Deitado, imóvel, como se nada tivesse acontecido, Severo Snape abriu os seus olhos e sentiu-se bem, na verdade, muito melhor. A dor se fora e agora ele conseguia respirar normalmente.

A primeira coisa que fez foi se sentar e logo depois levou uma de suas mãos ao pescoço, onde Nagini, a cobra de Voldermort, o atacara. Não estava mais sangrando e muito menos doendo, nem parecia que em alguns minutos atrás ele estava diante de Lord Voldemort e este o atacou sem piedade alguma.

Snape sabia que morreria mais cedo ou mais tarde, mas nunca passou pela sua cabeça que seria dessa forma tão brutal e tão covarde ao mesmo tempo.

Ele respirou fundo e lembrou-se da última coisa que vira antes de morrer. Os olhos de Harry; os mesmos olhos de Lilian Evans, a mulher que sempre amou.

Finalmente Severo se levantou e pela primeira vez conseguiu prestar a atenção em onde estava. Snape percebeu que o local era semelhante a algum lugar que ele já estivera no passado; as árvores, o lago, tudo fazia lembrar de uma coisa. Era o lugar onde ele e Lilian se encontravam, uma de suas lembranças preferidas. Contudo, ela não estava lá, e o lugar não significava mais nada sem ela presente.

Por um momento Snape fechou os seus olhos e tentou navegar em suas lembranças, com Lilian. Duas crianças, apareceram em sua mente, deitadas na grama olhando para o céu. Snape sorriu, ainda com seus olhos fechados, mas ele sabia que eram só lembranças, nada daquilo voltaria acontecer novamente, então o sorriso saiu de seu rosto. E antes que pudesse abrir os olhos, ele ouviu uma voz:

— Olá - disse a voz de Lilian.

Severo abriu os olhos o mais rápido que pôde. Por um segundo pensou que a voz viesse de sua cabeça, mas depois descartou a possibilidade. A voz de Lilian não era mais de uma criança, mas ele tinha certeza de que era a voz dela.

Snape olhou para todos os lados até que conseguiu vê-la. Ela estava do lado da árvore, onde eles sempre ficavam, parada, o observando. Seus cabelos ruivos voavam com o vento, ela sorria e estava mais linda do que Severo jamais a vira. Ele só percebeu que estava andando quando ficou a centímetros dela. Seus olhos escuros fixaram-se aos olhos verdes de Lilian. Ele queria tocá-la, mas ficou com medo de que não pudesse senti-la.

— Obrigado, Severo - disse Lilian com sua voz doce, ainda sorrindo para ele - Obrigado por ter cuidado do meu menino.

Snape mal ouviu o que ela dissera e sem pensar mais, colocou a mão no rosto de Lilian. Sua pele era macia, exatamente como ele se lembrava. Lilian sorriu mais uma vez, como se dissesse "Eu não sou um fantasma". Snape não teve opções a não ser sorrir também. Ela estava ali. Na sua frente, como antigamente, só que agora os dois não eram mais crianças. Agora ele podia tocá-la, falar com ela, poderia fazer tudo que não teve coragem de fazer no passado.

De repente Lilian tirou a mão de Snape que estava em seu rosto, não com brusquidão e sim com certa delicadeza, mas ela não a soltou, ao contrário, puxou-a fazendo Snape se movimentar conforme ela fazia.

Enquanto Lilian e Severo caminhavam de mãos dadas, Snape não tirava os olhos dela, como se ela pudesse desaparecer ao menos se ele piscasse. Já Lilian olhava para baixo, prestando a atenção em onde pisava.

— Você foi muito corajoso, Severo - Lilian parou de andar e olhou para Snape novamente - Por ter lutado contra ele, ao lado de Dumbledore e acima de tudo por ter ajudado o Harry.

Snape não conseguia parar de fitá-la, não conseguia acreditar que estava vendo-a de novo. Queria falar, mas sua voz não saia. Queria poder pedir desculpas pelo o que fez, por ter contado a Voldemort da profecia. Queria dizer que a amava além de tudo e que fazer o que fez foi o maior arrependimento da sua vida. Porém não conseguia. Olhar para ela, vê-la sorrindo, parecia que já era o bastante.

