Deixe o Amor Nascer. escrita por Kira Urashima


Capítulo 7
Vozes na madrugada




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A água quente escorria pelo corpo da garota de cabelos azuis e ela, de olhos fechados, aproveitava a sensação de limpeza e relaxamento que aquele banho estava proporcionando. Gostaria de poder ficar ali, pensando na vida até dormir.

–Estou fazendo papel de palhaça... Não importa o meu esforço, não consigo agir normalmente com Kurama, simplesmente não consigo! – bateu os punhos no azulejo do banheiro sentindo a temperatura gelada contrastar com as mãos molhadas e quentes – A única coisa que sinto quando estou perto dele é meu coração enlouquecer...

A imagem do ruivo dos olhos verdes invadiu sua mente. Botan mordeu o lábio inferior com nervosismo, enquanto observava seus pés brancos, que já mostravam os dedos enrugados pelo tempo em que estava embaixo do chuveiro.

–Ah, Kurama... – massageou o pescoço, como que para aplacar o desespero que invadia seu peito, o que deu a ela vontade de gritar pra ver se conseguia extravasar toda aquela ansiedade. Era difícil discernir tudo o que se passava dentro dela: angústia e euforia andavam de mãos dadas dentro do seu coração.

Molhou o rosto pela última vez e desligou o chuveiro, sentindo o ar frio que entrava pelo vitrô aberto. Passou as mãos pelo cabelo pra retirar o excesso de água e saiu do box.

–Não queria me sentir dessa forma por ele! Que droga! – pensou enquanto se enrolava na toalha e recordava da cena da sala, onde Kurama segurara sua mão, fazendo com que ela perdesse o controle e dissesse coisas que não devia dizer. Sentou-se no vaso, encolhida. Não era tão ingênua pra não entender o que poderia estar acontecendo, mas ela não queria verbalizar isso. Admitir seus sentimentos fazia com que se sentisse idiota e boba, porque, pra ela, imaginar algo além da amizade com Kurama era sonhar alto demais.

–Você pode ser mais forte que isso, Botan... Tente! – ordenou levantando-se, porém, antes de alcançar a maçaneta, percebeu que não trouxera outras roupas pra trocar, o que significava que teria que sair só de toalha, até o quarto.

–Aiiii... Isso não! Já paguei micos demais por hoje! – colocou a cabeça pra fora e chamou Keiko, pedindo sua mochila, que deixara em um dos quartos.

Cena 2

Depois de receber suas roupas, saiu do banheiro devidamente uniformizada: uma calça de moletom cinza e uma camiseta de manga comprida. A guia lamentou não ter nada mais apresentável para usar naquele momento, mas, infelizmente, ela não imaginava que precisaria passar a noite ali no apartamento de Yusuke.

–Bem que a Ayame me disse pra usar uns pijamas mais decentes... A gente nunca sabe quando vai precisar deles. – falou olhando-se no espelho, sentindo-se uma mendiga. Devia ser mais atenta com isso, mas, para alguém que só vivia de quimono e dormia sozinha, talvez fosse mais difícil aprender.

Apressou-se a ir pra o quarto de Yusuke ajudar a mestra Genkai e Shizuka a fazerem os curativos nos rapazes feridos, o que demorou bem menos do que esperava, graças a algumas plantas que aceleravam a cicatrização, providenciadas por Kurama.

Será que ele sempre fazia tudo certo? Acertava todas as respostas, sabia agradar todo mundo, sempre tinha uma carta na manga? Não sabia, mas o fato era que ele acabara de marcar mais pontos.

–Você é muito perfeitinho! Parece até príncipe de conto de fadas! Hahaha – Shizuka soltou essa frase na maior brincadeira, olhando para Kurama com ar divertido, fazendo com que ele, Yusuke e Keiko rissem, mas Botan só conseguiu soltar um riso amarelo; aquelas palavras tinham caído nos ouvidos dela como uma bomba.

–É evidente que ela sente atração por ele... E pelo sorriso que ele deu, deve ser recíproco... – pensou, penalizada.

Lembrou-se das roupas que vestia e sentiu desprezo por si mesma. Se Kurama era o príncipe, ela era a mais longe de ser a princesa que ele merecia.

–Tô mais pra bruxa... – sentenciou-se, observando Shizuka falar alguma coisa para o jovem ruivo que ela não pôde ouvir, o que a deixou ainda mais desanimada.

