Deixe o Amor Nascer. escrita por Kira Urashima


Capítulo 17
Incertezas


Notas iniciais do capítulo

Olá, queridos! Desculpem a demora! (como sempre =C). Neste cap eu introduzi uma sugestão de música para acompanhar a leitura de uma das cenas, pois achei apropriada e me ajudou a escrever! Se você também quiser acompanhar, basta procurar a música ou utilizar o link que deixei embaixo do nome da mesma. Devo prosseguir com esse recurso em outros caps, pois gostei do resultado! kkkkk Enfim...espero que gostei!



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Capítulo 17 (Incertezas)

Chegaram por volta das 19h no portão de entrada; as janelas da residência estavam abertas mostrando que a maioria dos convidados daquela noite já haviam chegado. Empurrou o portão, abrindo passagem para a garota que trajava um discreto vestido godê azul marinho estampado com pequenas flores brancas. O cabelo estava solto, adornado por uma fina tiara da mesma cor de sua roupa.

Os olhos verdes do jovem anfitrião colheram cada detalhe com gosto. Adorava quando a guia estava sem o penteado costumeiro; adorava ver as madeixas livres, dançando junto com os movimentos da moça.

–Você está particularmente muito bonita esta noite – Kurama sorriu para ela enquanto caminhavam até a porta de entrada.

–Obrigada...- agradeceu encabulada e retribuiu o sorriso que, não estava tão luminoso como das outras vezes em que recebia algum agrado do rapaz ruivo. Algo estava contendo aquela luz e o entusiasmo da garota de olhos rosados. Isso foi percebido facilmente pelo moço.

–Algo está te incomodando, Botan? – tocou-lhe o braço com suavidade, mirando-a com toda atenção do mundo.

Ela até gostaria de mentir para não ter que entrar em detalhes sobre a razão de sua preocupação justo num momento tão impróprio, porém, sabia que seria em vão, pois mesmo que as palavras ensaiadas saíssem de maneira natural, seu gestual a entregaria.

–Shuichi, meu querido! Dê cá um abraço! – a porta da sala de estar foi aberta com vigor, revelando uma silhueta generosa em tamanho e afeto. Logo em seguida, Kurama foi abocanhado pelo abraço espalhafatoso de um senhor levemente grisalho.

–Tio! É muito bom revê-lo também! – a boca balbuciou, esmagada pelas carnes ternas do parente.

Botan abaixou a cabeça e riu baixo. Relaxou por poucos segundos, o que deu a ela uma perspectiva diferente de todos os pensamentos confusos que estava carregando depois de seu encontro com Ayame. Hoje era véspera de um dia muito especial para Kurama e sua família; não era hora para falar de qualquer outro assunto que não fosse concernente à ocasião.

Eu sei que essa história toda é muito maluca, mas eu quero que me faça um favor: prometa que vai deixar isso de lado e se concentrar no jantar! Você terá ocasião para falar com Kurama sobre isso, não seja precipitada! Talvez nem seja verdade o que a talzinha lá disse – a lembrança da orientação dada por Shizuka fez Botan tranquilizar-se um pouco com sua decisão. Falaria em outro momento tudo que queria falar.

–Esta é a sua namorada, Shuichi? – o senhor, que um dia havia sido ruivo também, dirigiu-se a ela com um caloroso aperto de mão. A moça congelou o sorriso sem graça no rosto corado, em partes, pela vergonha e porque queria saber como o rapaz de cabelos vermelhos reagiria.

Kurama sorriu, charmoso:

–Formamos um belo par, não? – Botan abriu a boca, sem reação enquanto ele olhava pra ela com ar divertido.

–Um belo par, com certeza! Jovenzinho muito bonita! E que olhos, hein? – o tio batia nas costas do sobrinho, piscando o olho esquerdo.

Botan tomou a frente:

–Senhor... eu sou amiga do Kur...do Shuichi – quase escorregou na pronúncia nada usual- somos amigos! – endireitou a postura.

