaleou e deixou o livro cair de suas mãos. Acertei-o em suas costas, derrubando-o, atingi-o mais algumas vezes com a barra de ferro até que ele tirou uma espécie de faca do bolso e cortou minha panturrilha.

Recuei por conta da dor, sentindo o sangue escorrer por minha perna. Ele tentou me acertar novamente, mas reagi com antecedência, desarmando-o. Quando ele correu para pegar a faca caída, reparei na marca em sua nuca e me preparei para mais um ataque. Golpeei-o na cabeça. Ele reagiu, cortando minha testa com a faca. O sangue começou a escorrer desenfreadamente. Passei a mão na testa, limpando-a e tentando conter o sangramento, pois o líquido vermelho bloqueava minha visão.

Senti mais um corte, esse acertou a mão que limpava meu rosto, tentei reagir, mas não enxergava muito com o sangramento excessivo que falhei em conter. Mais um corte. E outro. E outro. Senti a dor nas partes de meu braço que haviam sido atingidas me dominar. Quando o ferimento finalmente se fechou, mirei a barra de ferro em sua nuca, acertando em cheio.

Ele gritou. Recuperou-se e acertou-me novamente. Retribuí o ataque.

Depois de mais alguns golpes, paramos, observando um ao outro, planejando um ataque mais lógico. Planejando o golpe final. Ofegávamos os dois por conta do cansaço da luta que se passou. Mirei sua nuca apenas com o olhar, pronta para um segundo golpe e esperando que esse lhe quebrasse o pescoço, o que com sorte traria sua morte, ou então uma vantagem que me daria tempo de pegar sua faca e cortar sua marca.

Então ataquei. Atingi-o exatamente na nuca, com força. Mas não força o suficiente. Ele continuou em pé, porém recuou um pouco por causa da dor imensa que provavelmente sentia. Bati com a barra de ferro em suas costas, o que o fez se desequilibrar e então em suas pernas, fazendo-o cair.

Mesmo caído, Hanaggan tentou seu golpe decisivo. Rapidamente, tentou cortar minha marca no tornozelo, pulei para desviar e bati o pedaço de ferro em seu pescoço com força. Ele grunhiu de dor e sacudiu a faca de forma animalesca, acertando meu tornozelo, pouco acima de minha marca.

Entrei em choque por alguns segundos, gritando e deixando-me chegar ao chão.

Ouvi um grito de uma outra pessoa e me virei, percebendo que um casal nos observava. James e... Rebeca? Sim, era Rebeca! Tive vontade de correr para abraçá-la. Quase morri quando a vi morrer há alguns minutos atrás. Vê-la ali, viva, fez meu coração pular de alegria. Eu posso não ter demonstrado muito isso, mas desenvolvi certo afeto por Rebeca nesse mês que se passou. Admirava seu jeito positivo e decidido...

Não a invejava, mas desejava ter a mesma força, a mesma coragem que ela possuía.

Voltei a prestar atenção no que acontecia, deixando a euforia causada por vê-la bem ir embora. Hanaggan agora estava em pé, segurando a barra de ferro que antes estava comigo e encarando James e Rebeca, com uma mensagem clara no olhar:

Ele iria me matar. E depois não hesitaria em matá-los.

A essa altura, já não me importava mais que minha vida fosse tomada. Mas eu não poderia deixá-lo ferir as únicas pessoas que me entendiam nessa história toda. As únicas pessoas vivas pelas quais eu me importava naquele momento de minha vida.

Antes que eu pudesse fazer algo, James agiu, atacando Hanaggan e me tirando de sua mira. Eles rolaram para um pouco distante de nós. Parei de prestar atenção neles.

Corri até Rebeca e abracei-a. Ela hesitou em retribuir, mas quando retribuiu demorou para soltar.

-Fiquei preocupada! Quando achei que você tinha morrido, eu... Se meu braço não estivesse quebrado eu mataria Katherine com minhas próprias mãos... Mas James se ocupou em vingar sua morte. Katherine pagou pelo que vez a você e a Annabeth.

-Como sabe sobre Annabeth?