–Ô, príncipe... Sem querer me meter muito, afinal você já é bem crescidinho... – deu uma olhava atrevida para o rapaz de olhos verdes, que balançou a cabeça sorrindo – mas acho que hoje seria uma boa oportunidade pra você e a "gata borralheira" ali ficarem mais próximos, que tal?

Kurama não desfez o sorriso do rosto:

–Você não vai mesmo desistir dessa ideia...

–Eu não costumo desistir de boas ideias... Não seja tão duro assim, raposa! – finalizou, sentando no colchão que tinha reservado pra dormir – é bom sair do controle de vez em quando e deixar rolar... Surpresas boas podem acontecer!

O ruivo voltou os olhos para Botan, que terminava de enfaixar Mitarai. Os cabelos molhados e soltos balançando conforme ela movimentava os braços, passando a faixa em volta do tórax do garoto. Mais algumas voltas e terminaria.

–Pronto, acho que já podemos descansar um pouco – a mestra falou, levantando-se – teremos muita coisa para averiguar amanhã. Descansem... – e dirigiu-se para o quarto, acompanhada por Keiko. Shizuka resolveu dormir no quarto de Yusuke, porque queria ficar perto de Kuwabara, caso ele precisasse de alguma coisa. Sendo assim, Kurama e o detetive iriam dormir na sala.

–Bom, gente, fui! – Yusuke se acomodou no colchão que estava na parede da sala perto da porta e não demorou muito para cair no sono, roncando relativamente alto.

Botan dirigiu-se até a sala para guardar as ataduras e gazes que tinham usado e foi só então, quando sentiu o estômago roncar, que se lembrou de que ainda não tinha comido nada. Ela já ia pra providenciar alguma coisa, quando deu de cara com Kurama trazendo uma pequena bandeja com duas canecas de chocolate quente e alguns pedaços de pizza. Sentou-se no chão e colocou tudo na mesinha de centro, convidando a guia:

–Achei que estivesse com fome... – falou gentilmente, arrancando um sorriso da garota de cabelos azuis. Pizza com chocolate quente, uma mistura exótica que era muito bem vinda!

–Estou mesmo! Obrigada! – ela sentou-se de frente pra ele e atacou o pedaço de pizza sem cerimônia, sorrindo de satisfação. Como era bom comer! Naquele momento, era tudo o que seu corpo precisava.

O rapaz ruivo tomava o chocolate quente, enquanto observava Botan comer com gosto. Era bom olhar uma cena assim, ainda mais por ser a primeira vez que estava numa situação tão incomum com aquela garota.

Depois de comer o primeiro pedaço em silêncio, a guia provou o chocolate quente... Estava delicioso! Como Kurama conseguia deixar o leite tão cremoso? Mais pontos pra ele.

–E então, está “bebível”? – indagou meio apreensivo.

–Está brincando? É o chocolate quente mais gostoso que já bebi na vida!

Kurama riu com o exagero de Botan, fazendo-a rir também, o que provocou um resmungo por parte de Yusuke, pois estava dormindo a poucos metros dali:

–Dá para o casal aí falar mais baixo? Tô querendo dormir,  ahhhh... hum, hum...- remexeu-se no colchão.

Os dois se olharam fazendo sinal de silêncio, até que Botan resolveu fazer uma pergunta que não saíra de sua cabeça no dia anterior:

–Kurama... Onde você foi ontem? – questionou num sussurro, para evitar mais reclamações por parte do detetive.

Ele pensou por um momento e resolveu dividir com ela aquela preocupação que estava sentindo, depois de ter falado com Koema no dia anterior:

–Eu estava muito incomodado com toda essa história e, pra falar a verdade, não acreditei que o Renkai não soubesse nada sobre essas pessoas que estão abrindo o túnel, então eu fui verificar.

–Mas, você acha que o Senhor Koema está escondendo alguma coisa? Olha, eu sou testemunha de que todas as informações que ele tem, está passando pra gente! – a guia falou.

–Será, Botan? Hoje eu tive a oportunidade de ver que Koema não está sendo totalmente claro conosco.

Os olhos de Botan se arregalaram e ela ficou sem falar por alguns instantes:

–Está dizendo que o Sr Koema sabe quem é essa pessoa?