O parente espaçoso de Kurama, parecendo não dar ouvidos ao que ela dissera, abraçou-a com firmeza, fazendo soar sua voz potente:

–Bem vinda à família, minha querida! Shuichi é o melhor homem que poderia encontrar! – virou-se e entrou na casa, deixando a guia paralisada. Kurama tocou-lhe o ombro, fazendo os olhares de ambos se encontrarem:

–Meu tio sabe que não estamos namorando – ria com o canto dos lábios – ele só estava brincando, você se ofendeu?

A guia retribuiu o sorriso:

–Claro que não! Eu só não esperava por isso... – as bochechas coradas a deixavam encantadora.

–Desculpe por isso...Eu devia ter te prevenido - disse num tom proposital de mentira

–Você gosta de me ver em apuros...- ela desviou o olhar, tímida. Kurama aguardou o contato visual se restabelecer. Ao cruzar das cores, o tempo pareceu parar.

–Gosto de te ver sorrindo...- ele parou por um momento – aconteceu algo que queira me contar?

Botan suspirou e tomou coragem para dizer um curto e firme “sim”.

–Podemos conversar depois do jantar? – os olhos verdes perguntaram docemente.

A garota de vestido azul marinho confirmou, o brilho do sorriso que ele tanto gostava mostrou-se fugidio, sinalizando que ainda estava ali. Era só questão de tempo até ele voltar.

–Vamos entrar, pombinhos? Não queria estragar a surpresa, mas sua mãe fez um assado muito suculento! - o tio gordo e ruivo abriu mais uma vez a porta, quebrando a conversa silenciosa dos dois. Kurama pegou a mão da garota e notou o quanto estava gelada.

–Eu estou aqui com você, não se preocupe – pediu por telepatia, recebendo como resposta um aperto de mão mais seguro. Olhares, sorrisos...a porta da sala se fecha, deixando apenas o jardim do lado de fora.
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Cena 2

Abraços, abraços e mais abraços. Botan perdera as contas de quantos tinha recebido desde que entrara na sala espaçosa e aconchegante da casa dos Minamino. Ali, deviam estar reunidas cerca de 25 pessoas, contando com ela e Kurama. O ambiente era enfeitado por pequenas cestas contendo um arranjo de margaridas, flores do campo e micro rosas cor de rosa. Dois rapazes uniformizados serviam diferentes tipos de bebidas enquanto outras duas mulheres magras de mesmo uniforme desfilavam aperitivos em uma bandeja de vidro fosco.

Aquela sensação de inadequação era quase como a sombra da guia espiritual: presente e oculta em seus detalhes, era ela própria em seu pior momento de escuridão. Kurama afastara-se dela por poucos minutos, deixando-a sentada no sofá com duas amigas de sua mãe, que, relativamente, eram neutras naquela situação tão nova para os dois, mas principalmente para a jovem de cabelos azulados.

–Acho que nunca provei canapés tão deliciosos!

–Nem eu, Kerutso! Shiori nunca perde a mão para fazer recepções – as mulheres olharam para Botan esperando que a mesma se manifestasse a participar da conversa. A garota não sabia bem o que dizer.

–Isto está bem gostoso mesmo! – mostrou o pequeno salgado mordido – e tudo está muito bonito! Especialmente, as flores! – caprichou no sorriso simpático

–Você tem razão, minha jovem e é um grande momento o de amanhã! Estou muito feliz pela minha amiga! Depois de tantos anos sozinha, ela mais que merece um marido!

–Shuichi sempre foi um filho exemplar, mas toda mulher precisa da companhia de um bom homem ao seu lado, não é? – a jovem senhora que trajava um tubinho de estampas étnicas tocou no braço da guia para que a mesma confirmasse a informação. Botan logo notou que elas não se referiam apenas ao noivo.

Envergonhada, jogou o canapé pra dentro da boca, mastigando e concordando com as amigas da noiva, que riam, enquanto olhavam para Kurama.

–Conte-nos é...Botan, certo? qual foi o segredo para laçar aquela lindeza de rapaz?

–Ku...digo – pigarreou – Shuichi é meu amigo apenas, nós não somos...