-Eles discutiam todos os assuntos lá em baixo e eu estava presa na jaula – senti um calafrio ao dizer isso -, então pude ouvir.

-O livro? – perguntou.

Corri até onde havia derrubado o livro das mãos de Hanaggan e peguei-o, voltando até ela e entregando-a.

-Onde está James? – perguntou, seu olhar corria por todas as paredes do local, buscando o garoto.

-Ele vai ficar bem, Rebeca. Sua transformação demorou para acontecer, mas quando acontecer ele veio com força total. Além disso, matou dois Killsters, acho que isso traz mais energia do que matar humanos...

Ela respirou fundo, tensa. Depois de um minuto de silêncio, perguntou com certa preocupação no olhar:

-O que você sente por ele? – fui pega de surpresa por suas palavras.

-Como assim?

-Você ficou com ele aquele dia... Por quê?

Pensei sobre isso. Eu não sabia porque eu tinha feito o que fiz. Embora eu buscasse por palavras, nada me vinha a mente.

-Não sei...

Ela levantou as sobrancelhas.

-Não sei. Simplesmente não sei. Talvez por ser, em parte, como o próprio James, e deixei essa parte me dominar aquele dia. Mas, no fundo, sempre torci para que vocês ficassem juntos. – falar essa última frase não fazia parte de meus planos.

-O quê? – perguntou confusa.

Suspirei.

-Bem, eu podia sentir que rolava um clima, apesar dos dois se negarem isso.

-E mesmo assim você...

-Rebeca! Isso não é hora de me punir por meus pecados, ok? Eu já me martirizei o suficiente por isso, certo? Talvez por me sentir culpada por interferir no relacionamento de vocês, que por sinal nem existia ainda, ou talvez por ter feito isso logo depois de ouvir sobre a trágica morte de sua irmã e de seu pai! Talvez até pelos dois motivos, não sei! Tudo o que sei é que já me puni o suficiente por isso! E como se não bastasse, fui torturada por todo o tempo que estive presa aqui, para revelar informações sobre vocês para que eles pudessem chantageá-los! Mesmo assim nunca revelei sobre Lucas, Miguel ou Rachel, deixei que fizessem o que fizeram para proteger as pessoas que são importantes para vocês! Eles mataram Ann, minha melhor amiga e Pierre, seu primo, para que eu revelasse e ainda assim mantive segredo. Porque, apesar de ter feito o que fiz, vocês se tornaram as pessoas mais importantes para mim e... E... – as lágrimas escorriam por meu rosto e a necessidade de chorar bloqueou minhas palavras. Rebeca me puxou para um abraço.

-Desculpe-me por Ann e Pierre. – murmurou, apertando o abraço – E me desculpe pela raiva também. Não tenho direito de culpá-la por dormir com um cara que nem meu namorado era...

Retribuí o abraço. Senti suas lágrimas molharem meu ombro.

Então Rebeca me puxou para o lado, fazendo-nos cair no chão. Foi aí que vi Hanaggan há alguns passos atrás de nós, que logo correu para recuperar a faca que jogara em nossa direção.

Ele pegou a faca novamente e atirou em nossa direção. Rebeca cobriu o rosto com as mãos e a faca acertou seu braço esquerdo, cortando toda a extensão do mesmo. Ela gritou de dor. Peguei a faca e corri até Hanaggan. Com minha própria barra de ferro, ele me bateu na marca. Gritei de dor, mas antes de cair pude atingi-lo no pescoço, cortando-lhe a garganta. A piscina de sangue que escorreu me sujou. Como se nada estivesse acontecendo, Hanaggan continuou a atacar-me.

Acho que tive sorte de não morrer quando ele quebrou meu tornozelo. Talvez o ponto fraco fosse a marca em si, não a região onde ela está. Ele pegou a faca de volta, prendendo a barra de ferro a calça – não pude ver como.

Hanaggan me ergueu pela gola da camisa e me jogou contra a parede mais próxima, erguendo-me novamente, sufocando-me dessa vez. Apesar da falta de oxigênio eu só conseguia me concentrar em meu tornozelo quebrado. Ele afrouxou o aperto, pressionando a faca com força em meu pescoço.