–Eu estava desconfiado sobre isso, então resolvi fazer a pergunta diretamente pra ele.

–E aí? – a guia apoiou as mãos na mesinha de centro.

Ele fez silêncio por um minuto e depois continuou:

–E aí que minhas suspeitas se confirmaram: Koema sabe quem é, só não quis falar...

Botan pareceu ofendida com aquela revelação; ela não conseguia entender a razão pela qual Koema teria feito isso, sabendo que eles estavam se matando pra descobrir quem era o inimigo. Então, quer dizer que ele sabia o tempo todo quem era e estava dando uma de desentendido?

–Você parece desapontada com essa notícia... - constatou olhando para o rosto da guia. Ela suspirou fundo antes de responder:

–Desapontada não digo, mas não esperava essa atitude do Sr Koema... Eu imaginei que confiasse mais em nós...

–Talvez não queira dizer que não confie. Pode ser que esteja preocupado conosco, afinal, ele conhece o adversário e também sabe das limitações que nós temos – respondeu, tomando mais um gole da bebida – provavelmente, está querendo nos proteger.

–Eu posso entender, mas sou obrigada a discordar – disse firmemente, fazendo com que Kurama prestasse mais atenção ainda no que ela estava dizendo – Somos um time, um grupo, já passamos por tanta coisa e superamos! Nossa força está na união. Eu acredito que juntos nós sempre vamos vencer, sendo assim, nos privar dos fatos não resolve o problema! – finalizou encostando-se no sofá.

Kurama teve uma agradável surpresa com aquela resposta e isso só reforçou o conceito que ele tinha dela: Botan era uma mulher especial, que acreditava nos laços que os uniam, assim como ele. E esse jeito dela não tinha absolutamente nada a ver com o trabalho de guia espiritual: era nítido como se entregava às suas amizades.

–Eu partilho da mesma opinião que você... Eu acredito em nós por isso te contei, afinal, estamos juntos nisso não é? – Kurama enfatizou notando o sorriso fácil da guia.

–Claro que sim! – ela sorriu e corou - Obrigada por ter me dito! – respondeu bem mais animada, sentindo-se privilegiada por ter sido a primeira pessoa a saber dessas notícias, o que fez o jovem ruivo sorrir também:

–Gosto muito mais de te ver sorrindo! – disse, olhando pra ela e considerando o quanto gostava da fé que aquela garota tinha nas pessoas.

Botan corou e deu uma risadinha sem graça enquanto tentava fazer seu coração se acalmar.

–O Sr Koema falou pra você que é o mandante? – perguntou, voltando no assunto.

–Ele me prometeu que vai conversar conosco amanhã e explicar todos os detalhes – Kurama respondeu, retendo pra si os outros tópicos da conversa que tivera com o príncipe. A guia aceitou bem essa resposta e não falou mais no assunto.

Silêncio se fez. Botan tamborilava os dedos na mesa tentando evitar o olhar de Kurama que parecia estar estudando cada movimento seu.

–Eu não devia me espantar por ele me deixar assim tão sem jeito... Quem pode resistir a esse olhar?– a guia pensou, sentindo-se derreter pelo olhar intenso que lhe era dirigido, o que provocou nela um calafrio.

–Está nervosa? – a voz de Kurama soou de repente, mais grave e mais aveludada do que o normal. Ela arregalou os olhos cor de rosa, num sinal claro de surpresa pela pergunta.

–Não... – só conseguiu responder num fiozinho de voz, o que obviamente era uma mentira deslavada que não passou despercebida pelo ruivo.

Kurama aproximou-se da mesa de centro e esticou o braço direito em direção à mão esquerda da guia, que segurava a caneca. Ele tocou quase imperceptivelmente nos dedos dela, deslizando o seu indicador sobre eles.

–Como começou a trabalhar como guia espiritual? – perguntou fracamente, fazendo com que sua voz soasse incrivelmente sensual. Botan engoliu seco e segurou a caneca com mais força, sem coragem pra tirar a mão dali. Os olhos do ruivo brilhavam de forma diferente ao ver a reação da garota a um toque tão sutil.

–Bo, bom... Na verdade, eu... – a guia deu uma pigarreada e bebeu um gole relativamente grande de chocolate quente, fazendo com que seus lábios ficassem sujos e a marca da borda da caneca ficasse um pouco acima de seus lábios.