–Mas estão caminhando pra ser, não é mesmo? – a senhora de calça pantalona preta quis saber com avidez – não se deixa escapar um bom partido como esses, menina!

A guia mostrou-se nervosa, olhou pra Kurama rapidamente como quem pede socorro, entretanto, a mulher continuou:

–Você é da mesma escola que ele, meu bem? Minha filha também estuda na Meiou.

–Ah...bem, não sou... – engoliu seco – nós temos amigos em comum.

–Você não é de Tóquio? Tem jeitinho mesmo de moça do interior.

–Eu, eu não nasci aqui, mas agora estou morando em Tóquio – Botan suava enquanto a mente trabalhava depressa, criando conexões que não soassem tão absurdas.

–E seus pais vem ao casamento também? Aposto que vão querer ver como você estará linda vestida de madrinha!

Botan raciocinou rápido e escolheu a opção de não dizer a verdade sobre os pais, porque, fatalmente gerariam outras perguntas, o interrogatório não teria fim e ela ia se enrolar mais e mais, até se enforcar com a história.

–Eles não podem vir.

–Ah, que pena, mas...

–Com licença, senhoritas! – o sorriso charmoso e o timbre agradável de Kurama vieram resgatar a guia espiritual – Desculpe atrapalhar a conversa...vou levar Botan para dar uma volta! Tudo bem?

–Claro, claro, meu querido! Fiquem à vontade! – as duas senhoras riam como adolescentes. Às vezes, Kurama não conseguia entender como certas mulheres ficavam ainda mais assanhadas com o passar dos anos.

–Desculpe não ter vindo antes, mas não queria ficar grudado em você como um cão de guarda – ele confessou

–Eu prefiro que você não me deixe – ela declarou fracamente, olhando-o assustada.

–Seus olhos são incríveis, sabia? É tão fácil se perder neles...

O coração da garota ganhou a garganta e bombeou todo o sangue que pode pro rosto dela. O resultado não podia ser outro: vermelhidão e fuga

–Por favor, não faça isso comigo...você me deixa sem jeito! – ela pediu por telepatia, tentando conter a satisfação por receber galanteios do ruivo.

–Você me deixa seu rumo quando olha pra mim... – Kurama segredou próximo ao ouvido da guia espiritual, sentindo-a sorrir. Mirou os olhos cor de rosa e, deixou seus lábios aproximarem-se devagar na pele rosada da bochecha dela. O contato foi delicioso para ambos.

–Shuichi, meu amor! – a senhora Minamino se aproximou dos dois com cautela, não querendo interromper o contato que os dois jovens desfrutavam – vamos para a sala de jantar? Está tudo pronto!

–Claro, mamãe!

Shiori acolheu Botan num meio abraço:

–Sinta-se em casa, minha querida! Não se acanhe, tudo bem? – sorriu generosamente, o rosto alvo delineado por uma maquiagem suave.

–Muito obrigada, Sra. Minamino! Obrigada por me receber!

–Imagine, Botan! Vamos desfrutar do nosso jantar! Venha!

–Eu vou lavar as mãos, já vou! – observou Kurama lançar lhe um sorriso gostoso e entrar com a mãe na ampla sala de jantar mais à frente. Deteve-se alguns momentos a olhar para todos os convidados ali presentes. Era tanta alegria, tudo tão bonito e prazeroso. E Kurama...como seus sentimentos por ele aumentavam a cada minuto? O aperto em seu peito também fazia questão de crescer, só de lembrar de tudo que precisava conversar com ele mais tarde.
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Cena 3

O jantar correu de maneira muito agradável: a comida estava muito apetitosa e as conversas foram muito engraçadas. Botan se deleitou com as histórias dos presentes sobre os noivos. Ouvia tudo com atenção e ria. Era tão bom participar de algo tão simples e tão humano! Ninguém falava sobre Renkai, Makai e nem monstros. A ignorância daquelas pessoas as protegiam e as faziam felizes. Por um momento, Botan desejou ser como eles e pensou como seria se Mitako não tivesse a levado pro Renkai. Certamente, se sobrevivesse, ela poderia ser como eles.