-Que tal conversarmos sobre como me diverti convencendo Hugo a matar sua mãe, que tal? – ele murmurou, rindo ameaçadoramente em seguida. Tive vontade de matá-lo – A verdade é que sempre estive do lado deles, sem que eles soubessem... Concordo com a ideia de que nossa espécie deveria dominar. – ele riu novamente – Chega a ser patética a tentativa excessiva de vocês de lutar pelos humanos... Seria tão mais fácil se vocês tivessem se unido a nós, ao invés de resistido tanto... – ele pressionou a faca com mais força, perfurando minha jugular. O sangue começou a escorrer. O corte em sua garganta já estava quase completamente cicatrizado – Mas quando eles descobriram que o livro estava comigo... Eu não podia deixá-los descobrir como matar um de nós. Ou como aumentar nosso poder. Não, isso seria um risco. Eu não podia deixar isso acontecer... Mas agora estão todos morto, certo? – ele riu ameaçadoramente de novo – Só me sobraram vocês três. E nenhum de vocês vai conseguir me matar. Porque eu sou mais poderoso... Muito mais poderoso do que vocês. Matá-los não será nenhum desafio. – pude ver em seus olhos que ele estava prestes a dar o golpe final, então seu corpo foi puxado para longe de mim.

Meus olhos pousaram em James. Era a segunda vez que ele me salvava da quase morte.

Virei para Rebeca e me arrastei até ela, parando ao seu lado. Meu tornozelo já estava se recuperando. Olhei para seu braço.

-Não está tão ruim assim... – eu disse, limpando o sangue que secava em seu braço, por cima da ferida que começava a se fechar. Ela olhou para mim novamente, voltando a observar a luta, preocupada.

-Pedi para ele te ajudar. – ela disse, sem desviar o olhar de James.

Sorri.

-Obrigada.

-Eu que agradeço. – fiquei confusa. Ela virou para mim novamente – Por proteger Lucas.

Sorri novamente. Uma pausa se fez.

-Rebeca. – chamei – James não vai conseguir matá-lo. – anunciei. Seus olhos se arregalaram, um misto de medo e confusão era expresso no verde de seus olhos – Hanaggan disse algo sobre uma maneira de aumentar nosso poder e aparentemente ele aumentou o dele. Mas você pode matá-lo. Eu sei que pode. – eu disse.

-Como? – perguntou, depois de uma pequena pausa.

-Você vai saber como...

Ela voltou a olhar para James. Segui seu olhar. Percebi que James estava desarmado e que poderia facilmente ser derrotado.

Era minha vez de salvá-lo.

Olhei em volta, analisando minhas opções. Não encontrei nenhuma. Percebi em uma fumaça saindo do lugar por onde viemos.

O incêndio!

Olhei novamente para James. Agora ele segurava a faca e estava pronto para cortar a marca de Hanaggan. Voltei o olhar para Rebeca. Toquei seu rosto de leve e puxei-a para um beijo. Rápido, mas suave. Quando afastei nossos lábios, ela me encarou com um olhar inocente, surpresa.

-Digamos que isso seja um adeus francês. – murmurei em seu ouvido.

Ouvimos o grito de dor de James. Ele caiu chão, segurando seu pescoço, como se isso fosse parar a dor. Rebeca gritou.

Tudo o que eu podia fazer para ajudá-los era deter Hanaggan, e como já havia sido provado, eu não poderia fazer isso com minhas próprias mãos. Teria que usar a situação em meu favor.

-Salve James e mate Hanaggan. – eu disse, ela me olhava ainda preocupada com o amado – Então voltem para o hotel. Tentem não ser vistos, deixem todos os danos por minha conta. – olhei para ela uma última vez. Sabia que antes de conhecê-la eu nunca teria coragem de fazer o que faria a seguir.

-O quê? – perguntou confusa e ainda preocupada.

Corri até as pedras que bloqueavam a passagem do fogo, tirando-as do caminho. A estrutura do lugar estava fragilizada por conta do fogo. Quando tirei a última pedra do caminho, senti todo o coliseu tremer. Tive tempo de me afastar um pouco do fogo antes de parte do coliseu despencar sobre mim.