Kurama deu um meio sorriso e afastou-se um pouco da mesa, como se estivesse dando espaço pra Botan respirar e ele logo notou que ela relaxou um pouco os ombros antes de responder a pergunta. Kurama não pôde deixar de notar que ela estava bonita, mesmo com a boca suja de chocolate.

–Na verdade, eu comecei a trabalhar meio que por acaso... Eu ajudava Ayame a organizar os arquivos do Renkai e passava recados para as outras guias espirituais a mando do Senhor Koema, até que, chegou o dia em que Yusuke foi atropelado e morreu... – ela parou de falar e repousou os olhos sobre o conteúdo da caneca, antes de prosseguir. Kurama permaneceu em silêncio olhando pra ela.

–Lembro-me desse dia como se fosse hoje, foi uma confusão lá no Mundo Espiritual! Ninguém estava preparado pra esse incidente. Não havia nenhuma guia disponível e o Sr Koema estava cheio de problemas com um motim que acontecia com youkais na ala leste. Era preciso que alguém fizesse alguma coisa com a alma de Yusuke, então ele me mandou ir buscá-lo, mesmo nunca tendo feito isso – a guia respirou fundo – ele disse que era hora de começar a fazer algo coisa útil, afinal eu auxiliava Ayame e devia ter aprendido alguma coisa.

Kurama franziu a testa e soltou um riso meio irônico:

–Koema, gentil como sempre...

A guia deu um sorriso:

–E foi assim e estou nessa até hoje! – finalizou.

–Você gosta do que faz? - ele perguntou olhando-a com interesse.

–Eu gosto até... – disse de forma vaga – Mas o que eu mais gostei foi de ter conhecido todos vocês... – os olhos cor de rosa brilharam numa mistura de tristeza, nostalgia e alívio, e isso chamou a atenção do ruivo.

Ela continuou a falar:

–Sabe, eu nunca conheci meus pais e, desde que me entendo por gente, estou cercada por assuntos relacionados à morte, à violência. Acostumei-me aos ataques de estresse do Sr Koema, a viver no meio de problemas grandes... -ela parou um pouco, respirando pesadamente, como se sentisse um cansaço enorme.

Os olhos verdes não conseguiam parar de olhá-la, era como se ele tivesse descoberto um tesouro valioso. Botan, a garota alegre que todos conheciam, nem sempre era alguém com muitos sorrisos.

Kurama afagou de leve o dorso da mão da guia, fazendo-a corar muito. Ela abaixou um pouco a cabeça cobrindo os olhos cor de rosa.

–Continue... – disse fracamente.

A guia levantou os olhos e Kurama percebeu que estavam marejados, contrastando com o sorriso que ela colocara nos lábios finos:

–Eu me sinto feliz por estar aqui, com vocês! Pela primeira vez, eu sinto que tenho uma família, digamos assim! - ela virou o rosto pra janela fazendo força pra não derramar as lágrimas que brilhavam no seu olhar. O rosto branco dela estava ainda mais pálido pela iluminação da rua que entrava na sala – O Renkai pode ser um lugar muito solitário... – disse.

Ele entendia o que ela sentia. Kurama sabia bem como era sentir-se só, cercado por um mundo cruel e cheio de violência. O coração dele somente conheceu o amor através de Shiori. Provavelmente, Botan só tinha descoberto o afeto através da amizade com Yusuke e a turma. Não era de se imaginar que eles lhe fossem tão caros.

Botan ainda olhava pra janela, quando sentiu as mãos de Kurama tomarem a sua mão gentilmente, porém com firmeza. Ela olhou pra ele um pouco assustada, os lábios entreabertos. Não podia evitar: qualquer contato com a pele dele mexia muito com ela.

O jovem sorriu, olhou-a longamente. Sentia um calor invadir seu peito, algo que trazia uma sensação de aconchego. Acariciou a mão pequena dela com ternura, fazendo-a ficar muito vermelha.

–Você nunca mais vai estar sozinha, nós sempre estaremos aqui... – a voz de Kurama soou baixa e cheia de carinho, fazendo com que ela derramasse uma lágrima que não conseguiu conter. Sentiu uma vontade enorme de abraçá-lo, de sentir aqueles braços envolvendo seu corpo. De repente ela se sentiu tão carente, uma falta de amor cresceu dentro dela: uma falta diferente da que ela sentia antes e a única pessoa que podia suprir essa falta era ele... Kurama.