A sobremesa já era servida: um saboroso bolinho de fibras com sorvete e frutas caramelizadas e para acompanhar, Kurama contava alguns fatos domésticos de quando era criança. Os convidados riam com gosto. A garota amava o jeito como todos apreciavam o jovem ruivo; amava o quanto todos demonstravam gostar da sua presença. Parecia bobagem, mas era como se, assim, ela pudesse justificar, o tamanho do sentimento que ela tinha por ele.

Assim que o café foi servido, os convidados ficaram mais à vontade e alguns já se preparavam para ir embora. Kurama sentiu-se confortável para deixar a sala de jantar e ir a um lugar mais privativo com Botan. Pediu licença e convidou a guia a acompanha-lo. Para sorte de ambos, ninguém os incomodou com perguntas sobre aonde iriam.

–Venha...quero te mostrar um lugar – Kurama tomou-a pela mão, foi até a sala e no canto mais afastado, sinalizou a escada pela qual iam subir. Internamente, Botan sentiu um arrepio diferente do usual: normalmente ela estaria empolgada para ficar a sós com o jovem ruivo, porém, naquela ocasião, existiam coisas que não a deixavam aproveitar o momento.
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Cena 4 (Música: “Gravity”- Sara Bareilles)
https://www.youtube.com/watch?v=WHdWsZFvg5A

Foram para o terraço. O céu estava de um azul muito escuro, repleto de estrelas. Botan se deteve a olhar aquele lugar. Seu coração se encheu de pesar ao lembrar de tudo que ela estava guardando até aquele momento: tudo que ouvira de Ayame, o sofrimento de Keiko, a partida de Yusuke.

Kurama fechou a porta atrás de si, deixando aquele local apenas com a luz natural dos astros. A brisa leve dava aquele lugar uma atmosfera quase sagrada. Tanto o verde como o rosa dos olhos de ambos ganhavam destaque com a pouca luminosidade. As plantas que ali haviam completavam o cenário.

–Enfim, sós! – o ruivo soprou as palavras quase melodiosamente, na tentativa de amenizar o clima, pois ele lia Botan e ela estava engasgada com algo que a atormentava.

Ela esfregou as mãos, tomando fôlego e coragem porque, simplesmente, esses tinham tido embora no instante que pisou na sala bem mobiliada da família Minamino.

–O que houve, Botan? – Kurama entrou em seus devaneios, demonstrando preocupação com o silêncio da garota.

O olhar dela transparecia receio e uma tristeza profunda:

–Hoje a Keiko me contou que o Yusuke vai para o Makai encontrar com seu “pai” e que vai ficar lá por 3 anos – ela estancou, aguardando a reação do jovem.

–Eu imaginava que isso aconteceria... – os olhos verdes atestaram sem hesitar fazendo-a ter certeza de que Ayame não estava errada, pois Kurama demonstrava estar a par do assunto.

– Ayame disse que você e Hiei também foram convidados a irem pro mundo das trevas...Você também vai para o Makai? – perguntou com mais ansiedade do que queria.

Kurama suspirou devagar aproximando-se da jovem de cabelos azuis:

– Eu recebi o convite de um antigo conhecido. Ele me pediu para visitá-lo e, depois de considerar bastante, eu vou até lá. Lamento que você tenha sabido primeiro por outra pessoa...me perdoe.

Botan não se conteve e deu às costas pra Kurama. Não acreditava que aquelas palavras estavam saindo da boca dele; ela queria chorar de desespero.

–Qual o motivo dessa visita? O que ele quer com você?

O rapaz de cabelos vermelhos posicionou-se ao lado da guia espiritual na sacada:

–Yomi solicitou minha presença para uma consultoria, digamos assim. O Makai está em guerra, há uma disputa entre os reis de lá e parece que ele deseja armar um contra-ataque ou ataque, ainda não sei ao certo.

–E você vai se envolver nisso tudo? – perguntou, com dificuldade.