Lilian pareceu perceber que Snape estava pensativo, então estendeu a sua mão e a colocou sobre o rosto de Snape, como ele fizera minutos atrás. Ele fechou os olhos com o seu toque e finalmente disse alguma coisa:

— Lilian - começou ele, mas antes que pudesse continuar, Lilian interferiu, como se soubesse o que ele estava prestes a dizer.

— Shh - Lilian silenciou-o, descendo a mão que estava em seu rosto em direção aos seus lábios. Snape sentiu seus dedos ali e quase desmoronou. Sua respiração estava alta agora, e seu coração poderia sair da boca a qualquer momento - Não precisa me dizer nada. Eu já sei - disse ela dando a entender que já sabia de seu amor por ela, mas mesmo assim preferindo que ele não dissesse. Ela tirou os dedos dos lábios de Severo.

Lilian sorriu para ele como fizera tantas vezes na infância que passaram juntos, mas Snape não conseguiu sorrir, precisava se desculpar, não sabia quanto tempo ela ficaria ali com ele, sabia que não era muito. Então foi mais forte que ele.

— Desculpe-me. Preciso do seu perdão, Lilian. Foi minha culpa, eu não devia...

— Não, não foi sua culpa, Severo - ela balançava a cabeça, em afirmação negativa, conforme dizia - Você não sabia. Ninguém sabia do que ele era capaz. E também depois de todos esses anos ajudando o Harry, eu percebi... que o garoto que eu conheci estava aqui - Lilian colocou uma das mãos no peito de Snape - Ou em algum lugar dentro de você.

Ela sorriu, como se lembrasse de quando eles eram crianças, prestes a ir para Hogwarts. Snape colocou sua mão sobre a dela, que estava em seu peito. Apertou- a e seus olhos encheram-se de lágrimas.

— Você foi um bom amigo, Severo - disse ela, ainda olhando para os seus olhos marejados.

Snape olhou para baixo e uma lágrima escorreu de seus olhos, sem que ele quisesse. Lilian puxou seu queixo para cima, fazendo Snape olhar para ela novamente.

— Eu sempre te amei, você sabe disso - ela disse, e sem pensar duas vezes ele abraçou-a. Lilian envolveu seus braços em torno de Snape.

— Lilian... - sussurrou ele, lembrando-se que da última vez que fizera isso, ela jazia morta em seus braços.

— Sev... - respondeu ela, dando um risinho ao se lembrar de como o chamava na infância - Senti sua falta na época em que não nos vimos mais.

Snape soube o que ela quis dizer com época. Era a época em que ela havia escolhido Tiago e seus amigos ao invés dele. Depois que ela casou eles nunca mais tiveram nenhum contato.

— Obrigado por tudo - ela afastou-se para poder olhá-lo nos olhos, e depois lhe deu um beijo na bochecha - Por me amar - sussurrou ela no seu ouvido e se afastou por completo.

Snape queria dizer isso em voz alta, mas não sabendo o porquê não conseguiu. Lilian foi se afastando devagar, ainda com os dedos entrelaçados nos dele, seus olhos verdes não desgrudavam-se dos de Snape. Enfim ela soltou sua mão e Snape ficou surpreso quando finalmente ouviu sua voz sair:

— Pra onde você vai?

Lilian sorriu e não respondeu, apenas continuou andando de costas, assim podendo ainda o ver.

— Vamos nos ver de novo? - tentou ele mais uma vez, dessa vez ela respondeu:

— Quando você quiser - Lilian continuou sorrindo - Agora feche os olhos - pediu ela.

Snape sabia que se fechasse os olhos, quando os abrisse ela não estaria mais ali. Lilian sorriu e depois assentiu, como se soubesse o que ele estava pensando. Ele olhou para ela por mais uns segundos e depois fechou os olhos o mais devagar que pôde.

— Obrigado, Sev - Snape ouviu sua voz pela última vez. e quando abriu os olhos, ela havia desaparecido.