Botan estava com muita vergonha, mas sentiu tanta vontade de tocá-lo, que tomou coragem pra levantar a mão direita e pousá-la, meio hesitante, em cima das mãos dele. Ele percebeu como a respiração dela estava alterada e o rastro úmido da lágrima brilhava na bochecha corada. O ruivo desprendeu suavemente a mão esquerda e limpou o rosto da guia, suavemente:

–Não gosto de te ver triste... – disse quase num fio de voz, como que com receio de cortar aquele silêncio quase sagrado e revelador que pairava naquela sala.

–Eu não estou triste... -ela respondeu, imitando a voz fraca com que ele lhe perguntou – estou mais feliz do que nunca! – e sorriu largo, sentindo-se inundar por um sentimento calmo que ao mesmo tempo parecia tão violento dentro dela.

Kurama sorriu e afastou-se novamente, soltando com delicadeza a mão da guia. Sentia seu coração acelerado e um leve tremor passou pelo seu corpo, como se estivesse com frio.

Os olhos rosados de Botan se destacavam naquele escuro. Kurama não conseguia lembrar se alguma vez ela tinha estado tão bonita como naquele momento em particular: os cabelos soltos e úmidos, as mãos quase engolidas pelas mangas compridas da blusa cinza. A gola larga, revelando o pescoço alvo.

Recostou-se no sofá e deixou-se invadir pela visão da garota. Todo aquele corpo frágil e atrapalhado envolto por aquelas roupas largas e tão pouco femininas pareciam realçar mais o seu conteúdo. Aquela visão fez Kurama sentir uma vontade enorme de sentar-se ao lado dela e descobrir cada parte que estava oculta por aqueles panos.  Começaria entrelaçando as mãos pelos fios azuis, aspirando todo perfume que aquele cabelo tinha. O calor que percorreu seu corpo por esse pensamento fez com que suspirasse.

–Você parece cansado – Botan notou a reação- acho melhor nós dormirmos – os olhos rosados, tentando se manter firmes, estavam inquietos, hora olhando para a xícara, hora para as mãos, hora para o rosto dele.

Essa cena trouxe deleite para os olhos verdes. Era óbvio que ele realmente provocava alguma coisa em Botan, porém, a mente se recusou a dar um nome pra aquilo. Ele só queria aproveitar os sentimentos gostosos que enchiam seu peito.

–Está certo... O dia vai ser cheio e precisamos descansar– Kurama levantou-se e fez menção de pegar as duas canecas pra levá-las até a cozinha, mas Botan o impediu:

–Deixa que eu levo! – disse num sussurro – pode ir deitar –e saiu devagar, se esforçando para não fazer muito barulho. Kurama acompanhou-a com os olhos e, antes que pudesse perceber, seus pés já o levavam em direção a cozinha.

Botan estava guardando os restos de pizza que estavam sobre o balcão e não percebeu quando Kurama chegou. Seus pensamentos, no entanto, estavam concentrados nos carinhos que trocaram alguns minutos atrás.

Percebendo que ela estava distraída, ele aproximou-se por trás e, encostou o nariz suavemente na cabeça da guia, aspirando o cheiro dos cabelos dela. Uma fragrância comum de shampoo, mas que vinda daqueles fios azuis e conseguiam aguçar seus sentidos.

A garota se arrepiou ao sentir o corpo de Kurama tão próximo do seu e por mais que não estivesse entendendo o porquê daquilo, não ousou se mexer. Abraçou-se, sentindo o estômago gelar.

O sangue de Kurama corria mais rápido em suas veias, fazendo que seu coração acelerasse e sua respiração ficasse mais marcada. Ele pousou as mãos sobre o ombro da guia e deslizou-as levemente pelos braços dela até chegar ao cotovelo, então fez uma leve pressão e virou-a pra si.

Botan olhava pra o chão e sua respiração estava muito alterada. Parecia que suas pernas iam derrubá-la a qualquer momento.

–Botan? – sussurrou enquanto mantinha suas mãos nos braços da guia.

–Hum? – ela emitiu um som quase imperceptível, enquanto colocava para trás com a mão trêmula, as mechas teimosas que cobriam seu rosto.