–Não quero me envolver realmente – ele olhou para ela, porém, a garota só mirava o horizonte, as mãos unidas, o polegar direito roçando a pele com força desnecessária.

–Se você for, parece inevitável não se envolver... – aguardou alguns instantes e confrontou – então, por que você que ir?

O jovem hesitou uns segundos olhando algum ponto luminoso à frente. Não queria esconder informações de Botan, entretanto, ele sabia que ela não podia compreender, naquele momento, a imensidão que existia dentro dele. A jovem estava abalada com a partida do ex detetive e pelo sofrimento de Keiko.

–Eu e Yomi atuamos juntos durante muitos anos como ladrões. Não somos propriamente amigos, entretanto, desde que me refugiei no mundo dos homens, nunca mais o vi e, mesmo assim, depois de quase 16 anos, ele fez questão de me procurar. Não me parece apropriado recusar um simples convite.

Aquela justificativa soava tão áspera e fria, que magoou a guia e fez com que ela se sentisse inadequada, sem direito de cobrar explicações ou pedir que o rapaz ruivo ficasse. Pensando bem, ela, realmente, não tinha autoridade para o impedir de partir. Lembrou-se da amiga morena e de Urameshi e comparou à sua situação. A lógica era absoluta e isso doía demais.

Propositalmente, mudou de foco:

–Yusuke pretende ficar 3 anos no Makai. Não entendo o Yusuke...pra que ir pro mundo das trevas e ficar lá durante todo esse tempo? Aposto que aquele cabeça dura não faz ideia do quanto esta magoando Keiko com essa decisão...

–Sabemos que ele ficou furioso por não ter conseguido matar Sensui e, conhecendo Yusuke como conhecemos, se tivesse a oportunidade de encontrar o responsável pela intromissão em sua luta, ele iria até esse encontro.

Incrédula, a guia virou-se e encarou Kurama:

–Então, você concorda com o que ele está fazendo?

–Eu não digo que concordo, mas eu entendo...

–Entende? – a garota mostrou-se consternada.

Kurama continuou:

–Desde que ressuscitou como detetive espiritual a vida do Yusuke nunca mais foi a mesma. Ele foi obrigado a passar por muita coisa e, se ele pudesse escolher, talvez tudo seria diferente. Não houve tempo para analisar se era isso que queria; ele nunca soube, de verdade, as implicações que essa nova “chance” teria.

Botan experimentou uma certa culpa depois de ouvir essa declaração.

–Torneios, lutas, ficar mais forte, treinar até o seu limite, assumir uma vida dupla...nada disso é facilmente adaptável – o ruivo olhou-a para reforçar o que dizia – e o Yusuke é só um adolescente. Para lidar com tudo isso, uma grande dose de conhecimento próprio e maturidade se faz necessária, porque, essas experiências mudam quem somos.

A guia ouvia tudo calada e atentamente, enquanto sentia seu martírio interno aumentar.

–Fora o fato de que ele não tem uma família estruturada. Sendo assim, faz sentindo que queira conhecer o “pai” biológico, ou o ser que pode usar a energia dentro do corpo dele, potencializando-a, afinal, quem teria tanto poder assim? O que ele demonstra é a raiva pela interferência na luta, contudo, os reais motivos só pertencem ao Yusuke– ele inquiriu, demonstrando cuidado – Você entende?

Botan abaixou a cabeça assentindo, a frustração tomando conta dela inteira. Kurama tinha razão, ela via que sim, mas ao mesmo tempo, queria protestar pois entendia os motivos de Keiko. E como entendia...

–Você está aí? – Kurama acariciou o braço esquerdo da garota, chamando-a. Sentia-se um carrasco por tudo que dissera, mesmo sendo a verdade. Ela olhou pra frente, sem encará-lo.

–Tudo que você falou faz sentindo, porém, você consegue compreender como Keiko se sente? – olhou pra ele com toda a intensidade da mágoa sentida naquele momento. Ele lhe lançou um olhar terno e compassivo.

–Eu entendo e me entristeço pela Keiko, porque, no fundo, ela não tem dimensão da amplitude de tudo que está acontecendo: aquele Yusuke que ela conheceu desde pequena nunca mais vai voltar.