Kurama levou a mão esquerda até a orelha de Botan e ajudou-a a colocar as mechas azuis lá. Os olhos verdes tão silenciosos observavam o rosto corado e a boca entreaberta respirando ofegante. Acariciou a nuca dela, fazendo com que suspirasse profundamente, o que acelerou seu coração. Olhar as reações que aquela garota tinha ao simples toque da mão dele lhe dava prazer.

A guia não sabia como estava em pé ainda. Sua pele toda arrepiada denunciava o quanto os toques do rapaz tinham-na afetado. Ela abraçava-se com mais força, tentando conter o tremor do seu corpo quando sentiu Kurama deslizar a mão pelas suas costas, puxando-a contra o seu corpo.

Botan se assustou, os olhos cor de rosa olharam pra os olhos verdes que tinham um brilho diferente, como se duas cores estivessem transparecendo naquele olhar. A garota abaixou os olhos, nervosa, sentindo o calor invadir seu corpo. Usando a mão direita, Kurama tocou no queixo da guia e logo após deslizou-a até a nuca da moça.

–Oh, meu deus... O que está acontecendo aqui? –a guia pensava em como eles tinham chegado nessa situação, essa situação que estava tirando totalmente seu controle. A proximidade de Kurama, o calor das mãos dele, a voz, mas, sobretudo o olhar... Aqueles olhos brilhavam de forma lânguida, como se estivessem queimando, e queimavam dentro dela.

–Kurama...? –a voz da guia soou fraca, quase inaudível, porém colocou todos os sentidos do ruivo em alerta. Ele aproximou-se da boca da dela, mas mudou de caminho, acariciando a bochecha direita com a ponta do nariz, chegou ao ouvido, onde sua respiração quente provocou um gemido abafado na garota.

A guia fraquejou ao sentir os lábios de Kurama roçarem em sua orelha e encostou a cabeça no peito dele. O ruivo sentiu um imenso prazer por sentir a textura daquela pele e o cheiro que dela emanava: não era de nenhum perfume, era o cheiro dela. Kurama apertou-a mais contra seu corpo e mordeu lentamente o lóbulo da orelha da garota, o que resultou num gemido um pouco mais alto e isso soou como um alerta, dando uma fisgada na mente dele:

–O que eu estou fazendo?– a consciência o acordou daquele transe e ele se deu conta de onde estava e do que estava fazendo. Seu sangue parecia ferver.

–Youko... – o instinto mais primitivo do ladrão do Makai estava se manifestando, mexendo com seu corpo e exigindo que aquele desejo fosse satisfeito: Botan... Ele a queria. Não ele, mas a sua raiz do demônio raposa ansiava por aquela garota de cabelos azuis.

Concluindo isso, Kurama se forçou a afastar-se da guia o que fez com que ela abrisse os olhos e o encarasse confusa. Ela estava muito vermelha e a respiração dela cortava o silêncio da madrugada. O ruivo estava sério e deu um passo pra trás. Não sabia o que fazer naquele momento. Estava claro que Botan sentia algo por ele, se não, ela não teria permitido que ele se aproximasse daquele jeito. Mas ele também tinha se aproximado demais...

Tinha baixado a guarda e permitiu que os traços de Youko o dominasse por alguns momentos, inflamando seu desejo, um desejo egoísta de posse daquela mulher, daquele corpo, como se ela fosse uma presa pronta pra ser devorada.

E não era assim que Kurama a via! Botan era sua amiga, sua parceira de grupo, ele tinha carinho e consideração por ela, se preocupava muito que nenhum mal lhe acontecesse.

O silêncio que se seguia elevava ainda mais a tensão daquele momento. Nenhum dos dois conseguia falar uma palavra sequer e nem tomar alguma atitude, apesar de seus corações baterem rapidamente. Botan sentiu um desconforto imenso: sua cabeça girava e seu corpo tremia. Torcia as mangas da blusa, o rosto em brasas. Não tinha como negar o seu comportamento: ela ficou totalmente entregue a ele. Mesmo estranhando aquela aproximação, não a evitou, por quê? Porque ela queria e aquilo falou muito mais alto do que todas as justificativas e protestos que ela soltava a torto e a direito, gritava alto, rebatendo qualquer argumento em que ela se forçava a acreditar.

–Me perdoa... –Kurama falou baixo, olhando pra Botan – eu não queria ter agido dessa forma – disse quase num sussurro.