A guia espiritual ficou chocada com essa sentença:

–O que você quer dizer com isso? – soltou a pergunta com resquícios de rispidez

–Keiko vê a situação do Yusuke como uma espécie de trabalho, vamos dizer assim; ela acha que tudo que ele está fazendo é meramente uma formalidade do mundo espiritual e que pode parar quando quiser, tirar férias, mas não é assim que as coisas são...

Botan franziu o semblante: não parecia estar falando com o Kurama que ela conhecia, aquilo tudo era tão cruel.

–E como são?

–Uma vez que você tenha contato com sua energia espiritual e, se proponha a desenvolvê-la, nada mais em sua vida será simples. O conhecimento sobre outros mundos sobrenaturais invade nosso corpo e interage com essa energia (ki), de maneira que você nunca mais será imune a nada que aconteça nesses mundos. Todos nós entramos nesse barco, de uma forma ou de outra. Todavia isso tudo afeta ainda mais o Yusuke, porque ele não é apenas um humano: ele é um híbrido, seu ki é compartilhado tanto aqui, como no Renkai e no Makai.

–Assim como o seu...? – trêmulos, os olhos róseos inquiriam.

–Assim como o meu...

O silêncio que se seguiu era grave e pesado. Mesmo assim, os jovens deixaram que ele perdurasse por minutos incontados, até que um rompante ocorreu:

–Quer dizer que nunca haverá uma “pausa”? Que a Keiko nunca vai poder viver tranquilamente com o Yusuke? – Botan falava quase chorando, o desespero entrando nas brechas das frases, o desespero que era mais dela do que qualquer outra coisa.

Kurama respirou fundo e virou-a pra si, ficando frente a frente com a garota. O rio rosado estava tão molhado, mas ela continha as cachoeiras tensionando os lábios. Vê-la nesse estado fazia o rapaz ruivo sofrer, achando ser indigno por possuir o afeto da moça.

–Isso tudo depende mais do Yusuke e dela do que de qualquer outra coisa. Se Keiko entender e aceitar que sua vida será muito mais do que a rotina humana que deseja e que o Yusuke sempre estará ligado aos três mundos, interagindo com eles nesse novo plano de existência e se, por outro lado, o Yusuke escolher um ritmo mais tranquilo, talvez possa funcionar. – ele procurou ter cuidado com suas últimas palavras - mas não creio que nenhum deles tenha condições de tomar essas decisões no momento, não são escolhas simples...

Ouvindo as considerações, Botan não conseguiu mais segurar as lágrimas e chorou, entretanto, não cobriu o rosto, como costumava fazer. Naquele momento não teve vergonha delas; estava arrasada com tudo que ouvira.

Sem perder tempo, o jovem ruivo a abraçou, deixando-a molhar sua camisa com a tristeza que transbordava por seus olhos. Apertou o abraço e silenciou sua própria dor no choro dela. Veladamente, a situação deles fora exposta, estava tão nua que feria.

Kurama sabia que não podia oferecer a Botan o que ela queria no momento, assim como Yusuke não podia acalentar os anseios de Keiko. A vida deles era mais complicada do que gostariam, sem dúvida. Havia muitas nuances obscuras. E, não importava o quanto tentassem fugir de seus destinos: estes sempre os encontravam. Sendo assim, até apoiava o ex detetive em sua empreitada, contudo, dizer isso à garota de cabelos azuis seria matá-la. Nem se abrisse o seu coração e deixasse que ela visse toda a intensidade de seus sentimentos por ela, o resultado seria diferente. Então, ele se calou.

–Isso quer dizer que, não há saída porquê...- ela soluçava, dizendo uma mistura ininteligível de palavras. O jovem ruivo acariciava os cabelos azuis, tentando conter suas emoções:

–Não podemos prever o que vai acontecer. Eu espero que o Yusuke volte antes desse tempo e eu espero que eles possam se entender, contudo, não sei se será o melhor pros dois...

Botan afastou-se do ruivo, o coração parado, fibrilando a morrer com as últimas palavras de Kurama. O rosto molhado e vermelho estava estático:

–Está dizendo que eles devem...desistir?

Kurama limpou devagar a umidade daquela pele, olhando-a com cuidado. De repente, ele tinha ficado tão sério, quieto, que a moça só conseguia ouvir o som da sua própria respiração descompassada.

– Essa decisão não é minha, só posso responder pelos meus atos...

–E...- o ruivo a interrompeu, pois sabia o que ela ia perguntar.

–E, a minha decisão não inclui ficar no Makai por 3 anos. Eu vou apenas para resolver uma pendência, apenas isso...e vou voltar.

Botan sentia tudo naquele momento: queria sorrir, chorar mais, calar, queria falar o que guardava no peito, queria falar qualquer coisa, porém, não fazia nenhuma dessas coisas. Continuava parada, o olhar ansioso, esperando por mais palavras que pudessem sair da boca de Kurama. Ela estava com medo de falar algo, de se expor e ser deixada, de não falar e correr o risco de o perder. Não sabia o que fazer.

–Como eu te disse, trate-se apenas de uma visita, não tenho intenção de ficar mais do que o necessário.

–Mas e se ele fizer algo para te machucar ou te prender lá? Ele é um dos reis do Makai! Que chance você pode ter? – ela vomitou a pergunta saindo da inercia, sem se importar, finalmente, com o que Kurama iria pensar dela.

Ele sorriu discretamente tentando tranquiliza-la:

–O Makai é minha terra natal; lá minha energia não pode ser contida como aqui – ele acariciou as mãos dela ternamente e provocou – garanto que, se ele tentar alguma coisa, não vai sair ileso...eu não sou tão fraco como pareço!

–Não foi isso que eu quis dizer, eu...

–Eu sei...- o ruivo enlaçou em seus braços novamente, não deixando espaço pra ela se explicar - eu entendo o que você quer dizer. Não estou feliz por ir, mas é necessário – sem perceber, acentuou esta última palavra de maneira diferente – porém, eu vou voltar o mais rápido possível, meu lugar é aqui com minha família... – abraçou-a mais firmemente, sussurrando- com você...

A jovem curvou os lábios, sorrindo entre os tecidos da camisa de Kurama. Ela ainda estava muito triste e preocupada, insatisfeita com a ida de Kurama ao mundo das trevas. Sua vontade era que ele desse uma banana para Yomi e ignorasse esse convite, simples! Mas, por algum motivo, ele queria ir e, ela precisava respeitar e aceitar isso.

O caso deles não era simples: não eram dois jovens cujas únicas preocupações eram as provas da escola. Kurama era um youkai de milhares de anos e tinha um passado vasto que ela desconhecia, mas nem por isso podia desprezar e exigir dele o mesmo. As escolhas eram difíceis, contudo, a guia não trocaria o que tinha pelo sossego de uma adolescente comum. Então, precisava ficar firme e seguir em frente, lutando pelo o que queria.

–Posso te levar pra casa? – Kurama interrompeu seus pensamentos – amanhã será um grande dia e quero q você esteja bem descansada!

Ela assentiu com a cabeça, enxugando o rosto com as costas das mãos

–Certo, minha cara está horrível né?

–Impossível... – ele sorriu. Ficaram uns instantes se olhando. Do verde para o rosa podiam-se ver tantas legendas como as estrelas do céu, todavia, nenhuma delas teve tradução.

–Nós vamos conversar mais sobre isso depois, ok? – ele afirmou segurando as mãos dela.

–Sim... – ela aceitou, ainda cabisbaixa com tudo, entretanto, tinha a palavra de que o ruivo só faria uma breve visita. E de repente, já que ela não podia impedi-lo de ir, só quis que ele fosse o mais rápido possível, para voltar depressa, muito depressa.

Kurama e Botan, desceram as escadas do terraço e dirigiram-se para a casa de Shizuka, onde Botan estava hospedada.

Continua...


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Notas finais do capítulo

Obrigada a quem ainda acompanha! Vamos seguindo! ^^