Botan abaixou a cabeça, sentindo-se humilhada. Ele não queria aquilo, foi o que acabara de dizer. E ela? Suas emoções estavam confusas demais e isso fez com que seus olhos ficassem marejados de lágrimas.

Kurama sentiu-se horrível por ter agido daquela forma, mas não tinha outro jeito. Se não brecasse aquele desejo, sua antiga natureza tomaria conta e isso ele não poderia deixar de jeito nenhum.

–Me perdoe, por favor. Eu gostaria de poder explicar o que houve, mas por enquanto, não posso... – falou, ansioso pra ver que tipo de reação a guia teria.

Ela abaixou a cabeça e virou-se de costas para ele, apoiando as mãos no balcão da cozinha.

–Vamos, Botan, diga alguma coisa! – pensava

–Tudo bem... Não precisa explicar... – tomou coragem pra falar – acho que tudo não passou de um reflexo... Estamos cansados e sob pressão... Isso não foi nada...

Nada? Ouvir aquilo magoou Kurama de uma forma que ele não esperava. Por que ela estar negando o que aconteceu o incomodava tanto daquele jeito? Pensar isso clareou a mente dele: alguma coisa estava acontecendo ali e não era de hoje.

–Botan... Eu... – ele precisava falar mais, porém, ela interrompeu:

–Vamos dormir? – falou virando-se, um sorriso fabricado no rosto – o dia vai ser cheio! Boa noite! – e saiu da cozinha rapidamente, deixando-o sozinho, com uma culpa que estava corroendo-o por dentro.

–Por que não percebi a ação de Youko? – já conhecia os desejos da raposa quando queriam se manifestar e tinha aprendido a driblar isso com facilidade. Claro que não podia ser hipócrita, afinal, ele também tinha desejos, contudo eram muito mais civilizados que os de Youko. Mas, desta vez foi diferente: o que estava sentindo não era igual às sensações de desejo de antes, por isso ele não se deu conta.

Foi para a sala e sentou-se no sofá, de frente pra janela. Fechou os olhos e lembrou-se dos momentos que tinha passado com Botan, ali. As sensações enchiam seu peito quando se lembrou do rosto da guia, dos olhos dela, do sorriso meio tímido quando estavam conversando. Daquela mão pequena sobre a sua, da textura daquela pele.

Jogou a cabeça pra trás e olhou pra o teto, sentia aquela sensação de tremor voltar ao seu corpo. Um calor crescendo dentro dele.

–Droga... – levantou-se e foi até a pia molhar o rosto, mas sua cabeça não parava de pensar um segundo em tudo que tinha acontecido.

Será possível que Youko teria conseguido enganá-lo aproveitando-se de sentimentos verdadeiros que ele tinha por Botan? Será que aquele reflexo anterior vindo de Youko era um reflexo do seu próprio desejo?

Tomou um copo de água e resolveu deitar-se. Acomodou-se no colchão perto da janela, deixou seu pensamento vagar e eles foram pousar no quarto de Atsuko, onde Botan estava dormindo.

–Você significa muito mais pra mim, Botan... ... Não agi certo com você, nunca quis te magoar e acabei fazendo isso – sentia-se extremamente mal por avançar o sinal com ela, sem permissão. Tudo bem que ela não o impediu, mas talvez tenha ficado tão chocada que não teve reação e ele se aproveitou disso.

Precisava entender o que estava acontecendo com ele. Confusão e dúvidas invadiam sua mente e ele precisava recobrar o controle.

–Não vou mais deixar isso acontecer... Você não vai fazer o que bem quiser Youko, não com meus amigos! – sentenciou de forma taxativa. Fechando os olhos, tentou dormir algumas horas. O dia que chegava ia ser mesmo muito cheio.

Enquanto isso, no quarto de Atsuko, uma garota de cabelos azuis roía as unhas enquanto algumas lágrimas silenciosas molhavam o travesseiro. Confusão, vergonha, loucura e desejo se misturavam dentro dela fazendo-a sentir-se impotente.

–Por que as coisas têm que ser assim? – pensou triste, lembrando-se de Kurama tão próximo do seu corpo, agindo de forma tão doce e amiga e ao mesmo tempo, tão atraente e sensual, fazendo-a ficar louca... Por ele.

–Acho que não posso mais me enganar... – fechou os olhos, sentindo as lágrimas caírem.

Continua...


                                                      



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